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A liberdade de pensamento e expressão está em risco no Brasil. O momento é favorável para o incentivo à liberdade de informação, para que haja resposta massiva da sociedade, mesmo que no médio ou longo prazo.

Quanto custa sair de casa?

Sair de casa não é uma decisão muito fácil. É quando o sujeito se depara com a “mudança”, principalmente se tem que mudar de cidade, deixar o aconchego da casa dos pais, se tornar responsável mais

Observatório da mídia CS-02

A liberdade de pensamento e expressão está em risco no Brasil. O momento é favorável para o incentivo à liberdade de informação, para que haja resposta massiva da sociedade, mesmo que no médio ou longo prazo.

Desde 2015, um Projeto de Lei de autoria da deputada Soraya Santos (PMDB-RJ), tramita na Câmara dos Deputados e prevê aumento das penas para crimes contra a honra na internet. Assim, quem falar mal de políticos na rede poderá passar até seis anos preso em regime fechado. O projeto altera o marco civil da internet, segundo o qual dados de usuários só são acessados com ordem judicial. Isso tudo deixa o internauta muito mais exposto e, consequentemente, mais calado. No silêncio, moram muitos problemas, pois uma calma aparente pode esconder situações como as desvendadas atualmente pela maior operação de investigação da corrupção que já tivemos o Brasil, a Lava Jato. Assim como um fenômeno da natureza, que só existe se alguém testemunhar, também a corrupção só existirá se esses atos forem desnaturalizados e problematizados como tais.

Além de projetos como o da deputada Soraya, temos agora medidas que concorrem para o enfraquecimento da comunicação pública no País. São sintomáticas a tentativa de substituir o diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Ricardo Melo, o fim sumário de contratos com jornalistas e os rumores sobre possível extinção da EBC. Conforme enfatizou Melo, em entrevista ao Comunique-se, a Empresa tem reunido as demandas de diversos grupos sociais. “Onde o índio, o coletivo de mulheres, os LGBTs, o movimento sem teto e outros teriam espaço?” – questiona. Nesse contexto, é importante que se fortaleça a rede de jornalismo independente. Nela, profissionais prontos para uma atuação consciente e incansável em prol do livre acesso a tudo aquilo que é de interesse público trabalham quase sempre em forma de coletivos.

O silenciamento pode ser tão ou mais prejudicial do que uma informação errada, pois, para esta, haverá certamente alguém em algum lugar para desmentir. Para o silêncio, a solução pode vir muito mais tarde, tarde demais às vezes. Ou pode sequer existir. Assim, iniciativas como a Agência Pública, coletivo dedicado ao jornalismo investigativo, são possibilidades de acesso a diferentes perspectivas de um mesmo acontecimento, ou de acesso a certos acontecimentos que não estão e não estarão na grande mídia. O mapa do jornalismo independente, montado pela Pública, está disponível online. Bom para salvar nos favoritos. Bom para compartilhar. Mas, sobretudo, bom para ler o Brasil e o mundo por uma ótica diferente a cada dia. Porque, se os jornalistas veem a realidade por meio dos óculos de que falou Pierre Bourdieu, pelo menos podem mudar os modelos, o grau das lentes, e os ângulos a partir dos quais eles os vestem e contam nossas histórias cotidianas. Quem ganha é o público, a opinião pública, a cidadania.

Sair de casa não é uma decisão muito fácil. É quando o sujeito se depara com a “mudança”, principalmente se tem que mudar de cidade, deixar o aconchego da casa dos pais, se tornar responsável mais cedo, aprender a administrar seu próprio dinheiro, pagar contas, se virar na cozinha – ainda que seja com o “miojo” de cada dia ou descongelar algo no micro-ondas-, lavar suas próprias roupas ou agradecer por ter uma máquina de lavar, ficar de olho nos prazos de validade, criar hábitos novos, aprender a conviver com o outro e respeitar sua privacidade, dividir as horas do dia em estudos e trabalho…enfim, é assim que vivem muitos dos jovens residentes em Santa Maria.

Para Felipe Schroeder, psicólogo, os vestibulandos são mais estressados pela cobrança de resultados. Foto: arquivo

O coordenador e professor do curso de Psicologia da Unifra, Felipe Schroeder , explica que quando o adolescente sai da casa dos pais está, pela primeira vez, vivendo a experiência de morar “sozinho”. Schroeder supõe que o adolescente que vem de uma família que tem por tradição sentar à mesa para o café, almoço e janta, com hora para tudo e não participa muito das tarefas domésticas, no começo estranha a saída de casa. Isto porque, de repente, ele se vê dentro de um contexto onde há mais pessoas e dele são exigidas tarefas, principalmente quando se trata de uma divisão de apartamento, casa ou república. Diferente do jovem que, em família, já tinha responsabilidades dentro do lar, contribuindo nas atividades domésticas, ajudando no preparo da comida, lavando a louça e suas próprias roupas. Este, quando sai de casa, por já ter esses hábitos de organização, adapta-se mais facilmente. Para o coordenador, é importante quando se opta por morar com pessoas de hábitos diferentes, possuir objetivos que sejam parecidos, para que se tenha uma boa convivência e uma relação de respeito. O professor ressalta, por exemplo, a atitude de maneirar no volume do som na hora em que alguém precisa estudar ou descansar.  Segundo ele,  grande parte dos estudantes que vêm a Santa Maria com o objetivo passar no vestibular sofrem pelo stress e  pela cobrança maior por parte da família.

