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direitos LGBT

Não podemos esquecer de criminalizar a LGBTfobia

Observe estes dados: 2014: 329; 2015: 319; 2016: 343; 2017: 445; 2018: 420. Esses são os números, segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais assassinados nos últimos cinco anos

4ª Parada LGBT movimenta público alternativo em Santa Maria

Ocorreu neste domingo, 18, no Largo da Locomotiva a 4ª Parada LGBT Alternativa de Santa Maria. Organizado pelo Coletivo Voe, o encontro reuniu os membros da sigla LGBT+, além de simpatizantes do movimento. Trouxe como tema

Transfobia e o recorde que não queremos ter

A cada 25 horas, um LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,  transexuais e travestis) é assassinado no Brasil. Os dados alarmantes, fazem do país o campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais. O ano de 2016 registrou

Foto: Mariana Olhaberriet

Observe estes dados:
2014: 329;
2015: 319;
2016: 343;
2017: 445;
2018: 420.

Esses são os números, segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais assassinados nos últimos cinco anos no Brasil. 1.856 vítimas de uma violência estrutural. Em 2018, a cada 20 horas, um LGBT+ foi morto de forma brutal no país. Em um contexto de ascensão de um governo conservador, que estimula a violência, os números de agressões contra esse grupo vulnerável não dão indícios de que estejam próximo do fim.

Há pouco mais de um mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ao julgamento da criminalização da LGBTfobia, uma reivindicação histórica do movimento LGBT+ no país. As duas ações julgadas, uma proposta pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) e a outra pelo Partido Popular Socialista (PPS), pautam a omissão do Legislativo no que confere a crimes relacionados contra a população LGBT+.

A primeira sessão iniciada no dia 13 de fevereiro, foi retomada pela última vez no dia 21 de fevereiro. Durante quatro sessões, dos 11 ministros, apenas quatro declararam seus votos favoráveis à criminalização da LGBTfobia, que equipara a violência e a discriminação contra LGBTs ao crime de racismo. Mesmo com duas ações enfatizando a omissão do Congresso, novamente a votação no STF foi suspensa, sem uma data prevista para o retorno do julgamento. Nesse caso, não só o Legislativo foi e é omisso, mas também a Corte, por suspender uma pauta urgente da comunidade LGBT+, já que estava em debate um tema que retrata a realidade do país que mais assassina essa população no mundo. A omissão do Legislativo em levar pautas LGBTs adiante tem uma grande contribuição de forças conservadoras. Com grande empenho, a bancada fundamentalista religiosa, que só cresce a cada eleição, é uma das maiores barreiras para que a violência contra LGBTs se torne crime e que ações afirmativas em prol dessa população sigam adiante para votações.

A pauta de criminalização da LGBTfobia se torna tão polêmica devido ao entrave entre conservadores e defensores dos direitos humanos. De um lado, a grande mobilização de setores conservadores, sobretudo religiosos, defendem que a criminalização da LGBTfobia implicaria na restrição da liberdade religiosa – disfarçada, muitas vezes, de discurso de ódio e intolerância. Do outro, grupos de ativistas e a própria comunidade LGBT+, que reivindica uma pauta antiga em favor da liberdade e da vida.

Criminalizar a LGBTfobia se torna urgente diante da atual conjuntura de conservadorismo estabelecida pelo atual governo. Mas não basta apenas a criminalização, se esse mesmo governo nos tira outras alternativas que militam em busca da educação em respeito à diversidade. Ações como a retirada, nos planos de educação, de diretrizes  que contribuem para o enfrentamento à discriminação de gênero e orientação sexual enfraquecem uma luta que não é de hoje e nos levam a invisibilização. Uma invisibilidade que é reforçada por programas como o Escola Sem Partido, que proíbe a discussão de gênero na educação de crianças e adolescentes nas escolas.

Levar essas pautas para as escolas é o início para a desconstrução de uma cultura preconceituosa e da violência estrutural, que ficam evidentes através dos números de crimes contra a população LGBT+ citados aqui. Números esses que só são obtidos através de manchetes ou relatos, graças ao empenho do GGB, a mais antiga associação do Brasil que luta pelos direitos LGBT+. Já que, devido ao despreparo policial e  uma certa resistência desses órgãos em reconhecer o motivo específico desses crimes, muitos casos são subnotificados ou não são resolvidos.

