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Santa Maria, RS, Brazil

“Notícias ambientais” e depois?

Poluição por resíduos industriais. Free-Photos/Pixabay

Alice Dutra Balbé

Há muito pouco tempo dizia-se que a pauta ambiental não era notícia no quotidiano. As razões para isso são várias e a primeira é categorização de uma pauta “ambiental” em uma seção separada quando o ambiente é o todo. A pauta ambiental acaba sempre se restringindo ao factual – como, de forma geral, é o jornalismo – tendo também o foco no trágico. Não houve uma mudança grande nesse sentido, contudo, a pauta ambiental passou a ser frequente no noticiário, especialmente no Brasil. Ainda defendo que não é preciso um chapéu de editoria “ambiente”, mas, sim, uma cobertura de jornalismo especializado que apresente o contexto da situação.

Anos de discussão em torno da preocupação mundial desde o Dia da Terra de 1970; a publicação do estudo Limites do crescimento, em 1972, pelo Clube de Roma, que é considerado um marco na história do pensamento ambientalista; o Relatório de Brundtland de 1987; diferentes conferências como a Rio-92 e Rio+20; publicações do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC, desde a formação em 1988), e as Conferências das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que já vai na 25ª edição; até a imagem da Terra vista da Lua realizada em 1969 tem sido questionada.

O significado da expressão “desenvolvimento sustentável”, definindo que o desenvolvimento é necessário, mas não deve comprometer a capacidade de recursos para as gerações futuras, introduzida no relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, tem sido cada vez mais importante. Esse documento é mais conhecido como Relatório de Brundtland – pois a conferência foi presidida pela então primeira-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland. Hoje é necessário ainda mais ressaltar quando é uma mulher que está à frente de iniciativas.

As notícias ruins se propagam mais, como já dizia Nelson Traquina e são elas que ajudam a expor o problema e provocar ação também. Acidentes como a explosão do reator nuclear Three Mile Island em 1979, o desastre de Chernobyl e o vazamento de produtos químicos no Rio Reno, em 1986, foram importantes para a comunicação ambiental e as primeiras mudanças na legislação internacional. Mas ainda é preciso que realmente se faça mais para mudar as políticas ambientais. O mais difícil disso tudo é a compreensão de que um valor monetário para compensação do dano ambiental não resolve, mas é, no mínimo, a única alternativa para tentar inibir ações, regulamentar e investir no local afetado, seja com limpeza, replantio, recuperação de espécies, entre outros.

O derrame de petróleo ocorrido no litoral brasileiro em agosto, desse ano, fez lembrar outro dos maiores acidentes na história, ocorrido há 30 anos: o vazamento de crude (petróleo bruto) do navio Exxon Valdez, em 1989, no golfo do Alasca. Foram 40 milhões de litros de crude ao mar.

Acidente em plataforma petrolífera. Foto: Skeeze / Pixabay

Em 2010, outro acidente marcou a história dos acidentes com petrolíferas ao causar a morte de 11 funcionários da empresa e o vazamento de 3,2 milhões de barris de petróleo no Golfo do México após a explosão da plataforma Deepwater Horizon, da petrolífera britânica BP. O acidente foi notícia recentemente justamente referindo o valor que a empresa teve que pagar: 65 bilhões de dólares “e a conta continua a aumentar” segundo reportagem publicada pela revista Época Negócios, em fevereiro de 2019.

A Reuters também fez um levantamento em 2015 referindo o aumento da morte de golfinhos, entre 2002 e 2009, de 63 por ano para 200 (por ano) a partir de 2010, em consequência do contato com petróleo. A agência americana NOAA – National Oceanic and Atmospheric Administration – identificou ainda, em um estudo de 2016, que a gestação dos golfinhos não chegavam ao fim em 80% dos casos devido à exposição e petróleo.

No caso brasileiro, ainda não se tem a total dimensão do problema. Aumentam as notificações de praias em que o petróleo é visto. Em 17 de novembro a conta ultrapassava 450 praias e as manchas atingiram o litoral do Espírito Santo. No jogo de empurra e acusações falsas sobre a origem do petróleo, ainda pouco se reflete sobre o dano ambiental. As manchas visíveis do mar ainda podem ser removidas da água, mas o maior problema é o petróleo em contato com animais, corais, mangues, o ingerido pelos animais e, ainda, por humanos nessa cadeia alimentar.

