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Santa Maria, RS, Brazil

delegacia da mulher

É preciso romper com o pacto de silêncio

Em Santa Maria, mais de 20 registros de estupros foram constatados entre janeiro e outubro de 2017 O estupro é um tipo de agressão sexual geralmente envolvendo relação sexual ou outras formas de penetração, sempre realizado sem consentimento.  O

Lei Maria da Penha 10 anos: persiste agressão à mulher

No último semestre de 2016, 1961 ocorrências de violência doméstica foram denunciadas na Delegacia de Polícia para Mulher  de Santa Maria. Delas, 950 viraram inquéritos policiais remetidos ao judiciário. Já as medidas de proteção solicitadas à vítima

Violência doméstica lidera registros na Delegacia da Mulher de Santa Maria

Por  Bruna Germani, acadêmica de jornalismo Anualmente, são registradas aproximadamente quatro mil e 800 ocorrências na Delegacia da Mulher de Santa Maria. Segundo a responsável pela delegacia, delegada Débora Dias, 90% dos casos envolvem violência doméstica,

Foto: Pixabay

Fazia sol em uma segunda de inverno em Santa Maria. O dia era 26 de junho mas, depois que anoiteceu, nunca mais foi apenas um dia comum para Maria*. Naquela noite, a vendedora, de 27 anos, estava tranquila em casa, junto com o filho, quando o marido chegou bêbado. Ele discutia, gritava, quando perdeu o controle e começou a chutar e socar a mulher. Tudo em frente ao filho do casal.

Maria conseguiu fugir das agressões daquele homem que ela mal reconhecia como seu marido, ligou para a polícia e foi amparada pela lei Maria da Penha. A medida protetiva que a mulher havia solicitado foi atendida e, legalmente, ela estava protegida. Entretanto, apesar de não ter acontecido outras agressões físicas, desde o dia 26 Maria passou a ser constantemente ameaçada e humilhada verbalmente pelo, agora, ex-marido.

– Muitos perguntam o motivo da minha separação, o porquê, se parecíamos sermos tão felizes. Não foi só um tapinha – desabafa Maria.

Entretanto, nem todas as mulheres têm a chance de chegar a tempo até a polícia. É o caso de Taisa Macedo Paula, 26 anos, e a Michele Albiero Wernz, 33 anos, vítimas dos dois casos de feminicídio que aconteceram esse ano em Santa Maria.

Quando estavam comemorando o Dia dos Namorados, em 12 de junho, Taisa e o companheiro Carlos Rudinei de Oliveira da Silva, 34 anos, encontraram-se no carro do homem para conversar após uma discussão que tiveram dentro da casa dela. Ela entrou no veículo e os dois seguiram em direção a Itaara. Quando chegaram até a localidade de Limeira, no interior do município, Silva assassinou a mulher com golpes de martelo. O crime só foi descoberto mais de um mês depois, no dia 18 de julho, após a polícia encontrar o corpo da jovem enterrado em uma propriedade rural. Ela estava grávida de quatro meses.

Já o segundo feminicídio aconteceu em 25 de outubro. Michele morava junto com o companheiro, Rodrigo Tormes dos Reis, e com dois filhos em um apartamento na região central da cidade. Ali ela foi morta a facadas pelo homem. Conforme o relato do pai da vítima aos policiais, Reis era ciumento e as brigas entre o casal eram recorrentes. Enquanto Michele era esfaqueada, gritava por socorro, que chegou tarde demais. 

*O nome é fictício para preservar a identidade da vítima

 

A lei Maria da Penha

No mês de agosto, a Lei Maria da Penha, que garante a proteção às mulheres contra qualquer tipo de violência doméstica, seja física, psicológica, patrimonial ou moral, completou 11 anos de vigoração no Brasil. Mais recente ainda, em 2015, foi sancionada a Lei do Feminicídio, em que casos de violência doméstica e familiar, menosprezo e discriminação contra a condição de mulher passam a ser vistos como qualificadores de um homicídio, colocando-o também no rol dos crimes hediondos. As mulheres são violentadas e mortas por circunstâncias totalmente diferentes do que os homens. De acordo com o artigo 5º da Maria da Penha, a violência doméstica contra mulher é caracterizada como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

Conforme a delegada Débora Dias, titular da Delegacia da Mulher, o número de ocorrências tem diminuído há cerca de dois anos, mas ainda preocupa. Em Santa Maria, em 2016, foram registradas 3.102 boletins de ocorrência de violência contra a mulher. Neste ano, eram 2.600 registros até o dia 14 de novembro. Dos casos, cerca de 40% deles são agressões físicas e em torno de 60% psicológicas.

