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Ser brasileiro ou gaúcho? Vem aí o Plebisul2016

Monumento do Gaúcho, inaugurado na última quinta-feira. Foto: João Alves
Monumento do Gaúcho, inaugurado na última quinta-feira. Foto: João Alves

Em 20 de setembro comemora-se o ‘dia-do-gaúcho’, mais  conhecido como o dia da Revolução Farroupilha, uma das revoltas por liberdade no Brasil da época do Império, no século 19. Historicamente, o movimento começou em protesto aos altos impostos cobrados no charque, no sal e em outros produtos da região Sul, e queria a independência em relação ao governo central. A chamada Guerra dos Farrapos durou entre 20 de setembro de 1835 a 1 de março de 1845, quando após vários conflitos militares, enfraquecidos, os farroupilhas aceitaram o acordo proposto por Duque de Caxias e a Guerra terminou. A então República Rio-Grandense, proclamada, pelos revoltosos e liderada por Bento Gonçalves, foi reintegrada ao Império brasileiro.

Baseada nesses mesmos ideais de tornar a região Sul do país independente do resto, um movimento chamado ‘O Sul é meu País’ têm ganhado atenção nas redes sociais. Sua página no Facebook conta com mais de 78 mil curtidores, e constantemente organiza eventos nas cidades dos seus apoiadores para discutir as questões do movimento e reunir voluntários para o próximo dia 1º de outubro, quando ocorrerá O Plebisul 2016, que quer saber: “Você quer que o Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul formem um país independente?” As opções para a resposta na votação serão SIM e NÃO. Apesar de que diante das leis brasileiras esta consulta popular não possui nenhuma validade legal, trata-se uma forma democrática de expressar a opinião do ‘Povo Sulista’, como se intitulam os idealizadores e apoiadores do movimento.
O curtidor da página, Juliano César Schaidhauer, 26, conta que um dos motivos que o levou a seguir o movimento foi a situação atual do país, que acaba afetando diretamente a economia da região Sul. Para o motorista, “ser gaúcho é uma questão de identidade, mas não basta apenas sentir-se gaúcho, não apenas em estado de espírito, é preciso também agir, estudar e cultivar a cultura e assumir e propagar os seus valores”, explica.
Um dos grandes problemas que os idealizadores desses movimentos separatistas precisam enfrentar é comprovar possuir elementos necessários para o projeto vingar, explica o professor de história, Geraldo Santos do Nascimento. “Geralmente eles utilizam de argumentos políticos e econômicos que em nada afetam diretamente os trabalhadores assalariados, nós, a maioria, acabamos por não tomarmos proveito dessa mudança” , afirma o professor e mestre em Ciência Política. Além de ir contra a Constituição de 88, que define o Brasil como uma República Federativa constituída por 26 estados, outra questão a ser levada em consideração pelos apoiadores desse projeto é a necessidade de uma boa bancada de deputados federais e senadores no cenário político. De acordo com o professor Geraldo, enquanto os propósitos reais e mais profundos de um movimento como este continuarem sendo pessoais e para poucos, como poder e nome, eles não possuem chance. “Se parar para pensar, não se vêem negros, pobres ou assalariados falando sobre esse movimento. E exatamente porque não representam essa grande parte da população. Não me representam” avalia.

A cultura gaúcha

Assim como quando se pensa em Brasil, vêm o futebol, o samba e as praias. Comumente, quando se pensa no Rio Grande do Sul, se pensa em churrasco, chimarrão, música gaúcha e tradição. Fato é que toda cultura carrega consigo aspectos bons e ruins, ou seja, se ganhamos pontos positivos em relação à hospitalidade, também podemos perdê-los pelo excesso de atitude. Da mesma forma como o amor às tradições pode contar positivamente, mas em outras situações nem tanto. O que acontece é que a sensação de pertencimento claramente presente entre os gaúchos é muito forte: durante as épocas festivas é muito comum ver por aí um monte de gente pilchada, carregando a bolsa do chimarrão pra todo canto, vestindo e cantando as cores da tradição, e isso é uma característica linda e admirável dessa cultura.

Para Raphael Ferrão,  o trabalho como veterinário lhe proporciona a experiência mais pura de vivenciar a cultura gaúcha todo dia, “o fato de ver o cavalo de forma mais completa, não apenas como animal de serviço, têm muito do que é ser gaúcho pra mim, e estar com um amigo de longa data na maioria das consultas” relata.

