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Dr Google: o perigo da automedicação

São mais 12 mil variações de substâncias medicamentosas vendidas no Brasil. Mas, nem sempre esses remédios são uma opção para tratamento: podem causar complicações aos pacientes com o uso indevido/incorreto.

 

Ninguém gosta de ficar doente. Tem gente que reclama do amargo dos remédios. Outros de ter que tomar tanta sopa. E ainda há o desconforto, a dor, a angústia que se sente. Mas existem pessoas que tem uma preocupação constante com doenças. Além do medo de adoecerem, os hipocondríacos, como são chamados, muitas vezes se automedicam para curar um sintoma que não é de fato o que se manifesta. E eles chegam a 8% da população brasileira.

Os “Drs Google” do século XXI, apresentam hipóteses para sintomas como dores de cabeça, dor no corpo, fadiga, associadas a doenças graves como câncer, aneurisma, infarto, entre outros. Essas pessoas têm a impressão, quase constante, que estão com uma doença. A ansiedade alimenta essas convicções terríveis e as preocupações se tornam irremediáveis, uma vez que, quando sentem uma simples dor acreditam que isso pode significar um tumor, por exemplo.

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Lucas Souza, tem 18 anos, no mês de fevereiro começou a sentir dores na barriga, e então pesquisou na internet o que poderia ser, “achei na pesquisa câncer de colorretal, e na hora, entrei em desespero. Fiquei a noite toda em claro preocupado e chorando, já estava até pesquisando quanto tempo de vida eu teria”.[/dropshadowbox]

 

Gabriela Schramm, psicóloga, afirma que hipocondria é um mal psicológico. Foto: arquivo pessoal

Parece um exagero ou uma paranoia. Mas, as sensações fisiológicas que são normais do corpo humano para os hipocondríacos representam um sintoma de algo muito ruim que está por vir. Além da doença ser de difícil diagnóstico, geralmente aparece no início da vida adulta, mas pode se desenvolver em qualquer idade. No Brasil, são cerca de 150 mil casos por ano, de ambos os sexos. Ainda não se sabe o que causa a hipocondria. Este mal psicológico ainda é pouco conhecido e menos ainda admitido pelos que sofrem com o problema, segundo psicóloga Gabriela Schramm. Ainda afirma que, “o paciente, na maioria dos casos, não percebe que se trata de um transtorno mental e costuma procurar médicos que tratam de somatopatologias”.

A Hipocondria não é uma doença relacionada ao corpo físico. E isto é problemático porque o paciente vai de médico em médico e nenhum deles suspeita da doença. São feitos diversos exames para nenhum problema. Não existe um exame capaz de diagnosticar a hipocondria, então o diagnóstico é feito baseado nos sintomas e no histórico do paciente, quando feito por especialistas em saúde mental, como psicólogos e psiquiatras.

A hipocondria é um tipo de transtornos somatoformes (DSM-IV) que são doenças mentais causadoras de sintomas corporais, incluindo a dor. Os sintomas não podem ser rastreados até qualquer causa física. Segundo a biomédica e mestranda em Bioquímica Toxicológica na UFSM, Larisa Marafigas, os DSM-IV se caracterizam pela manifestação repetida de sintomas físicos, que uma avaliação clínica não revela doença física. “O paciente se mostra preocupado, requisita a avaliação médica e fica reticente quando lhe reasseguram que não sofre de doença física, ainda que seja detectado algum problema clínico”, afirma. Mesmo assim, “isso não explica a extensão da inquietação do paciente, que resiste em estabelecer uma relação causal com dificuldades ou conflitos emocionais ou eventos desagradáveis, mesmo quando há uma clara relação temporal entre eles”, relata Larissa.