E aponto esse despreparo com convicção. Em 2016, após receber ameaças motivadas pela homofobia, compareci a uma delegacia de Santa Maria para registrar um boletim de ocorrência. Após relatar as ameaças e apresentar provas, o policial deu risada e disse que eu não poderia fazer um registro alegando ser vítima de homofobia. “Não tem lei pra isso!”

Mas porque criminalizar a LGBTfobia? Principalmente, para que mais vidas não sejam perdidas. Para que não tenham mais casos como o da travesti Dandara, espancada e executada em praça pública, em 2017, na cidade de Fortaleza. Para que famílias não façam mais vítimas, como Itaberly, morto pela mãe e padrasto, também em 2017, no estado de São Paulo. Para que LGBTs possam sair na ruas de mãos dadas sem sofrer insultos ou ter a cabeça atingida por uma lâmpada. Mas esses casos são apenas a ponta do iceberg em uma imensidão de atrocidades que não chegam ao nosso conhecimento.

Por esses e por outros motivos é que não podemos esquecer de criminalizar a LGBTfobia. Hashtags como a #CriminalizaSTF, que ganharam força nas redes sociais próximo ao dia da votação, mostraram o grande apoio para que isso se torne realidade. Mas não podemos lembrar da criminalização da LGBTfobia apenas na semana da votação, em datas comemorativas ou na Parada LGBT+. Devemos reivindicar todos os dias, para não cair no esquecimento, não só do STF ou do Congresso, mas de toda a população.

A LGBTfobia bate em nossa porta todo dia. Amanhã pode ser eu, você, sua irmã, seu tio, algum de seus amigos, sua colega de trabalho, seu professor. Tornar essas agressões e insultos em crime é uma urgência social e que não podemos deixar para amanhã. Se em outros governos já havia dificuldades para que esses temas, não só nas escolas, mas em diversos setores fossem discutidos, o que nos reserva um governo conservador, de um presidente que diz: “Seria incapaz de amar um filho homossexual. […] prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí” ?

Criminalizar a LGBTfobia é um grito de socorro. Parem de nos matar!

 

Deivid Pazatto é jornalista egresso da UFN. Foi repórter da Agência Central Sul e monitor do Laboratório de Produção Audiovisual (Laproa) durante a graduação. É militante do movimento LGBTQ+, aborda questões pertinentes sobre essa temática em seus textos.

Em 2016, o Brasil foi considerado o país mais transfóbico do mundo. Arte: Deivid Pazatto

Em 2016, a ex-presidenta Dilma Rousseff assinou um decreto que permite a travestis e transexuais usarem o nome social em todos os órgãos públicos, autarquias e empresas estatais federais. O nome social é nome escolhido por essas pessoas de acordo com o gênero ao qual se identificam, independentemente do nome com que foram registrados no nascimento, como forma de legitimar a sua existência de acordo com a identidade que expressam na sociedade. Porém, esse decreto muitas vezes não é cumprido, o que leva ao constrangimento dessas pessoas ao serem chamadas pelo nome de nascimento em algumas instituições.

Um dos grandes fatores que acometem esse desrespeito é a transfobia, e está muito ligado à estrutura machista da sociedade – e aqui podemos frisar a brasileira. O Brasil desponta como o país mais transfóbico do planeta, com altos índices de homicídio contra a população trans.

Segundo a ONG europeia, a Transgender Europe (TGEu), em nenhuma outra nação há tantos registros de homicídios de pessoas transgêneras como no Brasil. O Grupo Gay da Bahia (GGB), em seu relatório anual, aponta que em 2017, 42,9% das LGBT assassinadas eram travestis ou transexuais – em número, foram 191 vítimas de transfobia, dos 445 homicídios registrados no ano passado.

Ser travesti ou transexual no país que mais mata essa população é uma tarefa de resistência diária. No levantamento feito pela Transgender Europe, que traz os números de transfobia entre 2008 e 2016, revela o quão assustador é pertencer à população trans e morar no Brasil. Os números levantados mostram que o Brasil teve 868 mortes durante o período de oito anos, liderando o ranking. Em seguida aparecem México, com 259; Estados Unidos, com 146 e; Colômbia e Venezuela, empatadas, com 109. O Brasil registrou 3,5 vezes mais mortes que o segundo colocado. Além disso, a expectativa de vida da população trans é de 35 anos, metade da média nacional.

