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Quando quatro poderes colidem

Norberto Bobbio, historiador e filósofo italiano ligado aos pensamentos jurídico e político, escreveu em um de seus livros, A Era dos Direitos, que a transição do século XX para o XXI marcava a era do Poder

Tamareiras políticas

Existe uma máxima popular que diz: “Quem planta tâmaras, não colhe tâmaras.” Isto porque, antigamente, as tamareiras levavam de 80 a 100 anos para produzir os primeiros frutos. Atualmente, com as altas tecnologias de produção, este

Que país é este?

“Nas favelas, no Senado. Sujeira pra todo lado. Ninguém respeita a constituição. Mas todos acreditam no futuro da nação”. Os versos compostos por Renato Russo em 1987 continuam atuais quase 30 anos depois. Neste ano, em

Observatório da mídia CS-02Norberto Bobbio, historiador e filósofo italiano ligado aos pensamentos jurídico e político, escreveu em um de seus livros, A Era dos Direitos, que a transição do século XX para o XXI marcava a era do Poder Judiciário. O século XX fora o período do Poder Executivo, da crença nos grandes líderes em meio às guerras e à instauração de novos regimes; anteriormente, o XIX, em meio ao florescimento do pensamento liberal, havia sido a era do Poder Legislativo, da representatividade.

O caminho repleto de percalços da história do Brasil registra pelo menos um golpe político correspondente a cada era de esplendor dos três poderes, coincidência ou não. Cada qual com as suas devidas desculpas e subterfúgios, mas todos eles de caráter conservador. Há ainda outro detalhe curioso: o termo “Quarto Poder” foi cunhado no século XIX, na Inglaterra. Em paralelo a todas estas transformações da Idade Contemporânea, a Mídia sempre esteve lá, desempenhando algum tipo de papel. Talvez nunca como protagonista, mas saindo sempre fortalecida com o passar de cada período histórico, mantendo a sua regularidade de ganho de influência através dos séculos. Falar do cenário político no Brasil a partir da Era Vargas é ter de obrigatoriamente dedicar um capítulo especial à imprensa.

“Há décadas em que nada acontece e há semanas em que décadas acontecem”. A frase em questão, atribuída ao líder revolucionário bolchevique Vladimir Lenin, caberia bem como uma frase de efeito sobre 2016, ano que foi marcado por uma sucessão de importantes acontecimentos no cenário político nacional como há muito não se via. A abertura do processo de impeachment contra Dilma Rousseff no fim de 2015 fora uma prévia do que estava por vir: a agitação que havia mobilizado as ruas nos três anos anteriores finalmente chegava aos três poderes, atingindo principalmente o Legislativo e o Executivo.

É provável que o momento político que mais permeie o imaginário do povo brasileiro seja o da votação do processo de impeachment na Câmara dos Deputados. O show de horrores transmitido ao vivo em tevê aberta causou constrangimento até mesmo ao senso comum e àqueles favoráveis ao afastamento de Dilma. A maioria das manifestações dos deputados naquela sessão do dia 17 de abril foi inominável. Dedicatórias, motivações de cunho pessoal, argumentos absolutamente incompatíveis com a acusação que constava na peça processual. Na Esplanada, um muro dividia manifestantes a favor e contra o impeachment tal qual torcidas organizadas – e, sejamos honestos, o grau de paixão e de polarização política no Brasil pelo menos desde as eleições de 2014 vem superando o que acontece no futebol. Mas não se deu aí o encontro mais interessante dos quatro poderes.

Em março, um mês antes da tragicômica votação na Câmara, a mídia se via diante de duas cenas envolvendo os mesmos protagonistas: Lula e Sergio Moro. A primeira delas, a condução coercitiva do ex-presidente para prestar depoimento à força-tarefa da Operação Lava-Jato, acabou se tornando um espetáculo sem necessidade, tendo sido vazado de alguma forma para a imprensa antes de acontecer. O acontecimento causou um imenso furor, mas nada comparado com o que viria a seguir: poucos dias depois, Moro divulgaria para a imprensa áudios de conversas por telefone grampeadas envolvendo Lula, Dilma e o PT. Em ambos os episódios, mas principalmente neste, Sergio Moro foi alvo de duras críticas de juristas e advogados, já que havia derrubado o sigilo sem que houvesse prova coletada nos áudios. Segundo a lei, esse material deveria ter sido destruído. Quanto mais porque ali havia assuntos de foro íntimo.

