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Gabeu

Consegui colocar uma bandeira LGBTQIA+ em um lugar de destaque

Jovem do olhar sensível para fazer leituras do cotidiano e dos sujeitos, co-criador do Maria Cult e repórter do Gay Blog Brasil, este é Deivid Pazatto. Santa-mariense de nascença, jornalista de formação e ativista LGBTQIA+ na

O sertanejo também é poc

Se você não é um fã de sertanejo, certamente já deve ter ouvido ou conhece algum clássico desse estilo musical. Com o crescimento desse mercado nos últimos anos, surgiram diversas vertentes nesse meio. Do sertanejo universitário

Jovem do olhar sensível para fazer leituras do cotidiano e dos sujeitos, co-criador do Maria Cult e repórter do Gay Blog Brasil, este é Deivid Pazatto. Santa-mariense de nascença, jornalista de formação e ativista LGBTQIA+ na vida profissional e pessoal, está sempre se reinventando em sua trajetória. 

Gravação do programa Janela Audiovisual. Foto: Arquivo pessoal

Deivid foi bolsista pelo Programa Universidade para Todos (ProUni) na Universidade Franciscana (UFN), o jornalista relembra o início de sua trajetória como acadêmico em 2015 com muito entusiasmo: “Eu lembro que a gente tinha aulas, com cerca de 42 alunos, então era muita gente, fazíamos um auê aqui dentro do curso, os estúdios lotavam”. Ele ingressou na graduação focado em trabalhar com televisão, pois: “quando era criança sempre ficava na frente da TV e pensava que eu podia fazer aquilo da minha vida depois que eu saísse do ensino médio. Como poderia trabalhar na televisão? Foi aí que surgiu o jornalismo”.  

No começo da Universidade decidiu que queria se encontrar, por isso optou por fazer parte do Laboratório de Produção Audiovisual (LaProa), atual Laboratório de Produção Audiovisual dos Cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda (LabSeis), onde começou a desenvolver alguns projetos na televisão. Entre estas atividades está o Toca da Raposa, programa sobre variedades desenvolvido pelos acadêmicos. Participou ainda do programa ‘Janela Audiovisual’, ao lado de Paola Saldanha, onde os estudantes apresentavam alguns filmes produzidos na disciplina de Cinema. Também atuou como repórter da Agência CentralSul, onde era colunista e teve a oportunidade de produzir sua primeira reportagem com uma personalidade conhecida no país inteiro, o cantor de queernejo, gênero musical emergente no Brasil que traz o sertanejo na perspectiva do público LGBTQIA+; Gabeu, artista indicado ao Grammy Latino com o álbum ‘Agropoc’ (2021) na categoria ‘Melhor álbum de música sertaneja’. Ele também relembra sua participação no Jornal ABRA: “Eu lembro que fiz uma pauta sobre a parada LGBTQIA+ da cidade, que acabou sendo capa do ABRA. Então eu fiquei muito feliz porque eu consegui colocar uma bandeira LGBTQIA+ em um lugar de destaque”.

Um episódio que o marcou durante a graduação foi: “Em um dos últimos vestibulares que participei da cobertura, estava cobrindo pela rádio. Sempre é realizado algumas perguntas para a Reitora Iraní Rupolo. O professor Gilson, que era quem coordenava as atividades da rádio, me deu uma dica sobre qual assunto abordar. Eu formulei então o questionamento e quando o realizei percebi que todos os repórteres ficaram me olhando”. Ele comenta que na hora não entendeu, mas depois percebeu que foi uma pergunta chave que todos queriam fazer naquele momento.

Gravação de matéria para o telejornal Luneta. Foto: Arquivo pessoal

Teve também experiências como estagiário enquanto ainda estava cursando a graduação, entre elas estão seu estágio Agência Guepardo, que ficava localizada na Incubadora da UFN, onde teve a oportunidade de desenvolver um pouco mais de suas habilidades no Photoshop. Da mesma forma integrou a equipe do Diário de Santa Maria, onde atuou como repórter da editoria de política. “Esse tema é algo que eu sempre gostei desde pequeno. Pude vivenciar três meses nesta editoria onde trabalhavam, eu e a Jaqueline Silveira, que era editora na época, auxiliava ela em muitas atividades. Desde notas, sondagem, entrevistas com os candidatos, pois era na época de eleição. Eram mais de cinquenta políticos, entre deputados estaduais e federais da região central. Fui atrás do contato de todas as pessoas e fiz uma listagem para conseguirmos conversar com eles”, relata o jornalista.