Imagem: Projeto Transformar

O nome é a nossa primeira identidade. É através dele que nos apresentamos e o que nos diferencia em público. Em nossa cultura, os nomes possuem uma binaridade de gênero que nos é atribuído logo no nascimento, após o reconhecimento do sexo. Muitas vezes não gostamos do nome que nos é dado ao nascer, mas essa situação se torna muita mais complexa quando se trata de travestis e transexuais. Ao perceber que o sexo atribuído ao nascer e sua identidade são opostas, transgêneros travam diversos conflitos internos, começando pela utilização de um nome social que é desrespeitado. Algo que parece tão simples, porém, é uma questão de dignidade humana.

Sexo e gênero estão ligados à construção da identidade. O sexo é um atributo biológico, que nos classifica como feminino, masculino ou intersexo. O gênero representa como nos reconhecemos na sociedade e aí entram diversos fatores para a sua construção. Segundo a filósofa Judith Butler, o gênero é uma construção cultural, no sentido de que vamos nos apropriando de diferentes significados culturais para a construção de nossa identidade. Mas há uma associação cultural padrão entre o sexo e gênero. Essa expectativa nos limita logo ao nascer, e está muito ligada ao sexo biológico – órgão masculino = homem; órgão feminino = mulher. Essa construção cisgênera acaba caindo por terra quando os transgêneros se diferem desse padrão binário. O sexo acaba sendo o oposto do gênero vivenciado. E ter recebido um nome que não condiz com o gênero o qual se identifica, é muito difícil para travestis e transexuais.

Ao se perceber e entender com uma identidade diferente, o nome civil de travestis e transexuais representa uma pessoa que elas não são mais. A utilização e reafirmação desse nome gera diferentes conflitos internos e o que configura uma violência, seja no momento em que o outro pronuncia esse nome ou quando uma travesti ou transexual é obrigada a escrever o nome civil.

Essa autoagressão também é um dos fatores de provocam a depressão dessas pessoas. Por sofrerem violência, a população trans está mais suscetível a desenvolver quadros depressivos, levando muitas vezes ao suicídio. A transfobia vivenciada no dia-a-dia de transgêneros perpassa o âmbito familiar e está presente em diversos setores da comunidade. A violência institucional em relação a travestis e transexuais é a que mais fere quando se fala em respeito ao nome social. Universidades, hospitais e delegacias provocam diferentes tipos de constrangimento a essa população, começando pelo desrespeito ao nome social.

Após ataques transfóbicos e ao recorrerem às delegacias para prestar um boletim de ocorrência, transgêneros não tem seu nome social respeitado. Nesse sentido surge a necessidade de delegacias especializadas no atendimento a pessoas LGBT em todo Brasil. No que confere às travestis e transexuais, algumas delegacias das mulheres no país acabam direcionando o seu foco de atendimento também para essa população, como é o caso das delegacias especializada de Atendimento à Mulher (Deam) do Acre e na Paraíba, que desde 2017 garantem o direito de travestis e mulheres transexuais.

Após ouvirem e obrigadas a fazer o boletim de ocorrência com o nome de batismo nas delegacias, se agredidas, muitas vezes travestis e transexuais recorrem aos hospitais e a história se repete. O constrangimento retorna quando, para o atendimento, os profissionais da saúde utilizam o nome civil para cadastros. Em muitos casos, alguns profissionais negam atendimento, como foi o caso de uma travesti de Canela (RS), que após passar mal foi até o Hospital de Caridade de Canela. Ao se deparar com a travesti usando roupas ditas femininas, uma enfermeira omitiu socorro e ameaçou chamar o segurança. O caso aconteceu em 2011, mas só em novembro do ano passado o hospital foi condenado a pagar R$ 30 mil reais por omitir atendimento à travesti.

Bandeira arco-íris, símbolo dos homossexuais e também do movimento LGBT. Foto: internet

Uma pesquisa conjunta realizada em 2012 pela professora Martha Souza, doutora em Ciências pela USP, e pelo professor  Pedro Paulo Pereira, doutor em Antropologia pela UNB, acompanhou a trajetória de 49 travestis residentes em Santa Maria em busca de cuidados com a saúde. Intitulada Cuidado com saúde: as travestis de Santa Maria, Rio Grande do Sul, a pesquisa traz diversos relatos dessa população, entre eles a posição de marginalização que as travestis são colocadas. Durante a pesquisa, os autores contam que ocorreu uma tentativa de homicídio com travestis gêmeas. As irmãs relataram que após saírem com dois homens e eles perceberem que as duas eram travestis, foram agredidas com chave de fenda e alicate. Após pedirem socorro para um segurança de uma boate, foram todos para a delegacia. “Mesmo com testemunha, acabamos como bandidas. Ninguém acredita em travesti. Depois, precisamos ir até o serviço de saúde. […] Mesmo explicando que estava doendo muito, não deram remédio”, conta Whitney, uma das irmãs, com 22 anos na época.

