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Crônicas

Aquela saudade

Nos dias de GreNal era aquele agito. Vizinho gremista tirando sarro do colorado, amigo colorado alfinetando gremista e as estampas dos times passeando pela cidade. Conquistaram um título tão almejado? Partiu comemorar na Avenida Presidente Vargas?

O convívio com a espera

No início todos contavam. Dez dias de pandemia. Trinta dias. Sessenta dias. E assim por diante. Até que paramos de contar. Agora que ninguém mais conta, já são mais de 400 dias. Grande quantidade deles carregados

Inertes

Lembra quando éramos crianças e ouvimos pela primeira vez as histórias de guerras? No início poderia ser apenas um emaranhado de datas, países e batalhas completamente desconectados da nossa realidade. Em algum momento, você provavelmente ficou

O contágio virtual

Lembro de quando ganhei o meu primeiro computador. Foi em 2010, eu tinha 12 anos. Não entendia muita coisa na época, mas precisava dele para fazer meus trabalhos da escola. Com o tempo, eu fui aprendendo

O futuro do lembrar

  No geral, me considero sortuda por algumas coisas. E uma delas é por lembrar da minha infância. Como é bom reviver alguns momentos na minha memória, em especial os tempos de escola. Lembro de muitas

Que distância tem o distanciamento?

A palavra distanciamento sempre foi só mais um substantivo masculino presente no vocabulário dos brasileiros. Aí 2020 chegou, a pandemia do novo coronavírus se instalou no mundo, e o que parecia ser uma palavra inofensiva passou

Livre para voar

Não sei muito bem sobre o que vou escrever, acho que a pandemia faz isso com as pessoas, nos deixa sem saber. Tento escrever algumas palavras, liberdade é a primeira que me vem à cabeça, mas nada

A perda dos afetos

Cleci não era minha amiga no sentido íntimo da palavra. Foi minha vizinha por mais de 30 anos. Uma boa vizinha com quem trocava conversas sobre o cotidiano, as notícias dos filhos que estavam longe, as

Quando acordei não sabia que isso iria acontecer

Existe a beleza dos dias planejados, as tarefas completas, a via sem trânsito, janta na mesa e o banho antes de deitar. Um alívio em não esbarrar em contratempos. E os dias passam e passam e

A arte da dança

Pliê, Tedu, Jeté, Rond Jamb, Grand Battement. A voz da professora está sempre em minha memória, dizendo várias e várias vezes os passos da dança. Quem nunca dançou Ballet não sabe o que é flutuar pelos

Foto de JESHOOTS.com no Pexels

Nos dias de GreNal era aquele agito. Vizinho gremista tirando sarro do colorado, amigo colorado alfinetando gremista e as estampas dos times passeando pela cidade. Conquistaram um título tão almejado? Partiu comemorar na Avenida Presidente Vargas? Buzinaço e cantoria. Carros cruzando bandeiras nas janelas. Ruas lotadas de torcedores fiéis e apaixonados. A alegria era imensa. Nem a vovó do prédio, em frente a praça da locomotiva, ficava parada. Vamos assistir ao jogo e jogar uma sinuca? Claro! Junta o pessoal e bora para o bar. Ah, a saudade de uma aglomeração…

Lembro-me da organização e programação que era para ir assistir ao GreNal. Parecia um evento. Quem chegasse antes, comprava carne e cerveja. Churrasco em casa ou cervejinha no bar, um desses dois era essencial. Movidos à paixão e amizades, restaurantes e ruas ficavam cheios de gremistas e colorados. Os bares se preparavam com telões e mesas extras quando as finais de campeonato acabavam em GreNal. Saía gol, eram abraços para todos os lados. Pessoas que não se conheciam comemorando juntas… ou com raiva da vitória do adversário. Mas muitas amizades surgiram nesses momentos mágicos. Agora parece que paramos no tempo. Não tem encontro de torcedores nas ruas. Não tem abraços coletivos em bares. Somente gritos de vitória de janelas e sacadas. Uma comemoração um pouco mais silenciosa, mas não menos apaixonada. Uma festa com menos participantes. Uma decoração de casa.

