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Opinião

O mundo está ficando de cabelos brancos

Se tornar velho é um processo que traz novidades. Por mais óbvio que possa parecer esse raciocínio, confesso que, particularmente, apenas me dei conta disso há pouco tempo. De alguma forma, sempre enxerguei meus avós ocupando este

Aprender cerâmica hoje

Se tudo não estivesse perdido, o que você estaria fazendo hoje? O que você estaria escrevendo? Você faz o que faz por escolha ou por circunstância? Se não fosse aquele parafuso solto, a máquina de lavar

Geração Y e a frustração

Estudar. Trabalhar. Sair da casa dos pais. Obter independência financeira. Ganhar reconhecimento profissional. Esses degraus representaram por anos o caminho que levaria as pessoas para uma vida adulta plena. Entretanto, para a geração de jovens adultos

A leveza de ser

Há um clima de cansaço crônico pairando no ar. Um clima de fog denso e de dias cinzentos que pesam o ar e obscurecem os pensamentos. É na política, é no trabalho, é na vida… as

Viver é Dever

Gestar um texto exige paciência, atenção, cuidados, reflexões… Exige escuta e olhar atentos, penso eu. Precisa de afagos, de carinho, de lapidação mental e, depois, precisa de muita lapidação na sua escritura. Um processo de escrever,

Inquietações fragmentadas

Escrever é um desafio, mas diante do convite da Rosana Zucolo (Agência CentralSul de Notícias) resolvi aceitar. Essa aceitação é também uma superação aos muitos limites que tenho diante da consciência que me trava: escrever é

O ano do autocuidado

Primeiros dias pós-Carnaval, dias em que volta aquela sensação de recomeço. “Agora vai!” E hoje também inicia minha colaboração mensal aqui na Agência Central Sul. É no embalo dos (re)começos que proponho resgatar algumas reflexões sobre

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A aposta da Agência Central Sul para 2019, além da produção semanal de conteúdo realizada por alunos do curso de Jornalismo da UFN, é contar com a colaboração de articulistas e cronistas egressos do curso e

Lágrimas negras

A noite de 29 de outubro foi, de longe, a mais difícil destes cinco anos. No momento em que abri aquela imagem, fui acometido por uma dor arrebatadora. Difícil acreditar no que estava acontecendo. Ainda mais

O banho sempre foi um bom lugar para pensar né? Acho até que havia uma comunidade no Orkut para quem gosta de pensar durante o banho. Ok, havia uma comunidade para tudo no Orkut. Mas a questão é que bons pensamentos surgem no banho, ideias geniais, a lista do mercado e algumas paranoias. O problema é que pensar no banho não tem sido uma opção muito sustentável. Melhor juntar o canudo de inox, o copo reutilizável e as ecobags e ir procurar um novo lugar para pensar. A minha opção tem sido o ônibus, afinal 40 min em um percurso de 11km é um bom momento para pensar “#%#%$%, o que eu estou fazendo com a minha vida? O que está acontecendo com o mundo? Será que todo mundo está pensando a mesma coisa?”. Fique à vontade para escolher o meio de transporte mais ou menos precário de sua preferência. Cuidado com os patinetes.

O podcast está disponível no Spotify e não precisa ter conta premium para ouvir. Imagem arquivo pessoal Camila Fremder

Foi em um momento destes, olhando pela janela do ônibus há 30 minutos e sem parecer sair do lugar, que estava ouvindo o podcast “É nóia minha?”, da Camila Fremder. Que companhia seria melhor para as minhas viagens do que as paranoias de outras pessoas?

Camila é escritora, roteirista e agora podcaster. Em 2013, junto com a Jana Rosa, a autora publicou o livro “Como ter uma vida normal sendo louca” – meu primeiro contato com ambas. Anos depois, em 2015, a dupla publicou um novo livro intitulado “Enfim 30: Um livro para não entrar em crise”. A última publicação da autora foi o “Adulta sim, madura nem sempre: Fraldas, boletos e pouco colágeno”, de 2018. Todos os títulos são temperados com o bom humor e tiradas perspicazes, que também estão presentes em cada episódio do podcast e em tudo que a Camila faz. Dos livros aos stories intimistas contando que está prestes a começar o novo livro e o bebê Arthur está dormindo.

