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Investigativo

Fim da farra das diárias em Tupanciretã

Mais de R$ 16 milhões em um levantamento realizado pelo Ministério Público de Contas, referente aos gastos com diárias de vereadores. A Câmara Municipal de Vereadores de Tupanciretã, está entre as que mais gastaram com diárias entre

Nenhuma mulher precisa passar por violência doméstica

Milhões de mulheres no Brasil não têm acesso a educação. Elas também não possuem instruções para diferenciar quando sofrem violência doméstica. E você, sabe identificar uma pessoa que sofre com a violência doméstica? Não? Então você

Créditos: LABFEM- UFN

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Mais de R$ 16 milhões em um levantamento realizado pelo Ministério Público de Contas, referente aos gastos com diárias de vereadores. A Câmara Municipal de Vereadores de Tupanciretã, está entre as que mais gastaram com diárias entre os Poderes Legislativos da região central do RS. As diferenças nos valores podem traduzir a maneira como cada legislativo trata da gestão do dinheiro do contribuinte.

Com 23 mil habitantes, o município tem gastos maiores do que cidades grandes, que após a denúncia contra os vereadores,será feita uma redução de gastos com diárias para viagens dos vereadores da cidade.

Foi um choque para os  moradores da cidade. A gente liga TV e vê que nossa cidade estava lá dentro da telinha,mas não era uma notícia boa.Era para contarem que nossos representantes , nossos vereadores ganhavam uma diária exorbitante e ainda riam da cara do povo dizendo que tinham direito, que eles podiam usar essa quantia,diz moradora da cidade.

A explicação para o gasto elevado em Tupanciretã está nos valores unitários das diárias. Para ir para Porto Alegre, cada político recebe R$ 623 para pagar despesas de táxi, alimentação e hospedagem. Já para viagens para Brasília o valor dobra e vai para R$ 1.247, sem incluir as despesas de deslocamento de uma cidade para outra. O subsídio para a capital federal, para vereadores de Tupanciretã, é maior até mesmo do que é pago para deputados estaduais. São R$ 500 a mais em relação à despesa da Assembleia Legislativa.

Um projeto está sendo criado pelo vereador Claudiomiro Cordeiro, que não está entre os vereadores que mais gastam diárias. É um acordo de lideranças assinado pelos vereadores, que reduz os valores de diárias para viagens a Porto Alegre de R$ 623,76 para R$ 392,97, e de R$ 1.247,52 para R$ 623,73 em viagens para Brasília. Segundo Claudiomiro, esta ideia surgiu após a denuncia das diárias, a partir da qual a cidade ficou muito impactada.

Elencam-se a seguir algumas questões a serem destacadas sobre a farra das diárias:

Arte: Wander Schlottfeldt

Oito dos nove vereadores aceitaram a redução de até 50% nas diárias. Somente um vereador não assinou o projeto, alegando que o documento não é oficial, já que se trata de um acordo de lideranças, e não de uma lei. Dessa maneira, ele entende que, a qualquer momento, o acordo pode ser rompido.

Arte: Wander Schlottfeldt

Parlamentar foi questionada sobre diárias para vereadores de Tupanciretã.“O vereador cria diária, aumenta diária, baixa diária, aumenta salário, diminui salário… Nós que temos o poder de fazer tudo aqui, por isso que eu te disse anteriormente: nós que temos o poder. Poder que eu digo de aumentar ou baixar”, declarou a vereadora Caroline Lima Silveira , questionada sobre os gastos.

 

Arte: Wander Schlottfeldt

O subsídio para a capital federal, para vereadores de Tupanciretã, é maior até mesmo do que o que é pago para deputados estaduais. São 500 reais a mais em relação à despesa da Assembleia Legislativa.

A população de Tupanciretã cobra de seus legisladores, ações em benefícios de seus munícipes, como educação de qualidade, saúde básica e melhoria nas estradas. Este movimento das farras da diárias serviu para alertar cada cidadão sobre o seu papel  e de seus direitos na sociedade.

Por Milena Bittencourt, para a disciplina de Jornalismo Investigativo, do Curso de Jornalismo da UFN, ministrada pela professora Carla Torres, durante o 2º semestre de 2018.

Produção e foto: Gabriela Agertt

Milhões de mulheres no Brasil não têm acesso a educação. Elas também não possuem instruções para diferenciar quando sofrem violência doméstica. E você, sabe identificar uma pessoa que sofre com a violência doméstica? Não? Então você precisa acompanhar esta reportagem.

A violência doméstica é toda aquela praticada dentro de casa ou do que é considerado ambiente familiar. Ela não consiste apenas em pais batendo em filhos, ou cônjuges em suas companheiras. A violência doméstica compreende violência sexual, física, e psicológica, assim como privação ou abandono exercidos dentro do lar entre pais e filhos, marido e esposa e pessoas com qualquer outro grau de parentesco. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de cada três casos de violência doméstica atendidos pelos plantões do Sistema Único de Saúde (SUS), dois envolvem mulheres. Crianças e idosos também fazem parte do grande número de pessoas que sofrem maus tratos nas casas do Brasil.

Em 2016, tramitaram na Justiça do País mais de um milhão de processos referentes à violência doméstica contra a mulher, o que corresponde, em média, a 1 processo para cada 100 mulheres brasileiras. Desses, pelo menos 13,5 mil são casos de feminicídio, conforme dados apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

 

Violência em números

 

Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2018, os números são alarmantes. Em 2016, 4.645 mulheres foram assassinadas no país, o que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras, um aumento de 6,4% no período de dez anos. Em 2017, mais de 60 mil mulheres foram estupradas, um crescimento equivalente a 8,4%. Além disso, 1.133 feminicídios foram registrados no Brasil. Mais de 4.500 mulheres foram mortas e mais de 221 mil casos de lesão corporal dolosa foram registrados na Lei Maria da Penha. Cerca de 606 casos por dia.

Levantamento do Ministério Público do Estado de São Paulo revelou que a maioria dos assassinatos de mulheres acontece dentro do ambiente familiar e também durante a semana, de segunda a sexta-feira (68%). Jornalista do Estadão, Nana Soares, publicou no site do Jornal, em setembro de 2017, uma reflexão sobre gênero e violência. No texto, ela compila informações de violência doméstica, sexual e faz uma análise sobre os dados. Em um trecho da matéria, Nana diz que quase nada mudou no tratamento com vítimas da violência, mas que “também não muda o tratamento destinado aos agressores, classificados como loucos e anti-sociais, quando na verdade são o contrário: homens perfeitamente inseridos em uma sociedade que não dá o menor valor às vidas das mulheres”.

 

Identificação dos abusos

Alguns passos são fundamentais para que você reconheça se está sofrendo ou presenciando  violência doméstica. Entre alguns dos sinais de alerta, está a pessoa que tem machucados estranhos e inexplicáveis pelo corpo e rosto. O isolamento é outro sintoma: a vítima se afasta de amigos (principalmente homens) pelo medo de o agressor bater mais ainda. Além disso, expressões faciais também denunciam uma violência doméstica. O agressor pode parecer irritado e com raiva. A linguagem corporal do agressor também denuncia a violência. Ele pode cerrar os punhos, travar os dentes e se contorcer pela raiva. Cuide a movimentação. Carro da polícia em frente à casa do agressor é outro sinal de violência. Se você escuta constantes gritos por socorro, procure ajuda. A vítima precisa de auxílio para conseguir sobreviver. Armas podem estar envolvidas, então tenha cuidado ao se aproximar. Não negue ajuda, chame a polícia. A agressão física é a mais aparente, mas lembre que também existe a agressão verbal. Humilhações em público ou dentro de casa, discussões constantes com ameaças, domínio e controle sobre a companheira e intimidações são algumas das violências que a mulher sofre em um relacionamento abusivo, seja ele com o namorado, noivo, marido ou homens da família. O agressor utiliza-se do medo, inflinge culpa e vergonha para manter a vítima sob controle. Além disso, ele também pode machucar ou agredir alguém da família da vítima para mostrar força.

 

A Lei Maria da Penha

Não sinta medo. Você, mulher, está protegida desde 2006, com a Lei Maria da Penha. Ela é voltada para casos de violência doméstica e contra a mulher e foi criada por Maria da Penha,  para que o crime deixasse de ser de menor poder ofensivo. Maria foi agredida pelo marido diversas vezes em 1983 e, quando estava DORMINDO, levou um tiro de arma de fogo, que a deixou paraplégica. O caso só foi resolvido em 2002, quando o Estado brasileiro foi condenado por omissão e negligência pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. A pena para quem for enquadrado na Lei Maria da Penha é de 1 a 3 anos. Além disso, o juiz pode obrigar o agressor a participar de  programas de reeducação ou recuperação, e não é mais possível trocar a pena por doação de cesta básica ou realização de serviço voluntário.

Essa lei também criou novas formas de proteção à mulher ameaçada. Ela vale, por exemplo, para pessoas que não moram juntas. Nesse caso, o agressor só é preso se for pego em flagrante, se o comportamento dele oferecer risco à mulher e se, ao final do processo, ele for condenado. A criação da Lei Maria da Penha aumentou em 86% as denúncias de violência doméstica. Para ajudar as vítimas, o número 180 está disponível para denúncias. Além disso, existe a Casa da Mulher Brasileira, para aquelas vítimas que não têm para onde ir. Mesmo assim, os números, como visto no segundo parágrafo desta matéria, continuam crescendo.

Como denunciar?

Procurar uma delegacia especializada e realizar um boletim de ocorrência, ou ligar para a Central de Atendimento através do número 180. A denúncia é anônima e o serviço funciona 24 horas. A denúncia pode ser realizada pela vítima ou por alguém próximo a ela. A vítima também pode ligar para a polícia, no 190. Além disso, o número 100 está disponível como um dique-denúncia que auxilia em casos de agressões sexuais contra crianças e adolescentes, pornografia infantil e tráfico de mulheres. A Central de Atendimento à Mulher disponibiliza informações sobre a legislação, assim como, atendimento psicológico, jurídico e social à vítima. Além de guiar as vítimas sobre o que fazer. Desde 2014, o aplicativo Clique 180 apresenta informações sobre a Lei Maria da Penha.

Fonte: “Precisamos falar sobre violência doméstica”, por Julia Machado e Helena Moura.

 

O renascer de uma mulher

E como se recomeça a vida após um episódio de violência doméstica? O recomendado na cartilha feita pela Prefeitura de Passo Fundo é zelar pela integridade física e psicológica de todos os envolvidos. Se para isso for necessário a mulher abandonar a relação, ela certamente deverá tomar essa atitude. Mas sempre com muito cuidado, buscando apoio de amigos, familiares e profissionais. Ao contrário que se pensa, porém, muitos casais conseguem reconstruir a vida em comum, mesmo após um histórico de violência, após contarem com auxílio de profissionais. O importante é que você se sinta bem e protegida onde estiver.

 

Depoimentos:

Há dez anos, Jacinara*, sofreu as consequências de uma relação abusiva. Desse namoro, nasceu uma pequena que ainda hoje não sabe o que a mãe sofreu. Jacinara conta que desde o início já reconhecia a personalidade agressiva do companheiro.

“Ele sempre foi bastante genioso e orgulhoso. Sempre prezei pela liberdade e dizia isso a ele. Mas ele começou a abusar e saia para beber com os amigos e não tinha hora para voltar. Em um dos episódios, ele chegou em casa muito agressivo, me bateu e eu mandei ele arrumar as malas. Minha filha tinha 11 meses, na época, e morávamos com meus pais”, relata ela.

Mas conforme Jacinara, essa não foi a pior das agressões. “A tortura psicológica era constante. Manipulações a todo o momento. Ele me fazia pedir desculpas por erros dele. Meus pais nunca souberam que nosso relacionamento foi abusivo. Hoje minha filha não vê ele, e eu nem faço questão, já que ele mora em uma cidade do litoral gaúcho. Ele não liga e não procura”.

Hoje, ela já não se incomoda em falar sobre o assunto e ainda argumenta:

“Precisamos falar sobre o violência doméstica, para que ainda menos mulheres sofram abusos sexuais, psicológicos e agressões físicas. Tento conscientizar o máximo de mulheres possíveis. Hoje, já não me doi falar sobre o assunto”.

 

Paola* também diz já não se envergonhar para falar sobre o que sofreu dentro de um relacionamento abusivo de pouco mais de um ano. Ela conta que, no início, não havia percebido que estava sofrendo violência doméstica e psicológica.

“Só fui perceber meses após ter terminado o namoro. Ele me agrediu por 50 minutos no meu apartamento. Socos, pontapés, chutes, puxões de cabelo. Ele me atirava contra a parede e eu só gritava para que ele fosse embora. Ele só parou após a mãe dele ter ligado dizendo para ele ir embora, antes que eu chamasse a polícia. Antes disso, o padrasto dele entrou no apartamento, tentou intervir e tirar ele de cima de mim, mas não conseguiu. Foi horrível”, recorda ela.

Paola conta que a família do ex-namorado se omitiu com o socorro, assim como os vizinhos do apartamento, já que todos ouviam os gritos. Ela decidiu por colocar o agressor na justiça e fez pedido para uma sanção penal. Após três anos esperando, ela conseguiu participar da audiência que aconteceu há dois anos. “Ele entrou com recurso e eu nunca mais olhei o que aconteceu” – desabafa.

Na época, ela achava que só o apoio dos familiares e amigos a ajudaria superar o trauma. Mas hoje, Paola faz tratamento psicológico e toma medicamentos para conseguir dormir. Além disso, ela também deixa a televisão ligada dia e noite para não se sentir sozinha quando está em casa.

As duas vítimas são unânimes ao dizer que a violência doméstica deixa marcas para o resto da vida. Em Jacinara, é a filha quem sofre as consequências. Já Paola diz não gostar de toques até hoje, mesmo cinco anos após o fim do relacionamento. “Não é qualquer pessoa que pode me abraçar e, ainda assim, me sinto incomodada com amigos me tocando ou pessoas colocando as mãos em meus ombros para pedir licença ou me tirar para dançar em festas”, diz Paola.

 

*Os nomes foram trocados pela segurança das vítimas.

 

Reportagem produzida por Natália Venturini e Milena Dias para a disciplina de Jornalismo Investigativo, do Curso de Jornalismo da UFN, durante o 2ºsemestre de 2018, sob orientação da professora Carla Torres.

Empatia no dicionário significa ação de se colocar no lugar de outra pessoa, buscando a cumplicidade com o outro. É o ato de agir e pensar do mesmo modo, nas mesmas circunstâncias. Porém, pode-se dizer que empatia é uma palavra rara na sociedade atual, ainda mais quando se trata de se colocar no lugar de uma mulher, de sentir na pele como é ser mulher em meio a tantas pressões sociais, políticas e religiosas.

A cada um minuto uma mulher faz aborto no Brasil – de acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto de 2016. O trabalho revela que uma em cada cinco mulheres até 40 anos já fez, pelo menos, um aborto no país. Mesmo assim, nenhuma ação política eficaz é feita em prol da questão. As mulheres já conquistaram o direito ao voto, ganharam voz, mas ainda buscam pela autonomia sobre seu próprio corpo e por espaço em uma sociedade machista e conservadora.

