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Santa Maria, RS, Brazil

Para além do ódio

Eu geralmente evito causar polêmica, mas hoje não vai dar. Tem uma frase que me veio à cabeça desde o acontecimento do domingo:  “Tudo o que é necessário para o triunfo do mal, é que os homens de bem nada façam” (Edmund Burke). E junto dela, uma antiga história bíblica chamada o conto do bom samaritano. Eu não acredito em Deus, mas acredito que para criticar é preciso conhecer. Então, aos 12 anos  eu resolvi ler a bíblia e, a partir daí, formar uma opinião. Não acredito em praticamente nada do que ali está escrito, mas creio que contos como esse são lições valiosas, bem como a história do pequeno príncipe.

Eu entendo como a dor age no ser humano, e sei que nada desperta mais ódio e necessidade de culpar alguém do que o sofrimento. Mas também acho que esse é o nosso lado animal falando. Somos serem racionais, capazes de entender o que são crimes que merecem punição e o que são imprevistos que abalam a todos.
Perdi amigos na tragédia da Kiss. Antes disso, perdi amigos em acidentes de carro, perdi amigos para o câncer e para a maldade humana. E me assusta ver a gana com que as pessoas estão a procurar um culpado, uma família nova para arruinar. Não basta todos nós sofrendo a perda? Ainda querem tirar mais alguém de casa? Colocar mais uma família em estado de miséria?
“Ahhh, mas os culpados tem que pagar” foi o que ouvi o cara na televisão falar. Pois bem, me ponho à disposição. A culpa do acidente na Kiss é tão minha como cidadã, quanto do prefeito, do empresário, do segurança, do músico. Tão minha como estudante que resmunga toda vez que fecham uma boate, porque não quero perder a diversão. Que na faculdade, às vezes, não estudo as NBR’s com tanto afinco como deveria. Que acho engraçado pegar bombril e acender com o isqueiro pra ver as faíscas. Desculpa a todos pela minha inconsequência e peço desculpas por aqueles que vocês estão querendo culpar também, pois não acredito que algum dia, algum deles tenha imaginado por fogo em mais de duzentos universitários. E creio que como nós, eles perderam amigos, colegas, parentes. Como nós devem estar ainda chorando os seus.
Como disse, eu entendo a dor. Eu também queria meus amigos aqui, mas não acho que desencadear um julgamento das bruxas vá trazê-los de volta, nem prevenir que uma tragédia dessas ocorra de novo. Acredito que para que nada disso volte a acontecer a mudança tem que ser na gente e na legislação. Que tal aprender uma lição dessa vez? Que tal parar de olhar pro umbigo onde pingam  lágrimas e olhar pros olhos daqueles ao teu redor que choram também?

Sugiro que ao invés de mobilizar o mundo à procura de vingança, procurem por justiça. E encontrem também a culpa que reside dentro de cada um, e usem dessa culpa para pensar duas vezes antes de ficarem putos porque terem levado uma multa por conta do extintor vencido, ou por beber e dirigir.

É o nosso jeitinho brasileiro de fazer as coisas que levou os meus amigos e, é ele que eu quero enterrar hoje, para que nunca mais leve um dos meus.

Por Laura Perin Lucca, acadêmica de arquitetura na Unifra.

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Eu entendo como a dor age no ser humano, e sei que nada desperta mais ódio e necessidade de culpar alguém do que o sofrimento. Mas também acho que esse é o nosso lado animal falando. Somos serem racionais, capazes de entender o que são crimes que merecem punição e o que são imprevistos que abalam a todos.
Perdi amigos na tragédia da Kiss. Antes disso, perdi amigos em acidentes de carro, perdi amigos para o câncer e para a maldade humana. E me assusta ver a gana com que as pessoas estão a procurar um culpado, uma família nova para arruinar. Não basta todos nós sofrendo a perda? Ainda querem tirar mais alguém de casa? Colocar mais uma família em estado de miséria?
“Ahhh, mas os culpados tem que pagar” foi o que ouvi o cara na televisão falar. Pois bem, me ponho à disposição. A culpa do acidente na Kiss é tão minha como cidadã, quanto do prefeito, do empresário, do segurança, do músico. Tão minha como estudante que resmunga toda vez que fecham uma boate, porque não quero perder a diversão. Que na faculdade, às vezes, não estudo as NBR’s com tanto afinco como deveria. Que acho engraçado pegar bombril e acender com o isqueiro pra ver as faíscas. Desculpa a todos pela minha inconsequência e peço desculpas por aqueles que vocês estão querendo culpar também, pois não acredito que algum dia, algum deles tenha imaginado por fogo em mais de duzentos universitários. E creio que como nós, eles perderam amigos, colegas, parentes. Como nós devem estar ainda chorando os seus.
Como disse, eu entendo a dor. Eu também queria meus amigos aqui, mas não acho que desencadear um julgamento das bruxas vá trazê-los de volta, nem prevenir que uma tragédia dessas ocorra de novo. Acredito que para que nada disso volte a acontecer a mudança tem que ser na gente e na legislação. Que tal aprender uma lição dessa vez? Que tal parar de olhar pro umbigo onde pingam  lágrimas e olhar pros olhos daqueles ao teu redor que choram também?

Sugiro que ao invés de mobilizar o mundo à procura de vingança, procurem por justiça. E encontrem também a culpa que reside dentro de cada um, e usem dessa culpa para pensar duas vezes antes de ficarem putos porque terem levado uma multa por conta do extintor vencido, ou por beber e dirigir.

É o nosso jeitinho brasileiro de fazer as coisas que levou os meus amigos e, é ele que eu quero enterrar hoje, para que nunca mais leve um dos meus.

Por Laura Perin Lucca, acadêmica de arquitetura na Unifra.