Mas estamos aqui, resistindo. Ansiosos pelo aval de liberação de torcidas, de aglomerações, de festa. O grito de gol está entalado na garganta dos apaixonados por futebol. Os braços aguardando ansiosos por abraços calorosos de felicidade. Esse clássico vai muito além da tradição. É uma junção de sentimentos que conecta pessoas diferentes pelo amor e orgulho da terra que habitamos.

Texto de Caroline Freitas.

Produção feita na disciplina de Jornalismo Esportivo, durante o primeiro semestre de 2021, sob coordenação da professora Glaíse Bohrer Palma.

Perspectiva. Foto: Lavignea Witt.

No início todos contavam. Dez dias de pandemia. Trinta dias. Sessenta dias. E assim por diante. Até que paramos de contar. Agora que ninguém mais conta, já são mais de 400 dias. Grande quantidade deles carregados de angústia, preocupação, ansiedade, medo. A dúvida também fez parte deles. Muitos continuaram trabalhando normalmente, outros não. As aulas presenciais foram suspensas, depois voltaram e foram suspensas de novo. Algumas práticas foram liberadas e depois de algum tempo foram proibidas mais uma vez. As incertezas quanto às atividades presenciais perduram até hoje. 

Esse assunto sempre me lembra uma frase que muitas pessoas já devem ter lido desde que a pandemia começou: “Não estamos todos no mesmo barco, estamos todos sob a mesma tempestade.” Sim, vivemos realidades totalmente diferentes. Alguns precisam sair de casa todos os dias para manter seu sustento, enquanto outros saem em dias específicos para fazer algo que precisam. Agora que algumas escolas estão reabrindo para receber os alunos, fica a incerteza de comparecer às aulas, podendo colocar a saúde de todos no ambiente escolar em risco, ou continuar em casa na tentativa de manter o processo de aprendizagem. Estudantes de algumas faculdades tentam manter suas atividades práticas nas instituições, com vários protocolos sanitários e com o sentimento de que tudo mudou. 

E esse sentimento também reverbera nos encontros pessoais. Visitar amigos e familiares é andar com a insegurança ao lado. É preferível não colocar em risco a vida das pessoas que mais amamos. Então, muitos continuam com as reuniões virtuais, buscando suprir o afeto que antes era algo rotineiro. Pensar que é uma reclusão momentânea promove um certo conforto. É melhor estar em casa do que em um leito de hospital, sem poder receber visitas e com várias incertezas dentro de um quarto. 

Díficil. Árduo. Talvez essas sejam as palavras que mais chegam perto do que é viver essa situação. Conviver com pessoas é essencial, é o que todo ser humano faz. O exercício da vida é a convivência. Somos instantes, momentos, rodeados de pessoas que cruzam o nosso caminho. Pessoas essas que ficamos por anos abraçando, apertando a mão, conversando frente a frente. O que era realidade, se tornou lembrança. Estamos onde devemos estar e querendo algo inviável — por enquanto.  

Nos resta a esperança. Esperança de que estamos a poucos passos de que conviver com muitas pessoas seja algo comum de novo. De juntar toda a família no almoço de domingo. Sair com os amigos no fim do expediente para ir naquele restaurante especial. Comemorar o aniversário com todas as pessoas importantes da nossa vida. Viajar para qualquer lugar sem medo da experiência. Há pessoas que dizem que nada vai voltar a ser igual como antes, mas que bom que podemos sempre recomeçar. O importante agora é realizar o que podemos e esperar por uma nova contagem de dias. 

Este texto faz parte do Projeto Experimental em Jornalismo, do curso de Jornalismo da Universidade Franciscana, realizado pela acadêmica Lavignea Witt durante o primeiro semestre de 2021, com orientação da professora Neli Mombelli. 

Foto de Disha Sheta no Pexels.

Lembra quando éramos crianças e ouvimos pela primeira vez as histórias de guerras? No início poderia ser apenas um emaranhado de datas, países e batalhas completamente desconectados da nossa realidade. Em algum momento, você provavelmente ficou horrorizado e perguntou: como? Como as pessoas deixaram acontecer? Precisamos viver nossas próprias tragédias para perceber o quanto a inércia é confortável. 

Inércia e negacionismo parecem conceitos tão similares, quase sinônimos. Negamos o horror mesmo com as melhores intenções, mesmo sabendo de tudo o que está acontecendo nós encontramos na apatia uma forma de sobreviver.   