As lembranças das mulheres que vivenciaram um aborto, transformam-se em luta ao longo dos tempos. Petúnia e Bromélia são codinomes escolhidos para identificar as vozes anônimas dessa reportagem. Os codinomes representam flores, a escolha se deu pela delicadeza inerente elas, pelas particularidades que cada uma possuí e pelos significados das flores, a primeira simboliza resistência e é muito usada para demonstrar força, a segunda refere-se as palavras ressentimentos, transformações e recomeço.

A dor das mulheres expressa nos traços de um desenho. Ilustração: Mateus Ferreira

“Eu não tenho muita certeza de que a
descriminalização ou legalização do aborto vai salvar muitas mulheres.  Ninguém faz um ‘abortinho’ como método anticoncepcional. É horrível. É um trauma. Por mais de boa que tu leve a situação, é péssimo. É um fardo que tu carrega.  A gente nunca tem total ideia do que é um aborto até passar por aquilo, porque militar ou ser a favor é muito distante, é defender uma causa DELAS, das mulheres. Mas tu não se inclui nisso. Tu entende porque tanta mulher morre, porque tanto relato horrível na internet, mas não vivência. NENHUMA mulher tinha que passar por isso sozinha e essa PEC (…), ela é horrorosa, simplesmente anulam o fato da mulher ser um humano”. – Bromélia, 21 anos.

 

 

O aborto é interrupção de uma gravidez pela remoção de um feto ou embrião, pondo fim no desenvolvimento dentro do útero. Existem dois tipos de aborto, o espontâneo que ocorre naturalmente e o aborto induzido, aquele que acontece quando a gestação é interrompida por meio da ingestão de remédios ou da curetagem – procedimento cirúrgico em que há a raspagem da parede uterina para a retirada do embrião ou feto.

No Brasil, o aborto é considerado crime contra a vida humana – conforme o Código Penal de 1984. O aborto no país só é direito da mulher quando existe risco de vida para a gestante, quando a gravidez é resultado de estupro ou quando o feto é anencéfalo. No caso de estupro, a vítima deve denunciar numa delegacia e fazer o exame de corpo delito. Só após estes procedimentos o aborto é liberado em caso de violação do corpo da vítima. Sabe-se que, por vezes, esses processos demoram longos períodos já que em determinadas situações o caso é encaminhando a um juiz e este analisa o processo, julga e indica a medida que deve ser tomada.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) anualmente, 25 milhões de abortos ilegais são realizados no mundo. Segundo este levantamento 97% dos abortos ilegais que colocam a vida da mulher em risco, ocorrem em países em desenvolvimento como África, Ásia e na América Latina. E é na América do Sul que existe a segunda maior taxa de gravidez na adolescência no âmbito mundial, sendo que 18% de todos os partos são de mulheres com menos de 20 anos de idade – segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Muitos abortos induzidos ocorrem justamente na adolescência, fazer um aborto induzido, aqui, no Brasil pode desencadear de um a três anos de prisão para a gestante que induzir o aborto e para todas as pessoas que o provocarem, mesmo com o consentimento da gestante, como médicos, enfermeiros ou qualquer pessoa envolvida no caso.

Remédios Abortivos

O nome mais conhecido quando o assunto é remédios abortivos é o Cytotec, nome comercial, cujo composto farmacológico é o Misoprostol. De acordo com a médica clínica geral Fernanda Dorneles, o medicamento tem como efeito a dilatação do colo do útero e promove contrações semelhantes as dores do parto. Isso quer dizer que o composto contribui para a expulsão do feto de dentro do organismo. O medicamento é usado via oral, sublingual e vaginal. “Dependendo do tempo de gestação que a mulher se encontra a dilatação do colo do útero pode significar uma indução ao trabalho de parto ou um aborto”, explica a médica. Em países onde o aborto é legalizado, o medicamento é utilizado e tem 95% de eficácia. Já no Brasil, como o aborto não é legalizado (somente em casos previstos por lei), o remédio não deve ser comercializado ao público no geral, mas não é isso que acontece.

É visto que a cada dia clínicas e mais clínicas clandestinas surgem e atuam realizando abortos fora da lei. Para a remoção do feto, nesses locais são utilizados diversos métodos, não apenas o Cytotec. Há o uso de utensílios nada seguros como agulhas de tricô e cabides, além de tentativas de rasgar o útero com algum objeto de ferro. A partir destas questões a reportagem saiu às ruas de Santa Maria/RS e buscou por métodos abortivos ilegais, houve a descoberta comercialização do Cytotec em nosso município. O remédio é comercializado livremente em um ponto central da cidade, especificamente, a banca fica localizada no Shopping Popular de Santa Maria.

De acordo com a investigação das acadêmicas para ter acesso ao remédio a pessoa interessada deve fazer o pedido e mediante ao pagamento de metade do valor a encomenda é feita. O vendedor marca um horário no mesmo local para a entrega do medicamento. O valor total é de R$800,00 e a única forma de pagamento é em dinheiro.

O aborto e o que pode mudar com a PEC 181

Está em andamento no Congresso Nacional a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 181, o projeto de lei visa proibir todas as formas de aborto no Brasil, inclusive em casos de estupro ou risco de morte a gestante, tornando o ato um crime. A proposta de emenda constitucional praticamente inviabiliza a questão do aborto no Brasil, tornando ilegal a interrupção da gravidez mesmo nos casos permitidos hoje pela lei. Caso a PEC seja aprovada haverá a criminalização do aborto em qualquer situação.

Uma proposta de emenda constitucional só entra em vigor a partir de quatro votações no Congresso Nacional: na primeira etapa o texto é avaliado por uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados, em seguida passa por uma votação entre todos os deputados no plenário; na segunda etapa o texto é encaminhado para uma comissão, depois para uma votação no plenário com os senadores. Então em cada casa legislativa, são feitos dois turnos de votação. Se houver mudança na proposta quando passar pelo senado, o texto volta para análise da Câmara. A PEC 181 aguarda ser votada no senado. No gráfico abaixo percebe-se a opinião das mulheres residentes em Santa Maria, a respeito do projeto de lei 181.

A comissão formada inicialmente tinha outro intuito, o de discutir a proposta de maneira diferente, ela visava aumentar o tempo de licença-maternidade no caso de bebês prematuros. A PEC 181/2015, aqui em questão, foi pautada e apresentada pelo senador Aécio Neves, sendo avaliada em conjunto com a PEC 58/2011, de conteúdo parecido. O propósito era estender o período da licença-maternidade pela quantidade de dias em que o bebê recém-nascido ficasse internado no hospital. A licença de 120 dias poderia aumentar até 240 dias, tudo estabelecido de acordo com o tratamento da criança. No entanto, ao longo das análises da proposta houve uma alteração que parece mero detalhe, mas que faz uma diferença significativa na problemática do aborto.

Em novembro de 2017, o texto aprovado pela comissão foi alterado, para assim incluir na constituição a ideia de que a vida deve ser respeitada desde a sua concepção, não só depois do nascimento. E é essa mudança que pode tornar qualquer caso de aborto crime, mesmo os que hoje em dia são permitidos pela Lei, como já dito.

No banco de dados da pesquisa feita pelas estudantes concluiu-se que a maioria da população de mulheres participantes da pesquisa defende a não aprovação da PEC 181.

A voz das mulheres

Uma pesquisa foi feita com 100 mulheres de Santa Maria, de 18 a 60anos de idade. As questões foram feitas para saber como as mulheres lidam com a temática do aborto nos dias de hoje e qual a posição delas em relação a PEC 181, que visa anular o aborto no país.

Entre os dados extraídos, concluiu-se que 85% das mulheres entrevistadas conhecem outra mulher que já passou pela situação do aborto, seja ele espontâneo ou induzido. Isso quer dizer que a cada 5 mulheres, 4 delas conhecem alguém ou já tiveram contato com o aborto, como mostra o gráfico número 4. Sendo que dentre as que já induziram o aborto, mais da metade das mulheres tomou remédios abortivos, botando a própria vida em risco.

 

A falta de informação em relação ao aborto, principalmente nos casos permitidos por lei, no exercício do direito das mulheres é uma realidade no país, a ausência de informações predomina e revela um cenário de negligência. As mulheres buscam por alternativas que colocam a vida em perigo, segundo a Pesquisa Nacional do Aborto de 2016, cerca de metade das mulheres que fizeram aborto recorreram ao sistema de saúde e foram internadas por complicações relacionadas ao aborto, pelo uso de medicamentos ou outras formas de interromper a gravidez. Um pouco dessa realidade você pode conferir em números abaixo, a partir da pesquisa feita pelas repórteres:

 

 

Quando tinha 20 anos Bromélia abortou. “Descobrir foi muito bizarro porque simplesmente não passava pela minha cabeça que uma coisa dessas ia acontecer, ainda mais do jeito que aconteceu. Eu fiz o teste de gravidez muito brincando. E a sensação de quando o teste deu positivo, nossa, eu me senti muito suja eu só conseguia sentir muito nojo e vergonha. Eu fiz mais dois exames de sangue e um ultrassom porque eu simplesmente não acreditava que aquilo era real.” A semana da realização do aborto e as consequências deixadas no corpo físico e psicológico são marcas que ficam para toda vida de uma mulher.

Segundo a psicóloga Regina Silva os traumas podem surgir em qualquer pessoa que vivencie uma perda, porém, “o modo como cada pessoa reage depende muito de sua estruturação psíquica e das estratégias que ela vai desenvolver para elaborar essa perda. O mesmo se aplica a uma mulher que sofre ou induz um aborto; não é possível mensurar quem sofre mais. Divulga- se muito a informação de que as mulheres que optam pelo aborto sofrem mais de quadros depressivos e acabam se arrependendo, mas se tu fores buscar na literatura especializada no assunto vais ver que isso não é uma verdade”,
afirma a psicóloga Regina.

Bromélia conta que a ideia de ter um filho nunca nem passou pela sua cabeça, sempre teve bastante certeza do que queria – não seguir uma gravidez. Na semana que antecedeu o aborto se enxergava como uma mulher fisicamente e psicologicamente exausta.

“Lembro do dia antes de fazer, eu cheguei do
trabalho muito enjoada e nervosa, só tive força pra
chegar em casa e chorar. Isso foi numa sexta-feira e
eu só levantei no domingo de tarde. É tudo muito
esquisito. Todo o tabu que gira em torno, tudo que
as pessoas falam. Tu nunca acha que vai passar por
uma coisa dessas. Tu se questiona se tu ta certa
sobre aquilo, se de fato é só sobre o teu corpo. E é
assim. Vivi toda situação do aborto estando no ápice
dos privilégios, por ser mulher branca, universitária,
e com muito apoio emocional, sei que podia ter sido
muito pior. Meus amigos me apoiando foi essencial,
não sei nem explicar, mas o próprio ato de ir
comprar o remédio é duro, não saber se tu ta
tomando um remédio falsificado é duro. E eu ainda
tive essa opção de tomar o remédio. Não é qualquer
mulher que tem quase 1000 reais pra comprar meia
dúzia de comprimidos e realizar exames. Enquanto
eu fazia o procedimento eu sentia muita raiva por
estar passando por aquilo, podia ser muito mais
simples, eu não precisava estar sentindo tanta dor e
sangrando. Tinha horas que eu achava que não ia
aguentar” – desabafa Bromélia.

Bromélia não teve a chance de um tratamento humano e tranquilo quando sentiu a necessidade de abortar, assim como milhares de mulheres. Na pesquisa feita na internet, muitas não entendem o Sistema Único de Saúde como uma solução eficaz para a problemática.

O assédio e a revolta

“É meio louco falar em assédio, estupro, o abuso… parece que isso não condiz com a minha realidade ou com a realidade dele. Porque ele é o “amigão” da galera, mas foi e é difícil aceitar isso. Uma das poucas coisas que eu lembro é de um certo momento pedir muito pra ele parar, mas acordei sem nem saber onde eu tava.” – Bromélia, 21 anos.

A outra flor de nossa história chama-se Petúnia – significa transformação e ressentimentos. A idade da flor é também de 21 anos, encontrava-se com 17 quando toda dor começou. “Quando eu acordei depois de tudo falei com o agressor e ele me garantiu, disse que tinha plena certeza que eu não estaria grávida. Não estava assimilando as coisas que aconteceram e não tinha como eu saber tudo que tinha acontecido sabe? Mas o que eu sabia era que nunca ia querer ter um filho, uma lembrança de uma coisa traumatizante, e eu nunca cheguei a saber se de fato eu estava grávida, ou não porque eu não tomava anticoncepcional, mas assim que eu pude eu tomei a pílula do dia seguinte”, relata a jovem.

Petúnia era muito nova quando foi abusada, e não estava em sã consciência na hora do ato. Mas teve o apoio e ajuda de amigas que lutam pelos direitos das mulheres e então foi orientada a denunciar o estupro, e perceber que o que tinha acontecido era errado. Passaram-se cinco anos desde então, e na delegacia nada foi feito a respeito do caso.

“Eu acordei no susto mesmo, com dor e
sangrando, eu era virgem. Foi assim o
momento que voltei um pouco para mim,
recuperei minha consciência. Eu
provavelmente teria levado adiante um aborto.
Minha mãe é muito religiosa, não sei como ela
reagiria, mas provavelmente ela teria me
apoiado nessa decisão. A minha primeira
atitude depois de tudo isso, foi ir na delegacia,
não foi uma atitude pensada por mim, não foi
uma atitude que eu tomei sozinha, porque no
momento tu fica muito assustada e pensa,
não ta acontecendo comigo, ta?”

– Petunia, 21
anos.

Culturalmente a mulher sempre foi induzida e direcionada a atender as exigências construídas pela sociedade machista e pouco favorável a mudanças – uma das reflexões acerca do tema, de Regina Silva, psicóloga. A profissional explica que em determinado momento histórico as mulheres foram convencidas a darem mais atenção aos filhos, como se a mulher tivesse como única função: o ser mãe. “O amor incondicional ao filho, na verdade não passa de algo moldado, trabalhado nas mulheres, que ao longo das décadas foi se tornando cada vez mais presente e visto como natural”, aponta Regina. Petúnia
desabafa e compartilha da mesma visão da psicóloga “O mais natural é tu te culpar na hora, se tu falar sobre isso com a tua mãe ou com alguém da tua família um pouco mais conservador, eles vão te julgar por pensar no aborto, vão te julgar por ser estuprada, vão te julgar por não querer ser mãe. Mas eu entendo as mulheres, existem muitos fatores que fazem com que a pessoa não queira ter um filho, não queira vivenciar todo processo de gerar uma criança. Eu acredito que cada um tem seu livre arbítrio para escolher se quer ou não ter um filho”, afirma a jovem flor.

