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A infraestrutura de Santa Maria: um problema crônico nas ruas e na iluminação pública

Thayane Rodrigues e Lucas Amorim

13407633_1117227075006885_311724104_n“Numa cidade muito longe, muito longe daqui. Que tem problemas que parecem os problemas daqui”, cantou o rapper Marcelo D2. Em resumo: não importa o local, os problemas sempre existem e em Santa Maria isso não poderia ser diferente.

Fernando da Rocha, de 48 anos, pai de dois filhos de 15 e 19 anos, é marido de Silvana da Rocha, de 45. Ela trabalha em uma farmácia na Tancredo Neves, que fica á uns 25 minutos de caminhada de onde mora. A rua, que está com a maioria dos postes queimados há meses, já fez com que os moradores procurassem a prefeitura e a AES SUL para que o problema fosse resolvido, mas até então nada foi feito. Em decorrência disso, mesmo tendo que ir trabalhar só às 8h da manhã, Fernando acorda todo dia às 5 horas, junto com a mulher, os dois tomam café e Silvana sai para trabalhar, às 5h30min. Do portão Fernando avisa: “me liga assim que chegar lá, vou esperar. Bom dia!”.

Isso acontece porque a forma que o casal encontrou de manter um ao outro mais tranquilos sobre a própria segurança foi criar o hábito de entrar em contato toda vez que Silvana chega no serviço. “Funciona assim,” explica Fernando, “desde que a nossa rua ficou com esse problema de iluminação eu simplesmente não conseguia dormir direito, preocupado com a Silvana e os perigos que o escuro geralmente reserva para uma mulher andando sozinha na rua de madrugada. Foi então que eu tive a ideia de acompanhá-la até o trabalho. Fazíamos o trajeto até a farmácia juntos e depois eu voltava pra casa e esperava até a hora de ir trabalhar também. Mas em um dia desses, na volta eu caí em um buraco e acabei machucando a perna. Na hora fiquei pensando no que ia fazer com a Silvana, foi aí que decidimos contar o tempo que normalmente ela levava pra chegar até o trabalho. Feito isso, passei a deixar que ela fosse sozinha, com a condição de que quando desse o tempo, iria ligar pra confirmar se estava tudo bem. Isso acabou se tornando um hábito e até hoje sempre deu certo.”.

A história de Fernando e Silvana é, infelizmente, o reflexo de uma cidade abandonada. A infraestrutura de Santa Maria carece de atenção já faz muito tempo, e ultimamente, mais do que nunca esses problemas têm influenciado na vida dos moradores. As ruas escuras são os locais preferidos para a prática de furtos, e quem precisa passar por esses locais para voltar pra casa ou ir trabalhar se vê constantemente com medo até da própria sombra.

Mariana de Souza, estudante de cursinho, pretende fazer o ENEM esse ano pela primeira vez. Ela quer tentar uma vaga na área da saúde da Universidade Federal daqui de Santa Maria. “Eu não sei se nunca reparei antes, ou se só agora que ficou pior, mas a cidade está completamente abandonada. Durante a semana toda vou para o cursinho de ônibus, o caminho do centro até a parada é bem barulhento e movimentado, mas perto do meu bairro, Perpétuo Socorro, é bem diferente, não se vê ninguém na rua e o único barulho que se ouve é o do ônibus velho passando pelas ruas mal conservadas. Provavelmente porque é tudo muito escuro e perigoso hoje em dia… Acho que essa é a pior parte”, afirma a adolescente de 19 anos.

Os problemas da cidade podem ser classificados como crônicos, ou seja, eles não podem ser resolvidos rapidamente, pois carecem de uma atenção e estudo especialmente focados nas necessidades de cada região, coisa que não acontece. E ainda sim, continuam constantemente se multiplicando. Isso faz com que a população tenha que se adaptar com a realidade que é oferecida, completamente distorcida da que é prometida em períodos de eleição. Pode se dizer até que esse é um problema que fincou raiz por aqui, o desafio que fica para a próxima gestão municipal é grande: como diminuir a sensação de insegurança na cidade? Talvez começando pela questão de iluminação.