– A maioria dos casos registrados são de mulheres de classes mais baixas, mas isso não significa que não há violência em todas as classes. O que acontece é que em casos em que a mulher é de uma classe social mais alta, a gente só vai descobrir quando ela está no hospital, porque ela não denuncia – explica a delegada.

Quando a denúncia é feita por meio de um boletim de ocorrência, testemunhas são ouvidas, há instauração de um inquérito e as medidas protetivas são solicitadas – como determinar que o agressor não se aproxime da vítima-, até 48 horas a partir da instauração do inquérito. Ao chegar no judiciário, o juiz tem até outras 48 horas para deferir ou indeferir o pedido.

– Tem casos em que a mulher não realiza o exame e, quando chega na hora do depoimento, elas pensam em desistir, dizer apenas que caíram. Por isso o plantão começou a fazer fotografias das lesões para ter, ao menos, uma prova do crime – comenta Débora.

 

Por que as mulheres permanecem na relação abusiva?

A ideologia de gênero é um dos principais fatores que levam as mulheres a permanecerem em uma relação abusiva. Muitas delas internalizam a dominação masculina como algo natural e não conseguem romper com a situação de violência e opressão em que vivem.

Além da ideologia de gênero, outros motivos também são frequentes, tais como: a dependência emocional e econômica, a valorização da família e idealização do amor e do casamento, a preocupação com os filhos, o medo da perda e do desamparo diante da necessidade de enfrentar a vida sozinha, principalmente quando a mulher não conta com nenhum apoio social e familiar. Além disso, ela também acaba culpando-se pelas agressões.

–  Ela tenta se justificar, tenta encontrar o ‘como eu deixei chegar até aqui’, e isso é muito interessante de ser analisado, porque a culpa nas relações sempre vai existir, mas o quanto essa violência acaba com o psicológico não pode ser dimensionado. Não é culpa de nenhuma mulher. A gente precisa se responsabilizar pelas nossas vidas e se empoderar, porque é assim que vamos conseguir compreender que essa agressão não se combate com opressão, e é preciso levantar a cabeça para enfrentar os abusos e na próxima vez dizer ‘não com esse tipo de homem não mais’ – explica a psicóloga Bharbara Agnoletto.

Para tentar entender quem são essas mulheres que vivem a violência conjugal na cidade, a psicóloga participou do projeto de pesquisa “Subjetividade da Mulher Que Vivencia A Violência Conjugal”, desenvolvido em 2015 no curso de Psicologia da Unifra. A partir da psicanálise, doze mulheres foram estudadas – seis casadas e seis separadas dos agressores. Em 2017, o projeto está na fase de análise dos relatos das mulheres.

–  O estudo considerou a individualidade de cada uma, e que a mulher não deve ser vista como a vítima. Ela não é uma coitadinha, mas a protagonista da própria vida – relata Bharbara.

 

Como identificar a violência contra a mulher

_ Ter medo do homem com quem se convive

_ Ser agredida e humilhada

_ Sentir insegurança na sua própria casa

_ Ser obrigada a manter relações sexuais

_ Ter objetos e documentos destruídos ou escondidos

_ Ser intimidada com arma de fogo ou faca

_ Ser forçada a “retirar a queixa”

 

Denuncie

_ 190: Brigada Militar

_ Delegacia de Polícia de Pronto-Atendimento: (Rua dos Andradas, 1397). Telefone (55) 3222-2858