Foram os amigos, as rodas conversas na universidade, as trocas em grupos feministas que ampliaram a visão de Petúnia a respeito do assunto aborto. Já para Regina Silva foram os livros. A leitura da obra de Elisabeth Bandinter “O mito do Amor Eterno” foi principal chama para a tomada de consciência de Regina Silva. Ela mulher, militante e feminista passou a acreditar e a defender a descriminalização do aborto, percebeu que muito do que pensava sobre a maternidade na realidade sobre o desejo de não ter filho – estava descrito e embasado no livro de acordo com os momentos históricos e culturais. Na academia Regina estudou o aborto realizando o trabalho final de graduação com ênfase nessa temática e tendo como título: “Filho é fruto do desejo, o resto é feto!”- uma análise dos discursos produzidos nas redes sociais sobre o aborto, durante o ano de 2016. Regina por fim ressalta: “muitas pessoas argumentam ah, mas existem tantos métodos se engravidou foi porque quis, não existe acidente. Será que não existe mesmo? Será que essas pessoas já ouviram histórias de mulheres que tomavam seu anticoncepcional rigorosamente, e por conta do uso de algum outro medicamento, o primeiro teve seu efeito reduzido e com isso uma gravidez? E então, será que toda mulher vai ter o desejo e dispor de estrutura física e emocional para arcar com uma gestação? A questão é muito mais complexa que simplesmente apontar e dizer que “ah, você não se cuidou porque não quis”.

Reportagem produzida na disciplina de Jornalismo Investigativo, sob orientação da professora Carla Torres.

Texto: Agnes Barriles e Tayná Lopes

Os macacos estão entre os alvos dos traficantes de animais. Foto: Vitória Fernandes/ UFRN/IBAMA

 

Confinados na escuridão, amarrados, sem comida, queimados ou dilacerados. Centenas de animais já foram vítimas de maus tratos e tráfico no País. Um grito que muitas vezes não é escutado por ninguém, mas quando a polícia flagra, as cenas que chocam pela crueldade.

De acordo com a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais (Renctas), o Brasil é um dos principais alvos dos traficantes da fauna silvestre. O motivo é sua grande biodiversidade. A organização não-governamental foi fundada em 1999 e desenvolve ações pelo Brasil. De acordo com a Entidade, o tráfico pode movimentar até 20 bilhões de dólares no mundo com comércio ilegal, e só fica atrás do tráfico de drogas e armas. Temos uma participação ingrata de 15% nesse montante, conforme a Renctas. Em terras brasileiras, a movimentação chega a 900 milhões de dólares. O valor alto se justifica pela raridade do animal ou grau de ameaça de extinção. Com mais de um 1,4 milhão animais catalogados no mundo, a ONG contabiliza 10% do montante no Brasil, principalmente primatas, borboletas e anfíbios. O país já conta com 218 espécies ameaçadas de extinção.

ROTAS DO TRÁFICO

O comércio ilegal de animais não é algo do século XXI. Animais silvestres eram vendidos por exploradores europeus no tempo das caravelas. Animais exóticos ou pouco conhecidos eram levados das terras tupiniquins para o velho continente. Com o passar das décadas, a prática foi virando uma forma de lucro e o crescimento ligou um sinal de alerta tardio. Assim, foi necessária a criação de leis para proteger os animais. Contudo, a primeira iniciativa veio somente em 1967 com a Lei de Proteção à Fauna. Mais de 20 anos depois, a Lei de Crimes Ambientais considerou os animais e seus ninhos de propriedade do Estado. Assim, a compra e a criação de animais silvestres são consideradas crimes inafiançáveis.

O Brasil está entre os principais exportadores, como Peru, Paraguai, Argentina e África do Sul. Mas para ocorrer a comercialização é preciso ter compradores. Os principais consumidores são: Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e Bélgica.

Um estudo da Renctas aponta a maioria dos animais vítimas desse tipo de crime proveniente das regiões norte, nordeste e centro-oeste do Brasil. O caminho deles, na maioria das vezes, é a parte fronteiriça do País. As estradas brasileiras são as rotas mais procuradas, mas há quem arrisque levar por aeroportos, em pacotes ou em jatos particulares. Entre as cidades brasileiras onde os animais passam ilegalmente está uma cidade do Rio Grande do Sul. Uruguaiana, com 125 mil habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatísticas (IBGE) de 2010, faz fronteira com Argentina e fica próxima do Uruguai, sendo um ponto atrativo para os traficantes. A BR 472 é um caminho comum usado pelos criminosos.

Mapa mostra as rotas do tráfico de animais no Rio Grande do Sul e suas ligações com Santa Catarina e outros países vizinhos. Fonte: Renctas

A última grande apreensão de animais registrada em solo gaúcho, ocorreu na própria cidade de Uruguaiana. Dois homens argentinos foram flagrados transportando 634 pássaros. Ambos vinham de São Paulo, onde participaram de uma competição. Na fiscalização, a polícia identificou que mais da metade dos animais não tinham a guia de transporte exigida. Mais de 30 pássaros morreram no transporte.

Santa Maria, na região central, é um ponto forte de ligação. No dia 4 de junho, o Comando Rodoviário da Brigada Militar apreendeu na região, em Caçapava do Sul, 37 pássaros silvestres na ERS 357. Na ocasião, duas pessoas foram presas. No coração do estado gaúcho, as BRs 158, 290 e 287 se encontram no município, o que facilita o deslocamento. Distante 138 quilômetros, a cidade de Cachoeira do Sul é apontada pela Renctas como um local de venda de animais.

Engana-se quem pensa que o tráfico tem como foco apenas animais de estimação. A fauna silvestre é alvo dos mais variados fins:

  • Animais para zoológicos e colecionadores particulares;
  • Animais para fins científicos;
  • Animais para comercialização internacional em “pet shops”.

No ano de 2013, o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio Grande do Sul realizou uma campanha para combater à prática. As aves são os principais alvos. Conforme o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), esse tipo de animal corresponde a quase 80% do comércio ilegal. Curiós, canários da terra e trinca-ferros, por exemplo, são alguns dos alvos prediletos. Conforme o Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre, 60% dos animais são vendidos no mercado irregular para consumo interno e os outros 40% para o exterior.

MANTENEDOURO DE FAUNA SÃO BRAZ, UM RECANTO PARA 600 ANIMAIS

Muitos animais apreendidos no Rio Grande do Sul vêm para Santa Maria, mas não por causa da localização da cidade, e sim, pois aqui, entre o verde da zona rural está situado o Mantenedouro de Fauna São Braz. Erguido no distrito de Boca do Monte, o local conta com mais de 30 hectares. Em 1995, o coordenador do projeto, Santos de Jesus Braz, veio como uma luz para dar uma oportunidade de vida tranquila e segura aos animais apreendidos pelo tráfico e maus tratos.

“Somos uma das instituições mais antigas do Rio Grande do Sul. Comecei por um gosto próprio pela vida selvagem. Fizemos um trabalho público, sem ajuda governamental. A única ajuda que temos é o da vigilância sanitária, quando se tem alguma apreensão de alimento impróprio. O desafio maior foi ganhar a empatia da sociedade para provar que fazemos um trabalho sério e isso levou mais de 10 anos”, declara.

Manter 600 animais, de 122 espécies, em um local devidamente estruturado e com qualidade não é um custo baixo. São necessários por mês mais de quatro toneladas de alimentos, sendo mil quilos de carnes. Algumas empresas da região ajudam como podem.

“Temos doações como de uma empresa Bahia que nos doa mamão e banana. Temos uma que nos dá recorte de frango. Uma vez que tem apreensão no estado eu nunca me neguei a receber. Veio um urso para cá. O animal estava sob custódia de um circo há 10 anos”, afirma Braz.

Erra quem pensa que os animais de maior porte são os que dão mais trabalho aos cuidadores. Pequenos e arteiros, os micos-prego, uma espécie de macaco, são os que mais necessitam de atenção. Segundo Braz, eles já fugiram 43 vezes, pois desatam as telas dos viveiros. Os animais mais velhos do local são os bugios, os micos-prego e algumas araras do antigo parque Oásis de Santa Maria. De acordo com coordenador, as araras podem viver até 80 anos.

“É bom ressaltar que não recebemos animais da mão da sociedade. Tem que ser de algum órgão ambiental. Recebemos animais oriundos de apreensão, maus tratos, circo (que agora não tem mais no estado) e do tráfico de animais. O comércio ilegal é o terceiro negócio ilícito do Brasil”, revela.

Mantenedouro criou o projeto adote um animal, no qual empresários pode ajudar a manter a alimentação dos bichos. Imagem: Divulgação/São Braz

Ele ainda conta que o Mantenedouro tem animais próprios da Amazônia e estão em Santa Maria, em função do tráfico. São papagaios e periquitos sem condições de devolvê-los à natureza. O estado de crueldade em que os animais são encontrados no momento da apreensão choca. “Nesses 35 anos com animais selvagens, eu já vi retina de olhos queimados, macacos embriagados com cachaça, aves com as asas cortadas (…) são inúmeros casos. Tenho aqui caixas minúsculas apreendidas pela Polícia Federal, que iam em voos pressurizados para fora do país e armadilhas. Impressionante o que o homem faz, por isso que o nosso planeta pede socorro”, desabafa.

Nessas décadas de trabalho, Braz revela que no sul do Brasil o animal mais comercializado é o Cardeal. Depois vem Canário da Terra, Trinca Ferro e Azulão. “Eles são retirados da natureza porque existe o comprador. Jamais se coloca um animal na gaiola. Na grande maioria dos pássaros conseguimos o devolver. O animal nasceu para ser livre, mas existem aqueles humanizados, que estão reféns do homem na gaiola. Aí posso citar papagaios que cantam e falam. Isso é um crime ambiental. Tenho aqui animais que cantam o hino do Grêmio e do Inter. Esses jamais voltam para a natureza, pois não vão conseguir se defender e buscar o alimento próprio”, enfatiza o coordenador do Mantenedouro.

Braz lembra de um episódio perplexo, quando ficou sabendo que um dos tigres que está no local era alimentado com cães e gatos. “Os tigres chegaram muito debilitados. Me chocou saber de depoimentos de donos de circo que um tigre ou leão comiam cães. Isso é inaceitável”, declara.

Com um grande número de equipamentos para transporte legal e seguro dos animais, o Mantenedouro é chamado constantemente pelos órgãos de proteção para auxiliar no trabalho. O espaço tem autorização para ser um zoológico, mas Braz afirma que esse não é o foco. Ele assegura que os animais não são artistas, nem astros de cinema para serem aplaudidos. O local recebe apenas visitas ambientais educativas de escolas e empresas.

NÚMERO DE APREENSÕES E SOLTURAS IMPRESSIONAM

Conforme o IBAMA, os dados disponíveis quanto a apreensões e solturas são relacionados aos animais que foram recebidos pelos Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do instituto. Em 2017, os Cetas receberam 30.902 animais que foram apreendidos. No mesmo período, 30.359 foram devolvidos à natureza, o que inclui animais que já estavam nos Cetas em anos anteriores. Se compararmos com os dados de 2010, houve uma redução drástica. Naquele ano, houve uma apreensão de 60 mil animais, sendo que cerca de 54 mil foram devolvidos. Já em Porto Alegre, o Cetas recebeu em 2017, 1.815 animais de apreensões e devolveu à natureza 410 animais.

Os Centros são unidades responsáveis pelo manejo dos animais silvestres recebidos de ação fiscalizatória, resgate ou entrega voluntária de particulares. Eles têm a finalidade de receber, identificar, marcar, triar, avaliar, recuperar, reabilitar e destinar esses animais. Nesses locais, os bichos desenvolvem uma reeducação alimentar, locomotora e outras habilidades próprias de cada espécie para voltar a natureza. Há muitas etapas até a soltura:

– Conhecer o lugar de origem ou a área de ocorrência;

– Classificar o animal, a que espécie pertence;

– Realizar marcação adequada de cada espécie;

– Verificar a capacidade de suporte da área a ser realizada a soltura;

– Liberar o animal em seu habitat, respeitando as suas condições ecológicas;

– Monitorar a evolução e a adaptação pós-soltura;

– Desenvolver todas as etapas, cumprindo a legislação vigente.

O transporte ilegal desses animais, sem nenhum controle sanitário também é um problema de saúde pública, pois eles podem transmitir doenças graves e até mesmo desconhecidas para determinadas localidades. O veterinário e coordenador do setor de fiscalização do Conselho de Medicina Veterinária do Rio Grande do Sul, Matheus Lange, assegura que esses animais são traficados em condições muito precárias. “Existe expectativa de quase 90% dos animais retirados dos seus locais, acabam morrendo. Isso é um problema grave, pois ao serem retirados não sabemos seu estado sanitário, que pode causar doenças a outros animais e as pessoas”, relata.

Além disso, Lange reforça que após ser retirado de um determinado local, pode haver um desequilíbrio no meio ambiente, já que o animal silvestre tem grande probabilidade de virar um predador ou uma presa. O profissional garante que animais com lesões são difíceis de se fazer a reabilitação e viram alvos fáceis.

COMO TER UMA ANIMAL LEGALIZADO

Animais silvestres, em princípio, não devem ser domesticados, mas algumas pessoas podem ter em casa caturritas, papagaios, tucanos, micos e jabutis. A forma correta é comprar animais nascidos em cativeiros, em criadouros comerciais. Mas não basta comprar em um lugar em conformidade com a legislação. O animal tem que estar com anilha ou microchip. Anilha é um anel colocado nas patas, principalmente das aves. Já o microchip é implantado sob a pele do animal comprado. Esses equipamentos possuem um número de identificação, como um RG de uma pessoa. Também é obrigatória a disponibilização da nota fiscal da venda com nome científico, data de nascimento, sexo e número de identificação. O veterinário Matheus Lange orienta as pessoas na hora da compra.

“Primeiro sempre procure locais legalizados, se informem da maneira mais adequada de manter esses animais, pois o que pode ser bom para o ser humano, não é bom para eles, como alimentação, luz, descanso […] e ter um acompanhamento com veterinário para auxiliar na saúde, eventuais vacinas e manutenção da qualidade vida deles como ambiente. O acompanhamento com veterinário é fundamental”, ressalta.

PRIMEIRO E ÚNICO RELATÓRIO DE TRÁFICO

Não existe no país um número atualizado anualmente quanto a apreensão de animais do tráfico, sem ser dos Centros de Triagem de Animais Silvestre do país, vinculado ao IBAMA. O único relatório feito com todos os órgãos de proteção do Brasil foi divulgado em 2001 pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais (Renctas). “Após um ano de pesquisa, a entidade chegou a ter em posse 16 mil páginas”, conforme o coordenador geral Dener Giovanini. Segundo ele, em seguida foi feito um trabalho de análise das informações, separação das fontes e alimentação do banco de dados. Depois da publicação, não houve mais atualização.

O relatório apontou as aves como animais que mais sofrem com o tráfico. Além do animal vivo, um indeterminado número de aves é morta e suas penas, couros e outras partes são comercializadas. Os ovos também entram no comércio. Já os répteis entram pelo valor monetário e suas peles. Outros animais também são cobiçados pelas peles, como crocodilos e lagartos, utilizados para uma variedade de produtos: bolsas, sapatos, cintos e até malas. O documento mostra como é comum acharmos em feiras da Europa araras brasileiras por 4 mil reais.

