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aprendizagem

O que o feminismo me ensinou e fez doer em mim

Creio que nunca fui uma pessoa com problemas para se definir quando se trata de determinadas convicções e ideais. Claramente, isso mudou com os anos e, hoje, eu repenso e penso novamente minhas próprias opiniões e

Benedikt Geyer/Pixabay

Creio que nunca fui uma pessoa com problemas para se definir quando se trata de determinadas convicções e ideais. Claramente, isso mudou com os anos e, hoje, eu repenso e penso novamente minhas próprias opiniões e posições o tempo todo – tenho a impressão de que todos estamos nesse processo. Por isso, não tive aquele problema que encontro em algumas mulheres,  sobre ser-feminista-mas-não-querer-ser-chamada-de feminista. Quando entendi o movimento, quando entendi  que algumas ideias perambulantes em  minha mente já estavam sendo expostas e discutidas, vi que isto tinha um nome.

Acredito que o ponto em que me coloquei como pessoa política e comecei a me movimentar nesse sentido, foi quando entrei para a faculdade. O curso de Comunicação Social permite – há quem se permita também – questionarmos e revermos alguns lugares nossos na sociedade. No Ensino Médio eu conversava brevemente sobre breves questões feministas com algumas amigas, mas recordo da faculdade ser um divisor de águas. Desde então, a minha vontade e o meu comportamento passaram a se voltar para o feminismo. Conheci mulheres maravilhosas também feministas, me descobri feminista com outras mulheres, compartilhei e aprendi (mais do que compartilhei) muito com quem já estava na militância. Mas, hoje, vamos falar um pouco da dor que envolve tal processo.

Ao longo do tempo, quanto mais eu mergulhava nas teorias e na prática em si,  mais me deparava com momentos dolorosos no caminho. Diversas mulheres, feministas comunicadoras, estão falando sobre o processo de desconstrução ser doloroso para todos, mas ele o é, principalmente, quando nota-se as pequenas e inúmeras violências que sofremos por reproduzir um comportamento condicionado. Sempre chega aquele momento em que há a descoberta de que, mesmo vítimas de uma opressão estrutural, também somos ensinadas a repetir, a aceitar e a oprimir. Enquanto mulher branca de classe média, reconhecer meu lugar de privilégio foi difícil.

Um dos períodos mais complicados para mim foi quando conheci outras mulheres do movimento feminista negro . Com elas fui aprendendo e desconstruindo – ainda estou – o racismo estrutural presente praticamente todos os dias (e como somos racistas!). Foi onde tive resistência para entender que havia lugares sobre os quais não caberia a mim falar, e sim ouvir, refletir, rever. Foi onde tive choques de realidade e compreendi ainda mais as inúmeras ramificações do movimento e da opressão. Outros períodos complicados vieram e virão, com certeza, com o tempo.

Absorver e trabalhar com feminismo também me trouxe angústias esmagadoras. Desde o início da graduação me envolvi com reportagens, projetos, textos e artigos sobre o movimento, gênero, misoginia e de todos esses conceitos que ouvimos saltitando por aí. Me envolvi pessoalmente de uma forma sensível com alguns trabalhos em especial e, além do sentimento de pertencimento, de amor e de cuidado para com outras mulheres, a raiva era profunda demais.  A raiva de perceber essa sociedade machista violenta, mas também a raiva de saber que eu mesma reproduzo comportamentos opressores e que me oprimem igualmente; de entender a forma como fui educada e a forma que a cultura em que vivo me modulou com diversos pontos tão violentos e prejudiciais para mim mesma- e para todas as mulheres que conheço. Se identificar isto dentro de mim foi doloroso, mudar, então, nem se fala!

O meu Trabalho Final de Graduação, do qual tenho só orgulho, me trouxe algumas noites sem dormir não só pela dificuldade em realizá-lo, mas porque o tema também foi esse: Gênero e feminismo. Me envolvi de uma maneira absurda que todos notaram e, ao concluir a faculdade, uma professora por quem tenho enorme carinho me disse para tomar cuidado com o tanto que me entreguei cegamente para isso, porque ela sabia e, hoje, eu sei, que é preciso preservar a minha saúde mental, minha paz comigo mesma, para poder me manter de pé na luta. Após formada foi que decidi começar a terapia – a melhor decisão que já tomei por mim -, e depois do período eleitoral me afastei das discussões em redes sociais, dos debates e das leituras feministas. Voltei a elas há algum tempo, e hoje me sinto um pouco mais forte para receber o impacto de um processo constante de aprendizado, escuta, carinho, dores, construções e reconstruções, ressignificação e movimento (sempre).

 

Amanda Souza é jornalista egressa da UFN, e colaboradora do site Todas Fridas e da Revista New Order