Depois de 9 km no ônibus, uma sinaleira congelada no vermelho e várias nóias depois, eu decidi que precisava conversar com a Camila Fremder. Escrevo muito sobre crises por aqui e apesar das tentativas de escapar do assunto, algo sempre surge. Por que não conversar com quem está refletindo sobre crises, comportamento e mudanças sociais? Alguém quer dar um palpite sobre qual é o tema do livro que ela está escrevendo?

Com vocês, Camila Fremder:

Como surgem as inspirações para as pautas do podcast?

São coisas que eu paro para pensar, que tenho curiosidade de conversar com outras pessoas e até já conversei em algum almoço ou mesa de bar. Também são temas que eu acho importante debater no momento, como os episódios que falam sobre leitura e rede de apoio. Eu senti uma necessidade de falar sobre rede de apoio, pois comecei a perceber que as pessoas não têm essa cultura, que eu vi em outros grupos. Essa cultura da rede de apoio é muito forte entre as mulheres negras e nós temos muito o que aprender.

As pessoas estão tendo mais crises esse ano?

Eu não sei. Acho que esse ano a gente está com mais motivos para entrar em crise. Muita coisa acontecendo na política e no governo, coisas tristes. Complicado falar sobre política, mas acho que está muito ligado. O momento econômico está complicado, todo mundo fica mais apreensivo e de repente não está fechando a conta. Mas eu acho que tem um lado muito positivo na crise. As pessoas começam a se reinventar e foi o que falamos no podcast sobre leitura. As editoras encontraram na crise uma necessidade de buscar outras formas de vender.

O lado bom da internet é a paranoia compartilhada?

Eu acho maravilhoso a internet! Eu jogo lá a minha nóia e quando vejo tem um monte de gente que compartilha a mesma nóia, então a gente não se sente sozinho.  Sobre o episódio do podcast “Todo mundo tem crush imaginário?”, um monte de gente falou que só elas inventavam papo imaginário com o Selton Mello. Acho que é um alivio para as pessoas quando eu lanço uma nóia dessas, que a maioria das pessoas teria vergonha de falar. Não pode ter medo de se sentir julgado. Lógico, tem as outras pessoas que falam “nossa, acho que você pirou!”. Eu acho sempre divertido.

Qual paranoia você eliminaria da vida sem dó?

Eu eliminaria as nóias de preocupação. Quando vira mãe você fica muito preocupada das coisas darem certo. Programei uma viagem de fim de semana com o Arthur, dai antes de dormir fico pensando “E se ele ficar resfriado? E se for picado por um bicho? E se ele bater o dente?”. Esse tipo de pensamento aparece muito quando você é mãe. Preciso fazer um podcast sobre paranoias absurdas. Será que todo mundo tem medo de estar em um date e peidar?

Por qual crise todas as pessoas deveriam passar uma vez na vida?

Eu sou mega a favor das crises! Meu próximo livro, que vai ser publicado ano que vem, vai ser sobre crise. É na crise que a gente cresce, se reinventa e sai de uma situação de desconforto. Sou super a favor de passar por elas, eu passei por várias! Tirando crises de pânico, sempre tento ver algo positivo.

 

 

Arcéli Ramos é jornalista egressa da UFN. Repórter da Agência Central Sul em 2015. Com pesquisas na área jornalismo literário e linguagem, hoje também estuda “Pesquisa de tendências”. É colaboradora na New Order, revista digital na plataforma Medium, e produz uma newsletter mensal

Quanto mais adiamos pensar na velhice, mais perto dela ficamos sem nos preparar (Imagem: Getty Images)

Se tornar velho é um processo que traz novidades. Por mais óbvio que possa parecer esse raciocínio, confesso que, particularmente, apenas me dei conta disso há pouco tempo. De alguma forma, sempre enxerguei meus avós ocupando este espaço: o de avós e de pessoas idosas. Recentemente, após tentar argumentar mais uma vez com meu avô sobre algumas mudanças que seriam necessárias na rotina dele, ouvi um desabafo. Somente ali percebi que eu estava tentando impor algo sem levar em consideração que, para ele, aquilo não era tão simples e natural quanto eu, millennium apressada e ansiosa, pensava ser. 