A Psicologia da Saúde é baseada na perspectiva biopsicossocial e fornece respostas para a compreensão de doenças que não mais se explicam somente pelo modelo biomédico. Por exemplo, como explicar o fato de um tratamento ter alta eficácia em algumas pessoas e em outras não? Essa suscetibilidade de uma espécie ocorre quando um indivíduo está sujeito a determinada infecção ou doença. Segundo a mestranda, “dentro da mesma espécie, há indivíduos resistentes e suscetíveis a uma infecção, assim a suscetibilidade individual, e o estado de qualquer pessoa (ou animal) que não apresenta defesa ou resistência contra o agente infeccioso, pode adoecer ou não”. Ou seja, alguns indivíduos podem ficar expostos por muito tempo a um determinado fator de risco em altas concentrações e não adoecer enquanto outros em exposições com pequenas concentrações e/ou pouco tempo, adoecem.

Medicamentos são comprados e utilizados sem consulta prévia ao médico. Foto: arquivo ACS

O mesmo acontece com as pessoas que tomam demasiadamente o mesmo remédio. Algumas apresentam melhora significativa, outros, entretanto, causam mais danos ao organismo. Para a farmacêutica Jéssica Brandão, a população confunde as farmácias com um estabelecimento comercial. “É uma via de mão dupla, porque apesar de existir um controle de legislação vigente, a nomenclatura de farmácia e drogaria tem diferenças”, afirma ela. A farmácia  pode preparar fórmulas receitadas por médicos, dentistas, e veterinários – bem como as farmácias de manipulação. As drogarias, por sua vez, vendem apenas medicamentos industrializados, alguns exigindo prescrição médica. E embora seja inegável a eficácia do paracetamol como um medicamento analgésico e antitérmico, o uso indevido pode trazer sérios danos ao corpo.

A farmacêutica Jéssica explica que o “paracetamol tem potencial hepatotóxico, quando administrado em doses superiores a 4 g/dia, o medicamento é ainda é considerado seguro para utilização em doses terapêuticas.”

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Thais Hoerlle tem enxaqueca crônica e evita tomar medicamentos. Ela afirma que ingerir remédios prejudica o organismo. Por isso, a alternativa de tratamento que encontrou foi na acupuntura e ingerindo medicamentos homeopáticos, os quais ajudam a diminuir a dor causada pela enxaqueca.[/dropshadowbox]

O livre acesso da população à compra de medicamentos é como o acesso à internet sobre os sintomas das doenças. Existe um avanço muito grande, mas, ao mesmo passo disseminou-se a cultura de que se serviu para uma pessoa, funciona para as demais.  Farmacêuticos relatam que na população idosa é comum ouvir “o meu vizinho, parente, conhecido tomou tal remédio e fez bem, quero comprar também”. Jéssica Brandão, farmacêutica, alerta que se automedicar “leva a combater um sintoma mesmo tendo mais problemas.” Os anti-inflamatórios, por exemplo, ingeridos constantemente causam danos renais, entre outros problemas graves de saúde.

H.F, trabalhador, de 59 anos, ainda não foi diagnosticado como hipocondríaco. Há mais de 2 anos ele sente constantes dores estomacais. Acreditava que poderia ser pedra nos rins ou pedra na vesícula. “Sentia fraqueza, indisposição e irritação causado pelas dores que não melhoraram, mesmo que tomasse diferentes remédios”, diz ela.

 O uso abusivo de anti-inflamatórios pode estar associado a problemas como gastrite, úlceras, insuficiência renal e hepatite medicamentosa. No caso dos analgésicos, o paracetamol, por exemplo, é seguro quando seu consumo não ultrapassa 3g por dia. Consumir uma dose um pouco acima, como HF fazia diariamente não é recomendado, pois por um longo período de tempo pode causar danos especificamente no fígado.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, mais de 50% de todas as drogas receitadas no planeta são dispensáveis ou vendidas de forma inadequada. Além disso, aproximadamente 1/3 da população não tem o necessário acesso aos medicamentos essenciais e metade dos pacientes de todo o mundo tomam os medicamentos de forma incorreta. 