Buscamos continuamente por novas alternativas, novas rotinas. Fazemos remendos em nós mesmos e no cotidiano para, de alguma forma, seguir em frente e suportar mais duas semanas até começar tudo de novo. A vida se divide em pequenos períodos de alívio, ilusão de ar nos pulmões, e longos intervalos de sufocamento. E seguimos em busca de alternativas que possam sustentar o ar, os dias. Não passou da hora de parar? Chega. 

Não dá mais para fingir que alternativas individuais vão nos levar para longe disso. Chega de intercalar crises de ansiedade e artigos sobre produtividade do LinkedIn. Chega de sustentar o insustentável, de carregar o caos no colo.

Até quando? Há mais de um ano nós esperamos a virada de chave, o acontecimento que vai mudar tudo, a repentina luz no fim do túnel, aquilo que vai fazer as pessoas se levantarem para gritar “não dá mais!”. Mais de 400 mil mortos e nós seguimos negando a dor, o horror. 

Desejo que encontremos forças e caminhos para sair da inércia, assim como as gerações anteriores encontraram. Eles descobriram formas de reivindicar a vida e se rebelar contra a barbárie. Que as aulas de história e a memória dos que partiram precocemente possam servir de impulso e inspiração para buscar a mudança necessária. 

Arcéli Ramos é jornalista, egressa do curso de Jornalismo da UFN e publicará crônicas na CentralSul a cada 21 dias, a partir de hoje.

Uso das redes sociais cresce durante a pandemia. Foto: Lavignea Witt.

Lembro de quando ganhei o meu primeiro computador. Foi em 2010, eu tinha 12 anos. Não entendia muita coisa na época, mas precisava dele para fazer meus trabalhos da escola. Com o tempo, eu fui aprendendo sobre as outras funcionalidades e, depois de alguns meses, já entendia melhor os recursos da internet. O que eu mais gostava era jogar online, mas, com a influência dos meus amigos, logo entrei para o mundo das redes sociais. Comecei no Orkut e logo fui para o Facebook. Naquele tempo, a maioria das pessoas usava as redes sociais para conversas em grupo, jogos e publicação de fotos. Conforme as transformações na sociedade, tudo foi se modificando no mundo virtual. Logo começou a criação de conteúdo e a era da influência digital chegou com tudo. Hoje são poucas as pessoas que não fazem parte desse universo, seja para uso pessoal ou profissional. 

Voltamos ao início de 2020. Antes da pandemia, o fluxo nas redes sociais era intenso, agora é gritante. Encontramos uma válvula de escape nessa estrutura social composta de pessoas que se relacionam de diversas maneiras e compartilham conteúdos com valores comuns. Como estamos em meio a uma pandemia e as relações físicas estão temporariamente restringidas, buscamos conforto ao enviar e receber mensagens instantâneas através desse recurso. E, além das mensagens, vemos e compartilhamos conteúdos das mais diversas categorias. Mas como diz aquele velho ditado de vó, nem tudo são flores. 

Nesta altura, todo mundo já deve ter se sentido esgotado ou pressionado demais em algum momento desde que a pandemia começou. Não tem como se sentir a pessoa mais positiva do mundo dentro de uma rotina desgastante e com uma enxurrada de informações todos os dias. Mas a vida nas redes sociais é outra. É como se você entrasse em um mundo paralelo onde há vidas perfeitas, rotinas muito bem planejadas e pessoas sempre bem apresentadas. Há sim pessoas que compartilham suas vidas de maneira real, mas nem todo mundo quer aparecer mostrando os contratempos, não é mesmo? E o problema não está totalmente no conteúdo postado, mas em como as pessoas levam para si. Por isso insistimos em nos comparar a algo inexistente: uma vida perfeita. 

No início da pandemia todo mundo parecia ser produtivo. Alguns faziam exercícios físicos em casa, outros estavam aprimorando seu inglês e a maioria parecia estar com a vida profissional sob controle. E ver esse tipo de conteúdo circulando nas redes sociais tem nos tornado cada vez mais imediatistas. A autocobrança desnecessária se tornou algo normal. Também queremos ser felizes, produtivos e saudáveis o tempo todo. E existe um porém, isso não é possível.