Felizmente as irmãs gêmeas de Santa Maria se salvaram. Mas essas agressões se repetem dia após dia. A forma como a vida de travestis e transexuais são assassinadas é muito cruel. Facadas, pedradas, tiros. Mutiladas, dilaceradas, torturadas. Dandara é o maior exemplo da crueldade que a população trans está suscetível. Em fevereiro de 2017 ela foi torturada, agredida com socos, chutes, e golpes de pedra e pau em praça pública na cidade de Fortaleza, no Ceará. A exposição na qual Dandara foi submetida não ficou apenas em praça pública, mas foi parar nas redes sociais. 12 homens foram acusados de tirar a vida da travesti – até o mês de outubro desse ano, seis agressores foram condenados e estão presos.

O uso das redes sociais facilitou a comunicação e ampliou que mais informações pudessem circular e que esses casos viessem a conhecimento público. Essas mortes não são contabilizadas por delegacias e cabe às ONG’s fazer esse registro. O Grupo Gay da Bahia, criado em 1980, a mais antiga associação em defesa dos direitos LGBT, colhe todas essas informações, anualmente, através da internet, amigos ou outras redes que vão se fortalecendo para que eles possam contabilizar a proporção da LGBTfobia no país. A Rede Trans Brasil e a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) também são duas associações que fazem esse monitoramento, voltado apenas para a população trans. Até novembro desse ano, a ANTRA já registrou 149 assassinatos contra pessoas trans no Brasil.

Toda a vulnerabilidade a qual travestis e transexuais estão submetidas vem da transfobia que está impregnada nas raízes culturais do nosso país, muito ligada ao machismo, que acaba por refletir na população trans pelo fato de elas transpassarem os padrões heteronormativos. Não podemos esquecer dos homens transexuais, que por vezes são invisibilizados. Em casos de homicídios, os homens trans não são contabilizados nas estatísticas, por serem registrados com o nome de batismo nas ocorrências, novamente ferindo a identidade dessas pessoas. As mortes desses homens muitas vezes não são investigadas ou passam a ser enquadradas na lei do feminicídio, não configurando como um ato de transfobia.

Na luta pelo reconhecimento dos direitos da população LGBT, membros do Coletivo Voe posam frente ao público da 4ª Parada LGBT. Foto: Denzel Valiente

Os reflexos da transfobia ferem todos os campos da sociedade que são por direito de travestis e transexuais. A população trans é marginalizada em todos os setores da sociedade e essa exclusão reflete no grande número de travestis e transexuais que trabalham na prostituição. Devido a falta de oportunidade, essa acaba sendo a única opção de sobrevivência para a população trans, já que a oportunidade de outros empregos são muito pequenas, e se restringe a poucas empresas dispõem dessas políticas. Uma estimativa feita pela ANTRA, aponta de 90% da população trans recorre a prostituição ao menos em algum momento da vida.

Entre os motivos para a exclusão e marginalização da população trans, estão os grandes níveis de violência no contexto histórico do país – e aqui podemos citar a ditadura militar, onde travestis e transexuais eram perseguidas e mortas. A falha do Estado em investigar os crimes contra essa população, também é um dos motivos que leva ao aumentos desses números de violência. A vulnerabilidade da população trans na prostituição também é uma falha do Estado. Existem pouquíssimas políticas públicas que inserem essas pessoas seja nas universidades ou empregos.

A inclusão de travestis e transexuais nas universidade permite a oportunidade de entrarem no mercado de trabalho. O respeito ao nome social nesses espaços, pode representar uma importante condição de permanência dessa população nas faculdades, pois ali elas passarão a ser respeitadas e incluídas. Hoje, diversas universidades respeitam o nome social no Brasil. Em janeiro desse ano, o Ministério da Educação (MEC) autorizou o uso do nome social na educação básica para travestis e transexuais.

