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Drag Queen

Consegui colocar uma bandeira LGBTQIA+ em um lugar de destaque

Jovem do olhar sensível para fazer leituras do cotidiano e dos sujeitos, co-criador do Maria Cult e repórter do Gay Blog Brasil, este é Deivid Pazatto. Santa-mariense de nascença, jornalista de formação e ativista LGBTQIA+ na

O efeito RuPaul’s Drag Race e a ascensão das Drag Queens

RuPaul’s Drag Race é um reality show estadunidense apresentado pela drag queen RuPaul. Desde 2009 na televisão, a cada edição um grupo de drag queens dos Estados Unidos é selecionado para a disputa. Na competição elas

Jovem do olhar sensível para fazer leituras do cotidiano e dos sujeitos, co-criador do Maria Cult e repórter do Gay Blog Brasil, este é Deivid Pazatto. Santa-mariense de nascença, jornalista de formação e ativista LGBTQIA+ na vida profissional e pessoal, está sempre se reinventando em sua trajetória. 

Gravação do programa Janela Audiovisual. Foto: Arquivo pessoal

Deivid foi bolsista pelo Programa Universidade para Todos (ProUni) na Universidade Franciscana (UFN), o jornalista relembra o início de sua trajetória como acadêmico em 2015 com muito entusiasmo: “Eu lembro que a gente tinha aulas, com cerca de 42 alunos, então era muita gente, fazíamos um auê aqui dentro do curso, os estúdios lotavam”. Ele ingressou na graduação focado em trabalhar com televisão, pois: “quando era criança sempre ficava na frente da TV e pensava que eu podia fazer aquilo da minha vida depois que eu saísse do ensino médio. Como poderia trabalhar na televisão? Foi aí que surgiu o jornalismo”.  

No começo da Universidade decidiu que queria se encontrar, por isso optou por fazer parte do Laboratório de Produção Audiovisual (LaProa), atual Laboratório de Produção Audiovisual dos Cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda (LabSeis), onde começou a desenvolver alguns projetos na televisão. Entre estas atividades está o Toca da Raposa, programa sobre variedades desenvolvido pelos acadêmicos. Participou ainda do programa ‘Janela Audiovisual’, ao lado de Paola Saldanha, onde os estudantes apresentavam alguns filmes produzidos na disciplina de Cinema. Também atuou como repórter da Agência CentralSul, onde era colunista e teve a oportunidade de produzir sua primeira reportagem com uma personalidade conhecida no país inteiro, o cantor de queernejo, gênero musical emergente no Brasil que traz o sertanejo na perspectiva do público LGBTQIA+; Gabeu, artista indicado ao Grammy Latino com o álbum ‘Agropoc’ (2021) na categoria ‘Melhor álbum de música sertaneja’. Ele também relembra sua participação no Jornal ABRA: “Eu lembro que fiz uma pauta sobre a parada LGBTQIA+ da cidade, que acabou sendo capa do ABRA. Então eu fiquei muito feliz porque eu consegui colocar uma bandeira LGBTQIA+ em um lugar de destaque”.

Um episódio que o marcou durante a graduação foi: “Em um dos últimos vestibulares que participei da cobertura, estava cobrindo pela rádio. Sempre é realizado algumas perguntas para a Reitora Iraní Rupolo. O professor Gilson, que era quem coordenava as atividades da rádio, me deu uma dica sobre qual assunto abordar. Eu formulei então o questionamento e quando o realizei percebi que todos os repórteres ficaram me olhando”. Ele comenta que na hora não entendeu, mas depois percebeu que foi uma pergunta chave que todos queriam fazer naquele momento.

Gravação de matéria para o telejornal Luneta. Foto: Arquivo pessoal

Teve também experiências como estagiário enquanto ainda estava cursando a graduação, entre elas estão seu estágio Agência Guepardo, que ficava localizada na Incubadora da UFN, onde teve a oportunidade de desenvolver um pouco mais de suas habilidades no Photoshop. Da mesma forma integrou a equipe do Diário de Santa Maria, onde atuou como repórter da editoria de política. “Esse tema é algo que eu sempre gostei desde pequeno. Pude vivenciar três meses nesta editoria onde trabalhavam, eu e a Jaqueline Silveira, que era editora na época, auxiliava ela em muitas atividades. Desde notas, sondagem, entrevistas com os candidatos, pois era na época de eleição. Eram mais de cinquenta políticos, entre deputados estaduais e federais da região central. Fui atrás do contato de todas as pessoas e fiz uma listagem para conseguirmos conversar com eles”, relata o jornalista.