Uma vez eu li em um livro de autoajuda que nunca teremos uma vida sem contrariedades, elas sempre existirão de alguma forma e a chave da nossa felicidade é conseguir solucionar cada uma delas. Ou seja, segundo o autor, uma pessoa é feliz — em certos momentos porque a felicidade é um estado de espírito e não uma condição — se resolver suas questões e continuar vivendo aquilo que é possível para ela. Sem comparação, sem pressão. Agora imagine uma outra vida se todos buscassem por esse ideal. 

Mas, a realidade é que estamos vivendo uma epidemia virtual dentro de uma pandemia. Resultado da busca de querer amarrar a vida em um estado perfeito criado através da internet. Nossa vacina teria que ser a liberdade. Liberdade dos status publicados nas redes sociais e da pressão imposta por si mesmo. Há sempre tempo de viver conquistas e objetivos, o segredo é respeitar seu próprio percurso. Era isso que eu queria que meu eu de 2010 pudesse ter ouvido antes de entrar nesse mundo virtual.

Este texto faz parte do Projeto Experimental em Jornalismo, do curso de Jornalismo da Universidade Franciscana, realizado pela acadêmica Lavignea Witt durante o primeiro semestre de 2021, com orientação da professora Neli Mombelli. 

 

A educação ‘abre’ caminhos. Foto: Lavignea Witt.

No geral, me considero sortuda por algumas coisas. E uma delas é por lembrar da minha infância. Como é bom reviver alguns momentos na minha memória, em especial os tempos de escola. Lembro de muitas ocasiões. Dos dias de aula, das brincadeiras, das tarefas em casa. Como era bom poder ir para escola e viver toda a experiência do aprendizado com meus colegas e professores. Infelizmente, essa não é a realidade de milhares de alunos desde março de 2020. Com o surgimento da pandemia, as aulas presenciais foram suspensas e gestores e educadores do mundo inteiro buscam os melhores caminhos para tentar manter a troca de conhecimento e as relações sociais entre todos. A maioria dos alunos participa das aulas através de videochamadas. Outros recebem as atividades impressas em casa ou buscam na escola. E muitos não conseguem usufruir de nenhuma das opções. O que era básico, agora é privilégio. 

Apesar de lembrar da minha infância de modo feliz, não tenho somente lembranças boas do meu tempo de escola. Lembro também das minhas dificuldades. Matemática era algo terrível para mim. Aquela mistura de números e letras me assusta até hoje. Além das aulas presenciais, tentava sanar todas minhas dúvidas em casa, com a ajuda dos meus pais ou de professores particulares. Hoje, um estudante do ensino fundamental, que tem dificuldade em alguma matéria, soube que precisa de muita dedicação e organização para aprender através do universo digital. E se não possui acesso à internet, o trabalho é dobrado. Os professores precisam adaptar novas formas de ensinar e novas formas de fazer o conteúdo chegar até esses alunos. Uma crise que ‘forçou’ milhares de estudantes e professores a se abrirem para o novo. 

E essa batalha não é somente de dois lados. Os pais, que dispõe do privilégio de trabalhar em home office, vivem essa rotina junto com eles. Mas nem tudo é vantajoso. Trabalhar, cuidar da casa e ajudar os filhos. Parece algo simples, mas demanda muito esforço. A suspensão das aulas presenciais devido ao isolamento criou novos hábitos e comportamentos dentro das relações familiares. A sobrecarga de atividades e as preocupações do dia a dia tem contribuído para angústias e aflições. Parece que estacionamos em março de 2020. 

Olhando para esse panorama de dificuldades, podemos assegurar que muitos efeitos desse momento permanecerão. E não me refiro apenas às estruturas ou processos de aprendizagem, mas sim à valorização. Ir à escola era rotina, e agora, assim como quase tudo, terá um novo sentido. Quando o ensino voltar a ser presencial, o hábito irá dar lugar a ressignificação. A forma de aprender não será mais a mesma, assim como a relação entre todos que se envolvem com o ambiente escolar. É certo afirmar que a pandemia também proporcionou e proporciona momentos de reflexão. 

Em seu livro, “O Mundo Assombrado pelos Demônios”, Carl Sagan afirmou: “Num mundo em transição, tanto os estudantes como os professores precisam ensinar a si mesmos uma habilidade essencial — precisam aprender a aprender.” A chave está aí. Não sabemos o que nos espera pela frente. O importante será aproveitar os ensinamentos que esse momento tem imposto para saber lidar com os imprevistos da melhor maneira. E que esses alunos tenham a mesma sorte de lembrar dos seus tempos bons de escola assim como eu. 

