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cotidiano

Coisas da vida

Sempre me interessei por pessoas e principalmente pelas histórias que cada uma carrega. Quando falo em gente, falo em pessoas comuns mesmo. Fico encantada com a história da moça que está no celular na fila do

Adulta sim, madura nem sempre

Quando criança eu pensava que com 18 anos eu já seria uma adulta responsável e com 25 eu ia ser praticamente uma idosa. Mas nada disso aconteceu, eu ainda não me considero uma adulta tão responsável

MA, a travessia

  O espaço em branco na pintura, o silêncio que antecede o refrão, o corredor que leva ao templo, o tempo de “não-ação” da coreografia, o terceiro elemento na dualidade do “ser ou não ser”. Nem

Figura na janela. Salvador Dali

Sempre me interessei por pessoas e principalmente pelas histórias que cada uma carrega. Quando falo em gente, falo em pessoas comuns mesmo. Fico encantada com a história da moça que está no celular na fila do supermercado ou a das duas senhoras que conversam e pegam o mesmo ônibus que eu. Também gosto de olhar as luzinhas de cada prédio – espero que isso não soe psicótico e nem semelhante a filmes de Hitchcock. O que me chama atenção é pensar quem são aquelas pessoas, e o porquê delas estarem com as luzes ligadas tarde da noite. Será que elas estão esperando alguém? Problemas no trabalho? Fome? Não conseguem dormir sem um Rivotril ou um Valium? Não sei. Mas elas estão ali vivendo e quando se vive se têm histórias.

Acredito que todo mundo tenha uma história incrível, algo peculiar, algo normal ou algo que nem aconteceu ainda. E aí que me perco porque não consigo decidir se é melhor contar ou ouvir histórias. Caiu em minhas mãos, precisamente nos meus olhos, o livro “Tudo que é belo”. Ele pertence
ao projeto The Moth, que é uma organização sem fins lucrativos dedicada à arte de contar histórias. Em 1997, na Georgia, nos Estados Unidos, o romancista George Dawes Green resolveu reunir amigos nas varandas de suas casas para contarem suas histórias em noites de verão. The Moth
significa mariposas que são atraídas pelas luzes, no caso, o projeto é uma alusão de que as pessoas são atraídas pelas histórias. Esse gesto tão simples e bonito virou um fenômeno mundial, acumulando mais de 20 mil relatos de famosos e desconhecidos, que são contados sem roteiros prévios para plateias superlotadas mundo afora. As sessões passaram a ser temáticas e as pessoas narram suas memórias sejam íntimas ou grandes histórias que conquistam o público.

“Tudo que é belo” foi editado por Catherine Burns e tem quarenta e cinco histórias reais dividias por categorias. São relatos simples com um poder imenso de te fazer rir ou chorar, como a  história do cineasta Arthur Bradford, que trabalhou em um acampamento para pessoas especiais e conheceu Ronnie, que tinha paralisia cerebral. O sonho de Ronnie era conhecer o ator Chad Everett, então Arthur planeja uma viagem para Califórnia no intuito de realizar o sonho de Ronnie e documentar, porém Chad acabou não os recebendo. Depois de Arthur divulgar o material da viagem para Califórnia, Chad convida Ronnie para um encontro. Após isso o ator passou a ligar para Ronnie todos domingos até Ronnie falecer. Questionado porque Arthur se dedicou tanto à um sonho que não era seu, ele respondeu que por causa do Ronnie aquele se tornou o seu próprio sonho e que
agradece a ele por ter compartilhado o sonho.

No compilado de histórias também tem uma visão da morte através de uma criança de cinco anos que quer se despedir do primo da mesma idade que faleceu. Também de um americano que enfrenta um terremoto no Japão e volta para os Estados Unidos, mas depois resolve retornar ao Japão para saber notícias da senhora proprietária do restaurante que ele frequentava. Ele descobre que ela está bem. Mesmo eles nunca terem trocado uma palavra, já que não falavam o mesmo idioma. E a minha história preferida: uma garota de Beckenham que trabalhava em um salão de beleza comum e descobre que vai ser cabeleireira do David Bowie e acompanhá-lo em uma turnê.

A vida mostra que todos temos uma história. Eu, com quatro anos, tentei ir embora com o circo e ganhei uma cicatriz na sobrancelha; meus pais resolveram matar aula no mesmo dia e se conheceram; e o namorado do meu melhor amigo mudou de Porto Alegre para Belém para ficar perto dele. Toda narrativa importa e enquanto mais vivemos mais histórias serão contadas, para bons ouvintes, é claro.

 

 

 

Silvana Righi é formada em jornalismo pela UFN e pós-graduada em Televisão e Convergência Digital pela Unisinos. Trabalha como roteirista e gosta de escrever com ironia. Passa a maior parte do tempo entre cinema, cachorros e livros.