Deivid trabalhou em seu Trabalho Final de Graduação (TFG) com a temática ‘Pabllo Vittar: a mídia hegemônica na construção do corpo Queer’, onde ele explicou mais a fundo sobre como compreender a construção do corpo queer e da cultura drag queen bem como as relações de poder que se estabelecem em produtos audiovisuais da mídia hegemônica. Pabllo Vittar surge como objeto de análise, por compreendermos a artista como um corpo queer, devido a sua arte drag queen e a performatividade de gênero, entre outros elementos que perpassam seu corpo. “Eu via que havia abordagens muito erradas de como ela era tratada pela imprensa. Em diversos meios de comunicação era colocada em situações desconfortáveis. Claro que algumas drags têm os seus pronomes já estipulados para serem usados. Mas quando a gente imagina uma está personificada no feminino e então se espera que alguns pronomes sejam usados”, relata o jornalista. 

Após formado em 2018,  ingressou no curso de Especialização de Estudo de Gênero na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) teve um tema similar ao de seu TFG, porém sendo desta vez voltado para o Município. ‘As referências culturais e estéticas na cena drag queen de Santa Maria (RS): Uma análise em um contexto de transição geracional’,  foi direcionado para a cidade no intuito de mostrar a cena Drag que teve uma época nas palavras de Deivid efervescente, onde: “Tinha alguns bares no Bairro Rosário que realizavam festas das drag queens, muito pelo fato de estar bombando aqui no Brasil. Então quis dar esse segmento para explorar um pouco mais o que era esta cultura no Município, por isso abordei estas as referências estéticas e culturais”. 

 Deivid Pazatto e Paola Saldanha na 1ª edição do Prêmio Maria Cult. Foto: Renan Mattos

Ele que a partir da cadeira de jornalismo cultural sentiu interesse sobre esta área do jornalismo, após formado idealizou, juntamente com a também egressa Paola Saldanha, um projeto voltado para o tema, porém com o foco local e independente, sendo este a Maria Cult. “A Maria nasceu para dar voz aos artistas independentes que estavam começando. Seja música, artes visuais, artes cênicas, entre outras áreas. Em janeiro de 2020 comecei a pensar em desenvolver alguma atividade jornalística, pois, já estava a praticamente um ano sem fazer nada. Construí um esboço e lancei a ideia para a Paola. Lembro que durante a faculdade a gente conversava sobre fazer alguma coisa juntos. Então realizamos algumas reuniões e fomos construindo o projeto”, explica Deivid. No dia 20 de janeiro realizamos o lançamento do Maria Cult no Instagram e Facebook, inicialmente era apenas uma agenda cultural, porém agora é um produto de jornalismo independente de Santa Maria. 

Durante sua trajetória também surgiu a oportunidade de trabalhar para o Gay Blog Brasil, maior portal de notícias LGBTQIA+ do país. “Eu lembro que estava mexendo no Linkedin, dia 20 de setembro, dia do gaúcho. Onde então vi uma vaga para esse trabalho remoto, na hora eu enviei meu currículo. No mesmo dia já realizei uma entrevista e no outro já estava trabalhando. Desde 2021 estou trabalhando no Gay Blog BR, por mais que seja um trabalho remoto, já tive a oportunidade de entrevistar muitas personalidades”, comenta ele. Suas matérias também tomaram proporções nacionais chegando até a serem replicadas em sites como UOL e Estadão. O namorado de Deivid, Lucas Yuri, relata que a trajetória dele até aqui é de alguém que: “Sabe onde quer chegar e os espaços que quer ocupar, levando sempre voz, visibilidade e oportunidades para todos os públicos”. 

Perfil produzido no 1º semestre de 2023, na disciplina de Narrativa Jornalística, sob orientação da professora Sione Gomes.

RuPaul’s Drag Race é um reality show estadunidense apresentado pela drag queen RuPaul. Desde 2009 na televisão, a cada edição um grupo de drag queens dos Estados Unidos é selecionado para a disputa. Na competição elas são submetidas a provas que testam desde suas habilidades com maquiagem e figurino, até o talento com a dança, atuação e canto. A vencedora recebe um prêmio em dinheiro e o título de “America’s Next Drag Superstar”. Desde a sua estreia, há 10 anos, RuPaul já elegeu 16 artistas que receberam a tão sonhada coroa do universo drag.

O programa já exibiu 11 temporadas regulares, além do RuPaul’s Drag Race All Stars, spin-off que dá uma segunda chance as ex-competidoras e teve a sua 5ª temporada gravada recentemente. A proposta de Drag Race se tornou um sucesso nos EUA e fora dele. Efeito disso é a ascensão da cultura drag, chegando em lugares nunca antes ocupados. Historicamente marginalizadas, hoje as drag queens conquistam cada vez mais espaço na mídia e versões do reality show despontam em outros países.