No Brasil não há legislações que garantam os direitos básicos de travestis e transexuais. Das poucas iniciativas nacionais, só constam o decreto sancionado pela ex-presidenta Dilma Rousseff que determina o uso do nome social em órgão públicos. Com isso travestis e transexuais também passam a ter o nome social respeitado, por exemplo, no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), onde são reconhecidos pelo nome que escolheram e nas eleições, a partir desse ano, onde mais de 6 mil eleitores votaram com o nome social. Também há uma portaria (nº 2.803, de 19 de novembro de 2013,) que determina a oferta do processo transexualidor (processo de hormonioterapia e cirurgia de adequação do corpo biológico à identidade de gênero e social), pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Essa decisões são frágeis, devido a falha do Estado e as diversas repressões que as pautas LGBT sofrem no Congresso Nacional. Reflexo disso é a não criminalização da LGBTfobia no país que mais mata LGBT. Em 2006, o projeto da ex-deputada Iara Bernardi chegou a ser aprovado na câmara, mas ao chegar ao Senado foi adiado e arquivado em 2014. Desde o início do mês de outubro desse ano, o site do Senado Federal está realizando uma consulta pública sobre o projeto de Lei do Senado nº 515/2017 que criminaliza a LGBTfobia, com autoria da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. A consulta dá direito de votar sobre a alteração da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para punir a discriminação ou preconceito de origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.

Mesmo com mais de 400 mil votos a favor e quase 7 mil contra a alteração, as bandeiras que envolvem a comunidade LGBT sofrem ataques e não seguem em discussão no Congresso devido aos parlamentares da bancada BBB (do boi, da bala e da bíblia) que vão contra os direitos dessa população. Todos os processos de transfobia citados, são reafirmados por lideranças conservadoras, que buscam a invisibilização do movimento e a exclusão de LGBT em todos os espaços.

O que ainda garante esses direitos, são as poucas lideranças representativas eleitas e algumas iniciativas estaduais e municipais. Uma dessas iniciativas é o Transcidadania, criado em 2015 pelo então prefeito da cidade de São Paulo, Fernando Haddad, que tem o objetivo de promover os direitos humanos e oferecer melhores condições de vida a uma parcela tão marginalizada da sociedade, como as travestis e transexuais. O programa concede bolsas de estudo e transferência de renda à população trans, levando educação, capacitação e garantia de direitos.

O nome social frente às diversas violências contra a população trans é um direito a dignidade humana.

O nome social frente às diversas violências contra a população trans é um direito a dignidade humana. Ser reconhecida ou reconhecido com o nome o qual se identifica é uma forma de existir e legitimar a sua existência enquanto cidadãs(os). O uso do nome social auxilia a população em tarefas que parecem corriqueira para pessoas cisgêneras, mas que são um problema para quem é transgênero, como a simples tarefa de abrir uma conta em um banco ou se candidatar a uma vaga de emprego. O uso da aceitação do nome social deveria ser obrigatório em todas as instituições e estabelecimentos para evitar os diferentes tipos de constrangimentos já mencionados quando utilizado o nome de batismo.

Ter o nome social reconhecido é o passo inicial na luta contra a transfobia, por isso a extrema importância para que a aceitação desse nome seja ampliada a todos os setores da sociedade. Um processo que era burocrático, hoje está mais acessível. Para obtenção da Carteira do Nome Social, a pessoa precisa ter no mínimo 16 anos e levar a Certidão de Nascimento no local onde feita a Carteira de Identidade na sua cidade. Após solicitar a Carteira de Nome Social, leva cerca de 10 dias para ficar pronta. Em fevereiro desse ano, o presidente Michel Temer sancionou o decreto nº 9.278/18 que regulamenta a lei nº 7.116 de 29 de agosto de 1983, para que as carteiras de identidade possam abranger o nome social de pessoas transgêneras. Para emitir a Carteira de Identidade com o nome social, basta que o interessado manifeste sua vontade através de um requerimento escrito e apresentar a Certidão de Nascimento. Junto com o nome civil, a identificação no novo documento virá acompanhada de “nome social”. A partir de 2019, todos os órgãos identificação deverão obedecer o novo decreto.

Desse modo, com a nova norma, não é mais necessário contratar advogados e passar por processos na Justiça para conseguir o nome social. O decreto articulado pelo Ministério do Direitos Humanos, é uma homenagem a João W. Nery, um dos maiores ativistas transgêneros do país. João, que faleceu em 26 de outubro desse ano, foi o primeiro homem trans no Brasil a passar por uma cirurgia de redesignação sexual (mudança de gênero). O projeto que leva o nome do ativista, parado há anos no Congresso, visa que a pessoa trans não precisará se submeter a cirurgia ou hormonização caso deseje alterar os documentos.

