Santa Maria, RS (ver mais >>)

Santa Maria, RS, Brazil

Jornalismo Especializado

Entre os corredores cinzas do Presídio Regional de Santa Maria, a sala da ala feminina floresce cores através do trabalho realizado pelas apenadas do regime fechado. Tecidos que seriam descartados ganham forma de bolsas e sacolas, através de uma oficina em parceria com o Grupo de Voluntários Corrente do Bem, desenvolvida há um ano. O projeto, além de estimular o reaproveitamento de materiais, faz parte da ressocialização das detentas.  

Diariamente, Fátima (nome fictício) acorda cedo, lava o rosto, se arruma e vai trabalhar. A rotina, comum a milhões de brasileiros, guarda uma peculiaridade: ela é uma das cerca de 38 mil mulheres que cumprem pena no Brasil. O cerceamento da liberdade não impede que Fátima constitua seus sonhos e se aprimore profissionalmente. Ao deixar a cela, passa parte do dia na sala de corte e costura do Presídio Regional. Junto de outras nove detentas, realiza o trabalho manufaturado de confecção de bolsas e sacolas a partir de tecidos reutilizados.  

Tecidos que seriam descartados ganham forma pelas mãos das apenadas. Imagem: Petrius Dias.

O projeto arrecada os mais variados tipos de tecidos que seriam descartados, e os encaminha ao presídio, para que as apenadas produzam bolsas e sacolas que serão devolvidas ao grupo que decidirá sobre o destino das peças. O Hospital Universitário de Santa Maria e o Hospital Casa de Saúde são alguns exemplos de locais que recebem o material por meio dos setores de Assistência Social das instituições. “As bolsas são utilizadas tanto nas maternidades, onde servem para armazenar os enxovais de crianças em situação de vulnerabilidade, como para que os pertences de pacientes que venham a óbito sejam entregues com dignidade”, comenta Rosaura Freitas, assistente social responsável pela coordenação do projeto no presídio. 

Segundo o relatório A New Textiles Economy, a cada segundo no mundo, o equivalente a um caminhão de roupas é enviado para o aterro ou à incineração. Apesar do tempo de decomposição destes materiais ser de seis meses a um ano, as confecções descartam nos aterros sanitários uma enorme quantidade de sobras de tecidos e insumos, como agulhas quebradas e tubos de papelão. O descarte, além de sobrecarregar ainda mais esses locais, que já estão com sua capacidade comprometida, impede o reaproveitamento. 

No presídio, as dez apenadas deixam entre seis e oito horas de seus dias na oficina. O trabalho se destaca no ambiente monocromático. Retalhos viram arte, ofício minucioso que exige cuidado e criatividade. “É ótimo estar aqui. Se não fosse por esse lugar, as coisas seriam muito mais complicadas aqui dentro”, diz Fátima. A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, também conhecida como Lei de Execuções Penais, regulamenta a remição de pena para apenados. Segundo o Art. 126, a cada três dias trabalhados, um dia será remido. 

 Impactos no Mundo 

 Segundo o relatório da Pulse of the Fashion Industry, a indústria têxtil é responsável pela emissão de 10% dos gases de estufa do planeta. Ainda, o relatório The Water Footprint of Cotton Consumption revela que o consumo de água também assusta. São necessários cerca de 2.700 litros de água para se produzir uma camiseta, é água o suficiente para uma pessoa consumir durante dois anos e meio. O poliéster, por exemplo, fibra sintética mais usada na indústria têxtil em todo o mundo, requer, segundo especialistas, milhões de barris de petróleo todos os anos, como tem o tempo estimado para decomposição no meio ambiente ampliado para cerca de 200 anos. 

O reaproveitamento de material têxtil é um projeto que beneficia detentas e meio ambiente. Imagem: Petrius Dias.

O trabalho realizado na PRSM contrapõe o chamado fast fashion, ou seja, a tendência alimentada pela indústria de usar e jogar fora. O conceito, que surgiu na década de 1990, com o barateamento tanto da mão de obra quanto da matéria-prima, faz com que, só no Brasil, sejam produzidas quase 9 bilhões de novas peças por ano. Isso dá uma média de 42 novas peças de roupa por pessoa em 12 meses. No país, são descartados cerca de 170 mil toneladas de resíduos de tecidos. 73% dos resíduos têxteis são queimados ou enterrados em aterros sanitários. Além disso, 12% dos resíduos têxteis vão para reciclagem – em sua maioria, são triturados para encher colchões, utilizados em isolamentos ou panos de limpeza. Menos de 1% dos resíduos é usado para fabricar peças de roupas novas. 

