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Santa Maria, RS, Brazil

“Carne Fraca”

Cuidados ao comprar carne bovina

Não é somente a qualidade que é preciso ser levada em consideração na comprar carne bovina. O Brasil é um dos principais consumidores e exportadores do produto e a partir da Operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia

Operação Carne Fraca: informações e efeitos danosos

Dada a minha profissão e ao fato de residir fora do Brasil, eu estou vendo de longe, mas vivendo de perto, as consequências da operação “carne fraca” no mercado mundial de alimentos. Entre a mídia e

Brasil é o maior exportador de carnes no mundo. Fotos: Juliana Brittes (arquivo ACS)

Não é somente a qualidade que é preciso ser levada em consideração na comprar carne bovina. O Brasil é um dos principais consumidores e exportadores do produto e a partir da Operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia Federal, foi colocada em dúvida a credibilidade na inspeção em abatedouros do Brasil.

A indústria da carne é umas das principais atividades econômicas do país. Em 2016, o Brasil foi apontado com um dos maiores exportadores de carne bovina no mundo. De acordo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), o país exporta cerca de 1,85 toneladas o que corresponde a 19,60% do mercado[1]. Já no que se refere ao consumo, segundo pesquisa do Instituto Nacional de Carnes do Uruguai (INAC), o Brasil é o 5º país que mais consome carne bovina no mundo com uma ingestão de 39kg a cada habitante por ano.[2]

Principais países exportadores de carne vermelha

Fonte: Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA)

Na quarta, 31 de maio, a Polícia Federal deflagrou a 2ª fase da operação que investiga irregularidades na fiscalização de frigoríficos. Foram cumpridos três mandatos de busca e apreensão e um mandato de prisão. Já a 1ª fase, deflagrada no final de março deste ano, cumpriu 309 mandatos judiciais em seis estados e mais no Distrito Federal. No total são 21 frigoríficos envolvidos na investigação, 18 no Paraná, dois em Goiás, e um em Santa Catarina.

De acordo com uma reportagem do jornal El País, as acusações da Operação Carne Fraca incluem o suposto uso de fraudes para ocultar o uso de carnes vencidas, tentativa de mudar a data de validade de embalagens, esquema de corrupção entre frigoríficos e fiscais para acelerar a liberação de produtos, suposto oferecimento de suborno para evitar suspensão de uma unidade, e entre outras irregularidades.

Sede do Ministério da Agricultura em Santa Maria. Foto: Pedro Piegas

Segundo a lei nº 7.889, de 1989, do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa), há três níveis de competências para exercer o serviço inspeção em abatedouros no Brasil: federal, estadual ou municipal:
Nível de inspeção federal: realiza a inspeção cujo os produtos tem como destino outros estados e países;
Nível de inspeção estadual: Os produtos tem como destino outras cidades dentro do próprio estado;
Nível de inspeção municipal: Os produtos tem como destino a própria cidade.
Em Santa Maria, o Mapa examina os frigoríficos que exportam seus produtos para outros países e estados. “Basicamente os três (níveis de inspeção) se correspondem, a diferença é que o federal é mais complicado, mais rígido, porque além de atender as normas internas do Brasil é preciso atender as normas dos países importadores”, esclarece Daniel Xavier de Melo, veterinário e auditor fiscal federal do Mapa de Santa Maria.

Selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF) de responsabilidade do Ministério da Agricultura

Os produtos de origem animal sob responsabilidade do Mapa são registrados e aprovados pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF), que tem como competência artigos para exportações. Já o Serviço de Inspeção Municipal (SIM) é em relação a circulação interna no país. Os serviços visam garantir produtos por meio de certificação sanitária e tecnológica. Segundo Edison Fernandes, que trabalha há 18 anos como açougueiro, o selo de qualidade e a data abatimento  são os primeiros cuidados que possui quando novos produtos chegam ao açougue em que é proprietário. “Com mais de três dias de abatimento eu não fico (com a carne), o pessoal tem o costume de ficar, mas eu não. Eu sempre acerto com o frigorífico de um dia para o outro. Abateu hoje, me entrega amanhã e aí eu tenho certeza que a carne é nova”, explica o açougueiro.