A responsável pelo programa, RuPaul, além de apresentadora, é modelo, cantora, compositora, atriz e escritora. A drag queen pode ser considerada umas das grandes responsáveis em popularizar a arte do tranformismo no mundo contemporâneo. Desde sua primeira aparição como modelo, ela já protagonizou grandes campanhas publicitárias, lançou livros, linhas de maquiagem, perfumes e até barra chocolate. Também foi a primeira drag a ter um programa na televisão, o The RuPaul Show, transmitido pela VH1 entre 1996 e 1998.

Em 2009, depois de uma pausa de mais de 10 anos como apresentadora, RuPaul volta a televisão. Com o reality show RuPaul’s Drag Race, ela leva aos telespectadores a arte drag, proporcionando um novo olhar para a cultura pop LGBTQ+. O programa também promoveu debates sobre questões de gênero, política, família e outros aspectos que perpassam a comunidade queer.

O sucesso do reality foi imediato nos Estados Unidos, alcançando altos índices de audiência. Nos últimos anos o programa ganhou algumas versões fora do país. A primeira foi em 2015, o The Swicht Drag Race, no Chile, que já contabiliza com duas edições. Em 2018 foi a vez da Tailândia com o Drag Race Thailand, que finalizou a segunda temporada esse ano. Em outubro, estreia a primeira temporada do Reino Unido, o RuPaul’s Drag Race UK, que será apresentado por RuPaul. Além desses países, o Canadá e a Austrália já confirmaram as suas versões, sem datas de estreias definidas..

Esses números retratam o quanto RuPaul expandiu a cultura drag queen nos últimos anos. Nas redes sociais, grandes fanbases são formadas. As drag queens, campeãs ou não de suas edições, são tratadas como verdadeiras celebridades. No Instagram, por exemplo, cerca de 25 ex-competidoras já ultrapassaram o número de 1 milhão de seguidores. Em 2018, o programa ganhou o Emmy de melhor programa de reality, uma das maiores premiações da televisão mundial.

No Brasil, a difusão de Drag Race pela internet, provocou um novo olhar para essa arte. Efeito disso são as inúmeras drag queens que despontaram na internet, televisão e na música após o sucesso do programa no país. Pabllo Vittar é um exemplo desse fenômeno. A drag contou em entrevista que se montou pela primeira vez após assistir o reality. O sucesso de Pabllo no país, desencadeou um novo nicho musical, o Drag Music. Gloria Groove, Aretuza Lovi e Lia Clark também são algumas drag queens cantoras que surgiram a partir desse efeito.

RuPaul’s Drag Race impactou e modificou a forma de enxergar essas artistas. Se hoje o Brasil é um dos maiores consumidores da arte drag, RuPaul é uma das grandes responsáveis por esse feito. O sucesso de Pabllo e de outras drag queens na música, por exemplo, é um reflexo da ascensão da cultura drag. A influência do reality pode até ser vista como um processo de globalização nesse meio. A partir do programa, a arte foi ressignificada, servindo como uma referência para a expressão de habilidades e comportamento. Drag queens “nascem” a partir de RuPaul’s Drag Race.

Esse efeito da ascensão drag no Brasil, pode ser visto em Santa Maria também. Ao fazer uma busca nas redes sociais, encontrei cerca de 50 perfis de drag queens que atuam por aqui. Comparado às grandes cidades e levando em conta o contexto de um município interiorano, Santa Maria pode ser considerada um reduto drag. Há alguns anos atrás, esse número era bem reduzido.

A celebração da arte drag queen no mundo, está apenas começando, na medida em que a cada dia o reality ganha novos fãs. RuPaul’s Drag Race já está há 10 anos nos Estados Unidos, e só agora ganhou versões em outros países. O programa serviu como um espaço para consolidar a arte drag por lá, expandindo para outros lugares aos poucos. Hoje a cultura drag alcançou prestígio inimaginável há algum tempo, para um comunidade que sempre foi marginalizada.

RuPaul’s Drag Race, assim como Pabllo Vittar aqui no Brasil, são símbolos da conquista e da visibilidade da cultura LGBTQ+ na mídia. Esse processo de consolidação da arte drag ainda é recente, mas desponta como a legitimação de um movimento. Ser drag queen está além da maquiagem e das roupas, mas é um ato político e de resistência frente a uma sociedade conservadora e heteronormativa.

Deivid Pazatto é jornalista egresso da UFN, pós-graduando em Estudos de Gênero na UFSM e militante do movimento LGBTQ+. Foi repórter da Agência Central Sul e monitor do Laboratório de Produção Audiovisual (Laproa) durante a graduação.