Para meu avô, assim como para outras pessoas que chegam à terceira idade, envelhecer carrega complexidades. Ocupação de um novo espaço, aceitação, crises, dúvidas, reconhecimento também fazem parte desse processo. Há alguns anos, chegar a velhice era um privilégio; hoje é uma realidade desafiadora. Diferentes recortes sociais, econômicos, culturais e de saúde cobram das esferas familiar e pública ações de atenção a essa faixa etária. Como vamos viver a velhice dos nossos pais, tios, avós? Como vamos viver a nossa velhice?  O mundo está ficando de cabelos brancos e o que vamos fazer em relação a isso?

A realidade evidencia que a pirâmide etária do mundo passa por uma inversão. Conforme projeções divulgadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), o mundo dobrará o número de pessoas com 60 anos ou mais até 2030. A entidade afirma que a população idosa é a que apresenta um crescimento mais rápido entre todos ou demais grupos, correspondendo a um avanço de 3% ao ano. Esse aumento no número de pessoas na terceira idade está ligado a dois principais fatores: a queda no número de natalidade e o progresso da medicina.

No que diz respeito ao primeiro aspecto, há uma relação de proporcionalidade entre o aumento da porção de idosos e a redução da taxa de natalidade, pois enquanto o número de crianças diminui, a população segue em desenvolvimento e envelhecendo. Esse encolhimento do índice de nascimento é fruto de uma mudança de estilo de vida da população mundial ao longo das últimas décadas. 

A saída das famílias do campo para a cidade impactou a rotina e o modelo das famílias tradicionais. Urbanização da população, aumento no número de ingresso nas áreas trabalhistas fora do lar, expansão do mercado, maiores jornadas de trabalho e a conquista do espaço da mulher nos negócios diminuiu a disponibilidade de tempo para o cuidado com os filhos. A prioridade das gerações atuais se volta mais para o desenvolvimento pessoal e profissional, os paradigmas em relação à constituição de família mudaram. Além disso, a evolução dos métodos contraceptivos permitiu organização e planejamento para a chegada de uma criança.[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Há alguns anos a ONU já promove ações que visam discutir e pensar estratégias para uma melhoria na qualidade de vida da população idosa. Em 1982 foi realizada a primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, na Áustria, que gerou o Plano de Ação para o Envelhecimento. O documento foi composto por 66 recomendações para os países membros da organização, com o objetivo de proporcionar o bem estar da terceira idade. [/dropshadowbox]

Ainda em relação a métodos e medicamentos, o segundo fator de destaque para o aumento significativo no número de idosos é a evolução da farmacologia e dos avanços tecnológicos na área da saúde. A velhice traz com ela alterações das funcionalidades, sendo comum nessa faixa etária doenças crônicas múltiplas, mas que encontra nas novas descobertas na ciência e com a o desenvolvimento de novas tecnologias ferramentas para o controle das doenças e prolongamento da vida. Contudo, a promoção de serviços básicos de saúde ainda não supre a demanda crescente. A população que inspira maior atenção ainda enfrenta escassez ou restrição de recursos.

As problemáticas enfrentadas ligadas ao acesso a serviços e medicamentos estão dentro de uma questão maior, a relação teoria e prática. Há alguns anos a ONU já promove ações que visam discutir e pensar estratégias para uma melhoria na qualidade de vida da população idosa. Em 1982 foi realizada a primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, na Áustria, que gerou o Plano de Ação para o Envelhecimento. O documento foi composto por 66 recomendações para os países membros da organização, com o objetivo de proporcionar o bem estar da terceira idade. 

Em 2002, a II Assembleia Mundial Sobre o Envelhecimento foi realizada na Espanha. O segundo encontro atualizou o Plano de Ação para o Envelhecimento, exigindo não apenas dos chefes de Estado, mas da sociedade em geral, o comprometimento com a readequação à realidade demográfica e com investimento na implementação de políticas para o envelhecimento.