Da fazenda até o consumidor

É um longo percurso que a carne bovina leva até chegar a mesa do consumidor. Primeiramente toda propriedade rural precisa ter um programa de rastreabilidade para o MAPA ter o controle de cada animal. Esse controle é importante em casos de doenças contagiosas. Para sair da propriedade até o frigorífico, o proprietário rural precisa de Guia de Trânsito Animal (GTA). Sem esse documento o gado não pode dar entrada no abatedouro.

Investimento em pastagens para maior rendimento do gado leiteiro. Foto: Maurício Nascimento (arquivo ACS)

O processo de abate no frigorífico é dividido em dois: ante mortem e post mortem. O ante mortem é muito importante, pois algumas enfermidades só são perceptíveis nos animais vivos. Outra questão significativa é o bem estar animal, que é um cuidado que precisa ter já no transporte da propriedade rural até o frigorífico. Logo quando chega no abatedouro, o gado precisa descansar e ficar em jejum de seis horas até um dia para esvaziar o estômago. “O animal estressado precisa ter um baixo nível de glicogênio muscular hepático, caso contrário a carne ao invés de durar uma semana, vai durar dois dias. No momento em que descansou, então é abatido. Para abater é obrigatória a presença de um auditor fiscal no frigorífico”, explica Daniel Xavier de Melo.

O trabalho dos agentes do MAPA é dividido por linhas de inspeção para conseguir dar conta do abate de centenas de animais por dia. Os auditores são encarregados de inspecionar cada víscera, de acordo com o padrão seguido nas linhas de inspeção. Caso for detecado algum problema é avaliado pelo auditor fiscal federal, que é obrigatoriamente um médico veterinário. Após a realização de todos os exames o auditor fiscal também é o responsável pelo carimbo de qualidade do produto e nele vai as específicidades de cada parte do animal. Antes de ser encaminhada para açougues e mercados, a carcaça é levada para o processo de resfriamento onde terá sua qualidade conservada.

Na hora da compra

Mesmo que a Operação Carne Fraca não se trata de carne vermelha in natura como carnes de bifes, carnes para churrasco ou peças inteiras de boi, e sim, de carnes processadas. É preciso estar atento quando se compra carne bovina em supermercados e açougues. A nutricionista Karstyn Kist Bakof Roggia explica que o produto deve ter a consistência firme e compacta, não amolecida, nem pegajoga, com odor característico e com a coloração vermelha brilhante, sem escurecimento ou manchas esverdeadas. Caso tenha gordura, ela deve ser branca ou amarelo pálida.

Foto: Pedro Piegas

É a partir da melhor escolha do produto, no armazenamento e até mesmo no preparo em que o consumidor pode garantir a melhor qualidade da carne. De acordo com Karstyn Kist Bakof Roggia produtos de origem bovina devem ser mantidos sob refrigeração entre as temperaturas de 0 a 4 °C por até três dias, o que significa que a carne é um produto extremamente perecível. Já carnes congeladas, em temperaturas como 18°C negativos, a melhor forma é preservar em embalagens à vácuo. Elas podem ser mantidas por até oito meses para carnes em pedaços; seis meses para bifes ou carne assada e três meses para carne moída. É preciso tomar cuidado, pois o congelamento após o descongelamento é prejudicial a qualidade da carne, por isso, uma vez descongelada é recomendável consumir o produto.

Benefícios da carne vermelha

O consumo de carne vermelha diverge opiniões a respeito dos benefícios e prejuízos à saúde. Muitas pessoas acreditam que a alimentação ideal deve ser à base de carboidratos, com pouca proteína e pouca gordura. Segundo Karstyn Kist Bakof Roggia, alimentos a base de proteína, como é o caso da carne bovina, são necessárias para a construção do músculo, órgãos e tecidos e também do fortalecimento do sistema imunológico. Além disso, a dieta à base de carne vermelha, caso for consumida sem excessos,  “É rica em ferro, mineral presente na hemoglobina, que atua no transporte de oxigênio aos tecidos; zinco, mineral importante para o sistema imunológico e vitaminas do complexo B, especialmente B12, importante para a formação das células vermelhas do sangue e manutenção do sistema nervoso central”, elucida a nutricionista