Iluminação, ou falta dela

Todo mundo já combinou com o pai ou parente de ligar avisando a hora que estava saindo da festa, casa do amigo ou faculdade, porque o fato das ruas serem escuras e perigosas à noite, principalmente para os jovens, é algo que vive preocupando a cabeça dos pais, que não descansam enquanto o filho não está seguro em casa.

É o caso de Emiliano Rosa, de 56 anos, seu filho, quase formado em história na UFSM ainda deixa o pai preocupado toda vez que sai de casa à noite. “Não importa a idade que eles tenham, a gente sempre vai se preocupar com a segurança e bem estar dos nossos pequenos”, afirma, “mesmo depois de grandes.” Emiliano mora com a mulher e o filho no bairro Camobi, em uma rua de difícil acesso quando chove. A situação piora ainda mais todo dia, quando anoitece. Isso porque a quadra toda não tem um poste de iluminação em funcionamento. Ele conta que diversas reclamações já foram enviadas para a secretaria de infraestrutura da cidade, mas a única coisa que é feita na região é uma ação que ele e os moradores chamam de “tapar o sol com a peneira”.

De tempos em tempos uma patrola é enviada para o local, geralmente durante a parte da tarde, “faz barulho, levanta poeira, joga um pouco de pedra e terra e vai embora. Uma semana depois que chove, tudo volta a ser do mesmo jeito de sempre”, conta Emiliano, que também disse que diversas reclamações à respeito dos postes sem luz já foram feitas, mas nada foi resolvido. “A gente fica com medo quando o filho sai de noite, mesmo sabendo que é uma pessoa responsável e que se cuida, tanto é que eu reconheço o som do carro dele vindo lá na esquina, e já saio pra fora pra ficar cuidando enquanto ele estaciona. Nunca se sabe os perigos que uma rua escura esconde”, conta o aposentado.

De certa forma, iluminação é um fator que afeta diretamente a sensação de segurança, ou não, que um lugar transmite para quem por ele passa. Uma rua escura e silenciosa, por exemplo, é o pior cenário que uma jovem vai descrever se for indagada sobre qual é o pior lugar em que ela consegue se imaginar, sozinha. Nada de florestas desertas, casas antigas abandonadas, sala de espera do dentista. O lugar que mais assusta é onde constantemente ouvimos histórias sobre pessoas que foram assaltadas voltando pra casa tarde da noite e sozinhas.

Contos de terror assustam, e muito, mas a realidade consegue ser ainda mais aterrorizante, pois é onde diariamente as pessoas precisam conviver. “Às vezes a Silvana olha pra mim antes de sair de casa e diz que vai ficar tudo bem, eu fecho os olhos e penso: amém”, conta Fernando da Rocha, que também diz que se sente pouco esperançoso de que a situação de sua rua melhore logo. “Talvez por estarmos em ano de eleições, vários dos candidatos passem aqui pelo bairro cantando promessas de uma cidade melhor, mais bonita e segura. E a gente que mora aqui vai acreditar, é o que dá pra fazer… Torcer pra que um dia realmente melhore”.

Capital dos Buracos

destaque
Moradores sinalizaram buraco na Rua Tuiuti esquina com a Rua Appel (Fotos: Thayane Rodrigues)

É como Heitor Miguel, taxista há mais de 20 anos na cidade considera o lugar que mora desde que nasceu. “Nunca saí daqui, cresci junto com a cidade, esse ano ela comemorou 158 anos e eu 60. É vergonhoso vê-la desse jeito, completamente abandonada, caindo aos pedaços. Dá a sensação de que trabalho dia e noite, pago impostos sobre tudo e esse dinheiro simplesmente some! Não se vê melhoria nenhuma na cidade”, conta ele. Heitor morou no bairro Patronato a vida toda, e nunca sentiu necessidade de se mudar por nenhum motivo, “é um lugar bom de morar, conheço todo mundo e não me lembro de ter tido problemas com iluminação. A única coisa que precisa de cuidado são as ruas, sejam elas pavimentadas, de paralelepípedo, ou de terra mesmo, pois estão péssimas”.