O IBAMA estima que entre 45 e 60 mil, o número de animais apreendidos por ano no Brasil, em operações do próprio instituto e dos demais órgãos de fiscalização, mas não há um levantamento oficial atualizado, como o de 2001 do Renctas. Apesar de não existir esse levantamento, quem trabalha há décadas com o tema percebe uma diminuição nos casos de tráfico. O chefe da unidade técnica de 2º nível do IBAMA em Santa Maria, Tarso Isaia, constatou essa redução na região. “Efetivamente a gente pode concluir com as ações do IBAMA houve uma redução bastante significativa. Já tivemos no passado um volume muito grande. Esse crime ambiental já foi mais grave, as ocorrências diminuíram bastante pela ação de fiscalização dos órgãos como IBAMA e Brigada Militar”, conta.

Para Isaia, esse cerco do poder público foi um fator importante para a queda. Ele informa que o IBAMA atua de várias maneiras, por meio de denúncias, operações de rotina ao longo do ano e investigações. O chefe regional do instituto alerta para um problema que vem surgindo com a tecnologia. A migração do tráfico para a negociação pela internet. Conforme Isaia, o IBAMA faz um levantamento em redes sociais de questões relacionadas aos animais em cativeiro. “Já existe jurisprudência de que a rede social é um comprovante de pessoas que expõem essa ação. E elas estão sujeitas a todas as sanções”, esclarece. Ele ainda elucida, que o todas as infrações ambientais podem ser apuradas em três níveis: administrativo (multas); esfera cível e denúncia de criminal. As penas variam de multas, prestação de serviços à comunidade e até prisão. O IBAMA atua com multas administrativas, em valor financeiro estabelecido por decreto presidencial.

DEZ AGENTES PARA MAIS DE 200 CIDADES

O órgão federal também sofre com a limitação de fiscais. Hoje, são dez servidores atuando na unidade Santa Maria, que abrange 237 cidades da região centro-oeste e noroeste do Rio Grande do Sul. O número alto de cidades justifica-se pelo fato da seccional de Passo Fundo ser fechada e cidade teve que incluir mais municípios no seu trabalho.

“São inúmeros os temas que a gente se envolve como: água, solo, contaminação, aplicação de venenos não autorizados, questões de mineração, fauna, flora […] trabalho é que não falta e às vezes o que não se tem é capacidade operacional. Trabalhamos com aquilo que é possível. Estamos trabalhando com a possibilidade de um concurso no ano que vem e estamos precisando, pois, o IBAMA está há cinco anos sem concurso”, finaliza o chefe da unidade de Santa Maria.

Em meio a todas essas dificuldades e situações, quem mais sofre nas mãos de pessoas mal-intencionadas são os animais, que gritam por socorro e, na maioria das vezes, podem estar passando ao seu lado em uma estrada, mas não são ouvidos.

CONTATOS PARA DENUNCIAR O TRÁFICO DE ANIMAIS

IBAMA/Santa Maria – (55) 3221-6843

2º Batalhão Ambiental Da Brigada Militar – (55) 3221 7372 

Brasil em números

517 espécies de anfíbios
468 de répteis
524 de mamíferos
1.622 de aves
3 mil peixes de água doce
15 milhões de inseto

Fonte: Ministério do Meio Ambiente, Relatório Nacional sobre a biodiversidade, 1998

 Animais mais procurados pelo tráfico:
 Papagaio de cara roxa
 Arara canindé
 Arara-vermelha
 Corrupião
 Curió
 Tie-sangue
 Saíra-sete-cores
 Tucano
 Mico-leão-dourado
 Macaco-prego
 Jaguatirica

Fonte: Renctas
Reportagem produzida durante o 1º semestre de 2018, na disciplina de Jornalismo Investigativo, do Curso de Jornalismo da UFN, ministrada pela professora Carla Torres.

Alimentos, produtos de higiene e artigos religiosos para a venda no Bairro Passo da Areia. Foto: Mateus Ferreira.

Domingo ao meio-dia. Almoço em família, a carne já está no fogo, o arroz na panela e a mesa está posta. Batatas já cozidas, agora só falta a maionese. Ops, não tem mais no armário! Sem problema. É só dar um pulinho no mercadinho que fica ali na esquina. Essa é uma situação comum, consequência de uma rotina agitada durante a semana. Mas aquele mercadinho, que tantas vezes nos salvou do sufoco, tem os cuidados necessários com o acondicionamento, com a temperatura de armazenamento  e com a validade de seus produtos?

Esses são fatores essenciais, previstos por lei, e que a maior parte da população não costuma verificar. Quando corremos para as compras, em especial daquele produto que esquecemos e só notamos na última hora – na necessidade de adquiri-lo – acabamos por ignorar muitos desses cuidados básicos. A maionese é um dos produtos campeões da “validade vencida”. Só ao chegar em casa, ou mesmo depois de consumi-la, é que notamos o problema.

A fim de orientar o consumidor sobre infrações comuns dos estabelecimentos, fizemos uma apuração em alguns minimercados e armazéns situados em cinco bairros de Santa Maria: Centro, Nonoai, Passo da Areia, Rosário e Urlândia. Todos funcionam aos finais de semana e em alguns feriados. Para esclarecer critérios e facilitar para ao público leitor, foram desconsiderados produtos não regulamentados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), como chupetas, baldes, chuveiros elétricos e afins.

Para essa busca, nos apoiamos em documentos públicos e de acesso aberto, como a Cartilha do Consumidor e a resolução n° 35/1977 da ANVISA, que determina as temperaturas de armazenamento de produtos resfriados e congelados, bem como a Cartilha sobre Boas Práticas para Serviços de Alimentação, resolução n° 216/2004, responsável pelo esclarecimento de como deve funcionar a setorização dos produtos.

Atentos a como deve ser a disposição das mercadorias nos locais de venda, definimos quatro diferentes categorias de separação dos produtos. A primeira diz respeito a Alimentos, englobando enlatados, perecíveis e não perecíveis. A segunda, refere-se a Produtos de Limpeza e Higiene Pessoal, que – de acordo com a resolução n° 216/2004 – não devem jamais estar junto com os que se enquadram nas demais categorias, tanto em seu transporte quanto em seu armazenamento. Outra categoria diz respeito aos Congelados e Resfriados, enquadrados à parte por conta de sua necessidade de freezers e temperaturas específicas. Por último, temos a categoria Bebidas. Elas não se enquadram nem na primeira e nem na terceira, pois não podem ser congeladas e podem variar muito em sua temperatura de armazenamento.

Não é recomendado o congelamento de refrigerantes. Foto: Mateus Ferreira.

 

É importante o consumidor estar sempre atento aos cuidados que os estabelecimentos têm com os alimentos. A Anvisa determina as temperaturas de armazenamento e transporte. Produtos congelados devem ser estocados de 0 a -18°C. Já para os resfriados, a temperatura é de 2 a 6°C. Alimentos que ficarem em temperaturas diferentes das estabelecidas acabam tornando-se impróprios para consumo.

Tabela da Anvisa, indicando temperaturas adequadas. Fonte: portal.anvisa.gov.br.

Mas não é só aos cuidados com alimentos congelados e resfriados que o consumidor precisa estar atento. Lembramos que os critérios com produtos alimentícios devem ser gerais, levando em conta características como embalo, acondicionamento e validade. Em uma das vistorias que fizemos pelo Bairro do Rosário, encontramos farinha de trigo vencida. Além disso, no depósito do estabelecimento, alimentos encontravam-se numa prateleira, misturados com produtos de limpeza. Os freezers estavam na temperatura correta.

Produto fora da validade. Foto: Mateus Ferreira.

 

Produtos misturados na prateleira. Foto: Mateus Ferreira.

 

No mesmo Bairro, em uma esquina, encontramos o que não conseguimos distinguir entre um minimercado e um armazém. O espaço é mínimo. Dentro do local, o cliente não pode pegar nenhuma mercadoria. Se quiser alguma coisa, é preciso pedir ao vendedor, que também acumula as funções de caixa e atendente. Tudo é alcançado pelo balcão. No depósito, nem é preciso entrar para encontrar infrações. É possível visualizar, desde a porta, caixas de bebidas misturadas com produtos de limpeza e alimentícios.

Alimentos acondicionados indevidamente. Foto: Mateus Ferreira.

 

Ao sair do Rosário, fomos para o Bairro Urlândia, onde encontramos um local de venda de alimentos, que optamos por denominar como um “minimercado-garagem-galpão”. O motivo é simples. O estabelecimento funciona em um local um tanto inusitado para se trabalhar com alimentos: o espaço destinado à garagem da casa dos proprietários. No entanto, não foram encontrados produtos fora da validade e as temperaturas obedeciam às estabelecidas pela Anvisa. Nele, encontra-se de tudo. Porém, nem tudo o que vemos está à venda. Além dos alimentos, que se enquadram nas categorias pré-definidas, encontramos no local  objetos particulares, que não estavam ofertados para compra e estavam atirados em meio aos produtos comercializáveis. Uma caixa de ferramentas mal fechada, com uma extensão elétrica em cima, um aparelho de som, um espelho de parede, uma poltrona e uma caixa de isopor usada são alguns dos vários objetos inusitados.

Produtos à venda e objetos descartados no mesmo espaço. Foto: Mateus Ferreira.

 

Na rua ao lado, ainda nas dependências da Urlândia, nos deparamos com outro lugar diferenciado. Pequeno e muito desorganizado, grande parte dos produtos sequer encontravam-se nas prateleiras. Continuavam nas caixas que os fornecedores haviam entregado. Os clientes devem abaixar-se, garimpar o que for de sua preferência e, então, dirigir-se ao caixa. E se você acha que o ambiente é confuso, ainda não relatamos tudo. O freezer de frios é um aglomerado indefinível de coisas. Além de conter os devidos produtos, vemos bebidas alcoólicas, refrigerantes, achocolatados e demais laticínios. Entretanto, o que mais chama atenção é a presença de uma marmita em meio aos alimentos à venda. Devido à diversidade de produtos, não é possível afirmar que a temperatura era a adequada.

Produtos mau acondicionados. Foto: Mateus Ferreira.

 

Uma marmita em meio aos alimentos comerciáveis. Foto: Mateus Ferreira.

 

Ao entrar no Nonoai, chegamos em dois minimercados. O procedimento foi o mesmo realizado em estabelecimentos anteriores: entramos, circulamos pelo ambiente e compramos uma água. Após, amparados pela lei como consumidores, nos apresentamos como estudantes de jornalismo e pedimos acesso ao estoque para fazer a verificação. Nos locais anteriores, não houve problema algum. Entretanto, no primeiro estabelecimento em que entramos no Nonoai, a dona do minimercado não liberou entrada no depósito, bem como a checagem  nas dependências comerciais. Explicou que estava sozinha naquele dia e tinha receio de assalto. Argumentamos e marcamos um horário durante a semana. No dia e hora marcada, um membro de nossa equipe retornou ao mercado, mas não conseguiu entrar. Foi tratado de forma rude e ameaçado judicialmente.

Já no segundo mercado visitado naquele Bairro, não houve grandes transtornos. Conseguimos checar as dependências do estabelecimento. Ali, tudo estava de acordo: não encontramos produtos fora da validade, as categorias de acondicionamento e temperaturas estavam de acordo. Apenas uma infração foi constatada: encontravam-se bebidas alcoólicas no mesmo freezer em que estavam os refrigerantes. Na hora de ir ao depósito o dono desconversou, declarou que não trabalhava com depósito e que usa o sistema just in time.

O próximo destino foi o Bairro Passo da Areia, próximo ao Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar (BOE). De forma semelhante ao “minimercado-garagem-galpão”, também encontramos dificuldades em classificá-lo, devido seu exotismo e peculiaridade. Resolvemos batizá-lo de “Minimercado Luz Divina”.

No local, não encontramos produtos com a validade vencida, ou com a temperatura fora do previsto em lei. Em contraponto, a organização do espaço é preocupante. Entramos e vemos uma prateleira de esculturas religiosas, achocolatados, produtos de higiene pessoal e mercadorias para pets. Ao lado, outra com incensos. No mesmo espaço, ao fundo, uma mini ferragem. Logo após, um corredor que dá acesso a mais prateleiras com alimentos e um freezer de frios. 

Por fim, verificamos um conhecido minimercado no Bairro Centro. O espaço é reduzido. Entretanto, nele observa-se organização e cuidado com a disposição dos alimentos. Todos estavam dentro da validade e, os freezers correspondiam às temperaturas apropriadas para cada tipo de alimento. Apenas uma pequena infração: em uma prateleira encontravam-se, mesmo que de forma bem disposta, alimentos misturados a Produtos de limpeza e higiene pessoal.

Neste minimercado, o espaço é limpo e organizado. Foto: Mateus Ferreira.

 

De modo geral, todos os minimercados e armazéns visitados apresentavam infrações em um ou mais dos aspectos apresentados no início da reportagem. A maior falha – comum a todos eles – refere-se ao acondicionamento dos produtos, seja no estoque ou na dependência comercial dos estabelecimentos. Pelo menos duas das categorias – entre Alimentos, Produtos de higiene e limpeza pessoal, Congelados e resfriados ou Bebidas – encontravam-se mescladas. A desorganização de alguns espaços foi um aspecto que chamou a atenção, já que encontramos objetos pessoais junto aos produtos a serem vendidos.

Entretanto, a boa surpresa veio em constatarmos que poucos produtos foram encontrados com a data de validade vencida ou fora da temperatura ideal, algo inicialmente cogitado como uma infração mais recorrente. A partir da pesquisa realizada, fica evidente que consumidores, bem como os vendedores e proprietários, devem estar mais atentos. Um aparente e inofensivo mau acondicionamento de produtos pode – como indicado pela Cartilha do Consumidor e documentos disponibilizados pela Anvisa – contaminar alimentos e trazer graves consequências à saúde.

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Reportagem produzida pelos alunos Eduardo Biscayno de Prá e Mateus Ferreira, para a disciplina de Jornalismo Investigativo do Curso de Jornalismo da UFN, durante o 1º semestre de 2018, sob orientação da profª Carla Torres.

O silêncio da noite nas ruas vazias e escuras do Bairro Duque de Caxias é interrompido pelo apito do Seu Borges. O barulho avisa aos moradores que o vigilante noturno está na área. Aos 57 anos, há mais de 15 Flávio Borges é um desses profissionais que fazem a segurança na região.

“É um trabalho solitário, em que as horas custam a passar”, relata Borges, que também destaca as vantagens do seu trabalho.  “Apesar disso tudo, eu gosto muito do que faço. Todo mundo me conhece na redondeza, e no Natal eu chego a ganhar mais de uma ceia por noite”, afirma o zeloso vigilante, que também é lembrado com carinho pelas crianças do Bairro, pois sempre distribui as balas que tem nos bolsos.