Já para Marcos Aires Araújo, sócio do CTG Victório Mário, de Arroio do Só, membro do grupo de cavalgadas Santo Expedito, e do grupo de cavalgadas da 13ª região tradicionalista, Tropeiros do Coração do Rio Grande, que procura manter as tradições o mais fiéis possível de suas origens, ele acredita que a mudança do Sul do país para uma República Independente, por mais distante de se realizar, seria bem sucedida, se bem administrada. Marcos foi a Triunfo este ano, na geração da Chama Crioula, e participou de uma caminhada de 17 dias, “320 kilômetros a pata de cavalo, como se diz”, ressalta, para chegar com a chama até Santa Maria. Ele conta que os CTG’s estão se adaptando às novas modas para não se perderem com o tempo, pois os costumes mudaram bastante de uns tempos para cá, seja na forma como os jovens tratam os mais velhos, e até mesmo os valores morais e éticos da cultura gaúcha, “o povo achava bonito tratar as pessoas com respeito e dignidade, coisa rara de se ver hoje em dia, hoje em dia”, critica o tradicionalista, em relação aos jovens de hoje em dia e sua dificuldade para seguir as regras da tradição.

Ir e vir
Existe um ditado que diz que ‘não há lugar melhor do que o lar’, e segundo a gaúcha Aline Nakashima, 33, que passou os últimos 12 anos em Ageo, uma cidade que fica localizada na província de Saitama, no Japão, a afirmativa é verdadeira. Ela conta que uma das coisas que mais sentiu falta no tempo em que esteve fora foi o calor humano daqui, pois apesar de serem acolhedores, os japoneses ainda precisam aprender com os brasileiros. Aline conta também que durante o tempo que esteve lá precisou comprar a comida brasileira, como arroz, feijão e erva-mate pela internet, “não me adaptei à comida japonesa, não tem muito à ver com o que servem aqui, lá é tudo cru mesmo”, revela. Assim que voltou ao Rio Grande do Sul, Aline conta que apesar da hospitalidade brasileira, sentiu diferenças nas formas de tratamento do pessoal daqui, “lá todos são atendidos da mesma maneira, todos são bem vindos. Aqui, primeiro somos analisados dos pés à cabeça para então sermos atendidos”, relata. O sistema educacional também deixou a desejar, pois o filho de Aline, alfabetizado lá, sofre muito para conseguir se adaptar aqui, mesmo estudando em escola particular, “falta preparo para esse tipo de situação, e de certa forma, mais preocupação com o fato do aluno ter aprendido a matéria realmente” desabafa.

Desabafo de um viajante

“Há cerca de seis anos, quando surgiu a oportunidade de ingressar no ensino superior mudei para o Rio Grande do sul. Mudei por acreditar que seria minha melhor opção. Todas as histórias que ouvia eram de um lugar inteiramente desenvolvido, com o povo educado e uma cultura à moda europeia. Não demorou para eu desmistificar esses ideias. Mas pudera, eu caí de paraquedas na região da fronteira, mas precisamente na divisa com a Argentina. E o que eu aprendi nesses seis anos foi muito além das teorias da comunicação ensinadas no curso. Lembro ainda das primeiras vezes em que fui ao mercado e observei as pessoas chamarem de ‘cacetinho’ para os pães franceses, ou ainda, utilizarem o ‘pila’ para se referir ao real. As expressões peculiares são o que mais chamam a atenção: barateza, indiada, guria, guri, ‘me caiu os butiá do bolso’, entre outras centenas mais. Mas se tem algo que representa a cultura gaúcha é o próprio gaúcho. Ou melhor, a paixão do gaúcho por sua cultura! No início essa relação de amor exacerbado me irritava, mas depois fui aprendendo a respeitar e admirar. Haviam vezes em que uma pessoa em aleatório começa a cantar o hino Riograndense e todas as demais, mesmo sendo desconhecidos que cruzavam o local, cantavam juntos. Foi no Rio Grande do Sul que conheci o regionalismo. Que às vezes pode ser algo perigoso, quando se pensa em ser melhor que os demais, mas que na maioria das circunstância é algo muito bonito de ser celebrado. É bater no peito e ter orgulho das suas origens! Essa é palavra que melhor define o povo gaúcho: orgulho. Orgulho do Gre x nal, orgulho do Bra x PEl, orgulho da Serra, orgulho da sua revolução, orgulho do povo gurreiro que cruzou os oceanos, orgulho do Pôr do sol encantador da fronteira, orgulho do ensino. E dentro desse orgulho eu percebi uma unidade muito grande formada.” Will Lee, fotógrafo, nortista, paraense, belenense.