_ Delegacia de Polícia Para a Mulher: (Rua Duque de Caxias, 1169). Telefone (55)  3222 – 9646 / 3217 – 4485 / (55) 3226-7799

_ Rede Lilás, que apoia mulheres vítimas de violência no Estado. Telefone: 0800-541 0803

 

Por Julia Trombini, Tisa Lacerda e Victoria Debortoli para a disciplina de Jornalismo Investigativo, desenvolvida no segundo semestre de 2017, sob a orientação da professora Carla Torres

Em Santa Maria, mais de 20 registros de estupros foram constatados entre janeiro e outubro de 2017

O estupro é um tipo de agressão sexual geralmente envolvendo relação sexual ou outras formas de penetração, sempre realizado sem consentimento.  O ato pode ser realizado por força física, coerçãoabuso de autoridade ou contra uma pessoa incapaz de oferecer um consentimento válido, tal como quem está inconsciente, incapacitado, tem uma deficiência mental ou está abaixo da idade de consentimento.

Segundo o Artigo 213 da Legislação Federal, a penalização para a agressão sexual pode variar de seis a 30 anos. No Brasil, há poucos dados sobre o assunto, mas o Disque Denúncia (o Disque 100, Serviço Nacional de Denúncia de Abuso e Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes) registrou em 2014 uma média diária de 13 denúncias de abusos de meninos.

Mulheres protestando contra o estupro em Presidente Prudente. Foto: Betto Lopes/TV Fronteira/G1/Reprodução

A Delegada Débora Dias, titular da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher de Santa Maria, conta que houve mais de 20 registros de estupros na cidade entre janeiro e outubro de 2017: “É difícil de contabilizar porque nem todos são estupros. Por outro lado, acredito também que há muito estupro que também não é registrado. É um tipo de crime de se chama cifra obscura, onde as pessoas não registram por algum motivo. Muito mais quando envolve criança e adolescente.”

[dropshadowbox align=”center” effect=”lifted-bottom-left” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Segundo o artigo Cifras criminais da Criminologia, de Vinícius Alexandre de Pádua, além da cifra obscura, existem as cifras douradas, que são crimes praticados por pessoas de alto-escalão. Também há as cifras cinza, amarela e verde. A primeira são ocorrência que apesar de serem registradas, não chegam ao final do processo. A Amarela representa aquelas em que a vítima sofreu violência cometida por um funcionário público e não denunciou o órgão público por medo de represália; enquanto a última, cifra verde, refere-se a crimes que não chegam à polícia e configuram a violência contra o ambiente: pichações ao patrimônio histórico, por exemplo.[/dropshadowbox]

Vivemos em um mundo, em um País ainda muito machista. Isso é confirmado pela pesquisa do Ipea, feita em 2013 e divulgada em 2014. Nela, 26% dos entrevistados concordam total ou parcialmente com a afirmação de que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. No entanto, 58,5% concordam total ou parcialmente com a afirmação que “Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”.

 A Delegada Débora Dias ainda completa dizendo que o estupro não é apenas uma violência física, mas também psicológica. Conforme a Delegada, muitas mulheres não fazem a denúncia pelo fato de terem que, no depoimento, reviver a violência. “Para a investigação é importante que a mulher fale tudo, todos os detalhes, e isso é uma violência também” afirma.

Segundo dados da ONU de 2010 (os últimos consolidados), os países com maior incidência de estupros são: EUA (84.767 casos), África do Sul (67 mil casos), Índia (22.172 casos), Reino Unido (15.9340) e México (14.993). 

Além de criminosos desconhecidos pela vítima, há os crimes domésticos. Esses são aqueles cometidos por ex-companheiros ou companheiro atuais, que, segundo a Delegada, são os mais difíceis de investigar, devido ao medo e à vergonha: “Se envolve pessoas da família, é muito mais difícil porque, às vezes, ela não vai registrar a ocorrência no dia seguinte. Ela espera. Ou acontece de novo“, conta.