Eduardo da Rosa no seu posto de trabalho (Foto: Marcos Kontze)

A solidão enfrentada por Seu Borges não é um caso isolado. As dificuldades que envolvem a profissão, medos, vantagens e desvantagens de trabalhar durante a madrugada são uma realidade enfrentada todas as noites por esses profissionais, que custam a ver as horas passarem. “Hoje em dia nem olho mais para o relógio, senão parece que demora ainda mais para clarear o dia”, relata Eduardo da Rosa, porteiro noturno de um edifício comercial no centro de Santa Maria. Acompanhado do inseparável chimarrão, ele conta que apesar de já ter trabalhado “por baixo dos panos” como vigilante em uma empresa de Silveira Martins, percebe que deu um importante passo ao ser contratado como porteiro do local onde trabalha. “Além de ser bem mais seguro aqui, pois trabalho dentro do prédio com 32 câmeras na minha frente, faço parte de uma empresa terceirizada contratada pela administradora do condomínio, ou seja, não tenho do que reclamar. Recebo tudo certinho, em dia, com todos os meus direitos”.

Direitos do trabalhador noturno

Além de receber o adicional noturno de no mínimo 20% sobre a hora diurna, diferente da hora de trabalho convencional, a hora contabilizada para quem trabalha a noite não tem 60 minutos, e sim, 52 minutos e 30 segundos. Isso significa que a cada 52 minutos e 30 segundos, o trabalhador deve receber por uma hora de trabalho. Se o profissional fizer toda a sua jornada de trabalho em horário noturno, ele vai trabalhar sete horas, mas receberá como se tivesse trabalhado pelas oito horas. Apesar de a hora de trabalho ser reduzida, o trabalhador tem direito ao mesmo período de descanso. Aqueles com jornada superior a 6 horas, precisam obrigatoriamente de um descanso de, no mínimo, 60 minutos. Neste caso, as empresas podem dar aos funcionários até 120 minutos de intervalo, se assim desejarem. Já para trabalhadores com jornada de 4 a 6 horas, o período de descanso é de apenas 15 minutos. E para os funcionários com jornada de até 4 horas, não se aplica o direito ao intervalo.

O que diz o Sindicato?

De acordo com Airton Lucas, presidente do Sindicato dos Vigilantes de Santa Maria, atualmente existem cerca de 250 vigilantes noturnos trabalhando na Cidade, o que representa uma redução de cerca 50 vigilantes, se comparado ao ano de 2017. Fatores como o corte de gastos por parte de órgãos públicos foram determinantes para essa redução, conforme salienta Lucas: “Do ano passado para este foi terrível, teve uma redução bastante significativa de vigilantes noturnos em Santa Maria. Ano passado tínhamos cerca de 300 profissionais atuando na cidade e hoje possuímos em torno de 250”. Ele lamenta que “cortes de gastos da Advocacia Geral da União juntamente com o Governo do Estado acabaram ocasionando essas reduções. Diante disso, vários postos de monitoramento eletrônico tiveram encerrados”.

Os dados relatados pelo presidente do Sindicato dos Vigilantes da cidade são a atual realidade de Martin Cavalheiro, 56, ex-vigia do Banrisul. Cavalheiro, que trabalhou como vigia noturno do Banco do Estado durante 19 anos, em duas agências de Santa Maria, acredita que sua demissão foi ocasionada por dois fatores: “As empresas não querem mais um veterano guarnecendo um banco na madrugada. Eles pensam que a gente não tem mais fôlego para o tamanho da responsabilidade”, supõe o ex-vigia. “Antes de sair, a empresa em que eu era funcionário instalou sete câmeras no lugar onde eu fazia a ronda. Fui trocado por câmeras.”, brinca Martin.

Vigilante vs. Vigiade

É comum um vigilante ser chamado de vigia, e vice-versa. No entanto, há uma grande diferença entre esses profissionais, segundo o Sindicato. Airton Lucas explica que “a função do vigilante é principalmente a resguardar a vida e o patrimônio das pessoas, exigindo porte de arma e requisitos de treinamento específicos”. É importante ressaltar que o serviço de vigilância deve ser executado por uma empresa especializada no setor.

Em contrapartida, o vigia é todo trabalhador que exerce a atividade de guarda. “É uma atividade que não exige especialização e nem preparação especial”, ressalta Lucas. Também faze parte das atribuições de um vigia exercer tarefas de fiscalização e observação de um local, ou controle de acesso de pessoas, como o trabalho realizado por Eduardo. Por não poderem manusear arma de fogo, esses profissionais são responsáveis basicamente pela manutenção da ordem e segurança dos locais, priorizando a proteção do patrimônio, por meio da ronda local ou de uma estação de trabalho fixa, como as guaritas, utilizadas em alguns estabelecimentos que contam com um vigia.

Muitas vezes, sem ter a profissão regulamentada, esses profissionais acabam não tendo a fiscalização necessária e cursos específicos que orientem na sua formação. Joel dos Santos*, vigia de um mini-mercado da região Leste de Santa Maria, conta que – mesmo sem regulamentação – sua especialidade é “pôr medo em quem estiver mal-intencionado”. Joel revela que, mesmo não sendo autorizado a portar uma arma de fogo, trabalha toda noite com uma “carregada”. “Sem ela, eu não seria ninguém. Essa daqui já me salvou a vida várias vezes”, exalta o vigia, que atua irregularmente como vigilante.


*Nome fictício atribuído à fonte, para preservar sua identidade.

Reportagem produzida pelos alunos Gabriel Pfeifer e Marcos Kontze para a disciplina de Jornalismo Investigativo, durante o 1º semestre de 2018, sob orientação da profª Carla Torres.

O maior pronto atendimento de urgência e emergência da cidade”. Assim foi descrita a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA), inaugurada em Santa Maria em 4 de abril de 2014, durante o governo do então Prefeito, Cezar Schirmer. A UPA, abriu as portas ao público de forma parcial no dia 21 de março de 2014. Na época, os atendimentos eram realizados a partir de encaminhamentos feitos por profissionais dos Pronto Atendimentos (PA) do Patronato e da Tancredo Neves.

Como consta no site da prefeitura, a Unidade ocupa uma área total de 1,4 mil m², com estrutura para atender a população com salas de consultórios para diagnósticos, tratamento terapêutico, observação, atendimento de urgências e emergências. O funcionamento é de segunda-feira a domingo, inclusive feriados. A UPA também oferece serviços laboratoriais, raios-X e pequenas cirurgias.

Foto: João Alves publicada em 26/06/2012 no site da Prefeitura de Santa Maria

No dia 26 de maio, sábado, por volta das 16h, fomos até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Santa Maria, que fica em anexo à Casa de Saúde, no Bairro Perpétuo Socorro, na região norte da cidade. Em conversa com quem estava no local – entre pessoas que aguardavam a consulta e familiares que acompanhavam os pacientes – fomos informados de que o atendimento naquela tarde demorava em média três horas.

Às 17h30, usuários que haviam preenchido a ficha na recepção antes das 14h ainda esperavam pelo atendimento médico. Não havia muitos pacientes na unidade, porém fomos informados de que, além da falta de médico no plantão da tarde, o recepcionista responsável por fazer o cadastro se demonstrava impaciente com o público. “Estão chamando só agora o pessoal das 14h. Deus o livre isso aí, para mim o atendimento é péssimo. Deus que me perdoe, ainda bem que eu tenho meu plano. Chego lá e marco consultas e exames direto. É a segunda vez que trago alguém aqui, na primeira foi a minha filha, até que não demorou tanto. Hoje que trouxe minha companheira, tá demorando demais. Para piorar, o PA está fechado e o posto da Tancredo também”.

Outro homem, que também aguardava seu familiar ser atendido, comentou sobre a falta de educação do funcionário da recepção. “Aquele cara não era para estar ali trabalhando. O rapaz que atende ali é péssimo. Vai tratar a mãe dele assim lá no meio do mato, do jeito que trata as pessoas. Falta ele ser mais educado. Chegou uma mulher ali e disse que estava demorando, ele falou: quer assim quer, não quer esperar vai embora”.

Ambos entrevistados não quiseram se identificar. Até o momento em que saímos do local, cerca de 18h, nenhuma das pessoas com quem conversamos havia sido atendida.

Os atendimentos do UPA são realizados por ordem de gravidade e risco, conforme protocolo estabelecido abaixo:

Na Unidade, as informações do quadro estão fixadas na entrada.

Também nos foi dito que, na sexta, 25 de maio, a unidade estava sobrecarregada. Um homem de 36 anos, que não quis se identificar, deu entrada pela manhã desse dia com fraturas no tórax, em decorrência de um acidente de trânsito. O rapaz foi encaminhado para análise médica e exames de Raio-X, que confirmaram fraturas nas costelas do lado direito e também na escápula.

O ortopedista da UPA recomendou a transferência do paciente para o Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM). Durante o tempo de espera, o rapaz permaneceu desacompanhado, mesmo sem condições de se mover. Na ocasião, sua esposa, que estava no local, foi retirada da sala sem nenhuma explicação. Quando pediu para retornar, foi informada de que o médico precisaria da permissão do médico da Unidade. O atendente ligou para o médico, que não estava presente no local, e a permanência da mulher foi admitida por apenas cinco minutos, mais uma vez sem explicação. Não foram prestados esclarecimentos e também não foram entregues os exames de raio-x realizados. O homem aguardou a transferência até às 20h, quando enfim foi levado para o HUSM.

A espera pela transferência levou várias horas, pois, segundo o atendente do UPA, o médico responsável por cirurgias torácicas atende na Unidade de segunda a quinta-feira, e portanto seu retorno seria apenas na segunda pela manhã. Com a superlotação do hospital, não seria viável receber mais um paciente. Era sexta-feira, e o rapaz – com fraturas – teria que aguardar mais três dias para ter algum encaminhamento. O paciente, afinal, foi internado por uma semana e aguardou até a quinta-feira do dia 31 de maio para ser informado de que passaria por cirurgia. Apenas submetido a exames de Raio-X e tomografia, ele acabou não passando por cirurgia, nem teve imobilização das partes fraturadas, de acordo com o médico, decorrência de serem na parte superior do corpo, onde seria impossível a colocação de gesso ou tala. Junho chegou, e o rapaz ainda se recuperava em casa, fazendo uso de medicamentos para dor e fisioterapia.

Em outro relato sobre o atendimento da Unidade de Pronto Atendimento a um paciente acidentado, o serviço prestado também foi ineficiente. Em outubro de 2017, um homem de 28 anos procurou a UPA após ter caído de moto. Ele relata que foram mais de três horas aguardando o atendimento a ser realizado por uma clínica geral. A médica o encaminhou para o raio-x. Após retornar à sala da médica, o rapaz foi atendido enquanto a profissional conversava com uma amiga pelo WhatsApp. “Tô aqui respondendo uma amiga que tinha me mandado uma mensagem mais cedo e eu não vi”, disse a médica enquanto ria e mostrava o celular para o paciente.

A doutora também comia biscoitos de um pacote que estava em sua mesa. Errou duas vezes ao procurar o raio-x que havia requisitado. Em um primeiro momento, encontrou o exame de um paciente que havia fraturado o dedo indicador. Surpreendido, o rapaz indicou que o exame realizado havia sido no pulso, onde permaneceu com a mão fechada não havendo condições para diagnosticar se um dedo estivesse quebrado. A médica, então, encontrou outro exame, mesmo as pastas dispondo claramente os nomes dos pacientes. O rapaz então foi até o outro lado da mesa, olhou para o computador e encontrou a pasta do exame com o seu nome escrito.  Durante todo o atendimento, a clínica geral mostrou-se indisciplinada e antiética. De acordo com o rapaz, mesmo ele relatando que sentia dores fortes no joelho em decorrência da queda de moto, não foi pedido nenhum tipo de exame para a região. Os machucados que sangravam no braço e na perna direita também não foram considerados. Ele não recebeu nenhum tipo de medicação no local, saiu da unidade com alguns medicamentos receitados e a doutora não sabia nem mesmo pronunciar o nome do medicamento que havia prescrito.

Mais de 4 mil horas na espera por um exame

Noite de uma quinta feira, 10 de maio. Cristiana Andrade, 40 anos, deu entrada no UPA com dores no corpo, enjoos e febre. Após uma 1h30 de aguardo na sala de recepção, foi transferida para a sala de medicações, onde ficou sentada em uma poltrona até a noite do domingo, 13 de maio. Durante os dois dias na sala de medicações, onde aguardava o resultado dos exames de sangue que constatariam o motivo de estar ali, o atendimento que recebeu por parte das enfermeiras, segundo ela, foi de despreparo e descaso com o seu estado de saúde. Cristiana relata que na madrugada do sábado, 11 de maio, diversas vezes foi convidada a se retirar da sala para se direcionar a sala de oxigênio ao lado. Porém esta sala estava lotada, não tinha nem mesmo uma poltrona para que pudesse acomodar-se. Ela teria que ficar sentada em uma cadeira simples e sujeita a se sentir ainda pior. Cristiana recusou-se a sair do local e ouviu das enfermeiras frases do tipo “você não está pensando nos outros” ou “você tem que sair daqui para dar lugar a outro paciente”, além de cochichos e olhares de irritação umas com as outras.

A noite fria de outono parecia ser mais longa do que o normal. A espera era a palavra que lhe mais doía, e não sabia se o pior sintoma era esperar pelo médico, pelos resultados dos exames ou pela sua transferência para um leito onde pudesse pelo menos espichar suas pernas e deitar a cabeça sobre um travesseiro. Durante a madrugada, quando precisava ir ao banheiro, tinha de pedir que chamassem algum de seus familiares que aguardavam pelo lado de fora da sala, ou até mesmo pelo lado de fora da Unidade – pois não era permitido acompanhantes na sala de medicações.

Já eram quase 80 horas sentada sobre uma poltrona azul, que parecia ser a mais desconfortável de todos os tempos. Já eram mais de três dias aguardando resultados de exames que pareciam que nunca chegariam. “Por causa do surto, os exames estão demorando mais do que o normal em todos os hospitais da cidade, mas logo vai sair o teu”, era a desculpa que ouvia do médico e das enfermeiras que entravam e saiam da sala e às vezes nem lembravam do motivo dela estar há tanto tempo ali. Cristiana explica que a orientação que recebeu na primeira noite “internada” era de que ela não podia ser transferida para um leito antes que os médicos soubessem que doença ela tinha. As suspeitas principais eram toxoplasmose, hepatite ou leptospirose.

Na noite do domingo, 12 de maio, os exames ainda não tinham ficado prontos. No entanto, por meio do contato de uma amiga com a diretoria do UPA, a paciente finalmente foi transferida para um leito na própria Unidade. Pôde, enfim, tomar um banho, descansar e humanamente aguardar pelos resultados, agora acompanhada de um familiar. Na segunda-feira, 14 de maio, enquanto se alimentava aos poucos com o auxílio do marido, recebeu a visita da médica plantonista que passava de leito em leito para ver o estado dos pacientes. Em poucos minutos de conversa e avaliação, a médica decide que Cristiana já estava em condições de ir para casa. “Você já está até comendo, não há motivos para ficar aqui. Pode ir para casa e aguardar lá o resultado dos exames”, foi o que ouviu em castelhano da médica apressada. Seu marido não aceitou, disse à médica que a esposa não tinha condição nenhuma de ir para casa, onde doente ficaria junto aos seus filhos e sua família, enquanto não soubesse que doença tinha e que males poderia causar aos que se aproximavam dela.