Horas antes do vazamento dos áudios, Dilma havia anunciado Lula como o novo ministro da Casa Civil, numa estratégia de proteção à figura do ex-presidente após o episódio da condução coercitiva, já que isso garantiria a ele o foro privilegiado. Naquele momento não se sabia, mas a combinação destes dois acontecimentos do dia levaria a uma mistura explosiva, de efeito imediato e irreversível. Como interlocutoras e diretamente interessadas, a Globo e a filial Globo News trabalharam o tema à exaustão. Esta última foi incansável no período da tarde. Em Brasília, centenas protestavam na Esplanada, manifestação que, transmitida, seria rapidamente reproduzida em todo o Brasil. A um mês da votação na Câmara, o impeachment parecia ganhar uma batalha decisiva.

Dez dias após assumir interinamente, Michel Temer viu o seu recém-nomeado ministro do Planejamento cair na escuta telefônica. E dessa vez, ao contrário do que acontecera dois meses antes, o conteúdo dos áudios revelava uma bomba: Romero Jucá, em conversa com Sérgio Machado, argumentava que era preciso “estancar a sangria” que as investigações da Operação Lava-Jato estavam provocando, e que em breve chegariam à alta cúpula do PMDB. Estava escancarado o caráter golpista por trás do impeachment. Mais cedo e mais grave do que todos esperavam.

O complô manchava um processo já frágil em si mesmo, considerando que a própria peça utilizada para a abertura do pedido de impeachment vinha sendo alvo de críticas de muitos juristas e advogados por não haver nela material suficiente que sustentasse a teoria de crime de responsabilidade por parte da presidente. E jazia ali, naquele momento, uma prova irrefutável de um plano para derrubá-la, envolvendo uma das figuras mais próximas do presidente interino, parte diretamente interessada. Evidentemente o episódio não foi abafado. Mas a falta de uma elucidação maior sobre o caso e sobre o que estava em jogo por parte da mídia nos relembrou que a indignação, como qualquer outra coisa, pode ser seletiva. Como se portará a grande mídia diante de um escândalo que, dessa vez, envolve diretamente o nome do presidente da república?

matheus oliveiraMatheus Oliveira

Texto redigido para a disciplina de Legislação e Ética em Jornalismo

Observatório da mídia CS-02Existe uma máxima popular que diz: “Quem planta tâmaras, não colhe tâmaras.” Isto porque, antigamente, as tamareiras levavam de 80 a 100 anos para produzir os primeiros frutos. Atualmente, com as altas tecnologias de produção, este tempo foi reduzido, mas, mesmo assim, o ditado é sábio.

Rezam as tradições orais que, certa vez, um senhor de idade avançada plantava tâmaras quando um jovem o abordou perguntando: “Mas por que o senhor perde tempo plantando o que não vai colher?” O idoso virou a cabeça e calmamente respondeu: “Se todos pensassem como você, ninguém colheria tâmaras”.

Provavelmente muitas tâmaras já foram colhidas desde que essa história foi contada pela primeira vez. Entretanto, ela me parece muito atual.

Nos últimos dias, algumas árvores foram substituídas em solo brasileiro. Uma delas, a de maior envergadura, foi condenada como improdutiva, justamente por aqueles que de sua sombra e frutos muito se beneficiaram. Ironicamente, a maioria destes arbustos que levaram aquela árvore à condenação, conserva, em sua raiz, um passado de erva-daninha. O argumento dos arbustos enraizados era “dar lugar para outras árvores promissoras de suculentos frutos”.

A tentativa de enxerto, como forma de florescer frondosas árvores, ocorreu pela terceira vez em solo brasileiro. É como dizem: “quem deste fruto prova jamais quer deixar de provar”. E ainda existem aqueles que acreditam ser esta a melhor forma de cultivo! Mas, de que adianta desejar a poda de grandes árvores se nós ainda nem plantamos as nossas sementes?

Continuamos caindo no erro de depositarmos nossas grandes sacas de esperança no jardim do vizinho, com a ilusão de que o dele será mais verde que o nosso.

É necessário lembrar que, se hoje eu posso comer tâmaras maduras, foi porque alguém as plantou em algum tempo em minha leiva de grama. Não esperemos o enraizamento daqueles que jamais farão sombra em nossas cabeças. Nossa terra adorada é fértil. Entretanto, precisa ser valorizada com adubo próprio. Afinal, o que estamos plantando para a colheita de nossas futuras gerações?

lucas

Lucas Amorim, 25 anos. É estudante de jornalismo. Eclético musical. Apaixonado por rádio. Eternamente agradecido pela vida. Reza para que jamais lhe falte a saúde, a família, os amigos e seus animais. Encantado pelo estudo da espiritualidade. Não consegue definir-se mais que isso. Em resumo: pensa muito, escreve pouco.