O taxista também conta que a única atitude que a prefeitura toma à respeito das reclamações feitas pelos moradores é enviar uma patrola para o local e fazer o desnivelamento das ruas, preenchendo assim os buracos, e em seguida, uma máquina nivela novamente a rua. O que acontece é que essa solução não resolve os problemas no local, apenas os disfarça por um curto período de tempo. “É a fábula da máquina de pavimentar ruas do prefeito. É como ele lida com os problemas dos que nele confiaram a tarefa de recuperar a cidade: ele joga um pouco de terra em cima, manda as máquinas tapa-buraco passar e quer que a gente acredite que ele está realmente resolvendo a situação, mas todo mundo sabe que não. A gente vê, os resultados estão aí pra quem quiser ver, esse método não funciona, algo sólido precisa ter feito!”.

Todo mundo tem, ou então conhece alguém cuja rua fica inacessível quando chove. A questão dos buracos na cidade é tão antiga quanto a tradição de visitar Santa Maria e ir ao shopping onde ficam os estandes dos antigo ‘camelôs’, ou a Vila Belga. Nunca a situação esteve tão ruim quanto atualmente, não se trata mais de apenas buracos, são ruas em péssimo estado de conservação, locais onde a pavimentação está se desfazendo. Passar por esses lugares de ônibus requer que o passageiro que está de pé se segure firme pra não cair e aquele que está sentado, se segure mais ainda, pra permanecer sentado.

Pra quem dirige, passar por ruas esburacadas é uma tarefa ainda mais complicada, pois exige que o motorista ponha em prática toda a sua habilidade em fazer baliza para desviar das piores crateras. De carro, todo buraco pelo qual o pneu passa sem que o motor bata no solo é acompanhado de um suspiro de alívio por quem está dirigindo. De moto é preciso atenção redobrada, do contrário, as chances de levar um tombo são enormes. Passar por uma rua esburacada pra quem dirige é calçar o pé no freio e dirigir com o dobro de cautela, afinal, qualquer descuido pode resultar em grande prejuízo.

O quê todas essas histórias têm em comum? Um casal de moradores da zona oeste da cidade com um sistema de segurança próprio, uma estudante, um militar aposentado que mora em uma rua escura na zona leste, e um taxista que conhece a cidade de ponta à ponta? Essas pessoas, das mais variadas profissões e idades acabam por ter algo em comum forte o suficiente para uní-las em prol de algo muito maior do que elas: o local onde vivem. “Não há lugar melhor que o nosso lar” é uma conhecida frase dita pela Dorothy no filme “O Mágico de Oz” de 1939. Unidos, é somente dessa forma que mudanças são exigidas e acatadas. Quando uma parte da população se une em torno de um assunto que carece de atenção e faz com que as autoridades responsáveis tomem conhecimento disso, é somente nesse momento que alguma coisa poderá ser realmente feita.

Agentes da transformação

Em 2011, um grupo de moradores do Bairro Camobi se uniu para formar a Associação Comunitária Caras do Bem. Conforme o presidente Reinaldo Maia Vizcarra, tudo começou com o santa-mariense que se mudou para morar no Jardim Berleze e teve que procurar serviços públicos de água e luz. Ele notou que seus vizinhos também tinham dificuldades para ter esses atendimentos básicos e então começou a ajudá-los. A partir destas ações, mais alguns residentes da região iniciam a mobilização de auxílio aos vizinhos.

Em novembro de 2015, atendendo uma reivindicação dos moradores da Cohab Fernando Ferrari, a Associação promoveu uma operação para tapar, com concreto, os buracos da Avenida Rodolfo Behr, na entrada da Cohab, em Camobi. A ação durou toda a manhã. Os recursos para tapar os buracos foram obtidos com o lucro de uma festa à fantasia, promovida pelo grupo em 10 de outubro do ano passado. Com a venda de ingressos, bebidas e lanches os Caras do Bem compraram cimento, areia e brita, para diminuir o problema dos buracos na via.