 Novas tendências 

 Segundo o levantamento da Fundação Ellen McArthur, a produção de roupas aproximadamente dobrou nos últimos 15 anos. Parte relevante da sociedade, no entanto, já demanda a revisão das políticas que impactam o meio ambiente. A declaração dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU assume papel de destaque neste cenário. O ODS 12, um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela Organização das Nações Unidas em 2015, trata de assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis com redução de produtos químicos e de resíduos por meio da prevenção, da reciclagem e do reuso.  

Fátima tem acesso ao noticiário para acompanhar o andamento das pautas ambientais, e vê a importância do seu trabalho na oficina. A reutilização de materiais têxteis é um “trabalho de formiguinha”. Máquinas que não costuram só peças, mas remontam sonhos antes retalhados. Autoestima, reaproveitamento, aprendizado de um novo ofício.  

  • Texto e fotos produzidos durante o primeiro semestre de 2022 pelo acadêmico Petrius Dias, na disciplina de Jornalismo Especializado do curso de Jornalismo da Universidade Franciscana.

 

 

 

Grupo Caami – 13ªRT em apresentação no ENART. Fonte: TV Tradição.

“Não posso, tenho ensaio!” Essa é a frase mais dita pelos dançarinos de CTG, que dedicam muito tempo de suas vidas com um mesmo propósito: cultuar a tradição gaúcha. As danças tradicionais gaúchas são uma das mais antigas danças populares brasileiras. Tiveram origem na Espanha em meados dos séculos XVII e XVIII. São legítimas expressões da alma gauchesca. Em todas elas está presente o espírito de respeito à mulher, que sempre caracterizou o peão rio-grandense. As danças dão margem para os bailarinos extravasarem sua teatralidade, a partir de interpretações artísticas.

Os departamentos das entidades tradicionalistas são denominados “invernadas”, e dentro da finalidade de cada entidade, a artística, conjuntamente com a campeira e a cultural, são os pólos pelos quais as entidades desenvolvem sua finalidade. Assim, para o MTG, a invernada artística, junto à cultural e à campeira, são as bases para o desenvolvimento das próprias finalidades do MTG.

Movimento Tradicionalista Gaúcho – MTG

Símbolo do Movimento Tradicionalista Gaúcho. Fonte: Site oficial do MTG.

O Movimento Tradicionalista Gaúcho – MTG é uma associação civil que possui personalidade jurídica e se caracteriza como de direito privado, sem fins lucrativos, com circunscrição em todo o território nacional e com número ilimitado de associados indicados sob a denominação de filiados. Surgiu a partir de um movimento jovem dos estudantes do colégio Júlio de Castilhos de Porto Alegre, preocupados em resgatar e preservar a cultura vivenciada através dos tempos passados da história desta província que hoje é conhecida como Estado do Rio Grande do Sul. Ainda há quem defenda como marco inicial a fundação do 35 CTG, em abril de 1948 ou a realização do 1º Congresso Tradicionalista Gaúcho, em 1954, ou, ainda, a constituição do Conselho Coordenador, em 1959. Seja qual for o ponto de partida, o importante é que, em 1966, durante o 12º Congresso Tradicionalista Gaúcho realizado em Tramandaí, foi decidido organizar a associação de entidades tradicionalistas constituídas, dando-lhe o nome de Movimento Tradicionalista Gaúcho. Então desde 28 de outubro de 1966, a Instituição se tornou conhecida como MTG.

O MTG enquanto instituição, se destina a preservar a autenticidade dos costumes praticados em seus eventos e festividades. Tem como objetivo congregar os Centros de Tradições Gaúchas e entidades afins para constituir uma associação que permite padronização de procedimentos e realização de atividades com abrangência estadual ou nacional das quais participam todos os filiados com interesse no tema. Também preservar o núcleo da formação gaúcha e a ideologia consubstanciada nos estudos da história, da tradição e do folclore.

Regiões Tradicionalistas

As Entidades Tradicionalistas filiadas ao MTG estão distribuídas em 30 Regiões Tradicionalistas, as quais agrupam os municípios do RS. O município de Santa Maria faz parte da 13ª Região Tradicionalista.

Distribuição das RT’s, de acordo com cada região.

As siglas de identificação de cada entidade tradicionalista são instituídas de acordo com sua finalidade, origem e desenvolvimento, sendo ingerência de cada entidade a sua constituição. Em geral, CTGs são Centro de Tradições Gaúchas e DTGs são Departamentos Tradicionalistas Gaúchos vinculados a algum clube ou instituição.