No Brasil, programas foram desenvolvidos a fim de criar normas e garantir direitos sociais para a terceira idade, entre eles a Política Nacional do Idoso, de 1994 – criada a partir das recomendações da ONU -, e o Estatuto do Idoso, em 2003. Os documentos são importantes ferramentas para a aplicação de estratégias nos âmbitos econômico, social e cultural. Contudo, é possível observar que o país ainda não trata com prioridade essa questão. As diretrizes assinadas não demonstram tanta efetividade frente a uma realidade cada vez mais emergente.

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Conforme dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), o disque 100 recebeu mais de 37 mil denúncias no ano passado. Isso significa que o número de casos de violência contra idosos é ainda maior, levando em consideração que há casos não denunciados. Negligência, violência psicológica, abuso financeiro e violência física são os tipos de agressões mais comuns.[/dropshadowbox]

Sem um suporte de qualidade do Estado, os idosos também enfrentam a falta de preparo familiar com a velhice. A nossa sociedade, como já dito anteriormente, não pensa e discute sobre o envelhecer. No dia a dia, a convivência com familiares idosos indica que falta uma educação voltada a compreender esse processo tão natural. Em casos, infelizmente, não tão raros, a violência se faz presente nos lares dessa população. Conforme dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), o disque 100 recebeu mais de 37 mil denúncias no ano passado. Isso significa que o número de casos de violência contra idosos é ainda maior, levando em consideração que há casos não denunciados. 

Negligência, violência psicológica, abuso financeiro e violência física são os tipos de agressões mais comuns. Mais da metade das ocorrências tem os filhos como culpados, correspondendo a 52,9%, sendo a casa o principal cenário das violações, com 78,35%.  Ainda que o documento divulgado pelo MMFDH não apresente as motivações dos casos, sem dúvidas é possível apontar a falta de humanidade e sensibilidade perante a esse grupo. Imersos em uma rotina que exige números, tempo, produção, compreender o envelhecimento se mostra fora de pauta. 

Envelhecer é uma ação natural. As alterações causadas pelo tempo indicam que estamos vivos, que o ciclo da vida transcorre normalmente. Ficar velho é um processo orgânico que atinge todos os indivíduos, mas que como tantos outros, evitamos dialogar e refletir. A ideia de ficar velho ronda nossos pensamentos quase de forma temerosa. Para começar, o termo “velho” carrega uma conotação negativa. A palavra é associada àquilo que não possui mais utilidade, que está ultrapassado. Ninguém quer um equipamento velho, uma roupa velha, um produto velho. Portanto, “ficar velho” ganhou um tom preocupante. Não estamos preparados para envelhecer, tampouco lidar com o envelhecimento de nossos familiares e pessoas próximas.

 

Paola Saldanha é egressa do curso de Jornalismo da UFN. Acredita em uma narrativa com protagonismo de diferentes vozes e espaços, uma leitura plural de vidas plurais

Se tudo não estivesse perdido, o que você estaria fazendo hoje? O que você estaria escrevendo? Você faz o que faz por escolha ou por circunstância?

Se não fosse aquele parafuso solto, a máquina de lavar que estragou de novo, o boleto atrasado, o bolo com gosto de queimado e tudo mais que pode dar errado. O que você estaria fazendo? Você abriria uma cadeira de praia no meio da praça só para ouvir histórias de amor – ou dor, já que é mais provável que ambos se encontrem. O que te impede de aprender cerâmica hoje?

Se não fosse a política, a economia, as relações exteriores, a guerra que todo mundo ignora e as perguntas sem respostas. Particularmente prefiro as perguntas. Talvez pela profissão, que vez ou outra serve de resposta. “Eu tenho formação em fazer perguntas”. Por isso, faço tantos questionamentos. Qualquer um pode dar as respostas, mas elas nunca vão servir para todos.

