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Santa Maria, RS, Brazil

Boate Kiss

Para além do ódio

Eu geralmente evito causar polêmica, mas hoje não vai dar. Tem uma frase que me veio à cabeça desde o acontecimento do domingo:  “Tudo o que é necessário para o triunfo do mal, é que os

Valorizar a vida, apurar, punir e prevenir

A Federação Nacional dos Jornalistas e os Sindicatos de Jornalistas do Brasil solidarizam- se com os familiares e amigos das vítimas fatais do catastrófico acidente ocorrido numa Boate em Santa Maria (RS), na madrugada de 27

O dia que não pedi para ter vivido

Eu tenho 29 anos de idade. E levei esse tempo todo para conhecer o que é a sensação de impotência. Já tive lá minhas aventuras pessoais trágicas (e eu pensei que esse termo tinha magnitude finita),

A dor de todos nós

Quem não é de Santa Maria, talvez não esteja entendendo o porquê de tamanha comoção. A questão é que Santa Maria não é apenas uma cidade, é uma fase na vida de boa parte dos gaúchos.

Eu geralmente evito causar polêmica, mas hoje não vai dar. Tem uma frase que me veio à cabeça desde o acontecimento do domingo:  “Tudo o que é necessário para o triunfo do mal, é que os homens de bem nada façam” (Edmund Burke). E junto dela, uma antiga história bíblica chamada o conto do bom samaritano. Eu não acredito em Deus, mas acredito que para criticar é preciso conhecer. Então, aos 12 anos  eu resolvi ler a bíblia e, a partir daí, formar uma opinião. Não acredito em praticamente nada do que ali está escrito, mas creio que contos como esse são lições valiosas, bem como a história do pequeno príncipe.

Eu entendo como a dor age no ser humano, e sei que nada desperta mais ódio e necessidade de culpar alguém do que o sofrimento. Mas também acho que esse é o nosso lado animal falando. Somos serem racionais, capazes de entender o que são crimes que merecem punição e o que são imprevistos que abalam a todos.
Perdi amigos na tragédia da Kiss. Antes disso, perdi amigos em acidentes de carro, perdi amigos para o câncer e para a maldade humana. E me assusta ver a gana com que as pessoas estão a procurar um culpado, uma família nova para arruinar. Não basta todos nós sofrendo a perda? Ainda querem tirar mais alguém de casa? Colocar mais uma família em estado de miséria?
“Ahhh, mas os culpados tem que pagar” foi o que ouvi o cara na televisão falar. Pois bem, me ponho à disposição. A culpa do acidente na Kiss é tão minha como cidadã, quanto do prefeito, do empresário, do segurança, do músico. Tão minha como estudante que resmunga toda vez que fecham uma boate, porque não quero perder a diversão. Que na faculdade, às vezes, não estudo as NBR’s com tanto afinco como deveria. Que acho engraçado pegar bombril e acender com o isqueiro pra ver as faíscas. Desculpa a todos pela minha inconsequência e peço desculpas por aqueles que vocês estão querendo culpar também, pois não acredito que algum dia, algum deles tenha imaginado por fogo em mais de duzentos universitários. E creio que como nós, eles perderam amigos, colegas, parentes. Como nós devem estar ainda chorando os seus.
Como disse, eu entendo a dor. Eu também queria meus amigos aqui, mas não acho que desencadear um julgamento das bruxas vá trazê-los de volta, nem prevenir que uma tragédia dessas ocorra de novo. Acredito que para que nada disso volte a acontecer a mudança tem que ser na gente e na legislação. Que tal aprender uma lição dessa vez? Que tal parar de olhar pro umbigo onde pingam  lágrimas e olhar pros olhos daqueles ao teu redor que choram também?

Sugiro que ao invés de mobilizar o mundo à procura de vingança, procurem por justiça. E encontrem também a culpa que reside dentro de cada um, e usem dessa culpa para pensar duas vezes antes de ficarem putos porque terem levado uma multa por conta do extintor vencido, ou por beber e dirigir.