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Monumento do Gaúcho, inaugurado na última quinta-feira. Foto: João Alves
Monumento do Gaúcho, inaugurado na última quinta-feira. Foto: João Alves

Em 20 de setembro comemora-se o ‘dia-do-gaúcho’, mais  conhecido como o dia da Revolução Farroupilha, uma das revoltas por liberdade no Brasil da época do Império, no século 19. Historicamente, o movimento começou em protesto aos altos impostos cobrados no charque, no sal e em outros produtos da região Sul, e queria a independência em relação ao governo central. A chamada Guerra dos Farrapos durou entre 20 de setembro de 1835 a 1 de março de 1845, quando após vários conflitos militares, enfraquecidos, os farroupilhas aceitaram o acordo proposto por Duque de Caxias e a Guerra terminou. A então República Rio-Grandense, proclamada, pelos revoltosos e liderada por Bento Gonçalves, foi reintegrada ao Império brasileiro.

Baseada nesses mesmos ideais de tornar a região Sul do país independente do resto, um movimento chamado ‘O Sul é meu País’ têm ganhado atenção nas redes sociais. Sua página no Facebook conta com mais de 78 mil curtidores, e constantemente organiza eventos nas cidades dos seus apoiadores para discutir as questões do movimento e reunir voluntários para o próximo dia 1º de outubro, quando ocorrerá O Plebisul 2016, que quer saber: “Você quer que o Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul formem um país independente?” As opções para a resposta na votação serão SIM e NÃO. Apesar de que diante das leis brasileiras esta consulta popular não possui nenhuma validade legal, trata-se uma forma democrática de expressar a opinião do ‘Povo Sulista’, como se intitulam os idealizadores e apoiadores do movimento.
O curtidor da página, Juliano César Schaidhauer, 26, conta que um dos motivos que o levou a seguir o movimento foi a situação atual do país, que acaba afetando diretamente a economia da região Sul. Para o motorista, “ser gaúcho é uma questão de identidade, mas não basta apenas sentir-se gaúcho, não apenas em estado de espírito, é preciso também agir, estudar e cultivar a cultura e assumir e propagar os seus valores”, explica.
Um dos grandes problemas que os idealizadores desses movimentos separatistas precisam enfrentar é comprovar possuir elementos necessários para o projeto vingar, explica o professor de história, Geraldo Santos do Nascimento. “Geralmente eles utilizam de argumentos políticos e econômicos que em nada afetam diretamente os trabalhadores assalariados, nós, a maioria, acabamos por não tomarmos proveito dessa mudança” , afirma o professor e mestre em Ciência Política. Além de ir contra a Constituição de 88, que define o Brasil como uma República Federativa constituída por 26 estados, outra questão a ser levada em consideração pelos apoiadores desse projeto é a necessidade de uma boa bancada de deputados federais e senadores no cenário político. De acordo com o professor Geraldo, enquanto os propósitos reais e mais profundos de um movimento como este continuarem sendo pessoais e para poucos, como poder e nome, eles não possuem chance. “Se parar para pensar, não se vêem negros, pobres ou assalariados falando sobre esse movimento. E exatamente porque não representam essa grande parte da população. Não me representam” avalia.

A cultura gaúcha

Assim como quando se pensa em Brasil, vêm o futebol, o samba e as praias. Comumente, quando se pensa no Rio Grande do Sul, se pensa em churrasco, chimarrão, música gaúcha e tradição. Fato é que toda cultura carrega consigo aspectos bons e ruins, ou seja, se ganhamos pontos positivos em relação à hospitalidade, também podemos perdê-los pelo excesso de atitude. Da mesma forma como o amor às tradições pode contar positivamente, mas em outras situações nem tanto. O que acontece é que a sensação de pertencimento claramente presente entre os gaúchos é muito forte: durante as épocas festivas é muito comum ver por aí um monte de gente pilchada, carregando a bolsa do chimarrão pra todo canto, vestindo e cantando as cores da tradição, e isso é uma característica linda e admirável dessa cultura.

Para Raphael Ferrão,  o trabalho como veterinário lhe proporciona a experiência mais pura de vivenciar a cultura gaúcha todo dia, “o fato de ver o cavalo de forma mais completa, não apenas como animal de serviço, têm muito do que é ser gaúcho pra mim, e estar com um amigo de longa data na maioria das consultas” relata.