A nova carteira que trará o nome civil e o nome social juntos, pode não ser o suficiente para evitar situações constrangedoras, já que ela sugere os dois nomes e isso ainda permite ataques transfóbicos. As falhas do Estado são muito grandes é de extrema urgência políticas públicas para uma população que é dizimada no país. O desrespeito ao nome social é apenas a ponta do iceberg em um país que omite, esconde, máscara a transfobia em todos os setores da sociedade. Ser travesti e transexual no Brasil, é resistir e lutar pela vida todos os dias.

Artigo produzido para a disciplina de Jornalismo Humanitário, no segundo semestre de 2018, sob a orientação da professora Rosana Cabral Zucolo

Ocorreu neste domingo, 18, no Largo da Locomotiva a 4ª Parada LGBT Alternativa de Santa Maria. Organizado pelo Coletivo Voe, o encontro reuniu os membros da sigla LGBT+, além de simpatizantes do movimento. Trouxe como tema anual a “Saúde Mental de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros e quaisquer outras identificações não heterossexuais ou não cisgêneras”.

Organizadores da parada LGBT levantam os braços, enquanto três deles seguram bandeira com as cores do arco-íris. Eles estão encima do palco de costas para o público. O público no fundo levanta os braços para a foto.
Membros do Coletivo Voe posam frente ao público da 4ª Parada LGBT. (Foto: Denzel Valiente)

A concentração do público começou às 15h, na Praça dos Bombeiros. Por volta das 16h, os integrantes saíram em passeata até o Largo da Locomotiva, na Avenida Presidente Vargas, onde ficaram reunidos, ao ar livre, em frente a um palco montado nos fundos da Biblioteca Pública aproximadamente até as 22h.

Para animar público, houve diversas apresentações, danças e discursos promovidos pelos integrantes do Coletivo Voe, assim como demais convidados, entre eles drags e transsexuais que manifestaram palavras de força, superação e resistência dos movimentos sociais para com o conservadorismo e o preconceito existentes na sociedade e em algumas famílias intolerantes, e também, palavras de amor e união.

A jornalista e integrante do Coletivo Voe, Carolina Bonoto, 28 anos,  comentou que apesar de Santa Maria possuir uma parada LGBT oficial promovida pela prefeitura, a mesma por muitas vezes não ouviu e nem integrou os movimentos sociais. Logo, o Voe, como movimento social, resolveu criar uma Parada LGBT construída por LGBTs para os integrantes da LGBTs. A organizadora completa sua fala dizendo acreditar “na importância de ocupar o espaço público, de se reconhecer na pessoa do lado e de conhecer a pessoa ao lado”.

Surgiu então a Parada LGBT Alternativa de Santa Maria, que chegou em 2018 a sua 4ª edição, e é promovida com trabalho e mobilização do Coletivo ao longo do ano todo para que possa ocorrer. Para a realização dessa edição, foi criado um financiamento coletivo online com R$ 1.144 arrecadados, para cobrir com os gastos do evento que não recebe nenhum tipo de apoio por parte da Prefeitura Municipal.

A Parada LGBT ainda contou com a venda de batata frita, hambúrguer, pizza, chope e bebidas em geral nos diversos food trucks que se instalaram ao redor do espaço.

Produzido para as disciplinas de Jornalismo I e Jornalismo Digital I sob a orientação dos professores Sione Gomes e Maurício Dias

 

Bandeira do Orgulho Trans (Foto: divulgação)

A cada 25 horas, um LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,  transexuais e travestis) é assassinado no Brasil. Os dados alarmantes, fazem do país o campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais. O ano de 2016 registrou 343 homicídios contra essa população, que é vítima de LGBTfobia todos os dias. Os dados são do relatório de 2016 do Grupo Gay da Bahia (GGB), a mais antiga associação brasileira de defesa dos direitos LGBT. A pesquisa foi baseada em notícias publicadas na mídia, internet e informações pessoais.