*Texto produzido para a disciplina de Legislação e Ética em Jornalismo

Observatório da mídia CS-02“Nas favelas, no Senado. Sujeira pra todo lado. Ninguém respeita a constituição. Mas todos acreditam no futuro da nação”. Os versos compostos por Renato Russo em 1987 continuam atuais quase 30 anos depois. Neste ano, em especial, vivemos intensamente, no cenário político, cada trecho desta música do Legião Urbana.

Nem todas as favelas são as mesmas. Muitas foram ‘pacificadas’ e se tornaram atrativos turísticos no Rio de Janeiro. Mas nem tudo são flores. A criminalidade, antes coordenada por narcotraficantes, também pode ser praticada por quem deveria assegurar o bem-estar nas  Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Basta lembrar de Amarildo, que, só por ser negro e pobre, foi morto e ‘desovado’ por policiais. O caso ocorreu em 2013 e se tornou símbolo da violência policias nas UPPs.

O que falar do Senado? O ‘irmão mais velho’ da Câmara dos Deputados. Não basta ter o nome na Lava Jato ou no Panama Papers. É preciso ser hipócrita, negar os próprios atos, esconder a sujeira debaixo do tapete, para julgar e condenar os da presidente Dilma Rousseff. Ela foi a segunda a sofrer impeachment. Ao contrário de Collor, cujas evidências do esquema de corrupção eram nítidas, Dilma caiu por ter praticado ‘pedaladas fiscais’, que, aliás, foram autorizadas pelo próprio Senado.

Ninguém respeita a constituição, com ‘c’ minúsculo mesmo, pois como já satirizava a TV Pirata, em 1989, ela só serve pela sua forma – densa e pesada – não pelo seu conteúdo – as leis. E o que dizer do título de eleitor? Não houve respeito algum com os mais de 54 milhões de eleitores de Dilma desde o resultado das majoritárias em 2014. Como a vlogueira Gleice Duarte postou, a forma retangular do título de eleitor facilita a maquiagem. E o conteúdo, que deveria ser uma espécie de ‘passe da cidadania’, está longe de valer algo.

O Partido da Imprensa Golpista (PIG), como muito bem cunhou o jornalista Paulo Henrique Amorim, teve papel decisivo no agendamento da crise e do impeachment. Um exemplo bem simples: quando falamos em ‘pedalada fiscal’ quem não lembra da presidente andando de bicicleta sorridente? Repetida à exaustão, assim como a caminhada matinal de Collor no entorno da Casa da Dinda.

As diferenças entre 1991 e 2016 não são apenas dos denunciados e dos tipos de denúncias, mas também da credibilidade da imprensa e do ecossistema midiático. Hoje, felizmente, temos atores sociais com visibilidade suficiente para denunciar os equívocos da Veja, da Globo, da Folha, do Estadão, da Isto É, de Zero Hora e de tantos outros representantes dos PIGs. Apesar do desgaste da credibilidade – vide “o povo não é bobo, fora Rede Globo”, “Falha de S. Paulo” e “Veja e suas Vejices” -, a influência dos porta-vozes dos barões das mídias e de seus interesses continua existindo. Se não fosse essa influência, não teríamos tantos haters, alguns deles tão ou mais boçais que o Olavo de Carvalho ou o Reinaldo Azevedo. Nesta semana, por exemplo, foi lamentável presenciar a mobilização dos internautas a partir da provocação de Azevedo para o #boicoteaquarius – referência à equipe do filme brasileiro que protestou em Cannes contra o impeachment de Dilma. Na minha humilde opinião, o ponto mais nefasto desta mobilização foi ver gente apoiando o fim da Lei Rouanet, do Ministério da Cultura, da cultura como um todo e a vazão a preconceitos contra qualquer tipo de artista.

Esse é o ‘futuro’! Esse é o (des)governo Temer, que elimina a cultura, deixa as mulheres, os negros, os indígenas, os homossexuais e todos os demais de lado. Somente quem tem espaço é a velha oligarquia, envolvida, vejam só, na Lava Jato.

Falando em ‘futuro da nação’, para coroar este momento, o que vocês acharam da escolha da nova marca do Brasil feita pelo Michelzinho? É de um cuidado tão grande que tem apenas 22 estrelas, o mesmo desenho usado durante os anos de chumbo. Acre, Amapá, Rondônia, Roraima e Tocantis não existem para Temer.

Que país é este? Que país é este? Desculpa, querido leitor, mas tive a vontade de escrever o mesmo que gritei durante o show do Legião Urbana, aqui em Santa Maria, em dezembro do ano passado.Mauricio

 

Maurício Dias é jornalista e mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria (2011). Atualmente é  professor assistente no Centro Universitário Franciscano e jornalista na UFSM.