A médica, então garantiu verbalmente que, se Cristina fosse diagnosticada com toxoplasmose, hepatite, leptospirose, ou a doença que fosse, poderia dar  baixa no mesmo leito que deixaria na noite da segunda. Porém, seu marido insistiu mais uma vez e propôs uma prescrição onde a médica se responsabilizasse pela decisão tomada. Não foi o que aconteceu. Após sete dias internada sem saber o motivo, na quinta-feira, 17 de maio, os exames de Cristiana ficaram prontos. Toxoplasmose foi a doença diagnosticada. Na noite da mesma quinta-feira, a mulher deixou a Unidade reclamando de dores nas costas, com uma receita na mão, e a certeza de que o atendimento naquele local se resumia a uma palavra: despreparo. O tratamento da toxoplasmose foi realizado em casa, sem acompanhamento médico e sem Cristiana ter voltado à Unidade para reavaliação.

As Unidades de Saúde dos bairros de Santa Maria

Segundo informações disponibilizadas no site da Prefeitura Municipal de Santa Maria, existem 22 Unidades Básicas de Saúde na cidade (UBS), distribuídas entre 11 bairros e vilas:

  • Vila Oliveira;
  • Bairro Centro;
  • Bairro Medianeira;
  • Cohab Santa Marta;
  • Bairro Itararé;
  • Bairro Salgado Filho;
  • Vila Shirmer;
  • Vila Lorenzi;
  • Bairro Passo das Tropas;
  • Residencial Dom Ivo Lorscheiter,
  • Bairro Camobi;
  • Cohab Fernando Ferrari;
  • Cohab Tancredo Neves.

Além das Unidades, há os locais de atendimento especializado, como o Centro de Diagnóstico Nossa Senhora do Rosário (antigo Cedas). A única notícia encontrada no site da Prefeitura sobre o local foi publicada em julho de 2013, e afirma que o Centro de Diagnóstico oferece aos usuários da rede pública municipal – encaminhados pela Central de Marcação – especialidades médicas, exames de ultrassom, eletrocardiograma, fisioterapia, fonoaudiologia, saúde da mulher e laboratório municipal. Na cidade também há o Pronto Atendimento Municipal (PA) do Bairro Patronato. No site da Prefeitura, consta que no PA há a unidade de Pronto Atendimento Infantil (PAI), e o Pronto Atendimento Adulto (PAA), ambos funcionando 24 horas por dia. Além disso, cita-se o Pronto Atendimento Odontológico (PAO), que atende de segunda a sexta-feira, das 19h às 7h da manhã do dia seguinte, e aos sábados, domingos e feriados, atende 24 horas. Além disso, existe a Policlínica Rubem Noal, no Bairro Tancredo Neves, e a Casa 13 de Maio, no bairro Centro – uma unidade de saúde especializada, com foco no atendimento de infecções sexuais transmissíveis (ISTs), HIV/Aids e hepatites virais (B e C).

Em Santa Maria, também existem 14 Unidades Estratégia Saúde da Família (ESF), espalhadas por bairros, vilas e distritos:

  • Distrito Arroio do Só, junto à Subprefeitura;
  • Distrito Bela União, na Rua Cruz Alta;
  • Distrito de Santo Antão, próximo à Escola Int. Manoel Ribas;
  • Distrito de Pains, junto à subprefeitura;
  • Vila Bela União;
  • Bairro Alto da Boa vista, na Rua 25 de Abril junto à escola Adelmo Simas Genro;
  • Bairro Parque Pinheiro Machado, na Rua Boa Vista;
  • Vila Caramelo;
  • Vila São João, na Rua Palestina;
  • Bairro São José, na Rua Antônio Gonçalves Do Amaral;
  • Vila Lídia, rua Maestro Ribas Barbosa;
  • Vila Maringá, na Rua João de Barro;
  • Vila Santos, na Rua Antônio Foletto;
  • Vitor Hoffman, na Rua Distrito Federal;
  • Vila Urlândia, na rua Valdir C. da Silva.

Informações solicitadas às Unidades de Saúde  

Entre os dias 4 e 13 de junho, entramos em contato com Postos de Saúde, Unidades Básicas de Saúde(UBS) e Unidades Estratégia Saúde da Família (ESF) da cidade. As informações solicitadas foram referentes aos horários de atendimento, o serviço médico prestado, os exames realizados no local, entre outros. No entanto, em poucos casos obtivemos as respostas, e houve situações em que nem mesmo fomos atendidos. As Unidades com que entramos em contato foram as seguintes:

-Posto Dom Antônio Reis

  • Telefone: 3223-5588
  • Atendimento: de segunda à sexta das 7h às 16h sem fechar ao meio dia.
  • Coordenadora: Nilra
  • A unidade atende pela agenda médica e também faz o acolhimento.
  • Atendimento médico: 2 Clínicos gerais; 1 Ginecologista; 1 Dentista para adultos; 1 Dentista pediátrico e 1 Pediatra.

-ESF. Vila Santos

  • Telefone: 3211-8088
  • Karen (não identificou o cargo) informou-nos que tem ordens da Secretaria de Saúde para não passar nenhum tipo de informação referente ao atendimento prestado.

-Posto de Saúde José Erasmo crossetti

  • Telefone: 3921-1097
  • Enfermeira responsável: Letícia
  • Secretária: Vívian
  • Fomos informados por Letícia de que não são dadas informações por telefone para estudantes. A unidade não colabora com trabalhos acadêmicos.

-Posto de Saúde João Luiz Pozzobon

  • Telefone: 3212-8736
  • Atendimento: de segunda à sexta. das 7h30 às 12h e das 13h às 16h30.
  • Coordenadora: Lisiane.
  • Secretária: Priscila.
  • Atendimento médico: 1 Clínico geral, 1 Ginecologista obstetra, 1 Dentista que atende adultos e crianças
  • A unidade atende com demanda livre,  quando é feito o atendimento da agenda médica em conjunto com o acolhimento. Foi questionado sobre o número de atendimentos estipulado pela agenda médica, mas não obtivemos resposta. A informação que obtivemos foi de que as tardes das quintas-feiras são reservadas para o atendimento da saúde da mulher e de crianças. Nas manhãs da sextas-feiras há atendimento do clínico geral.

-UBS Waldir Mozzaquattro

  • Telefone: 3223-6608
  • Atendimento: de segunda à sexta das 7h às 12h e das 13h às 16h.
  • Coordenadora: Antonieta.
  • Secretária: Michele.
  • Atendimento médico: 3 Clínicos gerais; 2 Ginecologistas; 2 Dentistas; 2 Técnicos de enfermagem; 1 Pediatra e 1 Enfermeira.
  • A agenda médica é estabelecida nas quartas-feiras às 13h, quando são distribuídas 140 fichas para atendimento na semana seguinte. O acolhimento existe se for necessário.

-Posto de Saúde Rubem Noal

  • Telefone: 3214-1006
  • Enfermeira responsável: Gabriela
  • Responsável segundo a secretária: Rose  3214-2077
  • Tentamos contatos duas vezes no dia 4 de junho, na primeira delas a secretária passou o contato de Rose, como sendo a pessoa responsável para responder sobre o atendimento da unidade. Rose por sua vez pediu que retornasse ao primeiro telefone contatado para falar com a enfermeira Gabriela que seria a responsável por estas informações. Após quatro tentativas, no dia 5 de junho finalmente conseguimos contato com Gabriela. A enfermeira pediu para retornar em outro momento pois, não poderia passar estas informações naquele instante, mesmo dizendo no início da conversa que teria disponibilidade.

-ESF Maringá

  • Telefone: 3223-2158
  • Enfermeira responsável: Sharon
  • Em três tentativas de contato, não conseguimos falar com a enfermeira. As respostas foram que ela estaria em uma reunião. No primeiro contato realizado no dia 4 de junho, foi possível ouvir quando a secretária perguntou se a enfermeira poderia atender e a resposta foi que fosse informado que estava em uma reunião.

-ESF Bairro Passo das Tropas

  • Telefone: 3211-2202
  • Enfermeira responsável: não se identificou
  • Foi informado pela enfermeira da Unidade que não são prestadas informações por telefone, muito menos para estudantes. Segundo ela, para termos os esclarecimentos solicitados, seria necessário uma autorização e se tivéssemos a autorização, deveríamos ir pessoalmente na Unidade para conversar com a suposta enfermeira que em momento algum se identificou.

Secretaria da Saúde diz que informações não podem ser prestadas a estudantes

Em contato com a supervisora da Secretaria de Município da Saúde, obtivemos a informação de que as enfermeiras e secretárias dos postos de saúde da cidade, de fato recebem a orientação de não fornecerem informações  sobre o atendimento prestado à população. A coleta de dados e demais esclarecimentos sobre as unidades devem ser feitas na Secretaria, com a superintendente de Atenção Básica, Maria Suzana Lopes, que é responsável pelos postos de saúde da cidade. A orientação em não passar informações por telefone existe em função da grande demanda de atendimento que há nas unidades, já que as enfermeiras coordenadoras dos postos também prestam atendimento à população. Portanto, como método de prevenção, a a secretaria opta por fornecer os esclarecimentos referentes ao atendimento nas unidades de saúde, isentando os profissionais dos postos da função. Na tentativa de agendar um horário com a superintendente Suzana, encontramos grande dificuldade em conseguir transferir a ligação para sua sala. O telefone de acesso à superintendente não estava funcionando no dia 11 e 12 de junho. Quando entramos em contato com secretária, ela precisou se dirigir até o suposto local que estaria Suzana, porém, não a encontrou e por fim ainda  informou  que a doutora estava na unidade. Deixamos recado e pedimos que fosse retornada a ligação, no entanto, até o fechamento desta matéria, não recebemos o retorno da superintendente da Secretaria de saúde.

Demora no atendimento é a principal reclamação

A partir da pesquisa sobre o atendimento dos Postos de Saúde de Santa Maria, a conclusão que tivemos é que prestar informação é a maior dificuldade das unidades. Em alguns postos as pessoas responsáveis foram grosseiras e se mostraram incomodadas com o teor da ligação. A falta de preparo para lidar com indagações, se reflete na incompetência dos serviços prestados à população. Dentre as reclamações mais frequentes dos usuários, a demora no atendimento e a escassez de médicos e enfermeiros são as mais comuns.  A maioria dos postos da cidade funcionam somente até às 16h. Há casos em que os atendimentos que chegam aos postos são encaminhados ao clínico-geral já que, as unidades não possuem especialistas. O não cumprimento dos horários, a falta de medicamentos, a demora para conseguir realizar exames, a precariedade dos aparelhos e a falta de educação com que são tratados, são outras falhas que indignam os santa-marienses que dependem do Sistema Único de Saúde. Uma vez que os postos não possuem uma demanda de assistência médica de áreas específicas, as Unidades de Pronto Atendimento são sobrecarregadas.

BALANÇO FILA ZERO
– 64 mil pessoas aguardando por consultas e exames nos últimos cinco anos
– 48.226 agendamentos realizados
– 28.700 consultas realizadas
– 19.526 exames realizados
–7.410 óbitos
– 1.508 pessoas faltaram na consulta agendada
– 9.980 telefonemas na caixa postal até 28/07
– 30.154 ligações feitas até 28/07
– 4.018 pessoas não querem consultas/exames até 28/07

Comparativo população de Santa Maria/ Atendimentos na Rede SUS
– 277 mil habitantes
– 311.108 usuários na Rede SUS
– Sendo 140.325 homens e 170.217 mulheres
– Do total, menores de 12 anos correspondem a 43.924
– De 01/01/2017 a 31/07/2017: 16.044 novos usuários cadastrados no SUS

Comparativo de procedimentos nos pronto-atendimentos em 2016 e 2017
Pronto Atendimento do Patronato
– 2016 – 90.183 procedimentos em todo o ano
– 2017- 56.614 procedimentos apenas no primeiro semestre

Pronto Atendimento da Tancredo Neves
– 2016 – 50.971 procedimentos em todo o ano
– 2017 – 60.489 procedimentos apenas no primeiro semestre

*as informações acima foram publicadas no site do Diário de Santa Maria no dia o1/08/2017.

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A reportagem foi produzida pelos alunos Caroline Costa e William Ignácio, para a disciplina de Jornalismo Investigativo, durante o 1º semestre de 2018, sob orientação da profª Carla Torres.

 

Imagem: Divulgação / Projeto Transformar

O país mais transfóbico do mundo. Esse foi o título que o Brasil recebeu no ano passado, após 144 travestis e transexuais serem assassinados. Os dados assustadores de 2016 levaram o País ao primeiro lugar, num ranking elaborado pela rede europeia Transgender Europe (TGEU). Porém, esses números alarmantes não param de subir. Segundo a Rede Trans Brasil – que realiza coleta de dados através de notícias e relatos que chegam a organização -, até outubro de 2017, 171 travestis e transexuais já foram assassinados no país, batendo o recorde do ano que passou.

O Brasil, novamente, se colocará num infeliz destaque. De acordo com uma projeção realizada pela equipe de reportagem, apoiada nos dados já registrados até outubro de 2017 pela Rede Trans Brasil, podemos encerrar o ano com cerca de 200 vítimas da transfobia. Os números só comprovam a onda conservadora que assola o país e a falta de políticas públicas destinadas para essa parcela da população. Em fevereiro deste ano, o caso da travesti Dandara chocou o país. Morta brutalmente por um grupo de jovens no Ceará, o vídeo de Dandara  sendo assassinada a chutes e pauladas ganhou repercussão na internet.

Em 2016, o Brasil foi considerado o país mais transfóbico do mundo. (Arte: Deivid Pazatto)

Vulneráveis, o risco de travestis e transexuais serem assassinados é 14 vezes maior do que um homem gay.  Seja por um ato físico ou verbal, a transfobia marca vidas. Essas ações transfóbicas não estão presentes só na rua, mas também em instituições públicas, sejam universidades, delegacias policiais e hospitais. Locais que deveriam acolher essas pessoas, acabam por não terem profissionais capacitados para essa população. A violência institucional está presente no cotidianos desse grupo.

VIOLÊNCIA NOS SERVIÇOS DE SAÚDE

Uma vida de negação de direitos. Assim é a trajetória de travestis e transexuais no Brasil. Além do grande números de assassinatos, agressões físicas e verbais, relatos de violências também se fazem presentes no dia-a-dia dessa população. Nos hospitais, a omissão de socorro e o desrespeito ao nome social são as declarações mais frequentes entre travestis e transexuais.

Os relatos espalham-se pelo Brasil. Em março deste ano, a assessora parlamentar Barbara Reis foi até um hospital público na cidade de Rio de Janeiro, para uma ressonância magnética dos seios, que receberam próteses de silicone. Ao ser chamada para a consulta pela médica residente, Barbara ouviu seu nome de batismo, mesmo apresentando a carteira de nome social.

“O fato de tu não respeitar o nome social, o nome que aquela pessoa escolheu, pra mim, já é transfobia. E temos um problema bem sério com os hospitais. Eles respeitam o que está nas certidão de nascimento e não como a pessoa se identifica. Esse é o grande problema que a gente tem” (Bruna de Nicol Brum, enfermeira residente em saúde mental)

Para Guilherme Dias, o que seria uma consulta de rotina na ginecologista, para um exame papanicolau, acabou em trauma. Ao explicar que era um homem trans e que iniciaria um tratamento hormonal, o carioca foi violentado pela médica após despir-se. “Ela disse que se eu era homem, deveria fazer outro exame”, conta Dias, fazendo referência ao exame de próstata.