O ano de 2016 foi marcado por várias atrocidades contra os LGBT’s. Em agosto a jovem travesti Brenda, foi espancada e jogada de cima de uma passarela no Pará. Em dezembro, o ambulante Luiz Carlos Ruas, foi assassinado no metrô de São Paulo, quando tentava defender um gay e uma travesti perseguidos por dois lutadores. Também no final do ano, Itaberly Lozano, 17 anos, foi espancado, esfaqueado e carbonizado pela própria mãe.

Essas são algumas das mortes registradas no ano passado. O antropólogo Luis Mott, responsável pelo site “Quem a homofobia matou hoje”, ressalta os números alarmantes, e diz que são apenas a ponta de um iceberg de violência e sangue. “A falta de estatísticas oficiais, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, é prova da incompetência e homofobia governamental”.

O relatório divulgado pelo GGB, mostra que 2016 foi o ano mais violento desde a década de 1970. Além de enforcamento, pauladas, apedrejamento, muitas vítimas foram torturadas e  tiveram seus corpos queimados. São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro são os estados que mais mataram LGBT’s no ano passado.


TRANSFOBIA

Apesar de gays corresponderem a 50% das vítimas, quando se trata de vulnerabilidade, travestis e transexuais são as que mais sofrem violência. O GGB afirma que proporcionalmente, essa parte da população são as mais vitimizadas. O risco de travestis e transexuais serem assassinadas, é 14 vezes maior que um homem gay. Uma pesquisa realizada pela rede europeia Transgender Europe (TGEU), confirma que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Só no ano de 2016, foram 144 travestis e transsexuais mortas no país, segundo a Rede Trans Brasil, que faz um monitoramento do número desses homicídios.
Apenas no intervalo de janeiro a maio de 2017, houve 81 assassinatos de pessoas trans no País. O dado é do monitoramento da Rede Trans Brasil. Em fevereiro desse ano, o caso da travesti Dandara chocou o país. O vídeo que ganhou repercussão nas redes sociais mostra a jovem sendo brutalmente assassinada a chutes e pauladas por um grupo de jovens no Ceará.

A exposição a situações de violência física faz parte do cotidiano dessas pessoas. Vezes agredidas, encontram no sistema de saúde e delegacias mais violência, onde não respeitam suas identidades de gênero. A violência verbal não fica apenas nesse meio, permeando também muitos espaços públicos.

Martha Souza, Doutora em Ciência, militante e pesquisadora nas questões de igualdade de gênero, trabalha há mais de 20 anos com travestis e transexuais, além de produzir artigos que abordam a temática. Ela ressalta a forma como essa população é assassinada cruelmente. “Uma morte de travesti, nunca é um tiro, uma facada, são pedaços arrancados”.  Martha, em seu artigo “Violência e sofrimento social no itinerário de travestis de Santa Maria”, publicado em 2015, fez um estudo com 49 travestis, onde todas relataram ter vivenciado agressões físicas e xingamentos, muitos iniciados no contexto familiar.

As histórias de exclusão social e discriminação são reafirmadas a todo instante pela população trans. Após serem expulsas de casa e sofrerem rejeição familiar, resta as travestis e transexuais a busca por um local onde sejam aceitas. Em Santa Maria, o Alojamento Verônica faz o trabalho de abrigar travestis e transexuais na cidade. “O perfil da maioria das trans que chegam até aqui, são meninas que sofreram justamente a rejeição da família”, conta Verônica Oliveira, administradora do local.
O pensionato que tem 10 anos de existência, já abrigou mais de mil travestis e transexuais, segundo Verônica, que também milita pela causa trans. O pensionato funciona como um hotel, onde dispõe de quartos e área de lazer para quem passa por ali.

A dificuldade para encontrar moradia, acaba tornando os pensionatos destinados a pessoas trans, um local exclusivo. Ali se criam novos laços e novas conjunturas de família. As situações de opressão e discriminação, acabam dando espaço a relações de afeto.

Alojamento Verônica abriga travestis e transexuais em Santa Maria (Foto: Juliana Brittes/ LABFEM).

A população trans vivencia a discriminação desde a descoberta da sexualidade, principalmente quando suas mudanças corporais começam a se tornar mais visíveis. A feminilização ou masculinização de seus corpos, no caso de homens trans, acabam afastando essas pessoas do núcleo familiar. A desestabilização com a família e a opressão da sociedade, acabam levando muitas travestis e transexuais ao suicídio.

