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Direitos trabalhistas e civil em discussão no SEPE

A segunda noite das apresentações dos trabalhos do SEPE foi marcada por debates no campo do direito trabalhista e civil, em pesquisas dos acadêmicos do curso de Direito do Centro Universitário Franciscano, na sala 607 do Conjunto

Foto: Adri Junges

“Ela gritava atrás de mim como um general enquanto eu atendia os clientes no caixa ‘Vamos! Vamos! Agilidade! Agilidade! Tu é muito lerda!’ e eu tremia de nervosa, pois era meu primeiro dia de trabalho e ainda estava aprendendo o sistema da loja. Quanto mais ela gritava, aumentava meu nervosismo e eu me travava, as filas aumentavam e a loja virava um verdadeiro caos. Sentia-me pressionada e com medo de tirar dúvidas, pois sabia que ao perguntar ia ser repreendida por isso. Porém, tinha medo de cometer erros e ser repreendida também, cena que acontecia na maioria das vezes frente aos clientes me deixando constrangida. Fui proibida de ir ao banheiro e até de me alimentar no intervalo por implicância. Se dava algum erro no caixa no final do dia, ouvia insinuações de roubo, sendo que tinha câmeras por todos os lados. Não podíamos nem atender o celular em situações de emergência, e éramos punidos até mesmo se ele vibrasse no armário. Eu chegava em casa após o trabalho e só sabia chorar. Ter que ir para o serviço no dia seguinte era uma verdadeira tortura.’’(Ex-funcionária de loja em São Pedro do Sul)

Trabalhar, para muitos, pode ser considerado um momento de prazer e bem-estar. Para outros, é apenas uma maneira de suprir as necessidades financeiras. De todo modo, há um consenso: trabalhar não deve ser uma tortura. O momento de trabalhar, mesmo que não seja na tão sonhada vaga, deve estar baseado na boa convivência e em condições adequadas de trabalho, tanto físicas, quanto psicológicas. Em uma relação profissional existe uma hierarquia entre empregados e empregadores. No entanto, o poder dos cargos de chefia no ambiente de trabalho não deve ultrapassar os limites do respeito, da moral e da ética.

Conscientes da necessidade financeira dos funcionários, muitos empregadores submetem a equipe a situações que caracterizam dano moral, o que engloba a lesão direta à dignidade da pessoa humana: ofensas ou violação dos bens de ordem moral que se referem à liberdade, à honra, à saúde – mental ou física – e a imagem, resultando em modificações profundas no estado psicofísico e espiritual do trabalhador. O Ministério Público do Trabalho (MPT) aponta que dentre os principais motivos para a prática do assédio, está a competição exagerada, unida à necessidade de aumentar a produtividade, a tentativa de forçar pedido de demissão, o desejo sexual não correspondido e a necessidade de autoafirmação do chefe. O rebaixamento moral está refletido em atitudes de humilhação, ofensas, pressão psicológica, cobrança excessiva e, até mesmo, assédio sexual/físico, fazendo com que aconteça o famoso “não aguenta, pede para sair!”.

De acordo com a Justiça do Trabalho de Santa Maria, no período de 2017 a 2019, os números de processos registrados no Foro Trabalhista da cidade se aproximam de 530 casos: 326 em 2017, 107 em 2018 e 96 até julho de 2019. Os dados foram fornecidos pelo Tribunal Regional da 4° Região (TRT4) e, independente da sentença, os processos referem-se a pedidos – principais ou não – de indenização por dano moral, o que engloba qualquer tipo de ato discriminatório, assédio moral e assédio sexual no ambiente de trabalho. Além de São Pedro do Sul, a Justiça do Trabalho de Santa Maria atende mais 19 municípios da região.  É de responsabilidade do Órgão processar e julgar ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho e ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho.

Em São Pedro do Sul, o assédio moral tem feito parte da rotina de muitos funcionários, principalmente para os que prestam serviços no comércio, alocados em um cargo de baixo grau hierárquico na empresa. A ex-funcionária de uma loja de rede em São Pedro do Sul, que atuava como auxiliar de vendas, relata ter sofrido assédio sexual vindo do próprio gerente durante os poucos meses em que permaneceu no emprego. Ela percebia que o tratamento que recebia se diferenciava do das demais colegas. Mas a situação só chegou ao extremo quando ele, de fato, a tocou. “Eu subi numa escada para pegar a mercadoria, quando menos espero ele me abraça por trás. Outro momento foi quando eu estava andando e ele puxou o cós da minha calça para olhar minha calcinha. Senti repugna, mas na hora não consegui reagir’’. Após um desabafo com as colegas, a história se espalhou pelo ambiente de trabalho fazendo com que o gerente ficasse sabendo dos comentários. “Ele me chamou para uma conversa na qual me acusou de mentirosa e quando, na sequência, precisei sair atender um cliente, ele veio até mim me repreender na frente das pessoas, deixando todos a par do acontecido, causando constrangimento’’, relata a ex-funcionária, que prefere não ser identificada.