O restaurante universitário é uma alternativa para os estudantes que não querem cozinhar em casa. Foto: Tiéle Abreu

O auxiliar administrativo Rodrigo da Rocha, 27 anos natural de Restinga Seca que reside há oito anos em Santa Maria tem os três turnos do seu dia cheio, divididos em estudos e trabalho.  Na parte da manhã estuda, durante à tarde e a noite administra seu trabalho. Rocha esclarece que optou por dividir apartamento com outras pessoas por questões financeiras, principalmente pelos altos valores dos alugueis na área central da cidade, a mais valorizada. Ele hoje mora com mais duas pessoas e conta que estabeleceram uma regra geral dentro do lar sobre o barulho e a limpeza: a ordem é não fazer barulho depois das 23 horas e limpar o que sujou.

Rodrigo Rocha divide apartamento e ocupa seu tempo entre estudo e trabalho. Foto: Guilherme Benaduce.

Rocha ainda relata que morar com outras pessoas é uma experiência muito boa, bem diferente que morar com os pais, e que é preciso respeitar a opinião dos outros e a privacidade, sendo tolerante com algumas coisas.        Como o custo de vida de Santa Maria é alto, para administras suas contas Rocha abre mão de algumas coisas e se organiza em: cozinhar em casa – comer fora todos os dias é gastar muito dinheiro-, não comprar coisas supérfluas, não viajar para casa todos finais de semana – o valor da passagem pode ser aproveitado de outra forma-, ir anotando todos os gastos para ter um controle, não atrasar contas – os juros geralmente são muito altos-, e ainda, evitar ir a festas, “o que mais tem na noite santa-mariense”, diz. “O lado positivo é a amizade com pessoas diferentes, de outros lugares, e o valor das despesas como aluguel, luz, condomínio entre outras que ficam mais baratos”, afirma Rocha.

Gabriela do Carmo, estuda odontologia e divide moradia com oito pessoas. Foto: arquivo

Já a estudante do curso de Odontologia Gabriela Ferreira Ribeiro do Carmo, 18 anos relata que morar hoje com outras pessoas é muito difícil. Ela aluga um quarto mobiliado em uma casa com oito pessoas, mas pouco vê os outros moradores, pois os horários quase não coincidem. A única peça comunitária da casa é a cozinha, que ela pouco frequenta. Gabriela relembra que cursou dois semestres de Odontologia, no Ceará, e morava numa pensão onde ninguém respeitava o espaço do outro. Sofria com o barulho quando queria estudar. “Um vizinho de quarto só estudava com som ligado e o volume sempre muito alto”, recorda.

Os vestibulandos João Átila Florence, 18 anos da cidade de Cachoeira do Sul e o colega Eduardo Nauê Alves da Rosa, 19 anos de Chapecó, Santa Catarina, contam que moram juntos desde agosto em uma pensão, com outros três meninos. As tarefas de organização dentro da pensão são divididas entre eles, já as contas de água, luz, internet são inclusas no valor mensal do aluguel. Os dois contam que é um grande aprendizado sair da casa dos pais para morar sozinho. Alves avalia que quando se está na casa da mãe e pede alguma coisa é mais fácil de ganhar. Já aqui tem que controlar os gastos desnecessários, viver com um valor fixo.

A especulação do mercado imobiliário e as moradias coletivas

O professor Economia Monetária e Financeira, do curso de Economia da Unifra, Alexandre Reis, explica porque na cidade de Santa Maria cada vez mais cresce o mercado imobiliário e a demanda pela construção civil.  Segundo ele, é particularidade do município de Santa Maria ter uma população flutuante, que tem por objetivo único vir para a cidade estudar ou complementar seus estudos, como em qualquer outra cidade universitária do Brasil. Por isso há uma grande oferta do mercado imobiliário, que tem por objetivo o mercado consumidor que são os estudantes.  A grande procura resulta em aluguéis caros e grande parte dos estudantes recorre à moradia coletiva, de acordo com sua necessidade de dividir gastos. Ele afirma ainda, que, por mais que o estudante trabalhe, o salário sempre é insuficiente para suprir todas as despesas necessárias.

Moradia estudantil da UFSM, na rua professor Braga, centro de Santa Maria. Foto: Tiéle Abreu

Outra alternativa para se morar em Santa Maria, no caso de estudantes da universidade federal (UFSM), é a Casa do Estudante, onde o aluno pode conciliar o não pagamento da faculdade e do aluguel, e ainda fazer refeições a um baixo custo no Restaurante Universitário (RU).

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), conforme o Censo 2010, a população de Santa Maria com faixa etária de 20 a 24 anos é de 12.137 mulheres e 11.988 homens, sendo a maioria de estado civil solteiro: 120214 (52.4%), o que para Reis é relevante à característica da cidade. Ainda de acordo com o Censo 2010, está diminuindo o número de pessoas por domicílio em Santa Maria: 1 morador: 38.952, (44.5%) Mais de 1 a 2 moradores: 40.706 (46.5%), mais de 2 a 3 moradores: 5.918 (6.8%), mais de 3 moradores: 1.873 (2.1%). Os dados comprovam que a sociedade moderna está cada vez mais individualista, querendo ter seu próprio espaço.
O ônus disso tudo é que o indivíduo tem de arcar com todos os seus gastos sozinho, o que depende da sua renda financeira. E o ônus da moradia em coletividade é suportar as diferenças do outro, aprender a conviver com regras e normas, tendo como bônus, no mínimo, 50% de economia nas despesas básicas.

Por Tiéle Abreu, acadêmica de jornalismo da Unifra.