“Estuprador”, em geral, é associado ao imaginário de um desconhecido monstruoso. Mas não é porque ele violentou uma pessoa que vai necessariamente comportar-se como um monstro o tempo inteiro. O mais comum é justamente o acusado aparentar ser uma pessoa simpática, mas – no espaço privado – agir de maneira agressiva e violenta.

Foto: Laboratório de Fotografia e Memória – UNIFRA

Desde a denúncia, são várias etapas que a investigação passa até chegar ao julgamento final. Quando o crime é feito por um desconhecido, por exemplo, a vítima faz a ocorrência e é encaminhada imediatamente ao hospital para fazer a medicação de profilaxia pós-exposição. Isso, no caso de Santa Maria, é feito no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM). O procedimento evita as Doenças Sexualmente Transmissíveis, como AIDS, além da gravidez indesejada. Após isso, a vítima é encaminhada ao exame de corpo de delito, em que são feitos todos os exames de coleta de material. Os dois processos devem ser feitos em até, no máximo, 72 horas depois do estupro para garantir sua eficácia. Em caso de estupro, é indicado até evitar de tomar banho: “Se tomar banho, fica muito mais difícil. A roupa é muito importante de ser examinada sem lavar, pois nela fica qualquer material genético mais tempo do que no corpo. Pode ficar até anos.” explica a Delegada.

Após os exames, a vítima é ouvida na delegacia, onde vai dar as características do autor do crime. Também são pedidas informações sobre local e hora. “De regra, a vítima não vê o rosto do estuprador. Primeiro porque ele não deixa, segundo porque elas também não olham para o rosto. Então, vamos ter que investigar alguma característica de voz, tatuagem e cheiro. Já aconteceu de fazermos identificação apenas por voz”, completa Débora Dias.

Após a identificação do autor do crime, ele vai ser ouvido, mas geralmente o estuprador não vai confessar e ainda vai negar. Mas, com as provas, ele será preso. O caso vai, então, para o Judiciário; lá o juiz vai ouvir a vítima, o agressor e as testemunhas, que podem ser até as primeiras pessoas que tiveram contato com a vítima.

É preciso romper com o pacto de silêncio que encobre as situações de abuso e exploração contra crianças e adolescentes. Não se deve ter medo de denunciar. Em caso de suspeita de violência sexual infanto-juvenil, denuncie para os Conselhos Tutelares, que foram criados para zelar pelo cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes. A essa instância cabe receber a notificação e analisar a procedência de cada caso, visitando as famílias. Se for confirmado o fato, o Conselho deve levar a situação ao conhecimento do Ministério Público. Em município onde não há Conselhos Tutelares, as Varas da Infância e da Juventude podem receber as denúncias. 

No Brasil, existe a Central de Atendimento à Mulher: Ligue 180. A ligação é gratuita. Criado em 2005 pela Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, serve como canal de orientação sobre direitos e serviços públicos direcionados à população feminina em todo o Brasil. Também serve como disque-denúncia. Outros órgãos que também estão preparados para ajudar são as Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente e as Delegacias da Mulher espalhadas pelo país.

 

“Aquele amor poderia ter me matado

Como mata centenas de mulheres por aí

Certos amores não passam

De uma bomba a ser desativada a tempo”

 Martha Medeiros

Por Andressa Marin e Sarah Vianna para a disciplina de Jornalismo Investigativo.

Nosegundo semestre de 2017, sob a orientação da professora Carla Torres. 

Maria da penha (Série de reportagens)-01No último semestre de 2016, 1961 ocorrências de violência doméstica foram denunciadas na Delegacia de Polícia para Mulher  de Santa Maria. Delas, 950 viraram inquéritos policiais remetidos ao judiciário. Já as medidas de proteção solicitadas à vítima foram 568. A média são vinte ocorrências por dia. Os números são preocupantes, porque indicam também que há um percentual alto de agressões não denunciadas.