É o nosso jeitinho brasileiro de fazer as coisas que levou os meus amigos e, é ele que eu quero enterrar hoje, para que nunca mais leve um dos meus.

Por Laura Perin Lucca, acadêmica de arquitetura na Unifra.

A Federação Nacional dos Jornalistas e os Sindicatos de Jornalistas do Brasil solidarizam- se com os familiares e amigos das vítimas fatais do catastrófico acidente ocorrido numa Boate em Santa Maria (RS), na madrugada de 27 de janeiro de 2013. Conclamamos as autoridades públicas ao extremo zelo com aqueles que ainda estão hospitalizados e à rigorosa apuração dos fatos, punição dos responsáveis e emergentes medidas preventivas para que tragédias similares não se repitam.

Chocada com as centenas de mortes registradas e com o grande número de jovens ainda hospitalizados, a sociedade brasileira está perplexa com as informações divulgadas pela imprensa de que seguranças da boate Kiss teriam impedido, no início do incêndio, a evasão de pessoas. Igualmente estarrecedora é a possibilidade, aventada por autoridades policiais, de que câmeras e gravações que registraram imagens internas e externas da boate tenham sido retiradas após a ocorrência, numa tentativa de ocultação da verdade.

Certamente, a perda de mais de 230 vidas é irreparável e, neste momento, é preciso valorizar a daqueles mais de 180 feridos no sinistro, assegurando todos os cuidados médico-hospitalares para que estes números trágicos não se ampliem.

Mas é fundamental que, ao mesmo tempo, as investigações e apuração de responsabilidades sejam feitas com máximo rigor e transparência, para que a impunidade – chaga que colabora para que a violência e acidentes trágicos prosperem no Brasil – não triunfe sobre a dor daqueles que perderam seus entes queridos e clamam por justiça.

É preciso, também, que esta tragédia lamentável, de repercussão internacional, motive as autoridades e agentes públicos e privados que atuam na área de espetáculos e diversões a tomarem medidas preventivas e fiscalizatórias imediatas para que a segurança do público seja preservada e que a valorização da vida ganhe concretude e status superior à do lucro.

Brasília, 29 de janeiro de 2013.