Se o que te impede é dinheiro, existe um livro que vai ser “a solução de todos os problemas financeiros”, você só precisa adquiri-lo por R$29,99. O impeditivo é tempo? Existem milhares de minutos em vídeo na internet dizendo que a solução é acordar às 5h todos os dias. Existe uma resposta e um método para alcançar qualquer coisa. Problema é quando você descobre que sempre vai haver uma nova coisa que impede. E uma nova pessoa ensinando o jeito certo de fazer qualquer coisa.

Não existe um jeito certo ou único de fazer as coisas. Não vai existir uma condição perfeita. Mas a chuva parou essa semana. Coloca a cadeira na praça e me conta uma história de dor – ou da roupa da semana passada que não secou.

 

Arcéli Ramos é jornalista egressa da UFN. Repórter da Agência Central Sul em 2015. Com pesquisas na área jornalismo literário e linguagem, hoje também estuda “Pesquisa de tendências”. É colaboradora na New Order, revista digital na plataforma Medium, e produz uma newsletter mensal

 

Estudar. Trabalhar. Sair da casa dos pais. Obter independência financeira. Ganhar reconhecimento profissional. Esses degraus representaram por anos o caminho que levaria as pessoas para uma vida adulta plena. Entretanto, para a geração de jovens adultos da atualidade esses degraus não remetem mais tanta estabilidade e felicidade, e uma discussão começa a surgir dentro desses grupos a respeito das expectativas idealizadas sobre o futuro.

Durante o último ano de graduação e, principalmente, após a formatura, comecei a me sentir desapontada comigo mesma. Uma sensação de insuficiência passou a acompanhar minha rotina. Eu colei grau, mas ainda estava desempregada e morando com minha mãe. Talvez estivesse falhando como adulta. Porém, a partir do momento em que compartilhei essas angústias com outras pessoas de idades próximas a minha, percebi que  essas questões também cercavam os pensamentos delas.

Instigada por isso, pesquisei sobre o assunto e descobri que esse é um fenômeno da geração Y. Pesquisas, artigos e reportagens buscam compreender e justificar o processo vivido pelas pessoas que  nasceram entre os anos 80 e meados dos ano 90. O debate ainda é recente, mas dois fatores ganham destaques nas produções desenvolvidas nos últimos anos e ajudam a compreender o porquê da alta cobrança e do sentimento de frustração nutridos pelos jovens adultos.

A geração Y cresceu com uma grande expectativa em relação ao futuro. A promessa de um horizonte promissor está diretamente relacionada à educação destinada a esse grupo e seus antepassados. A geração baby boomers abrange a população que nasceu após a segunda guerra mundial até os anos 60. O contexto social e econômico em que cresceram era delicado, principalmente, nos países atingidos diretamente com a guerra. Com isso, a expectativa dessa geração era muito baixa em relação às conquistas futuras. O único propósito era um estabelecimento profissional para conseguir manter a família.

O  grupo seguinte, denominado de X, que abrange os nascidos entre os anos de 60 e 80, desenvolveu-se em um contexto diferente. Partindo com baixas expectativas e o mesmo propósito ensinado pelos progenitores, a geração X encontrou um cenário econômico que favoreceu um crescimento pessoal e profissional mais rápido e mais cedo do que o esperado. Com isto, o pensamento “com minha idade minha mãe já trabalhava”, “com minha idade meu pai já morava sozinho” tem uma justificativa.  Mas voltando à linha de raciocínio, a geração X, ou a geração dos nossos pais, educaram a geração Y, ou nós, com uma grande expectativa em relação ao futuro e  conquistas. A intenção dessa linha de pensamento não é colocar nos pais a culpa de nossas frustrações, mas compreender como esse movimento ocorreu e atingiu gerações dentro um contexto maior.

Dessa forma fica mais claro entender o porquê nos afetamos mais do que nossos antecessores no que se refere ao êxito pessoal e profissional. Partimos com o pensamento de que somos capazes de conquistar bens e espaços apenas com muito empenho. E é aí que sofremos o primeiro impacto. Quando não atingimos determinada meta, nos sentimos inferiores e insuficientes, pois se não conseguimos, foi porque não fizemos direito, não nos dedicamos o bastante. A geração Y passa a dar mais valor ao que falta e ao que deixou de ser feito, do que para aquilo que se já conquistou e para o espaço já ocupado.