As invernadas artísticas são departamentos pertencentes a uma entidade, que por sua vez, para se filiar ao MTG, necessita:

  1. Ficha cadastral
  2. Compromisso de aceitação do ordenamento legal
  3. Justificativa para o nome da entidade
  4. Parecer do conselheiro
  5. Parecer do coordenador
  6. Parecer do encontro regional
  7. Ficha cadastral piquete dependente
  8. Parecer conselheiro para filiação definitiva
  9. Parecer coordenador para filiação definitiva

Os relatos de quem está inserido no meio tradicionalista

Diretor do Departamento Artístico da 13ª Região Tradicionalista, Valmir Bohmer. Fonte: Arquivo Pessoal.

De acordo com o Diretor do Departamento Artístico da 13ª Região Tradicionalista, Valmir Bohmer, o MTG tem mais de 1.700 entidades tradicionalistas, sendo inexato o número de entidades que possuem o departamento artístico ativo. “Se eu fosse arriscar um palpite com base na experiência da minha vivência tradicionalista, em torno de 500 departamentos artísticos ativos”, analisa Valmir.

Com relação a paixão e envolvimento das pessoas nas danças tradicionais, Valmir acredita que a essência da arte de nossas tradições, com uma certa influencia do espirito competitivo inerente a grande parte dos seres humanos, resultaram na realidade atualmente vivenciada. “Para embasar este posicionamento, compartilho o fato de que se transformássemos os concursos de danças em mostras artísticas, mais da metade dos grupos deixariam de participar”, complementa o Diretor Artístico.

Thiago Mendes durante apresentação no ENART. Fonte: Arquivo Pessoal.

Thiago Mendes, 19 anos, estudante, é dançarino há 15 anos. Ele dança no CTG Coronel Thomaz Luiz Osório, de Pelotas, e, além de dançar, também é instrutor artístico. Ele conheceu o meio tradicionalista através de sua família, pois seu avô era patrão em um CTG de Pelotas, no qual grande parte de sua família dançou. “A dança é a atividade que eu mais gosto, ela me leva para perto dos meus amigos”, conta o jovem.

Primeira Prenda Adulta da 18ªRT, Diana Silva, dança desde os 12 anos. Fonte: Arquivo Pessoal.

A primeira prenda adulta da 18ª RT, Diana Silva, 19 anos, conta que começou a dançar aos 12 anos. Ela acredita que o incentivo é o principal fator que impulsiona os dançarinos. Seu irmão mais velho sempre dançou desde a fundação da Invernada Artística, e ela desde pequena participou assistindo e acompanhando.

Sobre o que lhe motiva continuar a dançar, Diana aborda aspectos sobre despertar a desenvoltura, aprimorar a coordenação motora, e que a dança tradicional gaúcha, através das invernadas artísticas, ensina sobre o trabalho coletivo. “Não estamos sozinhos a nenhum momento e todos dependem de todos. Fico extremamente feliz de conciliar duas coisas que amo: a dança e a nossa história, porque dançar também é resgatar e perpetuar nossas tradições”, finaliza a prenda.

Rodeios artísticos

Os rodeios são eventos onde se cultua fortemente a tradição gaúcha. São competições que oferecem aos primeiros colocados prêmios, como troféus e até mesmo valores em dinheiro. Entre os mais famosos do Rio Grande do Sul estão o Enart e o Fegadan. As invernadas podem ser categorizadas em pré-mirim (de 5 a 8 anos), mirim (de 8 a 11 anos), juvenil (de 12 a 14 anos) e adulta (de 15 a 30 anos). Nas competições de danças artísticas dos rodeios, cada invernada é integrada por casais que dançam uma sequência de danças, normalmente são 5 músicas.

O ENART

Na década de 70, o MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização. empenhava-se em combater o alto nível de analfabetismo no país. No Rio Grande do Sul, além de alfabetizar, também almejava divulgar a cultura como forma de elevar a auto-estima da população e oportunizar o surgimento de novos valores artísticos.

O professor e advogado Praxedes da Silva Machado, responsável cultural pelo Mobral, buscou a parceria do Movimento Tradicionalista Gaúcho e, com a participação do IGTF Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, criaram o Festival Estadual de Arte Popular e Folclore, que se popularizou como Festival Estadual do Mobral. O evento foi idealizado para ser itinerante, isto é, cada ano em uma cidade diferente. A primeira edição deste festival foi no ano de 1977, cuja fase final foi realizada na cidade de Bento Gonçalves. A 2ª em 1978 – Porto Alegre, a 3ª em 1979 – Lajeado, a 4ª em 1980 – Cachoeira do Sul, a 5ª em 1981 – Lagoa Vermelha, a 6ª em 1982 – Canguçu, a 7ª em 1983 – Soledade e a 8ª em 1984 – Farroupilha. Em 1985, a 9ª edição seria em Rio Pardo. Como as autoridades do município desistiram, Farroupilha passou a sediar novamente. Decidiu-se, então, não mais alternar o local, uma vez que Farroupilha se propunha em continuar realizando anualmente a final.