A delegada Débora Dias explica que a patrulha Maria da Penha da Brigada Militar faz ronda semanal, as denúncias são analisadas e eles vão até a casa da vítima verificar a situação, principalmente nos casos já com medida protetiva. Feito o Boletim de Ocorrência, são dados os encaminhamentos necessários, testemunhas são ouvidas, instauração do inquérito e medidas protetivas. “Temos 48 horas para encaminhar o inquérito, tudo depende da autorização da mulher, o judiciário tem 48 horas para deferir ou não as medidas”, explica Débora. “É sempre dificultoso o inquérito de violência doméstica, pois as testemunhas não dão depoimento, temos que insistir para trazer as pessoas, e se elas não quiserem, principalmente da família, elas não falam mesmo. E quando não existem marcas físicas, é difícil termos provas”, salienta a delegada. E isso causa desistências.

[dropshadowbox align=”center” effect=”lifted-both” width=”500px” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]A Lei Maria da Penha surgiu após o Estado Brasileiro ser denunciado por negligência e omissão em relação à violência doméstica pela Comissão de Direitos Humanos, em 1998.  A história de Maria da Penha Maia Fernandes  que lançou um livro contando o que sofreu nas mãos de seu marido, Marco Antônio Heredia Viveros, chegou até a Comissão de Interamericana de Direitos Humanos. Maria da Penha ficou paraplégica depois de levar um tiro do marido que, ainda, tentou eletrocutá-la na banheira. Em 2006, o Congresso Nacional aprovou a Lei Maria da Penha, considerada pela Organização das Nações Unidas, a terceira melhor lei de prevenção contra agressão doméstica. A lei  determina que se estabeleça uma política pública que vise a coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretriz maior a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação[/dropshadowbox]

Débora Dias afirma que ninguém pode julgar vítimas em situação de violência doméstica (foto: Maria Luiza Viana/Laboratório de Fotografia e Memória)
Débora Dias afirma que ninguém pode julgar vítimas em situação de violência doméstica (foto: Maria Luiza Viana/Laboratório de Fotografia e Memória)

Há ocorrências em que a polícia sabe que a vítima corre risco de vida e, mesmo assim, ela desiste de seguir com o processo. Hoje, segundo Débora, aumentou o número de denúncias de ameaças e diminuiu o número de lesões corporais. No entanto, ainda há casos graves que, sempre de forma reiterada, as vítimas acabam indo mais de uma vez à delegacia com denúncias violentas. “Quando ocorre violência física, a vítima não pode mais retirar a queixa e  quando há provas contra o agressor, o processo segue mesmo que ela queira desistir”, afirma a delegada. Prisões preventivas são dadas quando a vítima corre risco. Então, é emitido o pedido, e o agressor fica preso até decisão do juiz.

“É muito difícil alguém nessa situação vir denunciar, pelo fato de ser alguém com quem se vive, dorme junto. E por ser tão complicado, elas acabam voltando para o marido e não se resolve nada”, afirma Débora. Além das agressões físicas, como socos, chutes, tapas, a delegada atenta para comportamentos que também são violência, como desmerecimento moral. A assistência jurídica trabalha junto à vítima quando são casos de separação, dissolução da união estável.

 

Gráfico Violência Contra Mulher-01

 

Rede de apoio

Na delegacia, ao realizar o Boletim de Ocorrência, a vítima recebe apoio psicológico  de uma equipe de estudantes de psicologia da Faculdade Integrada de Santa Maria (FISMA), que atua em parceria com a Delegacia da Mulher desde 2014. O projeto visa o acolhimento das mulheres que são vítimas de violência doméstica.

“Há então esse encaminhamento para nossa equipe. A partir daí nós trabalhamos com o empoderamento das vítimas,  geralmente, durante o Boletim”, explica a coordenadora do projeto, Patrícia Rosso. “Temos que ouvir as demandas da vítima, pois ela sofreu aquela agressão e precisa falar, desabafar sobre”, diz a psicóloga.  Nada é forçado sobre a vítima. Os estagiários conversam sobre as melhores opções, mas não é imposto. Segundo Patrícia, não adianta dizer ‘você precisa se separar’. “O trabalho da psicóloga é encaminhar, dizendo das possibilidades para sair da situação, com condições de contar com auxílios sociais e com a polícia. Tudo depende do desejo, pois não podemos obrigá-la. É um trabalho de conscientização da vítima, para que ela veja que pode sair do relacionamento”, explica a coordenadora.