O assédio sexual no ambiente de trabalho pode resultar em penalidade de um a dois anos de detenção, visto que lei fixada no art. 216 A do código penal caracteriza como assédio o fato de: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.’’

Outro estabelecimento, também localizado no centro da cidade, é conhecido por fazer “rodízio’’ de funcionários. A fama é de que poucos empregados permanecem por mais de 6 meses, e outros já são demitidos assim que acaba o período de experiência, que não deve exceder 90 dias. Os relatos denunciam a má conduta da gerente com a equipe: ofensa e humilhação frente aos clientes, desvio de função e cobrança excessiva. “Quando acabou o contrato de experiência fui descartada sem um motivo real, alegando que eu questionava demais as regras da loja’’, conta a ex-funcionária, que diz ter conhecimento da legislação trabalhista e que sempre questionava quando algo não estava certo.

A reportagem entrou em contato com cinco ex-funcionárias do comércio local que sofreram abuso moral e sexual. Apenas três delas aceitaram falar a respeito e nenhuma efetivou uma denúncia por medo de não conseguir outro emprego na cidade.

Abuso moral e os danos à integridade psíquica

Imagem de mohamed Hassan por Pixabay

“Pisar naquela loja me causava pânico. Fiquei tão traumatizada que após eu sair de lá não me encorajava de procurar outro emprego. A situação me prejudicou nas minhas relações pessoais e profissionais”, desabafa a trabalhadora. A conduta abusiva do empregador com a equipe contribui para a retração de diálogo, a má convivência e a formação de um ambiente hostil de trabalho, o que atrapalha o andamento da empresa e adoece psicologicamente os funcionários. Desânimo, transtornos de ansiedade, baixa autoestima, dificuldades nos relacionamentos, esgotamento, bloqueios e sofrimento psíquico podem ser algumas das consequências do abuso.

A psicóloga Lisiane Cassales – que atua clinicamente com avaliação e orientação profissional-, explica que as atitudes abusivas se manifestam em gestos, palavras e comportamentos que geram um desgaste da dignidade física e psicológica do trabalhador, o que acaba por afetá-lo não apenas profissionalmente, mas também nas relações e desenvolvimento pessoal, colocando em risco a própria integridade. “Talvez seja o momento de identificar o quão saudável é permanecer nesse contexto. O dinheiro é importante uma vez que vivemos num mundo capitalista, mas quanto vale a sua saúde?’’, ressalta a psicóloga.

Um líder negativo e, provavelmente autoritário, a ponto de agir de tal forma pode acabar sendo intimidador, e um bom diálogo nem sempre resolve. Quando as tentativas de melhorar a relação forem inúteis, a alternativa é romper o vínculo e buscar ajuda fora do ambiente de trabalho. Para Lisiane, o tratamento depende do quanto se afetou no íntimo do sujeito. Em alguns casos poderá ser importante um tratamento combinado entre psicoterapia e psicólogo, juntamente com um acompanhamento psiquiátrico para o uso de medicação. ‘’O mais importante é trabalhar essas questões para que o sujeito se reconheça, se valorize e não permita que algo semelhante volte a lhe acontecer’’, finaliza Lisiane.

Medo e insegurança: quem defende o trabalhador?

Por trás do funcionário moralmente ferido, existe uma casa, uma família e filhos que dependem daquele salário, o que força – na maioria das vezes – o trabalhador a permanecer no emprego e a não denunciar. Dentre os direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal, estão o respeito à dignidade da pessoa humana e a sua intimidade, expressos no Art. 5º, incisos, III, V e X: “Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” Porém, na prática, a legislação é desrespeitada com frequência, principalmente dentro das grandes empresas, em que os funcionários são facilmente substituídos, consequência da alta demanda de desempregados à procura de uma oportunidade. O fator agravante, principalmente em municípios de pequeno porte como São Pedro do Sul, é o receio do empregado em efetivar a denúncia por medo de denegrir sua reputação como trabalhador na cidade.

Conforme a advogada Márcia Moraes, que atua com casos trabalhistas na cidade, a opção mais viável de denúncia é por meio de uma reclamatória trabalhista, – ação judicial movida pelo empregado contra a empresa, que visa resgatar direitos decorrentes da relação de emprego, que se inicia através da Justiça do Trabalho, mediado por um advogado. Mesmo que protegido por leis trabalhistas, o funcionário ainda está em desvantagem quando o assunto é recuperar os danos causados em forma de indenização. Para além da exigência de provas e testemunhas que comprovam o fato, a não-denúncia é motivada também pelos baixos valores da indenização que, dependendo da gravidade do caso, não ultrapassam 2.000 reais.

