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alteridade

Coisas da vida

Sempre me interessei por pessoas e principalmente pelas histórias que cada uma carrega. Quando falo em gente, falo em pessoas comuns mesmo. Fico encantada com a história da moça que está no celular na fila do

Famílias, não expulsem seus filhos LGBTs de casa

O título desse texto poderia ser outro, direcionado apenas aos pais, mas sabemos que existem diferentes formações familiares. Por família, entende-se todo e qualquer grupo que conviva entre si sob um mesmo teto. Para além disso,

MA, a travessia

  O espaço em branco na pintura, o silêncio que antecede o refrão, o corredor que leva ao templo, o tempo de “não-ação” da coreografia, o terceiro elemento na dualidade do “ser ou não ser”. Nem

Figura na janela. Salvador Dali

Sempre me interessei por pessoas e principalmente pelas histórias que cada uma carrega. Quando falo em gente, falo em pessoas comuns mesmo. Fico encantada com a história da moça que está no celular na fila do supermercado ou a das duas senhoras que conversam e pegam o mesmo ônibus que eu. Também gosto de olhar as luzinhas de cada prédio – espero que isso não soe psicótico e nem semelhante a filmes de Hitchcock. O que me chama atenção é pensar quem são aquelas pessoas, e o porquê delas estarem com as luzes ligadas tarde da noite. Será que elas estão esperando alguém? Problemas no trabalho? Fome? Não conseguem dormir sem um Rivotril ou um Valium? Não sei. Mas elas estão ali vivendo e quando se vive se têm histórias.

Acredito que todo mundo tenha uma história incrível, algo peculiar, algo normal ou algo que nem aconteceu ainda. E aí que me perco porque não consigo decidir se é melhor contar ou ouvir histórias. Caiu em minhas mãos, precisamente nos meus olhos, o livro “Tudo que é belo”. Ele pertence
ao projeto The Moth, que é uma organização sem fins lucrativos dedicada à arte de contar histórias. Em 1997, na Georgia, nos Estados Unidos, o romancista George Dawes Green resolveu reunir amigos nas varandas de suas casas para contarem suas histórias em noites de verão. The Moth
significa mariposas que são atraídas pelas luzes, no caso, o projeto é uma alusão de que as pessoas são atraídas pelas histórias. Esse gesto tão simples e bonito virou um fenômeno mundial, acumulando mais de 20 mil relatos de famosos e desconhecidos, que são contados sem roteiros prévios para plateias superlotadas mundo afora. As sessões passaram a ser temáticas e as pessoas narram suas memórias sejam íntimas ou grandes histórias que conquistam o público.

“Tudo que é belo” foi editado por Catherine Burns e tem quarenta e cinco histórias reais dividias por categorias. São relatos simples com um poder imenso de te fazer rir ou chorar, como a  história do cineasta Arthur Bradford, que trabalhou em um acampamento para pessoas especiais e conheceu Ronnie, que tinha paralisia cerebral. O sonho de Ronnie era conhecer o ator Chad Everett, então Arthur planeja uma viagem para Califórnia no intuito de realizar o sonho de Ronnie e documentar, porém Chad acabou não os recebendo. Depois de Arthur divulgar o material da viagem para Califórnia, Chad convida Ronnie para um encontro. Após isso o ator passou a ligar para Ronnie todos domingos até Ronnie falecer. Questionado porque Arthur se dedicou tanto à um sonho que não era seu, ele respondeu que por causa do Ronnie aquele se tornou o seu próprio sonho e que
agradece a ele por ter compartilhado o sonho.

No compilado de histórias também tem uma visão da morte através de uma criança de cinco anos que quer se despedir do primo da mesma idade que faleceu. Também de um americano que enfrenta um terremoto no Japão e volta para os Estados Unidos, mas depois resolve retornar ao Japão para saber notícias da senhora proprietária do restaurante que ele frequentava. Ele descobre que ela está bem. Mesmo eles nunca terem trocado uma palavra, já que não falavam o mesmo idioma. E a minha história preferida: uma garota de Beckenham que trabalhava em um salão de beleza comum e descobre que vai ser cabeleireira do David Bowie e acompanhá-lo em uma turnê.