Quando o casal possui filhos, a vítima e as crianças vão para o acompanhamento psicológico. Sempre vai haver um dano emocional, alerta a psicóloga. “É algo individual, claro, e pessoal do indivíduo que cresceu sob essa situação, mas há possibilidades de se reproduzir esse comportamento posterior, como algo internalizado”.

Violência psicológica

Xingamentos, desqualificações. “Ah, porque tu não consegues nem cuidar dos filhos”, “quando eu saio de casa não sei o que tu fazes”, frases que a vítima ouve do agressor, são abusos domésticos, classifica Patrícia Rosso. A mulher não trabalha porque o marido não quer, e então ela depende financeiramente dele para qualquer coisa, dado algum tempo, ele começa a desqualificá-la moralmente. “Ela é muito sutil, abstrata, e causa um terror psicológico muito grande”, explica a psicóloga.

Inclusive, manter a mulher em uma dependência física e financeira também se classifica como violência psicológica, segundo Patrícia. Por exemplo, quando o agressor alimenta a ideia de que a mulher não tem condição de sair de perto dele, de se sustentar sem ele. E ele vai mantendo essa fantasia dentro da vítima.

 

Violência psicológica é uma das agressões mais fortes, segundo a psicológica (foto: Juliano Dutra/Laboratório de Fotografia e Memória)
Violência psicológica é uma das agressões mais fortes, segundo a psicológica (foto: Juliano Dutra/Laboratório de Fotografia e Memória)

A dependência emocional

A dependência emocional é muito grande em casos de violência e é uma das mais fortes sob a vítima, afirma Patrícia. Se a vítima tem filhos com o marido isso também pesa na hora da denúncia. Segundo a psicóloga, o vínculo emocional de afeto, das expectativas que se gerou sobre o relacionamento, causa grande dependência e pode ser um dos motivos para a vítima não se separar. É preciso analisar cada caso, pode-se estar falando de uma pessoa que vem de um histórico de violência familiar, que cresceu vendo esses abusos, vendo a mãe sendo agredida pelo pai, ressalta a coordenadora. Então ela passa a ‘normalizar’ isso inconscientemente. É o que a psicologia chama de transgeracionalidade.

“É uma dependência extrema do agressor que faz ela ter medo de voltar, ou não pode voltar, pois precisa estar em casa cuidando dos filhos, porque ele não gosta que ela saia. Algumas vítimas chegavam e diziam ‘hoje consegui fugir algumas horas e vir’”.

A violência não é tida como algo normal para a vítima, porém é como se ela tivesse internalizado que o homem manda e a mulher obedece e ele usa a força para isso. Para Patrícia, é algo cultural.

 

Por  Bruna Germani, acadêmica de jornalismo

Anualmente, são registradas aproximadamente quatro mil e 800 ocorrências na Delegacia da Mulher de Santa Maria. Segundo a responsável pela delegacia, delegada Débora Dias, 90% dos casos envolvem violência doméstica, e metade das denúncias são lesões corporais e ameaças, seguidas de calúnia e difamação.

Embora os índices registrados de violência doméstica já sejam altos, nem todos os casos são denunciados. A delegada explica que muitas mulheres são coagidas e têm medo de denunciar. Os crimes mais graves como estupros e homicídios, não apresentam um alto número de registros na cidade. No entanto, quando acontecem, desencadeiam verdadeiros dramas familiares.

O caso de homicídio mais recente em Santa Maria vitimou Márcia da Rosa Rodrigues, 35 anos, morta pelo ex-marido com duas facadas. O crime ocorreu em fevereiro e deixou cinco filhos sem a mãe. Segundo reportagem do jornal Zero Hora, a cada 38 horas uma mulher sofre atentado à vida no Estado. Em 51% dos casos, o homem mata por não aceitar a separação.

Os casos envolvendo violência contra a mulher em Santa Maria devem ser denunciados junto à Delegacia da Mulher, ou pelos telefones 197, 180, e 3222-9646.