Deivid trabalhou em seu Trabalho Final de Graduação (TFG) com a temática ‘Pabllo Vittar: a mídia hegemônica na construção do corpo Queer’, onde ele explicou mais a fundo sobre como compreender a construção do corpo queer e da cultura drag queen bem como as relações de poder que se estabelecem em produtos audiovisuais da mídia hegemônica. Pabllo Vittar surge como objeto de análise, por compreendermos a artista como um corpo queer, devido a sua arte drag queen e a performatividade de gênero, entre outros elementos que perpassam seu corpo. “Eu via que havia abordagens muito erradas de como ela era tratada pela imprensa. Em diversos meios de comunicação era colocada em situações desconfortáveis. Claro que algumas drags têm os seus pronomes já estipulados para serem usados. Mas quando a gente imagina uma está personificada no feminino e então se espera que alguns pronomes sejam usados”, relata o jornalista. 

Após formado em 2018,  ingressou no curso de Especialização de Estudo de Gênero na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) teve um tema similar ao de seu TFG, porém sendo desta vez voltado para o Município. ‘As referências culturais e estéticas na cena drag queen de Santa Maria (RS): Uma análise em um contexto de transição geracional’,  foi direcionado para a cidade no intuito de mostrar a cena Drag que teve uma época nas palavras de Deivid efervescente, onde: “Tinha alguns bares no Bairro Rosário que realizavam festas das drag queens, muito pelo fato de estar bombando aqui no Brasil. Então quis dar esse segmento para explorar um pouco mais o que era esta cultura no Município, por isso abordei estas as referências estéticas e culturais”. 

 Deivid Pazatto e Paola Saldanha na 1ª edição do Prêmio Maria Cult. Foto: Renan Mattos

Ele que a partir da cadeira de jornalismo cultural sentiu interesse sobre esta área do jornalismo, após formado idealizou, juntamente com a também egressa Paola Saldanha, um projeto voltado para o tema, porém com o foco local e independente, sendo este a Maria Cult. “A Maria nasceu para dar voz aos artistas independentes que estavam começando. Seja música, artes visuais, artes cênicas, entre outras áreas. Em janeiro de 2020 comecei a pensar em desenvolver alguma atividade jornalística, pois, já estava a praticamente um ano sem fazer nada. Construí um esboço e lancei a ideia para a Paola. Lembro que durante a faculdade a gente conversava sobre fazer alguma coisa juntos. Então realizamos algumas reuniões e fomos construindo o projeto”, explica Deivid. No dia 20 de janeiro realizamos o lançamento do Maria Cult no Instagram e Facebook, inicialmente era apenas uma agenda cultural, porém agora é um produto de jornalismo independente de Santa Maria. 

Durante sua trajetória também surgiu a oportunidade de trabalhar para o Gay Blog Brasil, maior portal de notícias LGBTQIA+ do país. “Eu lembro que estava mexendo no Linkedin, dia 20 de setembro, dia do gaúcho. Onde então vi uma vaga para esse trabalho remoto, na hora eu enviei meu currículo. No mesmo dia já realizei uma entrevista e no outro já estava trabalhando. Desde 2021 estou trabalhando no Gay Blog BR, por mais que seja um trabalho remoto, já tive a oportunidade de entrevistar muitas personalidades”, comenta ele. Suas matérias também tomaram proporções nacionais chegando até a serem replicadas em sites como UOL e Estadão. O namorado de Deivid, Lucas Yuri, relata que a trajetória dele até aqui é de alguém que: “Sabe onde quer chegar e os espaços que quer ocupar, levando sempre voz, visibilidade e oportunidades para todos os públicos”. 