A partir de 1986, o evento passa a ser promovido pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho, em parceria com a Prefeitura Municipal de Farroupilha e o Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore -IGTF, passando a ser denominado FEGART – Festival Gaúcho de Arte e Tradição. Sua realização acontecia sempre no último final de semana de outubro, permanecendo em Farroupilha da 1ª à 11ª edições, portanto, até o ano de 1996.

Tendo em vista o crescimento do festival e das necessidades estruturais e financeiras para sua realização e a manifestação da Prefeitura de Farroupilha de não mais sediar o evento, em 1997, a 12ª edição, foi transferida para Santa Cruz do Sul. O evento passou a ser realizado no segundo final de semana de novembro de cada ano.

Por questões que envolveram o nome do festival, reivindicado pela Prefeitura de Farroupilha, houve a necessidade de mudança, no ano de 1999, passando a denominar-se ENART – Encontro de Artes e Tradição Gaúcha.

É realizado em três etapas: regionais, inter-regionais e final. Envolve competidores de todo o estado do Rio Grande do Sul, e espectadores de todo o mundo. Estima-se haver mais de dois mil concorrentes por ano, e mais de 60 mil espectadores na fase na final.

Somente entidades e seus associados filiados ao MTG, maiores de 15 anos, podem participar do ENART. O foco da competição são artistas amadores, exceto os músicos das Forças A e B de Danças Tradicionais, que podem ser profissionais.

A etapa regional é realizada nos meses de maio, junho e julho, onde pode ou não ser realizado um concurso (varia entre as regiões), classificam-se sete competidores de cada modalidade para a próxima fase.

A inter-regional realizada a partir de agosto, é a etapa onde em grupos de regiões, classificam-se, oito ou nove competidores (dependendo da Inter), para a fase final. São realizadas três inter-regionais, envolvendo todas as 30 Regiões Tradicionalistas do estado.

A fase final, e a mais importante, onde os classificados das inter-regionais competem com concorrentes de todo o estado, elegendo assim os “Campeões Estaduais”. Em algumas modalidades, como Danças Tradicionais (a principal modalidade do encontro), existe mais uma fase, que ocorre no terceiro dia da fase final, chamada de finalíssima, onde são selecionados os 20 primeiros grupos da categoria A e os 20 primeiros da categoria B, para se reapresentar.

Para saber um pouco mais sobre as coreografias do Enart, confira o vídeo abaixo:

FEGADAN

O Festival Gaúcho de Danças (FEGADAN) tem por finalidade a preservação, valorização e divulgação das danças tradicionais Gaúchas, primando pela espontaneidade no bailar, baseando – se nas obras publicadas por João Carlos Paixão Côrtes e Luiz Carlos Barbosa Lessa. Entre os objetivos do festival estão: Valorizar o artista amador do Rio Grande do Sul, evitando atitudes pessoais ou coletivas que deslustrem os princípios de formação moral do povo gaúcho; credenciar os vencedores do festival, nas diversas modalidades, a se apresentarem nos eventos oficiais do MTG e representarem o Estado nos eventos nacionais e internacionais, quando convidados preservando a autenticidade a fim de representar a modalidade. O primeiro FEGADAN aconteceu em 2014, na cidade de Caxias do Sul. Portanto, é um evento ainda jovem.

    Para além das danças e das competições, dançar envolve muito comprometimento, responsabilidade, disposição, e acima de tudo, muito amor. Só quem está inserido no meio tradicionalista sabe a emoção que é pisar no tablado, e o misto de sentimentos que envolve. Claro que troféus são importantes, mas a maior conquista é a união que se constrói dentro de cada grupo, além do companheirismo e os laços afetivos que são criados. Muitos que veem de fora não entendem essa louca paixão, pois para se dedicarem às competições, muitas vezes deixam de lado o convívio com a família e os amigos, abrem mão de suas atividades de lazer para priorizar os ensaios. Aos que pensam que dançarinos são loucos, digo que são apaixonados. Apaixonados por fazerem de suas vidas uma arte, e por não se importarem com as dores ou com o cansaço, pois a força que move cada um, vem de uma inesgotável força chamada coração.