Foto: Pedro Piegas

Pelos mais variados motivos, há cada vez mais adeptos ao vegetarianismo, regime alimentar baseado somente no consumo de alimentos de origem vegetal, ou seja, alimentos como cereais, vegetais, leguminosas, sementes e frutas. Karstyn Kist Bakof Roggia defende que antes de excluir a carne totalmente do cardápio é preciso ter orientação de modo a fazer as trocas nutricionais adequadas, da forma a evitar déficits nutricionais ou doenças, como por exemplo, a anemia. “O recomendado é seguir uma dieta saudável, variada, afim de ingerir todos os nutrientes necessários para a uma boa nutrição, com frutas, verduras, cereais integrais, gorduras de boa qualidade e proteínas”, defende a nutricionista. Alimentos leguminosos, como o feijão, lentinhas, ervilhas, folhas verdes escuras, cereais integrais, frutas secas e, principalmente a soja são ricos em proteínas.

Um alimento como a carne é muito importante para a saúde do ser humano, porém por ser um produto muito perecível o consumidor precisa ficar atento na procedência, no percurso, no armazenamento e no preparo da carne bovina. Qualquer ponto fora da curva pode ser motivo na proliferação de bactérias, fungos e acabar contraindo doenças.

Por Pedro Piegas. Reportagem produzida para a disciplina de Jornalismo Científico

Observatório da mídia CS-02Dada a minha profissão e ao fato de residir fora do Brasil, eu estou vendo de longe, mas vivendo de perto, as consequências da operação “carne fraca” no mercado mundial de alimentos.

Entre a mídia e as redes sociais, vi circulando muitas conclusões precipitadas e muita desinformação. Elenco abaixo a minha análise sobre os fatos e suas consequências:

– O Brasil é líder mundial na exportação de alimentos e, numa manobra inédita, acaba de, artificialmente, criar barreiras sanitárias para os seus próprios produtos! O fator mais importante para o comércio internacional de alimentos é o acesso a mercados. Todos os países tentam fomentar a sua própria indústria e restringir as importações ou, pelo menos, todos têm grupos internos que pressionam para que se faça isto. A OMC (Organização Mundial de Comércio) policia o comércio em nível mundial, punindo os países que usam tarifas de importação com tal propósito.

A dificuldade no comércio de alimentos é que o acesso a mercados é vulnerável às “barreiras sanitárias” sobre as quais a OMC não tem jurisdição, porque o são por razões de saúde. O motivo real dessas barreiras é “proteger os mercados”, ou seja, eliminar a concorrência dos importados e fazer a população pagar mais caro para beneficiar a uma indústria específica.

– O que a PF encontrou não justifica uma investigação de dois anos. Está bem que a salsicha era de frango e não de Peru, mas será que não tem bandido de verdade para prender no Brasil?! Crime é crime, precisa ser investigado, julgado e punido, mas prioridades existem.

– A indústria de alimentos do Brasil é excelente, a qualidade é excepcional e a segurança alimentar, de primeira. Isto não é acidente e não foi presente de ninguém. É uma conquista de décadas de trabalho de muita gente e de uma indústria que traz empregos, divisas e progresso ao país.

Eu, como brasileiro, me orgulho de poder dizer com confiança a qualquer cliente no mundo: “o produto do Brasil é melhor”.

– Conheço frigoríficos no mundo inteiro. Os do Brasil são os mais limpos e seguros de TODO O MUNDO. Isso é, principalmente, uma consequência das exigências dos países para onde o Brasil exporta. Todos eles mandam inspetores próprios para verificar tudo. E os inspetores de outros países são pagos para encontrar defeitos. São 30 anos a consertar cada coisinha que encontram e/ou implicam, e o resultado são frigoríficos mais limpos que algumas salas de cirurgia.

– Contrário a algumas teorias conspiratórias que estão circulando, não existe conspiração da carne americana para prejudicar a brasileira. Isso é uma fantasia boba. O que me diverte neste tipo de fantasia, é a capacidade e a competência que atribuem às empresas e ao governo americano. Ah se fosse assim! A verdade é que eles não são tão bons, nem de longe!

Por conta da proibição do México ao produto brasileiro, decorrente da operação “carne fraca”, na quarta-feira eu trabalhei junto à embaixada do Brasil na Cidade do México. Em competência, profissionalismo e preparação achei-os muito, mas muito superiores aos seus equivalentes americanos, com quem eu também lido.