A vida mostra que todos temos uma história. Eu, com quatro anos, tentei ir embora com o circo e ganhei uma cicatriz na sobrancelha; meus pais resolveram matar aula no mesmo dia e se conheceram; e o namorado do meu melhor amigo mudou de Porto Alegre para Belém para ficar perto dele. Toda narrativa importa e enquanto mais vivemos mais histórias serão contadas, para bons ouvintes, é claro.

 

 

 

Silvana Righi é formada em jornalismo pela UFN e pós-graduada em Televisão e Convergência Digital pela Unisinos. Trabalha como roteirista e gosta de escrever com ironia. Passa a maior parte do tempo entre cinema, cachorros e livros.

 

O título desse texto poderia ser outro, direcionado apenas aos pais, mas sabemos que existem diferentes formações familiares. Por família, entende-se todo e qualquer grupo que conviva entre si sob um mesmo teto. Para além disso, a família é uma instituição que educa, orienta e influencia o comportamento social de cada indivíduo. Esse texto não aborda estruturas familiares, mas a importância do apoio familiar na vida de um LGBT+ e os reflexos de quando esses filhos são expulsos de casa.

O processo de descoberta de um LGBT+ é muito individual, mas um ponto em comum, é que desde pequenos a sociedade nos diz que pertencer a alguma dessas “letras” é errado. Se perceber LGBT+ é o primeiro passo para infinitas lutas que travamos dentro de nós. Um dos primeiros embates é o momento de “revelar” a sexualidade e/ou identidade de gênero à família. O medo da não aceitação aparece, cobranças são feitas e tudo parece desmoronar. Enquanto a vida nos ensina a sobreviver, a sociedade não faz o mesmo.

Medo. Essa é uma palavra muito presente na vida de um LGBT+. A rejeição familiar é uma das problemáticas que mais geram transtornos psicológicos nessas pessoas. Prova disso é o alto índice de suicídio na população LGBT+. Um estudo realizado na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, com jovens entre 13 e 17 anos, concluiu que adolescentes lésbicas, gays e bissexuais são cinco vezes mais propensos a tentar suicídio do que heterossexuais. No Brasil, em 2018, o Grupo Gay da Bahia (GGB) registrou 100 suicídios de LGBT+. Os números foram coletados através de uma pesquisa feita pelo GGB, ainda assim, faltam dados oficiais para entendermos melhor a profundidade do problema.

Além de transtornos psicológicos, expulsar um filho LGBT+ de casa, muitas vezes, os coloca no mundo das drogas, na prostituição, na rua, provocando uma fragilidade gigante frente a uma sociedade que aponta o dedo a todo instante. Mas destaco os problemas emocionais, por ter sofrido isso durante a adolescência. O receio da rejeição familiar me fez, muitas vezes, rezar para que eu não fosse gay. Entre meus 12 e 15 anos, repetia essa conversa todas as noites antes de dormir. “Não quero que meu pais tenham vergonha de mim”. Meu maior medo era ser expulso de casa e não ter para onde ir; que as pessoas que eu mais amo deixassem de me amar.

Meus pais não me expulsaram de casa. Meu receio foi em vão até os 18 anos, quando eles souberam da minha sexualidade. Conto essa experiência, para conseguir expor um pouco do que é o medo da rejeição familiar enfrentado por um LGBT+. Minha história se torna pequena comparada a inúmeros casos de rejeição familiar que realmente acontecem. Mas ela poderia ter um final diferente, infeliz, devido aos problemas emocionais que me acompanharam no período da adolescência.

Esse medo não é só meu, mas também de outros LGBT+: receio da reação dos pais ao saberem que a filha é lésbica; incerteza sobre o que os avós pensarão sobre a bissexualidade de sua neta; medo que o pai nunca mais fale com o filho ao descobrir que ele é gay. Enquanto famílias rejeitam e expulsam seus filhos, outras criam uma rede de apoio. Há 10 anos, a ONG Mães Pela Diversidade, conscientiza pais e mães sobre a importância do apoio da família para com seus filhos. Presente em 23 estados brasileiros e formada por mães e pais de LGBT+, o grupo alerta sobre a LGBTfobia: “Meu filho não será estatística”.