Para Márcia, os pedidos de acusação por dano moral em sua grande maioria são negados devido à dificuldade na produção de provas, que podem ser as imagens das câmeras de segurança da empresa, – que dificilmente os proprietários irão fornecer -, ou imagens feitas do celular de alguém. Testemunha é uma boa ferramenta, se não fosse a dificuldade de encontrar alguém que queira falar. “Existe a chance de algum cliente que presenciou o fato aceitar testemunhar, porque raramente os colegas vão se comprometer e possivelmente se prejudicar no atual ou nos próximos empregos”, conclui a advogada.

Em função da falta de recursos financeiros, muitos funcionários feridos moralmente acabam procurando o Ministério do Trabalho de Santa Maria para denunciar. Porém, o órgão do Governo Federal atua apenas com flagrante no momento da fiscalização e o funcionário que denunciar precisa ainda estar veiculado a empresa. Conforme Cezar, auditor fiscal do Ministério do Trabalho de Santa Maria, são vários os tipos de abuso moral possíveis no ambiente de trabalho. Contudo, cabe ao órgão apenas identificar o ato ilícito a partir de uma constatação física no momento da fiscalização. “Por exemplo, é cabível de providências se no momento da fiscalização for flagrado um funcionário sem condições físicas de trabalho, como sem luz, sem computador ou sentado no chão. Humilhações e ofensas não se enquadram, pois obviamente o empregador não cometerá o ato na frente do auditor”, explica o fiscal. Provas documentais ou testemunhais servem apenas para fins judiciais, em que o empregado inicia uma ação contra empresa.

O assédio moral prejudica a saúde mental de mais de 20% dos trabalhadores. No entanto, este cenário pode melhorar visto que em março deste ano a nova lei aprovada pela Câmara dos Deputados configura como crime ato de ofender reiteradamente a dignidade de alguém, causando-lhe dano ou sofrimento físico ou mental no exercício de emprego, cargo ou função. A lei, que ainda aguarda a apreciação do Senado Federal, prevê detenção de um a dois anos, em que pode ser aumentada em um terço se a vítima tiver menos de 18 anos. Para denúncias ao Ministério do Trabalho de Santa Maria, o atendimento é realizado de segunda a sexta-feira, na parte da manhã e por ordem de chegada. Diga “não” ao assédio moral. Não se cale. Denuncie!

Texto produzido por Andriele Hoffmann, na disciplina de Jornalismo Investigativo do Curso de Jornalismo da Universidade Franciscana, durante o 1º semestre de 2019. Orientação: professora Carla Torres.

A segunda noite das apresentações dos trabalhos do SEPE foi marcada por debates no campo do direito trabalhista e civil, em pesquisas dos acadêmicos do curso de Direito do Centro Universitário Franciscano, na sala 607 do Conjunto III.

O primeiro trabalho da noite, A aplicação da Lei da Arbitragem no dissídio individual e trabalhistas, da acadêmica Luiza Quadros Bolzan, fez referência a um projeto de pesquisa realizado por ela com o objetivo de saber a viabilidade da aplicação da arbitragem, visto que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) acredita que no dissídio individual a arbitragem não possa se aplicar. Já no dissídio coletivo, o TST acredita que é aplicável, já que as partes envolvidas estariam em igualdade, diferente do individual. Luiza comentou em sua análise sobre os motivos que o TST dava para a não aplicação da arbitragem. Durante a pesquisa foi constatado que em todas as questões analisadas havia a argumentação de que a arbitragem não poderia ser aplicada em virtude que violaria o princípio da indisponibilidade. Porém, ela defende a ideia com a qual concluiu com a pesquisa, de que a arbitragem deve ser utilizada no dissídio individual quando for benéfica ao empregado, tendo em base o princípio da proteção, pois assim não violaria o princípio da indisponibilidade. A Lei da Arbitragem é um método eficiente de resolução de conflitos que contribui para o descongestionamento do Poder Judiciário, através do qual as partes estabelecem um acordo ou contrato para solucionar controvérsias.

Já a segunda apresentação foi a do acadêmico Silvio Sanchotene Júnior. Com o título Inconstitucionalidade e Impenhorabilidade da penhora online,utilizando do método dedutivo para a execução da pesquisa, Silvio expôs aos presentes a discussão sobre a penhora baseada na lei Nº 11.382, de 2006. O que ele busca concluir com a pesquisa  é o motivo  pelo qual não se torna mais viável outras formas de execução do processo civil, questionando o porquê da utilização do método da penhora.

A penhora ocorre quando há uma dívida que não é paga no prazo e, em cima disto, ocorre uma ação de cobrança. Caso não haja o pagamento, os bens do devedor serão penhorados para pagamento da dívida.Na penhora, a forma de pagamento dos débitos deve ser de maneira que prejudique menos o devedor. Deve ser uma forma de pagar a dívida alternativa, que o devedor consiga sobreviver pagando está dívida. Já quando se trata da penhora online, o juiz em acordo com o Banco Central, determina o bloqueio da conta bancária do devedor, como forma de garantindo pagamento.

Por Renata Medina