A responsabilização é primordial para que se tomem as medidas necessárias. No caso do vazamento do Golfo do México, a empresa ainda hoje responde. Mas no Brasil como isso vai funcionar?

O rompimento da barragem do Fundão, em Mariana no estado de Minas Gerais, em 2015, liberou 40 milhões de metros cúbicos de resíduos da mineradora da Samarco que contaminou rios e mantou 19 pessoas. Três anos depois outro rompimento, da barragem de rejeitos da Mina do Feijão, no município de Brumadinho, no mesmo estado. O que realmente mudou de Mariana a Brumadinho?  É fato que mais de 20 barragens estão em alerta em Minas Gerais, a maior parte delas sob responsabilidade da empresa Vale, que atuava em Brumadinho. Foram as universidades, moradores, organizações não-governamentais e técnicos de alguns órgãos que assumiram as atividades nos locais. Pouca coisa mudou para o caso do derrame de petróleo nas praias brasileiras, o agravante foi o Governo Federal acusar o Greenpeace de causar o derrame, assim como fez em agosto ao acusar ONGs pelas queimadas na Amazônia.

Segundo dados do INPE, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o desmatamento aumentou cerca de 30% entre agosto de 2018 e julho 2019. No entanto, os maiores incêndios na Amazônia aconteceram em agosto. Foram 30.901 focos de incêndio registrados, segundo dados do Programa Queimadas do INPE em agosto e sabe-se que os incêndios seguiram no mês de setembro, 80% a mais do que em 2018, no mesmo período.

É preciso que esses fatos estejam na mídia. É preciso acompanhamento sobre os impactos hoje e a longo prazo, não podemos esquecer. Precisamos de respostas, precisamos de ações, precisamos de exemplos e conscientização.

 

Alice Dutra Balbé, doutora em Ciências da Comunicação e mestre em Informação e Jornalismo pela Universidade do Minho, Portugal,  jornalista egressa UFN.

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Poluição por resíduos industriais. Free-Photos/Pixabay

Alice Dutra Balbé

Há muito pouco tempo dizia-se que a pauta ambiental não era notícia no quotidiano. As razões para isso são várias e a primeira é categorização de uma pauta “ambiental” em uma seção separada quando o ambiente é o todo. A pauta ambiental acaba sempre se restringindo ao factual – como, de forma geral, é o jornalismo – tendo também o foco no trágico. Não houve uma mudança grande nesse sentido, contudo, a pauta ambiental passou a ser frequente no noticiário, especialmente no Brasil. Ainda defendo que não é preciso um chapéu de editoria “ambiente”, mas, sim, uma cobertura de jornalismo especializado que apresente o contexto da situação.

Anos de discussão em torno da preocupação mundial desde o Dia da Terra de 1970; a publicação do estudo Limites do crescimento, em 1972, pelo Clube de Roma, que é considerado um marco na história do pensamento ambientalista; o Relatório de Brundtland de 1987; diferentes conferências como a Rio-92 e Rio+20; publicações do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC, desde a formação em 1988), e as Conferências das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que já vai na 25ª edição; até a imagem da Terra vista da Lua realizada em 1969 tem sido questionada.

O significado da expressão “desenvolvimento sustentável”, definindo que o desenvolvimento é necessário, mas não deve comprometer a capacidade de recursos para as gerações futuras, introduzida no relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, tem sido cada vez mais importante. Esse documento é mais conhecido como Relatório de Brundtland – pois a conferência foi presidida pela então primeira-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland. Hoje é necessário ainda mais ressaltar quando é uma mulher que está à frente de iniciativas.

As notícias ruins se propagam mais, como já dizia Nelson Traquina e são elas que ajudam a expor o problema e provocar ação também. Acidentes como a explosão do reator nuclear Three Mile Island em 1979, o desastre de Chernobyl e o vazamento de produtos químicos no Rio Reno, em 1986, foram importantes para a comunicação ambiental e as primeiras mudanças na legislação internacional. Mas ainda é preciso que realmente se faça mais para mudar as políticas ambientais. O mais difícil disso tudo é a compreensão de que um valor monetário para compensação do dano ambiental não resolve, mas é, no mínimo, a única alternativa para tentar inibir ações, regulamentar e investir no local afetado, seja com limpeza, replantio, recuperação de espécies, entre outros.