Este texto faz parte do Projeto Experimental em Jornalismo, do curso de Jornalismo da Universidade Franciscana, realizado pela acadêmica Lavignea Witt durante o primeiro semestre de 2021, com orientação da professora Neli Mombelli. 

Os efeitos do distanciamento social em lugares públicos. Foto: Lavignea Witt.

A palavra distanciamento sempre foi só mais um substantivo masculino presente no vocabulário dos brasileiros. Aí 2020 chegou, a pandemia do novo coronavírus se instalou no mundo, e o que parecia ser uma palavra inofensiva passou a ser uma expressão utilizada em todas as mídias sociais e em conversas aleatórias sobre o cotidiano. Mais do que isso, tornou-se parte de nossas vidas, nos impactando profundamente. Ter lugares delimitados no chão em lojas, farmácias, supermercados e em tantos outros lugares virou algo comum. Todo mundo sabe: são necessários de 1,5 a 2 metros. Pensando assim, até parece pouco. Apenas 2 metros. Contudo, esses 200 centímetros foram capazes de mudar a vida de todas as pessoas ao redor do mundo.

Ninguém poderia imaginar que atividades, consideradas normais no dia a dia, precisariam de tantas regras para acontecerem. Foi como se a pandemia tivesse jogado um balde de água fria em todas as relações. Os encontros com pessoas precisaram ser adaptados para o mundo virtual. Aquela festa de aniversário agora acontece por videochamada. A conversa entre os amigos, também. As aulas, que antes enchiam uma sala qualquer com vozes e expressões, agora dependem quase que totalmente da tecnologia para ocorrer. E mais do que mudar a forma como nos encontramos com as pessoas, a pandemia gerou reflexões sobre como a vida era antes e como ficou depois da prática do distanciamento social.

Em outro tempo, era normal subestimar a interação física com as pessoas. Quem nunca escapou de um convite para encontrar amigos? A conexão com os outros se reduzia a um aperto de mão e ao contato visual. Havia a necessidade de delimitar cada expressão física ao socialmente aceito. Na atual circunstância, o contato físico nunca foi tão importante para o bem-estar. E é difícil abrir mão, de uma hora para a outra, de todas as atividades que envolviam estar fora de casa e conviver com outras pessoas. A verdade é que estamos todos vivendo um luto, em relação a tudo que deixamos para trás. Uma vez, ouvi de uma profissional da psicologia que luto não refere-se só a perda de um ente querido. O luto também é tudo aquilo que, por consequência de uma situação, precisamos mudar ou deixar de fazer. E, na atual conjuntura, quase tudo mudou.

A rotina, a convivência com pessoas de fora, a maneira de estudar e trabalhar, as relações entre amigos e até uma ida ao supermercado. Muita coisa precisou ser adaptada, mas tudo precisou ser ressignificado. Um simples abraço não é mais um simples abraço. Ir ali com os amigos faz muita falta. Ter conversas produtivas com colegas e professores na faculdade nunca foi tão significativo. Ou seja, é necessário transmitir emoções que vão além do que se comunicar apenas verbalmente. E quando a pandemia acalmar, as relações sociais voltarão a ser presenciais com algumas marcas e novos sentidos deixados pelo distanciamento. Mas que essas ressignificações permaneçam como uma forma de aprendizado pelo tempo difícil que passou. 

Este texto faz parte do Projeto Experimental em Jornalismo, do curso de Jornalismo da Universidade Franciscana, realizado pela acadêmica Lavignea Witt durante o primeiro semestre de 2021, com orientação da professora Neli Mombelli. 

Não sei muito bem sobre o que vou escrever, acho que a pandemia faz isso com as pessoas, nos deixa sem saber. Tento escrever algumas palavras, liberdade é a primeira que me vem à cabeça, mas nada mais aparece. Fico olhando aquela palavra por alguns segundos, quando algo do lado de fora me chama a atenção.

Através das grades da janela da minha sala vejo pássaros voando, aos poucos diminuem a velocidade até fazer uma aterrissagem perfeita em alguns galhos das árvores que ficam nos fundo aqui de casa.

Outros pássaros preferem seguir o seu voo em silêncio, acompanhados pelos ventos frios dos primeiros dias de inverno. Eu olho do meu sofá com inveja e digito no meu texto: Para onde vão? De onde vêm?