Para Ana Carolina Bragança, psicóloga, há excesso de medicalização. Foto: arquivo pessoal

Qualquer informação pode ser obtida instantaneamente e de qualquer parte do mundo, a visibilidade dos fatos se tornou maior e mais rápida, na qual os dados são atualizados a todo segundo. Porém por outro lado, se torna um problema quando a facilidade de acesso às informações médicas possibilitou o surgimento dos chamados “pacientes especialistas”, ou “pacientes do Dr. Google’’. Para a Biomédica Larissa, “sem acesso fácil à informação tecnológica não há como desenvolver o conhecimento científico.” Sendo assim, qualquer diagnóstico é uma questão que engloba muitos aspectos.

Para a psicóloga Ana Carolina Bragança, “alguns sintomas da hipocondria são conhecidos, como o excesso de medicalização pela crença de que está sempre doente. Mas, com certeza, há mais coisas no sujeito que apresente indícios deste caso que ele está manifestando e tendo estes sintomas.” O melhor caminho, segundo a psicóloga é realizar a escuta e o processo psicoterapêutico para saber de que forma a este paciente relata suas queixas, ou, então, apresenta indícios de hipocondria.

As causas podem ser de vários fatores, incluindo genéticos e ambientais. As hipóteses do porquê alguém desenvolve hipocondria são:

– ALTERAÇÕES PERCEPTIVAS – pessoas que sentem sintomas “normais” de forma intensa do que realmente são. Um leve enjôo é interpretado como uma náusea extremamente grave.

– FALTA DE INFORMAÇÃO – pessoas com pouco acesso à informação podem não entender direito o que um sintoma significa e, por isso, acreditam estar doentes quando têm um simples sintoma de indigestão (dispepsia), por exemplo.

– CRENÇAS  quem acredita que merece uma doença como um castigo por conta de alguma coisa que fez no passado. Nesses casos, a pessoa fica à espera da doença, prestando atenção a cada sinal diferente que o corpo dá.

– BENEFÍCIOS parece um paradoxo, mas ficar doente traz benefícios, como: atenção, afeto, possibilidade de faltar na escola ou no trabalho. Por isso, os médicos estimam que pode ser uma das causas da hipocondria, uma espécie de condicionamento, especialmente se ela começa durante a infância. Uma criança com os pais muito ausentes, por exemplo, pode começar a se sentir mal mais frequentemente para chamar atenção. Nesse estado, a criança recebe mais afeto e cresce com essa ideia gravada em seu inconsciente.

– OUTROS TRANSTORNOS MENTAIS a hipocondria está associada a outros transtornos mentais, como a ansiedade e a depressão. Estima-se que de 75 a 85% dos hipocondríacos sofre de outro transtorno. Pode ser um sinal de alguma dessas condições, ou pode se desenvolver a partir delas. Já alguns depressivos costumam conviver com sintomas físicos decorrentes de seu transtorno, como fadiga e dores sem explicação, como o caso de Lucas que teve diagnóstico de depressão e síndrome do pânico, segundo neurologista. Lucas, assim como muitas pessoas, trata ansiedade, depressão e síndrome do pânico ao mesmo tempo. A depressão, conforme a OMS, afeta 322 milhões de pessoas no mundo e menos da metade recebe tratamento adequado. Entre as barreiras enfrentadas, estão a falta de recursos e o estigma social que ainda cerca o quadro.

Os especialistas que podem diagnosticar um caso de hipocondria são: Clínicos Gerais, Psiquiatras e Psicólogos. Os critérios de diagnóstico da hipocondria, de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), são: dificuldades na vida social, trabalho e na rotina diária, por conta dessa preocupação ou sintomas; preocupação por cerca de seis meses ou mais em ter uma doença série, baseada em sintomas corporais; além da ansiedade com essa preocupação.

 As complicações possíveis da hipocondria são, principalmente os riscos à saúde, decorrentes de procedimentos médicos desnecessárias, depressão, transtornos de ansiedade, raiva e frustração excessivas, o abuso de substâncias, problemas em relacionamentos, no trabalho ou escola e até mesmo altos gastos com procedimentos e consultas médicas.