Ainda em maio de 2015, eles foram chamados à Rua L, na Cohab Fernando Ferrari, em Camobi. Lá o grupo encontrou uma ponte em más condições de conservação, com possibilidade de ceder a qualquer instante. Então, foi organizado um risoto e com o lucro das vendas, compraram os materiais para reconstruir a pinguela. A nova estrutura de madeira foi entregue à comunidade depois desta iniciativa, que repercutiu por Santa Maria.

Reinaldo diz que há cinco anos o grupo trabalha para ajudar as pessoas a entenderem que elas têm que ser os agentes da transformação e nãoo ficarem esperando pelo Estado. “A ideia principal é disseminar o pensamento de que podemos retomar o poder de transformar, e deixar de sermos meros consumidores, assim voltando a sermos cidadãos” relata o jornalista. O presidente do Caras do Bem afirma que eles baseiam-se em três princípios constitucionais: o direito à segurança, o de ir e vir e a saúde.

 #AquiTemProblemaSM

       Moradores de Santa Maria foram convidados a participar da campanha pelo Facebook. A ação visa mapear os pontos de problemas na cidade, como buracos e falta de iluminação. Em menos de duas semanas, 60 pessoas apontaram locais com as mais diversas situações, incluindo trechos de assaltos recorrentes e esgoto a céu aberto. A campeã de reclamações foi a região centro, com 30 locais. Em segundo lugar ficou a região nordeste, com 14, seguida pela região leste com 12. Também tiveram apontamentos a região oeste, com três e a norte com uma.

       O mapa #AquiTemProblemaSM pode ser acessado abaixo. A partir desta iniciativa online, a intenção é entregar para as autoridades responsáveis o mapeamento das reclamações dos santa-marienses para auxiliar na solução dos problemas em Santa Maria. Durante construção desta reportagem, tentamos contato com a Secretaria de Infraestrutura, Obras e Serviços mas não obtivemos êxito.

 *Abra é um projeto interdisciplinar realizado pelos estudantes das cadeiras de Jornalismo I, sob a orientação da professora Morgana Machado, Fotografia de Imprensa, sob a orientação da professora Laura Fabrício, e Jornalismo I e Jornalismo e Mídias Sociais, ambas sob a orientação do professor Maurício Dias.

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Thayane Rodrigues e Lucas Amorim

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Fernando da Rocha, de 48 anos, pai de dois filhos de 15 e 19 anos, é marido de Silvana da Rocha, de 45. Ela trabalha em uma farmácia na Tancredo Neves, que fica á uns 25 minutos de caminhada de onde mora. A rua, que está com a maioria dos postes queimados há meses, já fez com que os moradores procurassem a prefeitura e a AES SUL para que o problema fosse resolvido, mas até então nada foi feito. Em decorrência disso, mesmo tendo que ir trabalhar só às 8h da manhã, Fernando acorda todo dia às 5 horas, junto com a mulher, os dois tomam café e Silvana sai para trabalhar, às 5h30min. Do portão Fernando avisa: “me liga assim que chegar lá, vou esperar. Bom dia!”.

Isso acontece porque a forma que o casal encontrou de manter um ao outro mais tranquilos sobre a própria segurança foi criar o hábito de entrar em contato toda vez que Silvana chega no serviço. “Funciona assim,” explica Fernando, “desde que a nossa rua ficou com esse problema de iluminação eu simplesmente não conseguia dormir direito, preocupado com a Silvana e os perigos que o escuro geralmente reserva para uma mulher andando sozinha na rua de madrugada. Foi então que eu tive a ideia de acompanhá-la até o trabalho. Fazíamos o trajeto até a farmácia juntos e depois eu voltava pra casa e esperava até a hora de ir trabalhar também. Mas em um dia desses, na volta eu caí em um buraco e acabei machucando a perna. Na hora fiquei pensando no que ia fazer com a Silvana, foi aí que decidimos contar o tempo que normalmente ela levava pra chegar até o trabalho. Feito isso, passei a deixar que ela fosse sozinha, com a condição de que quando desse o tempo, iria ligar pra confirmar se estava tudo bem. Isso acabou se tornando um hábito e até hoje sempre deu certo.”.