Perfil produzido no 1º semestre de 2023, na disciplina de Narrativa Jornalística, sob orientação da professora Sione Gomes.

“‘Vamô assumir o nosso amor rural, sai desse armário e vem pro meu curral” .(Foto: Divulgação/Instagram).

Se você não é um fã de sertanejo, certamente já deve ter ouvido ou conhece algum clássico desse estilo musical. Com o crescimento desse mercado nos últimos anos, surgiram diversas vertentes nesse meio. Do sertanejo universitário ao feminejo, os cantores e cantoras desse estilo dominam as paradas musicais do país. Mas você já ouviu falar do Pocnejo? A expressão desse novo estilo foi lançada pelo cantor Gabeu, há pouco mais de um mês, com a música “Amor rural”, escrita por ele e seu namorado, Well Bruno. Fugindo dos padrões heteronormativos do sertanejo, o artista de 21 anos canta sobre o amor não assumido entre dois homens.

Mas o que é o Pocnejo? A referência vem do termo “poc”, usado na comunidade LGBTQ+ para denominar gays. Muito mais que isso, o pocnejo lançado por Gabriel Felizardo, nome de batismo do cantor, surge para romper com o machismo na cultura da música sertaneja. O cantor lança uma nova perspectiva sobre abordagem dos relacionamentos nas canções desse estilo que é composto, em grande parte, por homens heterossexuais. Afinal, LGBTQ+ também sofrem por amor!

 A  música de Gabeu se assemelha muito ao sertanejo raiz cantado pelo seu pai, o Solimões, da dupla Rio Negro & Solimões. Com mais de 750 mil visualizações, o videoclipe de “Amor Rural”  foi lançado há dois meses no YouTube. Com direito a brincos e unhas pintadas, Gabeu rompe com a estética masculina, quebrando padrões heteronormativos da música sertaneja. Além disso, o cantor proporciona um novo olhar sobre o amores homoafetivos: a dificuldades de dois homens viverem um amor no campo. Confere aí!

[youtube_sc url=”https://youtu.be/0U-CxqgzCPU”]

A música sertaneja teve início na década de 1910 e trazia em suas letras a vida difícil no campo. Conhecida como música caipira, esse sertanejo raiz que explorava o cotidiano difícil de quem morava no interior, passou por diversas transições, mas sem nunca perder a sua essência. De lá pra cá, já tivemos o sertanejo romântico, com a influência do country; o sertanejo universitário, com elemento mais pop’s; e o feminejo, com a grande e forte presença das mulheres nesse estilo.

Com o passar do tempo, o sertanejo renovou a sua linguagem, mas ainda assim carrega em suas letras frases machista e homofóbicas. O pocnejo surge como uma possibilidade de expandir a discussão sobre as problemáticas que permeiam o sertanejo e, para além disso, discutir temas da comunidade LGBTQ+ e as dificuldades de quem vive no interior.

Gabeu e o pai Solimões. (Foto: Instagram)

Acompanho o trabalho do Gabeu há algum tempo nas redes sociais, antes mesmo de “Amor Rural”. Por e-mail, ele me respondeu algumas perguntas:

Deivid: O sertanejo também é um espaço para as poc?

Gabeu: O sertanejo é um meio predominantemente hétero e masculino, e isso faz com que a gente não gere uma identificação com as figuras do sertanejo e com as narrativas apresentadas, sabe? Só agora que estamos vendo mulheres com uma força bem grande no dentro desse meio. Existe também uma ideia de que o homem deve ser bruto, rústico e sistemático que não dialoga com a vivência de pessoas LGBTQ+. Mas eu acredito que apresentando outros tipos de narrativas, outras histórias dentro da música sertaneja, ela possa sim ser um espaço para nós pocs.

D: Como você percebe a recepção do pocnejo? O mercado do sertanejo está aberto a essa nova proposta, já que esse é um meio heteronormativo?