Vou até a janela, olho para rua, sinto saudade de caminhar por aí sem ter um destino certo ou não saber quem vou encontrar. Saudade de viver livre. Meus pensamentos são interrompidos por um João de Barro que me observa com curiosidade, enquanto se equilibra em cima do muro.

Não sei quando isso vai passar ou o que vai mudar, mas nesse tempo em casa, quando olho o mundo pela janela da minha sala, percebo o quanto a vida é simples e bonita.

A chuva começa a cair lá fora, já vi que não vou conseguir escrever nada… melhor chamar meu velho amigo Gabo para me contar uma de suas histórias.

Pondero por um momento e então digito: “Livre para voar.” Olho mais uma vez pela janela e fecho meu notebook.

 

Por Fabian Lisboa, acadêmico de jornalismo da UFN

Cleci não era minha amiga no sentido íntimo da palavra. Foi minha vizinha por mais de 30 anos. Uma boa vizinha com quem trocava conversas sobre o cotidiano, as notícias dos filhos que estavam longe, as demandas diárias e as precisões de outros vizinhos. Éramos solidárias naquilo que fosse urgente. Eu não sabia da vida dela mais do que o necessário — nunca fui vizinha de conhecer detalhes da vida alheia se tal espaço não me fosse dado e, antes de adentrar, muito bem avaliar. Imagino que ela também não deveria saber muito mais da minha.

Falávamos ao cruzar a calçada ou nas divertidas caronas até o centro da cidade — porque sim, moramos num antigo quase meio rural — , a caminho do trabalho. Foi durante as caronas que eu soube dela estar indo ao pilates e à fisioterapia, que achava a casa grande demais depois dos filhos ganharem mundo, que manter tudo limpo dava trabalho, que ela tinha alugado uma das garagens a outro vizinho e ir até a “cidade” era uma boa diversão. Soube que o João estava em colheita, que a saudade da neta era enorme, que tinha ido visitar o filho e que as gurias estavam se preparando para vir passar as festas do final de ano.

Foi também quando ela soube que eu achava lindas as árvores da calçada a fornecerem uma rica sombra no calor escaldante do verão sulista e em uma delas, depois de uma tempestade, encontrara a gatinha que fugira da Carmem (outra vizinha), que a Flor (cocker spanish da Melina, minha filha) adorava correr e rolar na sempre aparada e verde grama a circundar a casa dela, que eu sempre levava um saquinho para recolher resíduos da bichinha porque morreria se ficasse alguma caca por ali, que as suas bergamoteiras davam um colorido especial à rua quando era época de frutas e as bananeiras emolduravam a paisagem dos fundos para a minha casa.

Nesse dia me ofereceu, generosamente, a sombra das árvores para estacionar o carro nos dias de sol. Nunca usei, mas fiquei profundamente grata.

Partilhávamos a preocupação/cuidado com outra vizinha mais velha (só na idade), amiga de ambas e que mora sozinha numa casa próxima às nossas, também com os cachorros que eram abandonados na nossa rua e, por um tempo, tiveram abrigo na entrada lateral da casa dela até serem acolhidos por outra vizinha.

Cleci partiu na manhã de hoje, 22, depois de uma dura luta contra o covid. Foi encontrar o João, o irmão do João e o marido da Rose(filha) que partiram também. Foi levada antes da vacina chegar a ela e ao João. Uma tragédia que poderia ter sido evitada.

Eu responsabilizo esse (des) governo pela catástrofe diária que nos assola. Cleci, João e os seus não são números a somar estatísticas. São vidas e histórias que fazem sentido.

Sei que não terei mais a risada agradável ao chegar à esquina, nem a companhia alegre no percurso até o centro da cidade. Não terei mais os vizinhos de tantos anos e nem perceberei a energia que compunha aquela casa, naquele lugar.

Não sei como os filhos se reinventarão nesse processo tão doloroso, mas espero que tenham força para recompor a vida e fortalecer os laços afetivos. Pais sempre deixam um legado para além do material.

Gostaria que soubessem que a dor é também nossa. Eles farão uma falta enorme no nosso cantão.