 

Desacelerar provavelmente é uma das coisas mais difíceis hoje. E não estou falando de correr contra as 24h do dia. Pisar o pé no acelerador para chegar na hora no trabalho ou acelerar ainda mais para chegar o quanto antes em casa. A questão aqui é mudar a velocidade da produção mental, do pensamento e, por que não, da prisão do Novo. Desacelerar é respeitar os processos naturais.

Como uma pessoa mentalmente acelerada, prazer, me cobro muito a necessidade de estar sempre criando. Já entrei em alguns processos desagradáveis de produção frenética. E é esperado que eu entre em parafuso quando naturalmente não consigo produzir, mesmo que minha cabeça continue à mil. Passei os últimos vinte dias surtada pela estagnação. Me desesperei pois não teria pauta para essa coluna e para outros textos que deveria entregar. A situação só se resolveu quando percebi que o problema não estava na falta, mas no excesso. Eram muitas pautas, textos e reflexões desorganizadas. Isso já aconteceu antes e com certeza vai acontecer de novo no futuro – aguarde cenas dos próximos vinte dias. Momentos assim fazem parte do meu processo, mas também são reflexo da quantia absurda de informações que recebo todos os dias. Uma realidade que não é só minha. Todos estamos sendo bombardeados com informação o tempo todo.

Demorei um tempo para compreender que o que parecia um problema localizado e privado, na verdade, é coletivo. Um trecho do livro “No enxame”, do filósofo Byung-Chul Han, diz que “hoje não somos mais destinatários e consumidores passivos de informação, mas sim remetentes e produtores ativos”. Ou seja, além de recebermos informação nova constantemente, não nos basta ser apenas o destino da mensagem. Sentimos necessidade de comunicar nós mesmo. (E não é o que estou fazendo aqui?). O autor conclui o pensamento dizendo que esse comportamento, o “duplo papel”, aumenta enormemente a quantidade de informação.

Não basta estar atualizado sobre as notícias locais e do mundo. Não basta acompanhar as peripécias políticas que tomaram conta do país. Até por que, vamos combinar, isso ninguém consegue. Se você não está confuso, ouso dizer que você não entendeu nada. No fim ninguém entende mesmo. Mas vamos lá. Além de todas as notícias, tem aquele artigo i-n-c-r-í-v-e-l que você precisa ler. Uma música que todos estão ouvindo. Aquela série importantíssima lançada há duas semanas por aquela famosa plataforma de streaming – assistam “Coisa mais linda”. Deu conta de tudo? Na verdade, não. Enquanto você assistia a um episódio da série mais um Ministro foi demitido. Outro artigo viralizou. Mais um meme está bombando no Twitter. O Laranja vendeu mais dois carros. E a Bettina está trilhardaria.

Queria poder trazer soluções para lidar com a sensação de atraso, o peso e o desgaste gerados por essa enxurrada de informação que nos caça e consume durante os dias. Mas acredito que ainda vá levar algum tempo para que a gente encontre meios e rotinas mais saudáveis de consumir informação. Um primeiro passo talvez seja aceitar que não vai dar para saber de tudo o tempo todo. Já começou difícil – mais para alguns do que para outros. Vamos conversar sobre FoMO (Fear of Missing Out – medo de estar por fora, perdendo algo) nos próximos meses.

O método que eu tenho encontrado para desacelerar a produção é escrever a mão. Não é sempre que funciona, mas tem dado certo nos momentos mais críticos do último ano. Foi assim que eu escrevi boa parte do trabalho final de graduação – mais de sessenta páginas (risos nervosos). O processo de transportar ideias para o papel ao invés de uma tela ajuda meu pensamento a desacelerar. É como se minhas mãos falassem diretamente com meu cérebro. “Colega, você vai ter que desacelerar aí, senão a gente vai perder um monte de coisa boa. Vai com calma!”. Funcionou com esse texto.

Mas como trabalhar com informação, querer comunicar sobre tudo, gerar conteúdo o tempo todo e não colaborar com o esgotamento mental de outras pessoas? Perenidade, permanência, durabilidade. Optar por produzir textos que permanecerão relevantes daqui dois dias, três meses e até anos. E consumir conteúdo de datas passadas. Nessa cultura do “pra ontem”, esquecemos que existem coisas importantes no hoje da semana passada.

Provavelmente vou precisar reler esse texto nos próximos vinte dias.

 

 

Arcéli Ramos é jornalista egressa da UFN. Repórter da Agência Central Sul em 2015. Com pesquisas na área jornalismo literário e linguagem, hoje também estuda “Pesquisa de tendências”. É colaboradora na New Order, revista digital na plataforma Medium, e produz uma newsletter mensal.

Quando criança eu pensava que com 18 anos eu já seria uma adulta responsável e com 25 eu ia ser praticamente uma idosa. Mas nada disso aconteceu, eu ainda não me considero uma adulta tão responsável assim, muito menos uma idosa e ainda choro olhando o filme do E.T.