O derrame de petróleo ocorrido no litoral brasileiro em agosto, desse ano, fez lembrar outro dos maiores acidentes na história, ocorrido há 30 anos: o vazamento de crude (petróleo bruto) do navio Exxon Valdez, em 1989, no golfo do Alasca. Foram 40 milhões de litros de crude ao mar.

Acidente em plataforma petrolífera. Foto: Skeeze / Pixabay

Em 2010, outro acidente marcou a história dos acidentes com petrolíferas ao causar a morte de 11 funcionários da empresa e o vazamento de 3,2 milhões de barris de petróleo no Golfo do México após a explosão da plataforma Deepwater Horizon, da petrolífera britânica BP. O acidente foi notícia recentemente justamente referindo o valor que a empresa teve que pagar: 65 bilhões de dólares “e a conta continua a aumentar” segundo reportagem publicada pela revista Época Negócios, em fevereiro de 2019.

A Reuters também fez um levantamento em 2015 referindo o aumento da morte de golfinhos, entre 2002 e 2009, de 63 por ano para 200 (por ano) a partir de 2010, em consequência do contato com petróleo. A agência americana NOAA – National Oceanic and Atmospheric Administration – identificou ainda, em um estudo de 2016, que a gestação dos golfinhos não chegavam ao fim em 80% dos casos devido à exposição e petróleo.

No caso brasileiro, ainda não se tem a total dimensão do problema. Aumentam as notificações de praias em que o petróleo é visto. Em 17 de novembro a conta ultrapassava 450 praias e as manchas atingiram o litoral do Espírito Santo. No jogo de empurra e acusações falsas sobre a origem do petróleo, ainda pouco se reflete sobre o dano ambiental. As manchas visíveis do mar ainda podem ser removidas da água, mas o maior problema é o petróleo em contato com animais, corais, mangues, o ingerido pelos animais e, ainda, por humanos nessa cadeia alimentar.

A responsabilização é primordial para que se tomem as medidas necessárias. No caso do vazamento do Golfo do México, a empresa ainda hoje responde. Mas no Brasil como isso vai funcionar?

O rompimento da barragem do Fundão, em Mariana no estado de Minas Gerais, em 2015, liberou 40 milhões de metros cúbicos de resíduos da mineradora da Samarco que contaminou rios e mantou 19 pessoas. Três anos depois outro rompimento, da barragem de rejeitos da Mina do Feijão, no município de Brumadinho, no mesmo estado. O que realmente mudou de Mariana a Brumadinho?  É fato que mais de 20 barragens estão em alerta em Minas Gerais, a maior parte delas sob responsabilidade da empresa Vale, que atuava em Brumadinho. Foram as universidades, moradores, organizações não-governamentais e técnicos de alguns órgãos que assumiram as atividades nos locais. Pouca coisa mudou para o caso do derrame de petróleo nas praias brasileiras, o agravante foi o Governo Federal acusar o Greenpeace de causar o derrame, assim como fez em agosto ao acusar ONGs pelas queimadas na Amazônia.

Segundo dados do INPE, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o desmatamento aumentou cerca de 30% entre agosto de 2018 e julho 2019. No entanto, os maiores incêndios na Amazônia aconteceram em agosto. Foram 30.901 focos de incêndio registrados, segundo dados do Programa Queimadas do INPE em agosto e sabe-se que os incêndios seguiram no mês de setembro, 80% a mais do que em 2018, no mesmo período.

É preciso que esses fatos estejam na mídia. É preciso acompanhamento sobre os impactos hoje e a longo prazo, não podemos esquecer. Precisamos de respostas, precisamos de ações, precisamos de exemplos e conscientização.

 

Alice Dutra Balbé, doutora em Ciências da Comunicação e mestre em Informação e Jornalismo pela Universidade do Minho, Portugal,  jornalista egressa UFN.