Reportagem produzida na disciplina de Jornalismo Científico

 

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São mais 12 mil variações de substâncias medicamentosas vendidas no Brasil. Mas, nem sempre esses remédios são uma opção para tratamento: podem causar complicações aos pacientes com o uso indevido/incorreto.

 

Ninguém gosta de ficar doente. Tem gente que reclama do amargo dos remédios. Outros de ter que tomar tanta sopa. E ainda há o desconforto, a dor, a angústia que se sente. Mas existem pessoas que tem uma preocupação constante com doenças. Além do medo de adoecerem, os hipocondríacos, como são chamados, muitas vezes se automedicam para curar um sintoma que não é de fato o que se manifesta. E eles chegam a 8% da população brasileira.

Os “Drs Google” do século XXI, apresentam hipóteses para sintomas como dores de cabeça, dor no corpo, fadiga, associadas a doenças graves como câncer, aneurisma, infarto, entre outros. Essas pessoas têm a impressão, quase constante, que estão com uma doença. A ansiedade alimenta essas convicções terríveis e as preocupações se tornam irremediáveis, uma vez que, quando sentem uma simples dor acreditam que isso pode significar um tumor, por exemplo.

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Lucas Souza, tem 18 anos, no mês de fevereiro começou a sentir dores na barriga, e então pesquisou na internet o que poderia ser, “achei na pesquisa câncer de colorretal, e na hora, entrei em desespero. Fiquei a noite toda em claro preocupado e chorando, já estava até pesquisando quanto tempo de vida eu teria”.[/dropshadowbox]

 

Gabriela Schramm, psicóloga, afirma que hipocondria é um mal psicológico. Foto: arquivo pessoal

Parece um exagero ou uma paranoia. Mas, as sensações fisiológicas que são normais do corpo humano para os hipocondríacos representam um sintoma de algo muito ruim que está por vir. Além da doença ser de difícil diagnóstico, geralmente aparece no início da vida adulta, mas pode se desenvolver em qualquer idade. No Brasil, são cerca de 150 mil casos por ano, de ambos os sexos. Ainda não se sabe o que causa a hipocondria. Este mal psicológico ainda é pouco conhecido e menos ainda admitido pelos que sofrem com o problema, segundo psicóloga Gabriela Schramm. Ainda afirma que, “o paciente, na maioria dos casos, não percebe que se trata de um transtorno mental e costuma procurar médicos que tratam de somatopatologias”.

A Hipocondria não é uma doença relacionada ao corpo físico. E isto é problemático porque o paciente vai de médico em médico e nenhum deles suspeita da doença. São feitos diversos exames para nenhum problema. Não existe um exame capaz de diagnosticar a hipocondria, então o diagnóstico é feito baseado nos sintomas e no histórico do paciente, quando feito por especialistas em saúde mental, como psicólogos e psiquiatras.

A hipocondria é um tipo de transtornos somatoformes (DSM-IV) que são doenças mentais causadoras de sintomas corporais, incluindo a dor. Os sintomas não podem ser rastreados até qualquer causa física. Segundo a biomédica e mestranda em Bioquímica Toxicológica na UFSM, Larisa Marafigas, os DSM-IV se caracterizam pela manifestação repetida de sintomas físicos, que uma avaliação clínica não revela doença física. “O paciente se mostra preocupado, requisita a avaliação médica e fica reticente quando lhe reasseguram que não sofre de doença física, ainda que seja detectado algum problema clínico”, afirma. Mesmo assim, “isso não explica a extensão da inquietação do paciente, que resiste em estabelecer uma relação causal com dificuldades ou conflitos emocionais ou eventos desagradáveis, mesmo quando há uma clara relação temporal entre eles”, relata Larissa.