A história de Fernando e Silvana é, infelizmente, o reflexo de uma cidade abandonada. A infraestrutura de Santa Maria carece de atenção já faz muito tempo, e ultimamente, mais do que nunca esses problemas têm influenciado na vida dos moradores. As ruas escuras são os locais preferidos para a prática de furtos, e quem precisa passar por esses locais para voltar pra casa ou ir trabalhar se vê constantemente com medo até da própria sombra.

Mariana de Souza, estudante de cursinho, pretende fazer o ENEM esse ano pela primeira vez. Ela quer tentar uma vaga na área da saúde da Universidade Federal daqui de Santa Maria. “Eu não sei se nunca reparei antes, ou se só agora que ficou pior, mas a cidade está completamente abandonada. Durante a semana toda vou para o cursinho de ônibus, o caminho do centro até a parada é bem barulhento e movimentado, mas perto do meu bairro, Perpétuo Socorro, é bem diferente, não se vê ninguém na rua e o único barulho que se ouve é o do ônibus velho passando pelas ruas mal conservadas. Provavelmente porque é tudo muito escuro e perigoso hoje em dia… Acho que essa é a pior parte”, afirma a adolescente de 19 anos.

Os problemas da cidade podem ser classificados como crônicos, ou seja, eles não podem ser resolvidos rapidamente, pois carecem de uma atenção e estudo especialmente focados nas necessidades de cada região, coisa que não acontece. E ainda sim, continuam constantemente se multiplicando. Isso faz com que a população tenha que se adaptar com a realidade que é oferecida, completamente distorcida da que é prometida em períodos de eleição. Pode se dizer até que esse é um problema que fincou raiz por aqui, o desafio que fica para a próxima gestão municipal é grande: como diminuir a sensação de insegurança na cidade? Talvez começando pela questão de iluminação.

Iluminação, ou falta dela

Todo mundo já combinou com o pai ou parente de ligar avisando a hora que estava saindo da festa, casa do amigo ou faculdade, porque o fato das ruas serem escuras e perigosas à noite, principalmente para os jovens, é algo que vive preocupando a cabeça dos pais, que não descansam enquanto o filho não está seguro em casa.

É o caso de Emiliano Rosa, de 56 anos, seu filho, quase formado em história na UFSM ainda deixa o pai preocupado toda vez que sai de casa à noite. “Não importa a idade que eles tenham, a gente sempre vai se preocupar com a segurança e bem estar dos nossos pequenos”, afirma, “mesmo depois de grandes.” Emiliano mora com a mulher e o filho no bairro Camobi, em uma rua de difícil acesso quando chove. A situação piora ainda mais todo dia, quando anoitece. Isso porque a quadra toda não tem um poste de iluminação em funcionamento. Ele conta que diversas reclamações já foram enviadas para a secretaria de infraestrutura da cidade, mas a única coisa que é feita na região é uma ação que ele e os moradores chamam de “tapar o sol com a peneira”.

De tempos em tempos uma patrola é enviada para o local, geralmente durante a parte da tarde, “faz barulho, levanta poeira, joga um pouco de pedra e terra e vai embora. Uma semana depois que chove, tudo volta a ser do mesmo jeito de sempre”, conta Emiliano, que também disse que diversas reclamações à respeito dos postes sem luz já foram feitas, mas nada foi resolvido. “A gente fica com medo quando o filho sai de noite, mesmo sabendo que é uma pessoa responsável e que se cuida, tanto é que eu reconheço o som do carro dele vindo lá na esquina, e já saio pra fora pra ficar cuidando enquanto ele estaciona. Nunca se sabe os perigos que uma rua escura esconde”, conta o aposentado.

De certa forma, iluminação é um fator que afeta diretamente a sensação de segurança, ou não, que um lugar transmite para quem por ele passa. Uma rua escura e silenciosa, por exemplo, é o pior cenário que uma jovem vai descrever se for indagada sobre qual é o pior lugar em que ela consegue se imaginar, sozinha. Nada de florestas desertas, casas antigas abandonadas, sala de espera do dentista. O lugar que mais assusta é onde constantemente ouvimos histórias sobre pessoas que foram assaltadas voltando pra casa tarde da noite e sozinhas.