Nossa impotência diante do que parece ser uma roleta russa — nunca se sabe apesar dos inúmeros e múltiplos cuidados — , só será abrandada com a vacinação em massa. Única solução plausível para essa tragédia. Por hora, fica a revolta diante da irresponsabilidade de quem deveria tomar à frente no combate à pandemia.

Existe a beleza dos dias planejados, as tarefas completas, a via sem trânsito, janta na mesa e o banho antes de deitar. Um alívio em não esbarrar em contratempos. E os dias passam e passam e passam. Eis que numa tarde acontece “aquilo que não dava para imaginar”. Por alguns instantes, horas, semanas ou dias – depende da sorte improvável de cada um – permanece aquela sensação de que tudo é possível. O primo Lucas disse “você precisa se apaixonar pelo imprevisível”. E o que é a paixão senão um monte de coisas misturadas com a sensação engraçada na boca do estômago e o pavor de tudo dar errado.

O imprevisível é viciante. É adrenalina. Num dia você acorda e é surpreendido. No outro joga a agenda no lixo, desiste de fazer planos a médio e longo prazo. Acorda matutando se ao deitar na cama vai pensar “hoje não dava pra saber que isso ia acontecer”. Adrenalina. A gente também pode chamar de vida.

É novembro e antes que comecem a surgir listas de planejamentos, metas, prazos, etc, fica o ensinamento do primo Lucas – que só é primo da Jout Jout. Não é fácil e muito menos confortável. Em alguns momentos vai ser muito difícil, mas é assim mesmo que a gente faça de tudo para evitar. Mas é tão bom e vale a pena quando a gente permite que coisas inimagináveis virem realidade. Você vai ser surpreendido pelas coisas ruins, pode ter certeza. Se der medo, tudo bem também. É com medo que vem a coragem, o imprevisível e o ar fresco nos pulmões.

 

Arcéli Ramos é jornalista egressa da UFN. Repórter da Agência Central Sul em 2015. Com pesquisas na área jornalismo literário e linguagem, hoje também estuda “Pesquisa de tendências”. É colaboradora na New Order, revista digital na plataforma Medium, e produz uma newsletter mensal.

Imagem de Роман Романов/Pixabay

Pliê, Tedu, Jeté, Rond Jamb, Grand Battement. A voz da professora está sempre em minha memória, dizendo várias e várias vezes os passos da dança. Quem nunca dançou Ballet não sabe o que é flutuar pelos palcos da vida. A dança traz expectativa, é a emoção mais intensa e comovente do ser humano. Não consigo ouvir uma música clássica, que já tenho vontade de dançar. É algo que entra dentro de mim e irradia por todo o corpo fazendo com que eu saia por aí dançando e dançando, me sentindo muito contente.

O Ballet é a arte que vai além dança, a energia da música entra no meu corpo, pelos pés, braços e mente. Nos ensaios o suor escorre pelo corpo e cai no piso gelado, deixando no ar uma atmosfera tensa, de um bom ensaio, mas sofrido e cansativo. A professora é enérgica, faz repetir uma, duas, vinte vezes a sequência de movimentos. Corpo cansado, roxos pelas pernas, pés esfolados devido à sapatilha de ponta. Ao contrário do que se possa imaginar, tudo isso se significa felicidade, amor pela dança, realização e bem-estar.

Meu primeiro espetáculo, minha primeira apresentação com sapatilha de ponta, que é a etapa final que uma bailarina chega, estão guardados na minha memória para sempre. Sinto a emoção e o nervosismo como se fosse hoje, minhas mãos suavam frio, minhas pernas tremiam, a expectativa era grande, e eu estava muito feliz. Sabia que o esforço de todos os ensaios puxados, iriam valer a pena no final. 

Bailarinas são pessoas normais.Suportamos cortes e calos sem descer do gesso, nos acostumamos à dor diária e aceitamos isso como parte de nosso crescimento. É um amor inexplicável, pois a gente só sente quando se dança, quando sente a emoção e os movimentos. Acredito que foi uma escolha que nunca irei me arrepender, pois fazer ballet fez eu evoluir meu corpo e minha mente. É preciso sonhar e acreditar em seus sonhos, se esforçar para que aquilo funcione, de certo, e que seja a inspiração para a vida, como o ballet é para mim.

Texto: Milena Bittencourt

Crônica produzida para a disciplina de Jornalismo II sob a orientação do professor Carlos Alberto Badke