A Psicologia da Saúde é baseada na perspectiva biopsicossocial e fornece respostas para a compreensão de doenças que não mais se explicam somente pelo modelo biomédico. Por exemplo, como explicar o fato de um tratamento ter alta eficácia em algumas pessoas e em outras não? Essa suscetibilidade de uma espécie ocorre quando um indivíduo está sujeito a determinada infecção ou doença. Segundo a mestranda, “dentro da mesma espécie, há indivíduos resistentes e suscetíveis a uma infecção, assim a suscetibilidade individual, e o estado de qualquer pessoa (ou animal) que não apresenta defesa ou resistência contra o agente infeccioso, pode adoecer ou não”. Ou seja, alguns indivíduos podem ficar expostos por muito tempo a um determinado fator de risco em altas concentrações e não adoecer enquanto outros em exposições com pequenas concentrações e/ou pouco tempo, adoecem.

Medicamentos são comprados e utilizados sem consulta prévia ao médico. Foto: arquivo ACS

O mesmo acontece com as pessoas que tomam demasiadamente o mesmo remédio. Algumas apresentam melhora significativa, outros, entretanto, causam mais danos ao organismo. Para a farmacêutica Jéssica Brandão, a população confunde as farmácias com um estabelecimento comercial. “É uma via de mão dupla, porque apesar de existir um controle de legislação vigente, a nomenclatura de farmácia e drogaria tem diferenças”, afirma ela. A farmácia  pode preparar fórmulas receitadas por médicos, dentistas, e veterinários – bem como as farmácias de manipulação. As drogarias, por sua vez, vendem apenas medicamentos industrializados, alguns exigindo prescrição médica. E embora seja inegável a eficácia do paracetamol como um medicamento analgésico e antitérmico, o uso indevido pode trazer sérios danos ao corpo.

A farmacêutica Jéssica explica que o “paracetamol tem potencial hepatotóxico, quando administrado em doses superiores a 4 g/dia, o medicamento é ainda é considerado seguro para utilização em doses terapêuticas.”

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Thais Hoerlle tem enxaqueca crônica e evita tomar medicamentos. Ela afirma que ingerir remédios prejudica o organismo. Por isso, a alternativa de tratamento que encontrou foi na acupuntura e ingerindo medicamentos homeopáticos, os quais ajudam a diminuir a dor causada pela enxaqueca.[/dropshadowbox]

O livre acesso da população à compra de medicamentos é como o acesso à internet sobre os sintomas das doenças. Existe um avanço muito grande, mas, ao mesmo passo disseminou-se a cultura de que se serviu para uma pessoa, funciona para as demais.  Farmacêuticos relatam que na população idosa é comum ouvir “o meu vizinho, parente, conhecido tomou tal remédio e fez bem, quero comprar também”. Jéssica Brandão, farmacêutica, alerta que se automedicar “leva a combater um sintoma mesmo tendo mais problemas.” Os anti-inflamatórios, por exemplo, ingeridos constantemente causam danos renais, entre outros problemas graves de saúde.

H.F, trabalhador, de 59 anos, ainda não foi diagnosticado como hipocondríaco. Há mais de 2 anos ele sente constantes dores estomacais. Acreditava que poderia ser pedra nos rins ou pedra na vesícula. “Sentia fraqueza, indisposição e irritação causado pelas dores que não melhoraram, mesmo que tomasse diferentes remédios”, diz ela.

 O uso abusivo de anti-inflamatórios pode estar associado a problemas como gastrite, úlceras, insuficiência renal e hepatite medicamentosa. No caso dos analgésicos, o paracetamol, por exemplo, é seguro quando seu consumo não ultrapassa 3g por dia. Consumir uma dose um pouco acima, como HF fazia diariamente não é recomendado, pois por um longo período de tempo pode causar danos especificamente no fígado.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, mais de 50% de todas as drogas receitadas no planeta são dispensáveis ou vendidas de forma inadequada. Além disso, aproximadamente 1/3 da população não tem o necessário acesso aos medicamentos essenciais e metade dos pacientes de todo o mundo tomam os medicamentos de forma incorreta. 