Já em Canela, no Rio Grande do Sul, no mês de novembro, um hospital foi condenado a pagar R$ 30 mil por negar atendimento a uma travesti. Após passar mal, a travesti e seu companheiro foram até o Hospital de Caridade de Canela. Ao solicitarem atendimento, uma enfermeira se escandalizou com as roupas ditas femininas que a travesti usava e omitiu socorro, ameaçando chamar o segurança. O caso aconteceu em 2011. Após o incidente, a travesti levou o caso à justiça e o hospital reconheceu o episódio como um “ato falho” da funcionária.

No ano passado, imprensa e redes sociais divulgaram 54 casos de violação dos direitos humanos. O estado de São Paulo aparece em primeiro lugar, com 21 notificações de descumprimento dos direitos humanos. Conforme dados obtidos pelo site UOL via Lei de Acesso a Informação, o paciente não tem à disposição nenhuma ferramenta de verificação para saber se  o médico que presta serviço já sofreu  punição. Mesmo que o Conselho Federal de Medicina (CFM) não proteja os profissionais, após  denúncias,  pode levar anos para o caso ser julgado. Contudo, quando há punição, são eles os únicos com pena perpétua, como, por exemplo, cassação do registro profissional.

(Arte: Deivid Pazatto)

O direito à saúde não permite que hospitais recusem atendimento a uma pessoa, sob nenhuma justificativa. Porém, a falta de capacitação profissional pode ser considerada é um dos principais fatores para que atos transfóbicos ocorram no sistema público de saúde. “Desde a escolarização básica, a gente não tem uma educação voltada a aceitar as pessoas na sua diversidade. Está tudo errado por aí. Na graduação isso só continua, pelo fato de não termos em todos os cursos – ou, pelo menos, nos cursos de humanas e saúde – uma disciplina de gênero e sexualidade”, frisa Bruna de Nicol Brum, Enfermeira Residente em Saúde Mental pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 

Segundo Bruna, o Plano de Ação Prioritário na Igualdade de Gênero 2008-2013, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), prevê que haja uma educação permanente de profissionais da saúde em relação gênero e sexualidade. “Os estudos de gênero são muito recentes. O que se veem são ações pontuais, mas nada de uma política ou de  grandes programas que possam abordar essas questões”, destaca a estudante.

A também Enfermeira Residente em Saúde Mental (UFSM), Patrícia Mattos Almeida, reforça a falta de capacitação de profissionais em Santa Maria. Patrícia fala da falta de serviços para atender essa população. “Ano passado (2016), nós tivemos uma capacitação, mas não foi  para trabalhar com a transexualidade, e, sim,  para falar sobre a LGBTfobia, onde discutimos as formas de acesso. Muitas vezes  transexuais sofrem violência nos serviços onde são recebidos. É uma discussão que tem que ser aberta e levado a tona”.

Quando se trata de gênero e sexualidade, ainda há uma série de tabus para a sociedade. Nos últimos meses, a mídia abriu espaço para a problematização da transexualidade. A telenovela A Força do Querer, da Rede Globo, trouxe o processo de descoberta, aceitação e transformação corporal de Ivan – um garoto trans.  Patrícia cita a importância de a transexualidade ser dialogada em todos os espaços, e a necessidade de políticas públicas voltadas a essa minoria. “O assunto só vai vir quando tiver uma coordenação da política das minorias no município.  Essa coordenação se responsabilizará por organizar as capacitações, educação permanente em saúde que traga o viés do gênero, e que não seja só cis-gênero, para trabalhar só com mulheres, mas para trabalhar com toda a população”.

TRANSEXUAIS E O ACESSO À SAÚDE

O acesso de travestis e transexuais a hospitais, muitas vezes gera preconceito e discriminação, devido à falta de capacitação de profissionais. Uma atenção voltada a essa população no Brasil ainda é recente e precária. Até 1997, a cirurgia de redesignação sexual (adequação dos genitais ao gênero com o qual a pessoa se identifica) era proibida no País. O processo de transformação corporal, que engloba as cirurgias de redesignação sexual, a plástica mamária reconstrutiva (incluindo próteses de silicone) e mastectomia (retirada de mama), só começou a ser ofertado pelo SUS em 2008.

Atualmente, o Brasil possui apenas nove centros ambulatoriais pelo SUS, que realizam o processo transexualizador. Ele inclui a hormonioterapia e as cirurgias, entre elas a de redesignação sexual, que não é realizada em todos os ambulatórios, pois muitos apenas realizam a parte da hormonioterapia. No Rio Grande do Sul, apenas o Hospital de Clínicas de Porto Alegre realiza esses processos.

Imagem: Divulgação/ Projeto Transformar

 

O processo de redesignação sexual ainda é muito burocrático. Um protocolo transexualizador é feito para homens e mulheres trans, para que a cirurgia seja realizada, conta Bruna. “Eles precisam passar por dois anos de terapia psiquiátrica, além de endocrinologista, psicólogo, e assistente social, para receberem um laudo, que vai atestar que estão aptos a fazer essa cirurgia”, acrescenta a enfermeira.

Desde que as medidas foram estabelecidas em 2008, a expansão da rede acontece de forma muito lenta para a demanda existente. Em 2013, foi criado a Política Nacional de Saúde LGBT, que reconhece as demandas dessa população em condição de vulnerabilidade. A inclusão de políticas voltadas para a população trans no SUS foi celebrada pelos movimentos organizados, que sempre defenderam o atendimento a essa parcela da sociedade como uma questão de direitos humanos. Porém, os relatos de transfobia no sistema de saúde confirmam que entre o que está escrito e o que se tornou realidade, há um grande abismo.

” Já ouvi inúmeros casos, como na capacitação que nós tivemos com a Verônica. Ela relatou que as meninas  sofreram algum tipo de violência durante o trabalho, à noite, e buscaram serviços de emergência e tiveram um tratamento preconceituoso” (Patrícia Mattos Almeida)

Outra demanda recorrente do movimento trans, e que causa muitos constrangimentos, é o tratamento do nome social nesses ambientes. Apesar de ser um direito garantido na Carta de Direitos dos Usuários do SUS desde 2009, muitas pessoas trans ainda têm dificuldade de ser identificadas corretamente. “Desde 2013, já é possível registrar o nome social no sistema eletrônico. Ainda assim, os profissionais da saúde não estão capacitados para atender a população. As pessoas têm esse estigma: ‘como chama’, ‘é homem?’, ‘é mulher?’, ‘como eu trato?’”, conta Bruna sobre o sistema de saúde da cidade.

DESPATOLOGIZAÇÃO TRANS

Em 1997, o Conselho Federal de Medicina autorizou as chamadas cirurgias de transgenitalização. A partir de 2008, o Sistema Único de Saúde passou a oferecer serviços  para o processo de transição, as chamadas tecnologias biomédicas.

Contudo, para o acesso a tratamento hormonal e cirurgias corporais, o Conselho Federal de Medicina considera pessoas transexuais como portadoras de transtornos psicológicos permanentes de identidade sexual. Além disso, conforme portaria em vigência do Ministério da Saúde, profissionais da psicologia devem fornecer laudos à equipe de atenção especializada no processo transexualizador e terapia compulsória por dois anos.

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) já divulgou nota, na qual afirma que “a transexualidade e a travestilidade não constituem condições psicopatológicas“.  Em 2015, o Órgão lançou a Campanha para Despatologização das Transexualidades e Travestilidades. No vídeo, profissionais psicólogos abordam que a transexualidade e a travestilidade não constituem nenhum tipo de transtorno do ponto de vista psíquico.

A relação entre transexuliadade e saúde mental reforça uma ideia errônea, em que condiciona pessoas trans a doentes em âmbito mundial.  A Classificação Internacional das Doenças (CID), estabelecida  pela Organização Mundial da Saúde, apresenta a transexualidade como transtorno de identidade de gênero; já o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) aponta a transexualidade como disforia de gênero. Essas terminologias apoiam a concepção de transexualidade como patologia.

Um fato que pode denunciar essa relação ainda feita entre transexualidade e patologia no sistema público ocorreu durante a produção desta reportagem. Ao procurar a Secretaria de Saúde, a produção foi encaminhada à Coordenação de Saúde Mental do Município. Entretanto, Bruna e Patrícia, enfermeiras residentes em saúde mental, reafirmaram  o posicionamento do CFP. “Não é legal vincular saúde mental a política das minorias, por que corrobora que isso seja uma patologia, o que na verdade não é. Mas uma questão de gênero, uma orientação sexual, pessoal e individual de cada um. Não é o que os estudiosos e as pessoas que trabalham na área da saúde preconizam”, declara Patrícia.

“É bem complicado. Eu tenho, hoje, dois internados.Uma menina que internei em São Francisco de Assis, saiu daqui e perguntou ‘Posso levar minhas maquiagens? Minhas roupas? Minhas coisas?’. Aí eu comuniquei o hospital, como que eu estava internando ela em uma unidade masculina se iria levar vestidos. Então lá a gente teve sérios problemas. Tivemos que pedir alta administrativa, porque foi muito complicado” (Elieze Santos Machado, enfermeira)

Patrícia chama a atenção ainda para a associação entre transexualidade a Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Essa preocupação deve-se, por exemplo, ao fato de que a 16º Parada Livre da Região Centro foi realizada por meio da verba destinada a Políticas ligadas ao HIV. “Nós não podemos concordar com essas coisas, com essas patologias, ou então que essa população está vinculada ao HIV”, frisa a enfermeira.

A Parada Livre da Região Centro foi produzida com verbas  ligadas ao HIV por não ter nenhum incentivo por parte de outras instituições e programas. “O que a gente tem são ações pontuais em algumas políticas, por exemplo a política do HIV, que recebe uma verba do Ministério da Saúde para realizar estratégias de redução de danos. A verba anual do Ministério da Saúde é utilizada para fazer essas estratégias e também para a promoção da parada livre do município. O que a gente ainda precisa mesmo é que seja criada uma política LGBT ou alguém que cuidasse das políticas de equidades no município. Que pudesse ter estratégias, programas definidos”, destaca Bruna.

A sociedade passa por um importante momento de visibilidade e representatividade LGBT, mas ainda há um longo caminho a percorrer. E esse caminho deve ser percorrido com muito diálogo,  para assim desconstruir ideias preconceituosas, lutar contra a violência, garantir direitos, igualdade e, acima de tudo, respeito.

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Vídeo: Projeto Transformar (desenvolvido por estudantes de Publicidade e Propaganda do Centro Universitário Franciscano)[/dropshadowbox]

 

Por Deivid Pazatto, Emily Costa, Paola Saldanha, para a disciplina de Jornalismo Investigativo, no segundo semestre de 2017, sob a orientação da professora Carla Torres.

 

O que são Infecções Sexualmente Transmissíveis?

Antigamente conhecida pela expressão Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), as Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) receberam essa nova nomenclatura pela possibilidade de uma pessoa ter e transmitir uma infecção, mesmo sem apresentar sintomas. Elas podem ser causadas por vírus, bactérias ou outros microrganismos. A transmissão ocorre por meio do contato sexual sem o uso adequado de preservativos com uma pessoa que esteja infectada, ou da mãe para a criança durante a gestação ou amamentação.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima a ocorrência de mais de um milhão de casos de IST por dia, mundialmente. Ao ano, calcula-se aproximadamente 357 milhões de novas infecções, entre clamídia, gonorreia, sífilis e tricomoníase.

Mas por que é necessário aprender e entender sobre o assunto? A resposta é simples: muito pouco se fala sobre ISTs no Brasil, devido ao tabu criado pela cultura da não naturalidade do sexo. Porém, é necessário trazer à tona este assunto, pois as pessoas necessitam saber como estas infecções são transmitidas, como é feita a prevenção, modos de identificá-las e sobre o tratamento.  Confira:

Sintomas

As IST’s se manifestam por meio de feridas, corrimentos ou verrugas. Elas aparecem principalmente no órgão genital, mas também podem surgir em outra parte do corpo como língua, palmas da mão e olhos. Em estágio inicial, podem ser identificadas durante a higiene pessoal.

Os corrimentos podem manifestar-se na Gonorreia, Clamídia e Tricomoníase. Aparecem no pênis, vagina ou ânus, podendo ser esbranquiçados, esverdeados ou amarelados, dependendo da infecção. Podem ter cheiro forte e provocar dor ao urinar ou durante a relação sexual. Em mulheres, se o corrimento não for significativo, só é detectado em exames ginecológicos. Vale ressaltar que a vaginose bacteriana e a candidíase vulvovaginal também causam corrimento, mas não são consideradas IST’s.

As feridas podem ou não causar dor, são manifestações da sífilis, herpes genital, cancróide, donovanose e linfogranuloma venéreo. Podem aparecer nos órgãos genitais ou em qualquer outra parte do corpo.

Já as verrugas anogenitais são causadas pelo Papilomavírus Humano (HPV), muitas vezes não doem, porém podem causar coceira e irritação.

Além desses três fatores, existem as ISTs pelo HIV e pelas hepatites virais B e C, com sintomas específicos. Conheça um pouco melhor cada uma dessas infecções.

HIV

O vírus usa o co-receptor CCR5, uma proteína presente na superfície das células imunológicas, para infectar as células. Imagem: C. Bickel / Sciense Translational Medicine

O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) pode ser encontrado em fluidos sexuais, como o líquido pré-ejaculatório, o líquido lubrificante vaginal e o sêmen. O leite materno e o próprio sangue também podem conter o Vírus.

Muitas pessoas ainda não compreendem que ter HIV não significa ter a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), uma vez que a segunda é uma consequência da primeira, ou seja, a AIDS pode ser adquirida com a presença do HIV no corpo.

Os principais sintomas da AIDS são muito semelhantes aos da gripe: cansaço, mal estar, entre outros. Resumidamente, a AIDS deteriora o sistema imunológico do hospedeiro, tornando-o fraco e sensível a outras doenças.

Em 2014, segundo o Ministério da Saúde, Santa Maria destacou-se de forma negativa, figurando entre as 10 cidades com maiores índices da doença no País, o que levou à realização de diversas campanhas de prevenção e alerta para a população. Isso diminuiu o índice nos anos seguintes, porém o Município ainda ocupa uma posição perigosa: 71º lugar no mesmo estudo.

Mais informações sobre HIV e AIDS estão na reportagem de Victórya Azambuja, Lucas Cirolini e Camila Fogliarini.

 

SÍFILIS

A Sífilis é causada pela bactéria Treponema pallidum, que entra na pele através de pequenos cortes ou por meio das membranas das mucosas. Além do ato sexual, a doença pode ser transmitida de mãe para filho durante o período da gestação. Esta é a sífilis congênita.

A infecção se desenvolve nos estágios primário, secundário, terciário e latente, mas os sintomas podem não seguir uma ordem determinada. No estágio primário, aparecem pequenas feridas indolores (cancros) no local da infecção, mas elas podem desaparecer no período de 4 a 6 semanas, mesmo sem tratamento, tornando a bactéria inativa no organismo.