Contos de terror assustam, e muito, mas a realidade consegue ser ainda mais aterrorizante, pois é onde diariamente as pessoas precisam conviver. “Às vezes a Silvana olha pra mim antes de sair de casa e diz que vai ficar tudo bem, eu fecho os olhos e penso: amém”, conta Fernando da Rocha, que também diz que se sente pouco esperançoso de que a situação de sua rua melhore logo. “Talvez por estarmos em ano de eleições, vários dos candidatos passem aqui pelo bairro cantando promessas de uma cidade melhor, mais bonita e segura. E a gente que mora aqui vai acreditar, é o que dá pra fazer… Torcer pra que um dia realmente melhore”.

Capital dos Buracos

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Moradores sinalizaram buraco na Rua Tuiuti esquina com a Rua Appel (Fotos: Thayane Rodrigues)

É como Heitor Miguel, taxista há mais de 20 anos na cidade considera o lugar que mora desde que nasceu. “Nunca saí daqui, cresci junto com a cidade, esse ano ela comemorou 158 anos e eu 60. É vergonhoso vê-la desse jeito, completamente abandonada, caindo aos pedaços. Dá a sensação de que trabalho dia e noite, pago impostos sobre tudo e esse dinheiro simplesmente some! Não se vê melhoria nenhuma na cidade”, conta ele. Heitor morou no bairro Patronato a vida toda, e nunca sentiu necessidade de se mudar por nenhum motivo, “é um lugar bom de morar, conheço todo mundo e não me lembro de ter tido problemas com iluminação. A única coisa que precisa de cuidado são as ruas, sejam elas pavimentadas, de paralelepípedo, ou de terra mesmo, pois estão péssimas”.

O taxista também conta que a única atitude que a prefeitura toma à respeito das reclamações feitas pelos moradores é enviar uma patrola para o local e fazer o desnivelamento das ruas, preenchendo assim os buracos, e em seguida, uma máquina nivela novamente a rua. O que acontece é que essa solução não resolve os problemas no local, apenas os disfarça por um curto período de tempo. “É a fábula da máquina de pavimentar ruas do prefeito. É como ele lida com os problemas dos que nele confiaram a tarefa de recuperar a cidade: ele joga um pouco de terra em cima, manda as máquinas tapa-buraco passar e quer que a gente acredite que ele está realmente resolvendo a situação, mas todo mundo sabe que não. A gente vê, os resultados estão aí pra quem quiser ver, esse método não funciona, algo sólido precisa ter feito!”.

Todo mundo tem, ou então conhece alguém cuja rua fica inacessível quando chove. A questão dos buracos na cidade é tão antiga quanto a tradição de visitar Santa Maria e ir ao shopping onde ficam os estandes dos antigo ‘camelôs’, ou a Vila Belga. Nunca a situação esteve tão ruim quanto atualmente, não se trata mais de apenas buracos, são ruas em péssimo estado de conservação, locais onde a pavimentação está se desfazendo. Passar por esses lugares de ônibus requer que o passageiro que está de pé se segure firme pra não cair e aquele que está sentado, se segure mais ainda, pra permanecer sentado.

Pra quem dirige, passar por ruas esburacadas é uma tarefa ainda mais complicada, pois exige que o motorista ponha em prática toda a sua habilidade em fazer baliza para desviar das piores crateras. De carro, todo buraco pelo qual o pneu passa sem que o motor bata no solo é acompanhado de um suspiro de alívio por quem está dirigindo. De moto é preciso atenção redobrada, do contrário, as chances de levar um tombo são enormes. Passar por uma rua esburacada pra quem dirige é calçar o pé no freio e dirigir com o dobro de cautela, afinal, qualquer descuido pode resultar em grande prejuízo.