Diretorias da FENAJ e dos Sindicatos de Jornalistas

Eu tenho 29 anos de idade. E levei esse tempo todo para conhecer o que é a sensação de impotência. Já tive lá minhas aventuras pessoais trágicas (e eu pensei que esse termo tinha magnitude finita), mas o que eu vivi e vi nessas últimas 20 horas me deu a dimensão do infinito. Da tragédia infinita. Aprendi, hoje, de verdade, o que são o medo, a tensão e a agonia.
Me tornei jornalista há pouco tempo e, por um impulso (que deveria ter velado), embarquei num pesadelo que eu jamais vou esquecer. Ao presenciar o incêndio que vitimou 233 pessoas, eu estive numa dimensão que não recomendo ao meu mais vultuoso inimigo. Eram centenas de pessoas desesperadas, sujas, feridas. Homens sem camisa abanando outros que não conseguiam respirar. Mães e pais desesperados procurando os filhos em meio a sapatos quebrados, cacos de vidro, madeiras queimadas e uma fumaça traiçoeira que avisava lentamente sobre o horror coberto pelas paredes que voluntários e bombeiros tentavam derrubar para salvar os demais espremidos entre outros espremidos.
Amigos banhados de suor e lágrimas abraçados. Choravam a perda dos queridos companheiros que deixaram a vida dentro de um salão enfumaçado. Tão negras eram as manchas em seus corpos quanto a aura que envolvia aquele sexto de quadra.
A quantidade de corpos jogados no chão me chamou a atenção. Inocente, pensei ser aquele o lugar em que os feridos estavam aguardando atendimento enquanto litros e litros de água jorravam dos caminhões do Corpo de Bombeiros. Mal sabia eu que as pessoas deitadas na rampa de um estacionamento recebiam o choro dos amigos, que imploravam para que daqueles corpos, manchados de vermelho e preto, um sopro de ar saísse. Me deparei com a linha de frente da guerra em que caí de paraquedas. A expressão de perplexidade ainda não abandonou meu rosto.
Depois veio o dever às devas. Recrutado para a redação do jornal Diário de Santa Maria, no qual sou freelancer,corri, às 5h da manhã, para ajudar na cobertura, estruturada às pressas, da maior catástrofe que a minha cidade querida já comportou. A tristeza, o choro contido, o olhar marejado, a dificuldade de olhar no olho do colega. Uma mistura de pavor e tristeza tomou conta daquele lugar que num domingo teria uma equipe costumeiramente muito bem humorada. Esse plantão vai ser eterno. Aos poucos a rotina da cobertura foi escondendo mais a tristeza. Ela se manifestava aos poucos em lágrimas que corriam vez em quando pelos olhos dos repórteres, fotógrafos, cinegrafistas, editores e motoristas.
Era uma tristeza desumana. Vi minha chefe e amiga chorar, vi minha irmã de coração aflita por notícias do irmão. Por incontáveis vezes estufei o peito e suspirei para me manter forte. Desci, fumei, bebi litros de água e café. Me entreguei ao falar com minha mãe pelo telefone (mãe tem o direito e o poder de fazer o machões chorarem). Contando pra ela isso que escrevi acima em versão reduzida, minhas lágrimas se soltaram em litros. Solucei com o abraço silencioso que dei na minha chefe e quase irmã Carolina. Ali, a gente se deu um tempo para ganhar um pouco de fôlego e coragem para voltar lá para cima e encarar os telefonemas, as fotos, as buscas por informação, os textos e o clima de união de uma redação de jornal que jamais deveria estar tão cheia num domingo de verão com um céu azul escancarado. Porém, sem o brilho que a dor da perda de tantas vidas nos roubou.
Por Rodrigo Ricordi, jornalista formado pela Unifra.
Santa Maria chora seus jovens.

Quem não é de Santa Maria, talvez não esteja entendendo o porquê de tamanha comoção. A questão é que Santa Maria não é apenas uma cidade, é uma fase na vida de boa parte dos gaúchos.

Santa Maria é uma cidade onde muita gente se descobre adulto. Deixamos a casa dos pais e acabamos fazendo amizades com uma facilidade imensa, porque todo mundo se sente meio órfão em Santa Maria.

É aqui que vivemos com estes amigos as histórias que não poderemos contar para os nossos filhos, mas que com certeza lembraremos para sempre. É onde conhecemos as melhores pessoas que levaremos para a vida, muitas destas perdidas nessa tragédia.

Aqui o desconhecido do início da festa se torna amigo de infância até o final da noite. Uma cidade onde é difícil ficar sozinho, porque em qualquer lugar que se vá, algum conhecido da faculdade estará por lá. Aliás, a impressão que tenho é que o mundo é uma porção de terra ao redor de Santa Maria, porque é incrível como sempre encontramos um santa-mariense, seja lá qual dos cantos do planeta estejamos.

Santa Maria é uma cidade onde se pode sair com 2 pilas no bolso e voltar bêbado para casa, porque sempre surgem copos de cerveja durante a madrugada. É aqui que conhecemos um bando de loucos que daqui uns anos serão profissionais das mais diversas áreas pelo país todo, afinal, aqui todo mundo é universitário.

Santa Maria é uma cidade pequena com cara de cidade grande, ou uma cidade grande com o sentimento de uma cidade interiorana. O que fica disso tudo é que, deveras, Santa Maria é a cidade coração do Rio Grande.

Por Ana Rauber,  jornalismo/Unifra.