– Não vi as provas e as conclusões geradas pela operação.Provavelmente quase ninguém viu. O que eu penso, parafraseando o Warren Buffet é “Se um patrulheiro segue um carro por 500 km, mesmo o motorista mais cuidadoso vai levar uma multa. Não tem como não levar.”

– As interpretações que estão circulando sobre o que foi encontrado são fantasiosas e equivocadas. Ninguém ganha dinheiro deixando produto vencer. Ninguém conquista os mercados que o Brasil tem fazendo bobagem.

E a informação de papelão no CMS é uma questão de produção muito comum, com a qual eu lidei na semana passada! E não, o papelão não vai no produto, é a embalagem!

– Eu acredito que é possível que exista enriquecimento ilícito de inspetores, sim. Eles estão em uma posição de poder muito forte, e podem causar prejuízos imensos às empresas que fiscalizam mesmo sem ter razão. Uma pessoa inescrupulosa nesta posição pode abusar e extorquir uma empresa. Não estou dizendo que acontece. Trata-se,  simplesmente, de que concurso público não elimina psicopata.

– Lembro de ter esta conversa de adolescente com meu pai. Eu dizendo “a polícia tem que matar”. Ele, ponderando, dizia: “se a gente autoriza a polícia a matar sem julgamento, primeiro eles matam os bandidos, logos eles matam os inimigos, depois matam quem eles forem pagos para matar, e por aí vai”. A justiça existe por boas razões, e se ela falha, a solução é melhorar a justiça, não a polícia usurpar suas funções, até fazendo julgamento público na mídia.

– Acho que com a Petrobrás a PF agarrou o gostinho de ser herói. Por mais nobres as causas, este gostinho é perigoso, porque é intoxicante e viciante. Uma vez que a gente o sente, quer sempre sentir de novo e mais. A luz das câmeras causa cegueira seletiva até em mentes lúcidas.

– O dano às exportações do Brasil já é de centenas de milhões de dólares. É difícil de se dar conta, mas isto não é abstrato, é dinheiro de verdade, grana viva. É dinheiro que iria pagar salários, pagar impostos para poder consertar buracos na rua, investir em produção, pagar os agricultores que assim poderiam mandar seus filhos à faculdade, dinheiro que iria fazer o preço dos imóveis subir. Este dinheiro está perdido para sempre. E agora irá para o bolso de empresas, trabalhadores e governos de outros países que vão estar mais do que contentes de tomar mercados do Brasil. De uma maneira ou de outra este dinheiro sai do seu bolso também.

– Há boas razões para que o poder executivo seja estruturado como hierarquia. A necessidade da PF de serem heróis é até saudável, mas a prioridade desta necessidade sobre tantas outras da sociedade precisa ser decidida mais acima. Não cabe à PF a decisão de desestabilizar as exportações brasileiras.

– Por mais que eles tenham errado neste caso, acredito, sim, que a PF tinha boas intenções e acreditava que estavam fazendo o correto A PF também é uma instituição da qual tenho orgulho, eles são muito competentes, profissionais e preparados. Foi a sua liderança que falhou por não considerar as consequências. Não acho que houve má intenção, mas todas as línguas que eu conheço tem uma versão do ditado que diz “de boas intenções o inferno está cheio”.

– O resumo da situação me deu um empresário da China que importa frango do Brasil. Ele me ligou, exacerbado, dizendo: “quando eu vi tudo aquilo, eu achei que era invenção dos produtores daqui, tentando eliminar a concorrência do Brasil. Não era! Eles mesmos se deram um tiro no próprio pé! Incrível! ”.

A concorrência na economia mundial é extremamente acirrada, e os concorrentes ficam mais competentes a cada ano. Eles não precisam da nossa ajuda para tomar nossos mercados. Deixemos eles trabalharem sozinhos para conseguir isso.

Paulo de Tarso M. Trindade. Foto: arquivo pessoal
Paulo de Tarso M. Trindade. Foto: arquivo pessoal

 

 

 

Paulo de Tarso M. Trindade é brasileiro e trabalha no mercado de exportação de alimentos há 20 anos. Atualmente é diretor da empresa Grove Services e reside nos EUA.