O quê todas essas histórias têm em comum? Um casal de moradores da zona oeste da cidade com um sistema de segurança próprio, uma estudante, um militar aposentado que mora em uma rua escura na zona leste, e um taxista que conhece a cidade de ponta à ponta? Essas pessoas, das mais variadas profissões e idades acabam por ter algo em comum forte o suficiente para uní-las em prol de algo muito maior do que elas: o local onde vivem. “Não há lugar melhor que o nosso lar” é uma conhecida frase dita pela Dorothy no filme “O Mágico de Oz” de 1939. Unidos, é somente dessa forma que mudanças são exigidas e acatadas. Quando uma parte da população se une em torno de um assunto que carece de atenção e faz com que as autoridades responsáveis tomem conhecimento disso, é somente nesse momento que alguma coisa poderá ser realmente feita.

Agentes da transformação

Em 2011, um grupo de moradores do Bairro Camobi se uniu para formar a Associação Comunitária Caras do Bem. Conforme o presidente Reinaldo Maia Vizcarra, tudo começou com o santa-mariense que se mudou para morar no Jardim Berleze e teve que procurar serviços públicos de água e luz. Ele notou que seus vizinhos também tinham dificuldades para ter esses atendimentos básicos e então começou a ajudá-los. A partir destas ações, mais alguns residentes da região iniciam a mobilização de auxílio aos vizinhos.

Em novembro de 2015, atendendo uma reivindicação dos moradores da Cohab Fernando Ferrari, a Associação promoveu uma operação para tapar, com concreto, os buracos da Avenida Rodolfo Behr, na entrada da Cohab, em Camobi. A ação durou toda a manhã. Os recursos para tapar os buracos foram obtidos com o lucro de uma festa à fantasia, promovida pelo grupo em 10 de outubro do ano passado. Com a venda de ingressos, bebidas e lanches os Caras do Bem compraram cimento, areia e brita, para diminuir o problema dos buracos na via.

Ainda em maio de 2015, eles foram chamados à Rua L, na Cohab Fernando Ferrari, em Camobi. Lá o grupo encontrou uma ponte em más condições de conservação, com possibilidade de ceder a qualquer instante. Então, foi organizado um risoto e com o lucro das vendas, compraram os materiais para reconstruir a pinguela. A nova estrutura de madeira foi entregue à comunidade depois desta iniciativa, que repercutiu por Santa Maria.

Reinaldo diz que há cinco anos o grupo trabalha para ajudar as pessoas a entenderem que elas têm que ser os agentes da transformação e nãoo ficarem esperando pelo Estado. “A ideia principal é disseminar o pensamento de que podemos retomar o poder de transformar, e deixar de sermos meros consumidores, assim voltando a sermos cidadãos” relata o jornalista. O presidente do Caras do Bem afirma que eles baseiam-se em três princípios constitucionais: o direito à segurança, o de ir e vir e a saúde.

 #AquiTemProblemaSM

       Moradores de Santa Maria foram convidados a participar da campanha pelo Facebook. A ação visa mapear os pontos de problemas na cidade, como buracos e falta de iluminação. Em menos de duas semanas, 60 pessoas apontaram locais com as mais diversas situações, incluindo trechos de assaltos recorrentes e esgoto a céu aberto. A campeã de reclamações foi a região centro, com 30 locais. Em segundo lugar ficou a região nordeste, com 14, seguida pela região leste com 12. Também tiveram apontamentos a região oeste, com três e a norte com uma.

       O mapa #AquiTemProblemaSM pode ser acessado abaixo. A partir desta iniciativa online, a intenção é entregar para as autoridades responsáveis o mapeamento das reclamações dos santa-marienses para auxiliar na solução dos problemas em Santa Maria. Durante construção desta reportagem, tentamos contato com a Secretaria de Infraestrutura, Obras e Serviços mas não obtivemos êxito.

 *Abra é um projeto interdisciplinar realizado pelos estudantes das cadeiras de Jornalismo I, sob a orientação da professora Morgana Machado, Fotografia de Imprensa, sob a orientação da professora Laura Fabrício, e Jornalismo I e Jornalismo e Mídias Sociais, ambas sob a orientação do professor Maurício Dias.