O despreparo social acaba por marginalizar travestis e transsexuais, o que resulta também no desemprego de pessoas trans. Verônica, dona do pensionato, ressalta o não reconhecimento da identidade de gênero dessa população. “Algumas meninas trabalham de manicure, cabeleireira… muitas acabam trabalhando na noite”. O preconceito ainda é evidente quando transsexuais tentam se candidatar a uma vaga de emprego. Segundo uma estimativa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 90% da população trans se prostitui no país.

Martha, que também é professora do Centro Universitário Franciscano (Unifra), relata a  necessidade de pautar questões de gênero em todos ambientes. “A gente precisa se perguntar: quem é que incentiva isso? Somos nós, sociedade, no momento em que não discutimos isso numa escola ou faculdade”.
Os insultos instigados por uma sociedade culturalmente machista, acabam respingando no núcleo escolar. Travestis e transexuais, assim com toda a classe LGBT, acabam sofrendo suas primeiras discriminações ainda na infância. A escola, tem como espaço exercitar a cidadania e reconhecer a igualdade, mas não é o que se vê em muitas instituições.

VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL

A maioria das pessoas trans no Brasil ainda vivem à margem da sociedade, sem acesso à educação, saúde e oportunidade de inclusão no mercado de trabalho. As delegacias especializadas de atendimento à mulher não são  preparadas para casos de violência contra travestis e transsexuais.
Após sofrerem agressões físicas e/ou verbais nas ruas, travestis e transexuais, passam por outras experiências de preconceito. As delegacias, locais onde essas pessoas deveriam ser amparadas, acabam por causar mais discriminação, devido ao despreparo dos “profissionais”.

Não bastasse o preconceito nas delegacias, após sofrerem agressão física nas ruas, travestis e transexuais, muitas vezes, precisam procurar um sistema de saúde, onde novamente sofrem discriminação. Pessoas trans acabam virando motivo de “chacota” nos espaços onde deveriam ser bem tratadas. Além disso, o desrespeito a identidade de gênero e ao nome social é recorrente causando constrangimento por quem passa pelos sistemas de saúde.
A acadêmica de Design de Moda, Maria Eva Bevilaqua, que é transexual, relata o caso de uma amiga que sofreu transfobia na Unidade de Pronto Atendimento de Santa Maria (UPA). “O nome social dela não foi respeitado, sendo tratada a todo instante no masculino”. Maria Eva ainda conta que após dizer que o médico seria filmado – devido péssimo atendimento – o profissional ameaçou não atender a paciente.

Uma das maiores lutas do movimento trans, além do tratamento e respeito à sua identidade de gênero, é o nome social. Em 2016, a então presidenta, Dilma Rousseff, assinou o decreto que permite transexuais e travestis a usarem seu nome social em todos os órgãos públicos. A obtenção da carteirinha social, demanda grande trabalho. São precisos laudos de psicólogos para comprovar para o Estado qual é o seu gênero.
A transfobia pode ser entendida como preconceito, discriminação, ou demais violências contra pessoas em função da sua identidade de gênero. No Brasil não há uma lei federal que ampare as agressões sofridas por essa população . O Projeto de Lei nº 122/2006 (PL 122), apresentado em 2006 na Câmara dos Deputados – que criminaliza a LGBTfobia – encontra-se arquivado no Congresso Nacional.
Estados como Paraíba, Piauí, São Paulo e Sergipe que visam à proteção de trans e homossexuais, contam com delegacias especializadas nesses crimes. Em março de 2017, o governo do Ceará autorizou o atendimento de travestis e transexuais nas delegacias das mulheres do estado. No Rio Grande do Sul, não existem delegacias especializadas em crimes de LGBTfobia.

ENTENDA AS DIFERENÇAS:

Transgênero
O termo é  uma criação social para englobar as travestis e transexuais.

Transexual

A identidade de gênero não corresponde ao sexo biológico. Não há relação direta com orientação sexual. O transexual pode ser tanto homossexual,  heterossexual ou bissexual.
Mulher Trans: biologicamente homem, mas se identifica com o gênero feminino;
Homem Trans: biologicamente mulher, mas se identifica com o gênero masculino.

Travesti
Pessoas que não se reconhecem como homens ou como mulheres, mas como integrantes de um terceiro gênero. Vivenciam e preferem ser tratadas em papéis femininos. Também não há relação com a orientação sexual.

 Reportagem produzida para a disciplina de Jornalismo Especializado III, do Curso de Jornalismo da Unifra, durante o primeiro semestre de 2017. Edição: Professora Carla Simone Doyle Torres.