O segundo estágio manifesta-se de duas a oito semanas após as primeiras feridas surgirem, e os sintomas são dores musculares, febre, dor de garganta e dificuldade para deglutir. Esses sintomas também podem sumir e a bactéria tornar-se inativa. O período latente é justamente o tempo de inatividade da bactéria. O infectado pode ficar anos sem os sintomas, até mesmo a vida toda, mas também existe o risco de a doença avançar para o próximo estágio.

A sífilis terciária é a mais grave; ela pode danificar vários órgãos, incluindo o cérebro, nervos, olhos, coração, vasos sanguíneos, fígado, ossos e articulações. Essa infecção só chega nesse estágio se não tratada, e pode inclusive levar à morte.

O VDRL é uma das formas para diagnosticar a sífilis, trata-se de um exame de sangue que identifica anticorpos que o organismo produz para combater a bactéria. Outras possibilidades são realizar uma cultura de bactérias ou uma punção lombar.

Segundo a OMS, a sífilis afeta um milhão de gestantes por ano em todo o mundo, levando a mais de 300 mil mortes fetais e neonatais e colocando em risco de morte prematura mais de 200 mil crianças.  No Brasil,  de acordo com o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, foram registrados, em 2016, 87 mil  casos de sífilis adquirida, 37 mil casos de sífilis em gestantes e 20 mil casos de sífilis congênita. A partir dessas ocorrências, foram contabilizados 185 óbitos.

De 2015 para 2016, os diagnósticos de sífilis adquirida tiveram um aumento de 27,9%. Segundo o Ministro da Saúde, Ricardo Barros, as causas para um aumento tão drástico são o desabastecimento de penicilina (medicamento mais eficaz contra a doença) e o aumento da distribuição de testes rápidos na rede de saúde.

O Rio Grande do Sul foi o estado com mais aumento da infecção, sendo cerca de 93 casos a cada 100 mil habitantes. No gráfico a cima, podemos observar que Porto Alegre detém índices bem maiores de sífilis congênita se comparados às outras capitais. Em Santa Maria, o número de casos de sífilis em gestantes em 2016 atingiu a marca de 64 pessoas por mil habitantes, segundo a Secretaria de Vigilância e Saúde. O dado representa uma queda em relação ao número de contaminações no ano anterior, o qual atingiu 106 casos por mil habitantes. Em relação à sífilis congênita, a Cidade apresentou um número de 34 pessoas por mil nascidos vivos em 2016, comparado a 62 de 2015.

Como mencionado anteriormente, a sífilis pode não se manifestar durante décadas, mas tratando-se de uma doença que pode ser revertida durante as fases iniciais, não deixe de realizar um exame caso tenha feito sexo sem proteção.

Neste link, você assiste ao documentário “Sífilis, a doença de mil faces”, realizado pela TV Brasil: [youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=toNzdGzD_mY”]

 

HPV

Como já vimos, os sintomas do Papilomavírus Humano (HPV) são verrugas anogenitais. Quando em estágio avançado, seu formato assemelha-se ao de uma couve-flor. Existem diversos tipos de HPV que causam verrugas em diferentes partes do corpo, sendo que já foram identificadas e sequenciadas geneticamente cerca de 150 variações. O vírus é transmitido no contato pele a pele.

[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=wn6fphBVHMc”]

Os especialistas que podem diagnosticar o HPV (e outras ISTs) são infectologistas, ginecologistas, urologistas, clínicos gerais e dermatologistas. Dois tipos de teste podem detectar o HPV: o genético PCR e o teste de captura híbrida. Eles trazem informações do tipo, da carga viral e também mostram se o vírus pode ou não evoluir para um câncer.

O tratamento do HPV varia de acordo com sua manifestação (se é uma lesão ou verruga, por exemplo), grau e localização. Pode-se utilizar desde cremes para lesões pequenas, ácido tricloroacético para lesões externas, cauterização a laser para queimar as lesões ou gelo seco (crioterapia). Outra forma que pode ser utilizada é a radiofrequência.

Devido à sua relação com câncer, o HPV é uma IST que amedronta, mas cerca de 90% dos pacientes conseguem a cura completa. A vacina contra o HPV pode ser tomada em postos de saúde e clínicas particulares. O SUS oferta uma vacina quadrivalente, que protege contra os 4 tipos mais comuns no Brasil. É comum haver campanhas de vacinação nas escolas, isso porque é preferível vacinar meninos e meninas até os 15 anos que ainda não iniciaram a vida sexual, de modo a aumentar a eficácia da substância.

 

HEPATITES

As hepatites são doenças virais que atacam principalmente o fígado, causando inflamação na região. Os tipos mais comuns são do tipo A, B e C, mas ainda existem vírus do tipo D, E e G.  A sua maior diferença é a forma de contaminação. Por exemplo, a Hepatite A provém da contaminação por meio da água ou por alimentos contaminados. Nesta reportagem abordamos principalmente as Hepatites B e C, estas que são transmitidas através de uma relação sexual sem proteção.

Tratam-se de doenças muito graves, que podem trazer danos irreversíveis, e inclusive obrigarem os pacientes ao transplante de fígado. Cerca de 50% de todos os transplantes do órgão são feitos em pessoas que adquiriram Hepatites virais. Além disso, mais de 50% de todos os casos de câncer de fígado também são ligados ao vírus.

Confira no vídeo abaixo mais detalhes sobre as Hepatites: [youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=gCq6xYzRd4A”]

De acordo com o gráfico abaixo, pode-se observar que a maior incidência de óbitos relacionados à hepatite deve-se aos tipos B e C. A seguir vamos entender quais são as suas diferenças.

 

Hepatite B

A Hepatite B é uma das doenças que mais afetam a população mundial. Segundo a OMS, cerca de 350 milhões de pessoas ao redor do mundo estão contaminadas pelo vírus, sendo este número dez vezes maior que o número de contaminação de HIV/AIDS. No Brasil, estima-se que 15% da população já contraiu o vírus, e 1% é portador crônico.

As forma de transmissão da Hepatite B são parecidas com as da AIDS, podendo ser por meio de relações sexuais ou pelo contato com o sangue de alguém que está infectado. O vírus agride diretamente as células do fígado, causa inflamações e ataca o sistema nervoso, o que pode levar a uma fase crônica.

Os sintomas variam, e podem ser comparados com os do HIV. A pessoa infectada pode ter febre, fadiga em excesso, perda de apetite, mal-estar, náuseas e vômitos. Os sintomas começam a diminuir cerca de 10 a 15 dias após a manifestação.

Em Santa Maria, o índice de portadores de hepatite B vem diminuindo nos últimos anos. Em 2016, segundo dados da Secretaria de Vigilância em Saúde, foram registrados 10 casos a cada 100 mil habitantes.

 

Hepatite C

A Hepatite C é similar à Hepatite B. Ela também causa inflamação no fígado, porém quem adquire a doença não tem nenhum sintoma por muito tempo.  Considerado o pior tipo de Hepatite, a doença é descoberta apenas quando da doação de sangue ou de exames de rotina. Ao aparecem os primeiros sintomas do vírus, o infectado já atingiu o estado avançado, décadas depois de ter adquirido o vírus.

De acordo com a ONU, cerca de 500 milhões de pessoas no mundo estão contaminadas pelas hepatites B e C, mas apenas 5% delas sabem que adquiriram a doença. No Brasil, os casos de Hepatite C atingem cerca de 1,5 milhão de pessoas; é ela a responsável por 70% dos casos de hepatites crônicas. Santa Maria tem média de 89 casos da doença a  cada 100 mil habitantes,segundo dados do Ministério da Saúde. O número é bem expressivo, se comparado a outros municípios do país.

Entre as principais causas de contaminação, está o contato com o sangue contaminado, seja por transfusão ou acidente com materiais da área da saúde. Existe risco também de transmissão durante relações sexuais. O índice mais baixo de contaminação é o de mãe para filho no momento do parto, com apenas 5% dos casos.

Porto Alegre é a capital com maior taxa de incidência de Hepatite C do país. O número ultrapassa 90 detecções por 100 mil habitantes, conforme mostra a tabela a seguir:

 

Mas que fatores colaboram para o alto índice dessas doenças em Santa Maria?

Segundo a coordenadora da assistência da Casa 13 de Maio, Andréa Lenz, um conjunto de fatores contribuem para o grande número de ISTs: falta de educação sobre o assunto, facilidade das relações sexuais nos dias de hoje, desinformação, banalização da própria doença pelos portadores e a desatenção da mídia para com o assunto. “A mídia contribui muito pouco. Se fala em HIV e AIDS apenas nas datas de conscientização, acredito que se o assunto fosse abordado mais vezes, se tivessem reportagens mais completas, ações constantes (inclusive da área da saúde), mais periódicos durante o ano e alertas, educaria mais a população. Não acho que seja apenas a falta de uso de preservativos, acho que é um conjunto de fatores que culmina neste aumento”, aponta Andréa.

Sobre a banalização da própria doença, a coordenadora explica que podem ocorrer surpresas durante o tratamento das ISTs. Nos anos 80, por exemplo, quem adquirisse o vírus da AIDS só iria saber da doença após os primeiros sintomas se manifestarem, por isso havia muitas mortes em sua decorrência. “Hoje, com o diagnóstico mais rápido, o tratamento ficou melhor. Porém, quem sofre com a doença às vezes acaba banalizando-a no sentido de pensar que, se adquiriu a doença, apenas tomar alguns remédios vai resolver tudo de forma simples, mas não é bem assim. Hoje quem morre é quem não se cuida, não se trata, não busca acompanhamento”, destaca Andréa.

Não podemos concluir que as infecções ocorrem somente por falta de informação, já que pessoas de vários níveis sociais se contaminam. Adquirir uma IST não deixa de ser uma questão de escolha: quando se opta por não usar o preservativo, é necessário ter consciência de que se está correndo risco. As ISTs são “democráticas”: não escolhem cor, seuxalidade, escolaridade ou gênero. Basta não se prevenir para ocorrer a contaminação.

 

Como pode ser feito o diagnóstico destas doenças?

O diagnóstico para identificar as ISTs é feito de duas formas: o laboratorial e o teste rápido. O teste rápido é o que dá o diagnóstico real do HIV, porém o teste de Hepatite B e C e também da sífilis são chamados de triagem, pois, se derem positivo, não significam necessariamente contaminação. A pessoa diagnosticada pode estar com uma cicatriz imunológica, ou seja, ela já esteve com a doença e tem uma marca em função da qual o teste vai positivar. Exemplo disso são as hepatites, no qual o próprio organismo muitas vezes impede a infecção e o desenvolvimento do vírus.

O teste rápido é um teste simples, semelhante ao teste da glicose. É feita uma picada na polpa do dedo e é aplicado um outro material que vai reagir com o sangue. No caso do HIV, se o teste der positivo, obrigatoriamente outro teste é realizado para confirmação.

 

Quando a pessoa pode descobrir se está contaminada ou não?

Por exemplo, se depois de uma semana da suspeita de contágio, a pessoa busca um centro de saúde para realizar um teste, ele não mostra se ela adquiriu uma IST. A pessoa pode estar com o vírus, mas o teste ainda não consegue identificar se existem anticorpos em relação àquele vírus ou bactéria.

O teste somente vai ser seguro em torno de 60 dias após a última relação desprotegida, o que é chamado de janela imunológica. Caso haja relação de risco durante esse período, é necessário recomeçar a contagem. O indicado é evitar relações durante esse tempo ou usar preservativo em todas elas. Após o período de janela imunológica, o teste vai ser correto.

ONDE PROCURAR AJUDA?

Casa 13 de maio

A Casa 13 de Maio é uma unidade de saúde especializada no atendimento de infecções sexualmente transmissíveis. É possível realizar testagens, tratamentos e acompanhamentos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A Casa também trabalha com a prevenção, assistência, acolhimento, orientação e distribuição de insumos como preservativos e informativos.

De acordo com a coordenadora Andréa Lenz, a Casa 13 de Maio é democrática, isso porque lá são atendidas pessoas de todas as classes sociais, raças, gêneros e profissões. “A pessoa é acolhida, é orientada, há uma escuta do relato dela, das dificuldades e outras característica para podermos ajudá-las apropriadamente”, comenta Andréa.

A equipe é formada por enfermeiros, infectologistas, dermatologista, ginecologista, psicóloga, farmacêutica, técnica de enfermagem e uma clínica geral para casos mais comuns de HIV, sífilis e gonorreia. Todo tratamento e acompanhamento acontece na Casa, e a pessoa só é encaminhada para outro lugar se tiver uma infecção oportunista, como a neurossífilis e a tuberculose, que necessitam do apoio de outros serviços especializados.

A Casa 13 atende pacientes a partir dos 17 anos, e realiza quatro tipos de testagem para HIV, Sífilis, Hepatite B e Hepatite C, e as infecções mais frequentes no local são de HIV e sífilis, com grande variação de faixa etária, englobando desde adolescentes até idosos.

ACESSO AOS ATENDIMENTOS

O serviço é oferecido para a população em geral, com foco nos profissionais do sexo e na comunidade LGBT. Os atendimentos são apenas para os moradores de Santa Maria (com exceção daqueles pacientes que já estão em tratamento no Hospital Universitário de Santa Maria). Os atendimentos no local são realizados mediante documento de Identidade e comprovante de residência.

ENDEREÇO:

Rua Riachuelo, nº 364 (esquina com a Pinheiro Machado), centro.

HORÁRIO DE ATENDIMENTO:

De segunda a sexta-feira, das 8h às 11h30min e das 13h às 16h30min.

TELEFONE:

(55) 3921-1263

 

Por Diego Garlet e Fernando Cezar, para a disciplina Jornalismo Investigativo, durante o segundo semestre de 2017, sob orientação da professora Carla Torres.

Você sabe os sintomas da Aids? Já parou  para fazer o teste de HIV?  Ou tem ideia do número de infectados em Santa Maria? De acordo com a Vigilância Epidemiológica do Município, só no primeiro semestre de 2017, foram 142 pessoas identificadas com a doença, entre homens e mulheres de 15 a 80 anos.

O mesmo levantamento, realizado em 2007, mostra 91 casos durante todo aquele ano, com pessoas da mesma faixa etária. Se seguir nessa crescente, 2017 irá fechar com quase 300 diagnosticados com a doença. Assim, no período de 10 anos, o número de infectados por ano identificados pela vigilância terá triplicado. Ainda, de acordo com a pesquisa, os índices mais altos aparecem entre homens de 30 a 39 anos e mulheres de 20 a 29 anos. A partir do vídeo produzido para esta reportagem, pode-se tanto refletir tanto sobre prevenção, quanto ter alguns esclarecimentos sobre o tratamento, na palavra de quem vive essa realidade.

A reportagem tentou contato a Secretaria da Saúde do Município para obtenção de dados em detalhe, mas, mesmo após vários contatos, não houve retorno.

Por Victória Azambuja, Lucas Cirolini e Camila Fogliarini, para a disciplina de Jornalismo Investigativo, no segundo semestre de 2017, sob a orientação da professora Carla Torres.