A família é o nosso primeiro vínculo afetivo. Algumas pessoas dizem que é nosso “porto seguro”, mas o que fazer quando esse porto não está aberto para nós? Para onde vamos correr depois de uma tempestade provocada pela sociedade? A família não pode intimidar. Além de educar, ela tem o dever de acolher e dar amor. A sociedade já é muito cruel com a gente. Não precisamos de mais um mar tempestuoso que nos expulsa para fora dele.

Famílias, não expulsem seus filhos LGBT+ de casa. Ame-nos e nos respeite do jeito que somos. Não crie expectativas e nem projete um futuro para seus filhos. Tenham orgulho. Nós só queremos o seu amor.

 

Deivid Pazatto é jornalista egresso da UFN. Foi repórter da Agência Central Sul e monitor do Laboratório de Produção Audiovisual (Laproa) durante a graduação. É militante do movimento LGBTQ+, aborda questões pertinentes sobre essa temática em seus textos.

Mover-se é estar entre. Foto: Neli Mombelli

 

O espaço em branco na pintura, o silêncio que antecede o refrão, o corredor que leva ao templo, o tempo de “não-ação” da coreografia, o terceiro elemento na dualidade do “ser ou não ser”. Nem o primeiro, nem o segundo: a fronteira entre eles, o lugar “vazio”. Nem um, nem o outro: o “entre”, a vida que habita o “nada”. Esse é o Ma, elemento que permeia toda a cultura e boa parte da estética japonesa. Mais que um conceito, um senso comum que contraria o Ocidente e sua obsessão pela dualidade, uma possibilidade que abraça a contradição e o excluído. Mais que verdadeiro ou falso, passado ou presente, céu ou inferno, vida ou morte. É o que dá sentido ao todo: sem a parte branca, a pintura não faz sentido; sem o hiato no momento certo, a música não encanta; sem um caminho de preparação, a energia do templo não será absorvida; sem a pausa, a dança não tem ritmo; sem o terceiro elemento, eis a questão.

O Ma é apaixonante para quem já não vê a menor graça no 8 e no 80 e há tempos não se emociona com a declaração escancarada e com a janela completamente aberta. Não é sobre gostar do morno, pelo contrário, é buscar intensidade no que está além do óbvio. Nem desconhecido, nem apresentado; eu quero o que é preciso reconhecer, aquilo que depende mais da minha sensibilidade em ver do que da habilidade do outro em mostrar. Precisamos falar sobre o meio – se o “completo” é o copo cheio, o “vazio” é o copo ilimitado. Se o completo é parte, o vazio é inteiro. Incorporar o terceiro e entender o excluído como um elemento necessário é admitir que o ápice da nossa última conversa foram os 10 minutos de silêncio entre as tuas e as minhas palavras. E quando um entende o silêncio do outro, já não importa se não estamos completos. O que importa é que somos inteiros.

A tua ausência está sentada ao meu lado no avião, a tua falta deixa a casa cheia e o teu sumiço me visita todos os dias. Onde não há nada é que o tudo se esconde. O amor não faz milagres, não preenche vazios, não dá beijos no pescoço. O amor não é tempo, não é espaço, não é presença ou saudade. Ao descobrir que as respostas e certezas não estão no primeiro beijo, alimentamos a esperança de que elas estejam no último. Não estão! Quem não presta atenção no universo entre um e outro talvez nunca se encontre, por isso eu celebro o teu ir e vir. Quando você pega a sua mochila, entra no táxi e diz “rápido, antes que eu desista de ir embora”, o amor assume a sua afinidade com o Ma: nem chegada, nem partida; o amor é travessia. Eu deixo a janela entreaberta, descubro que é melhor ser inteira que estar completa, reconheço as lições pelo caminho e te digo, sem precisar falar nada, que a tua travessia para sempre, sempre, sempre… me atravessará.


Manuela Fantinel tem 22 anos e é jornalista egressa da UFN. É coautora do livro Cronicaria e atualmente mora em Goiânia.