G: Então, eu mesmo nunca esperei que o mercado sertanejo fosse se abrir para essa proposta, e não aconteceu de fato. Tudo bem que esse ainda é o meu primeiro trabalho, primeira música, vamos ver como as coisas se desenrolam ao longo da minha carreira. Mas eu também não tenho essa pretensão de adentrar esse mercado, a minha proposta é justamente dialogar com um público que não se enxerga no sertanejo tradicional, não acho que o meu público seja o mesmo, por exemplo, do meu pai. Acho que o negócio é fazer sertanejo fora do meio sertanejo, pra conseguir atingir outras pessoas.

D: Qual a sua visão em relação a músicas sertanejas (antigas e atuais) que trazem em suas letras temáticas machistas e homofóbicas?

 G: Eu acho que existem tantas possibilidades pra um compositor, tantos caminhos a percorrer na criação de uma música, que eu realmente não vejo o porquê de se usar o preconceito pra isso, ainda mais hoje que existe a informação sabe? Antigamente não existia todas essas discussões a respeito de sexualidade e gênero, mas hoje elas estão aí, por isso eu acho muito mais grave uma música ser preconceituosa hoje do que há 50 anos atrás.

D: A falta de cantores e cantoras assumidamente LGBTQ+ no sertanejo é um fator para o distanciamento entre a comunidade LGBTQ+ e o estilo musical? Por quê?

 G: Com certeza, como eu disse anteriormente, nós LGBTQ+ não nos enxergamos nas figuras do sertanejo, nos grandes nomes de duplas (que eu adoro inclusive), não gera identificação. Pensando nisso eu comecei a me questionar se a comunidade não gosta de sertanejo simplesmente porque não gosta mesmo, por causa do ritmo, dos timbres, ou se o buraco era mais em baixo, e é. Essa ausência de cantores e cantoras assumidos, que falam sobre sexualidade e gênero dentro do sertanejo faz com que muitos de nós pensemos coisas do tipo “não é pra mim“, “sertanejo é coisa de hétero“, “gay não ouve sertanejo”, entre outros. Eu percebo que com esse boom das mulheres no sertanejo o público LGBTQ+ cresceu, porque é comum também que a gente se identifique mais com essas mulheres que passam uma imagem de mulher forte e independente.

D: Com um trecho da sua música, lhe pergunto: por quanto tempo mais vamos amar no escuro?

 G: Eu queria dizer que por pouco tempo, mas nós temos muitos passos para dar ainda, muitas coisas pra conquistar, tanto no âmbito pessoal quanto no político. No pessoal porque cada um tem as suas questões internas, cada um tem uma família diferente, vive em um contexto diferente e almeja coisas diferentes. No político, porque eu acredito que não só no sertanejo, não só na música, não só nas artes, nós precisamos de representatividade LGBTQ+ em todos os lugares, inclusive dentro da política, pra que nós tenhamos pessoas que realmente entendam todas as nossas questões e pra que precisemos cada vez menos amar no escuro.

Antes mesmo de Gabeu, em fevereiro deste ano, a drag queen Reddy Allor lançou música “Tira o Olho”. Com uma proposta que se assemelha ao sertanejo universitário, a artista denominou o som como dragnejo. Assim como Gabeu, Reddy abre espaço para a comunidade LGBTQ+ no meio sertanejo. Esse sertanejo queer surge com a extrema necessidade de, mais uma vez, rompermos com as dicotomias de gênero e explorarmos os diferentes campos das artes.

Seja o pocnejo ou o dragnejo, o importante é ocuparmos esses espaços. A cultura LGBTQ+ está muito atrelada ao pop e as grandes divas e, por diversas vezes, esquecemos que existem LGBTQ+ em outros lugares e vivendo diferentes realidades. Precisamos apoiar essas novas vozes e através delas resistirmos. Os heterossexuais também precisam ouvir sobre amores LGBTQ+. Vamos cantar o nosso amor rural, urbano ou em qualquer lugar.

 

 

Deivid Pazatto é jornalista egresso da UFN. Foi repórter da Agência Central Sul e monitor do Laboratório de Produção Audiovisual (Laproa) durante a graduação. É militante do movimento LGBTQ+, aborda questões pertinentes sobre essa temática em seus textos.