Não lembro direito quando eu me dei conta que eu tinha crescido, acho que foi quando eu passei a entender sobre produtos de limpeza e plano de saúde. Ou talvez eu até hoje não saiba quando foi. É uma longa transição e a minha vida adulta veio junto com o morar sozinha. Não existe uma preparação para enfrentar a vida adulta, nem um manual que ensine a lidar com infiltração na casa do vizinho. Quando a gente vê nossos pais não estão mais lá e a sensação pode ser parecida com a de ter se perdido em um supermercado lotado. E ser adulta não é só a questão de independência financeira têm mil e outros dilemas em volta.

Troquei os tópicos de dez dicas para ser um adulto de sucesso ou como ser destacar na profissão dos sonhos pelo livro “Adulta sim, madura nem sempre”, da escritora Camila Fremder. É uma reunião de crônicas que de uma maneira bem humorada relatam os desafios de crescer e uma identificação de que não sou a única que está preocupada com boletos e também com o aquecimento global. Escolhi um trecho do livro que mais retrata esse louco crescimento.

“Um dia você é a jovem moderna que ouve música alta e incomoda a vizinha. Num piscar de olhos é você quem está interfonando para o porteiro e reclamando, aos berros, do som da garota que mora no andar de cima. O que aconteceu? Simples: a vida adulta chegou. Quer dizer, não tem nada de simples”.

Acredito que não vamos estar preparados para nenhuma fase da vida, nem vai vir um artigo nos salvar e ensinar o que fazer com as artimanhas que aparecem no meio do caminho. A vida vai e acontece e quando a gente vê o tempo foi passando. A diferença é que agora nós pagamos IPVA, mas ainda nos empolgamos com show da Sandy e Junior. Crescer é isso.

 

 

Silvana Righi é formada em jornalismo pela UFN e pós-graduada em Televisão e Convergência Digital pela Unisinos. Trabalha como roteirista e gosta de escrever com ironia. Passa a maior parte do tempo entre cinema, cachorros e livros.

Mover-se é estar entre. Foto: Neli Mombelli

 

O espaço em branco na pintura, o silêncio que antecede o refrão, o corredor que leva ao templo, o tempo de “não-ação” da coreografia, o terceiro elemento na dualidade do “ser ou não ser”. Nem o primeiro, nem o segundo: a fronteira entre eles, o lugar “vazio”. Nem um, nem o outro: o “entre”, a vida que habita o “nada”. Esse é o Ma, elemento que permeia toda a cultura e boa parte da estética japonesa. Mais que um conceito, um senso comum que contraria o Ocidente e sua obsessão pela dualidade, uma possibilidade que abraça a contradição e o excluído. Mais que verdadeiro ou falso, passado ou presente, céu ou inferno, vida ou morte. É o que dá sentido ao todo: sem a parte branca, a pintura não faz sentido; sem o hiato no momento certo, a música não encanta; sem um caminho de preparação, a energia do templo não será absorvida; sem a pausa, a dança não tem ritmo; sem o terceiro elemento, eis a questão.

O Ma é apaixonante para quem já não vê a menor graça no 8 e no 80 e há tempos não se emociona com a declaração escancarada e com a janela completamente aberta. Não é sobre gostar do morno, pelo contrário, é buscar intensidade no que está além do óbvio. Nem desconhecido, nem apresentado; eu quero o que é preciso reconhecer, aquilo que depende mais da minha sensibilidade em ver do que da habilidade do outro em mostrar. Precisamos falar sobre o meio – se o “completo” é o copo cheio, o “vazio” é o copo ilimitado. Se o completo é parte, o vazio é inteiro. Incorporar o terceiro e entender o excluído como um elemento necessário é admitir que o ápice da nossa última conversa foram os 10 minutos de silêncio entre as tuas e as minhas palavras. E quando um entende o silêncio do outro, já não importa se não estamos completos. O que importa é que somos inteiros.

A tua ausência está sentada ao meu lado no avião, a tua falta deixa a casa cheia e o teu sumiço me visita todos os dias. Onde não há nada é que o tudo se esconde. O amor não faz milagres, não preenche vazios, não dá beijos no pescoço. O amor não é tempo, não é espaço, não é presença ou saudade. Ao descobrir que as respostas e certezas não estão no primeiro beijo, alimentamos a esperança de que elas estejam no último. Não estão! Quem não presta atenção no universo entre um e outro talvez nunca se encontre, por isso eu celebro o teu ir e vir. Quando você pega a sua mochila, entra no táxi e diz “rápido, antes que eu desista de ir embora”, o amor assume a sua afinidade com o Ma: nem chegada, nem partida; o amor é travessia. Eu deixo a janela entreaberta, descubro que é melhor ser inteira que estar completa, reconheço as lições pelo caminho e te digo, sem precisar falar nada, que a tua travessia para sempre, sempre, sempre… me atravessará.


Manuela Fantinel tem 22 anos e é jornalista egressa da UFN. É coautora do livro Cronicaria e atualmente mora em Goiânia.