Para Ana Carolina Bragança, psicóloga, há excesso de medicalização. Foto: arquivo pessoal

Qualquer informação pode ser obtida instantaneamente e de qualquer parte do mundo, a visibilidade dos fatos se tornou maior e mais rápida, na qual os dados são atualizados a todo segundo. Porém por outro lado, se torna um problema quando a facilidade de acesso às informações médicas possibilitou o surgimento dos chamados “pacientes especialistas”, ou “pacientes do Dr. Google’’. Para a Biomédica Larissa, “sem acesso fácil à informação tecnológica não há como desenvolver o conhecimento científico.” Sendo assim, qualquer diagnóstico é uma questão que engloba muitos aspectos.

Para a psicóloga Ana Carolina Bragança, “alguns sintomas da hipocondria são conhecidos, como o excesso de medicalização pela crença de que está sempre doente. Mas, com certeza, há mais coisas no sujeito que apresente indícios deste caso que ele está manifestando e tendo estes sintomas.” O melhor caminho, segundo a psicóloga é realizar a escuta e o processo psicoterapêutico para saber de que forma a este paciente relata suas queixas, ou, então, apresenta indícios de hipocondria.

As causas podem ser de vários fatores, incluindo genéticos e ambientais. As hipóteses do porquê alguém desenvolve hipocondria são:

– ALTERAÇÕES PERCEPTIVAS – pessoas que sentem sintomas “normais” de forma intensa do que realmente são. Um leve enjôo é interpretado como uma náusea extremamente grave.

– FALTA DE INFORMAÇÃO – pessoas com pouco acesso à informação podem não entender direito o que um sintoma significa e, por isso, acreditam estar doentes quando têm um simples sintoma de indigestão (dispepsia), por exemplo.

– CRENÇAS  quem acredita que merece uma doença como um castigo por conta de alguma coisa que fez no passado. Nesses casos, a pessoa fica à espera da doença, prestando atenção a cada sinal diferente que o corpo dá.

– BENEFÍCIOS parece um paradoxo, mas ficar doente traz benefícios, como: atenção, afeto, possibilidade de faltar na escola ou no trabalho. Por isso, os médicos estimam que pode ser uma das causas da hipocondria, uma espécie de condicionamento, especialmente se ela começa durante a infância. Uma criança com os pais muito ausentes, por exemplo, pode começar a se sentir mal mais frequentemente para chamar atenção. Nesse estado, a criança recebe mais afeto e cresce com essa ideia gravada em seu inconsciente.

– OUTROS TRANSTORNOS MENTAIS a hipocondria está associada a outros transtornos mentais, como a ansiedade e a depressão. Estima-se que de 75 a 85% dos hipocondríacos sofre de outro transtorno. Pode ser um sinal de alguma dessas condições, ou pode se desenvolver a partir delas. Já alguns depressivos costumam conviver com sintomas físicos decorrentes de seu transtorno, como fadiga e dores sem explicação, como o caso de Lucas que teve diagnóstico de depressão e síndrome do pânico, segundo neurologista. Lucas, assim como muitas pessoas, trata ansiedade, depressão e síndrome do pânico ao mesmo tempo. A depressão, conforme a OMS, afeta 322 milhões de pessoas no mundo e menos da metade recebe tratamento adequado. Entre as barreiras enfrentadas, estão a falta de recursos e o estigma social que ainda cerca o quadro.

Os especialistas que podem diagnosticar um caso de hipocondria são: Clínicos Gerais, Psiquiatras e Psicólogos. Os critérios de diagnóstico da hipocondria, de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), são: dificuldades na vida social, trabalho e na rotina diária, por conta dessa preocupação ou sintomas; preocupação por cerca de seis meses ou mais em ter uma doença série, baseada em sintomas corporais; além da ansiedade com essa preocupação.

 As complicações possíveis da hipocondria são, principalmente os riscos à saúde, decorrentes de procedimentos médicos desnecessárias, depressão, transtornos de ansiedade, raiva e frustração excessivas, o abuso de substâncias, problemas em relacionamentos, no trabalho ou escola e até mesmo altos gastos com procedimentos e consultas médicas.

Reportagem produzida na disciplina de Jornalismo Científico