Já para Marcos Aires Araújo, sócio do CTG Victório Mário, de Arroio do Só, membro do grupo de cavalgadas Santo Expedito, e do grupo de cavalgadas da 13ª região tradicionalista, Tropeiros do Coração do Rio Grande, que procura manter as tradições o mais fiéis possível de suas origens, ele acredita que a mudança do Sul do país para uma República Independente, por mais distante de se realizar, seria bem sucedida, se bem administrada. Marcos foi a Triunfo este ano, na geração da Chama Crioula, e participou de uma caminhada de 17 dias, “320 kilômetros a pata de cavalo, como se diz”, ressalta, para chegar com a chama até Santa Maria. Ele conta que os CTG’s estão se adaptando às novas modas para não se perderem com o tempo, pois os costumes mudaram bastante de uns tempos para cá, seja na forma como os jovens tratam os mais velhos, e até mesmo os valores morais e éticos da cultura gaúcha, “o povo achava bonito tratar as pessoas com respeito e dignidade, coisa rara de se ver hoje em dia, hoje em dia”, critica o tradicionalista, em relação aos jovens de hoje em dia e sua dificuldade para seguir as regras da tradição.

Ir e vir
Existe um ditado que diz que ‘não há lugar melhor do que o lar’, e segundo a gaúcha Aline Nakashima, 33, que passou os últimos 12 anos em Ageo, uma cidade que fica localizada na província de Saitama, no Japão, a afirmativa é verdadeira. Ela conta que uma das coisas que mais sentiu falta no tempo em que esteve fora foi o calor humano daqui, pois apesar de serem acolhedores, os japoneses ainda precisam aprender com os brasileiros. Aline conta também que durante o tempo que esteve lá precisou comprar a comida brasileira, como arroz, feijão e erva-mate pela internet, “não me adaptei à comida japonesa, não tem muito à ver com o que servem aqui, lá é tudo cru mesmo”, revela. Assim que voltou ao Rio Grande do Sul, Aline conta que apesar da hospitalidade brasileira, sentiu diferenças nas formas de tratamento do pessoal daqui, “lá todos são atendidos da mesma maneira, todos são bem vindos. Aqui, primeiro somos analisados dos pés à cabeça para então sermos atendidos”, relata. O sistema educacional também deixou a desejar, pois o filho de Aline, alfabetizado lá, sofre muito para conseguir se adaptar aqui, mesmo estudando em escola particular, “falta preparo para esse tipo de situação, e de certa forma, mais preocupação com o fato do aluno ter aprendido a matéria realmente” desabafa.

Desabafo de um viajante

“Há cerca de seis anos, quando surgiu a oportunidade de ingressar no ensino superior mudei para o Rio Grande do sul. Mudei por acreditar que seria minha melhor opção. Todas as histórias que ouvia eram de um lugar inteiramente desenvolvido, com o povo educado e uma cultura à moda europeia. Não demorou para eu desmistificar esses ideias. Mas pudera, eu caí de paraquedas na região da fronteira, mas precisamente na divisa com a Argentina. E o que eu aprendi nesses seis anos foi muito além das teorias da comunicação ensinadas no curso. Lembro ainda das primeiras vezes em que fui ao mercado e observei as pessoas chamarem de ‘cacetinho’ para os pães franceses, ou ainda, utilizarem o ‘pila’ para se referir ao real. As expressões peculiares são o que mais chamam a atenção: barateza, indiada, guria, guri, ‘me caiu os butiá do bolso’, entre outras centenas mais. Mas se tem algo que representa a cultura gaúcha é o próprio gaúcho. Ou melhor, a paixão do gaúcho por sua cultura! No início essa relação de amor exacerbado me irritava, mas depois fui aprendendo a respeitar e admirar. Haviam vezes em que uma pessoa em aleatório começa a cantar o hino Riograndense e todas as demais, mesmo sendo desconhecidos que cruzavam o local, cantavam juntos. Foi no Rio Grande do Sul que conheci o regionalismo. Que às vezes pode ser algo perigoso, quando se pensa em ser melhor que os demais, mas que na maioria das circunstância é algo muito bonito de ser celebrado. É bater no peito e ter orgulho das suas origens! Essa é palavra que melhor define o povo gaúcho: orgulho. Orgulho do Gre x nal, orgulho do Bra x PEl, orgulho da Serra, orgulho da sua revolução, orgulho do povo gurreiro que cruzou os oceanos, orgulho do Pôr do sol encantador da fronteira, orgulho do ensino. E dentro desse orgulho eu percebi uma unidade muito grande formada.” Will Lee, fotógrafo, nortista, paraense, belenense.