E nesse cenário, um segundo elemento de destaque para o fenômeno vivido por esse grupo se apresenta, as redes sociais. Nossa geração é hiperconectada e o receio pelo offline já tem até nome: FOMO (“fear of missing out”), que pode ser traduzido como o medo de ficar de fora. É uma expressão que traduz não apenas o receio de ficar fora das mídias sociais e deixar de ver alguma publicação, mas também abarca a sensação de insatisfação sobre si mesmo ao se comparar com a vida exposta por outros usuários.

As diferentes mídias potencializam o exercício de comparação. Ao deslizar a timeline e ver as conquistas de outras pessoas, nos sentimos frustrados. E isso não é, necessariamente, inveja, mas uma sensação de que enquanto estamos “parados” outros estão fazendo mais e melhor do que nós e, por isso, venceram. Entretanto, imersos nesse ciclo de comparação e frustração, deixamos de pensar em, pelo menos, dois pontos básicos.

Primeiro, as redes sociais apresentam apenas um recorte da realidade. As postagens daqueles que seguimos expõe um determinado momento de suas vidas, mas não o real. A maioria das pessoas passam pelas mesmas angústias, dúvidas, com a diferença de que não as tornam públicas. O segundo ponto se refere a contexto. Enquanto clicamos em fotos e vídeos e nos comparamos, não pensamos que pessoas vivem em cenários diferentes, com estilos de vida diferentes, recortes sociais e econômicos distintos. Não é justo comparar trajetórias que partem de pontos diferentes.

A estrutura em que a geração Y está inserida leva a um desgaste psicológico. Não é difícil de encontrar reportagens e pesquisas que discutem sobre a saúde mental do jovem hoje. Exigência por um alto desempenho, pressão para alcançar um lugar – que no fundo nem sabemos muito bem qual é e se realmente queremos estar lá -, desenha um quadro perigoso e que precisa urgentemente de reparos.

Já é possível visualizar uma movimentação por parte dos jovens adultos na tentativa de quebrar esses paradigmas. Inclusive, há pouco tempo, algumas figuras públicas, que alcançaram um patamar considerado de prestígio, revelaram a seus fãs e seguidores que não estão bem e abriram espaço para uma conversa sincera sobre metas, conquistas e felicidade.  A abertura para um diálogo honesto consigo e com os outros está contribuindo para um processo de reflexão e desconstrução de um modelo de vida proposto à geração Y.

 

 

Paola Saldanha é egressa do curso de Jornalismo da UFN. Acredita em uma narrativa com protagonismo de diferentes vozes e espaços, uma leitura plural de vidas plurais

Há um clima de cansaço crônico pairando no ar. Um clima de fog denso e de dias cinzentos que pesam o ar e obscurecem os pensamentos. É na política, é no trabalho, é na vida… as reclamações superam os sorrisos e o riso solto, os golpes emergem rapidamente, os tapetes são retirados, muitas mãos se somam  não só para gerar quedas nem liberar a poeira, mas para remexer na já existente, para acomodar melhor a poeira e os dejetos ali depositados. Para dar espaço a  outros, a novos rejeitos e a mais ocultações.

É assim, de poeira, de fogs, de brumas, de dejetos e de ocultações que parecem estar revestidos o tempo, o espaço e os dias. Um sombreamento gradual. As pessoas, (Elas mesmas!), aquelas que se deixam encobrir por essas sombras e por esses movimentos cinzentos, (re)organizam os trajetos e (re)orientam seus passos. Desviam-se de uns, aproximam-se de muitos outros. Um ir e vir de jogos de poder e interesses entrelaçados. Talvez não entendam ou não processem que ao se deixarem envolver estão entregando-se a um sistema que parece muito mais engolir do que encobrir, muito mais aprisionar do que libertar, muito mais afastar do que aproximar.

Há, sim, um cansaço permanente nas vozes e nos sentimentos das pessoas. Daquelas que ainda não se deixaram engolir… O corpo revela: caem os ombros, o olhar se perde, mas poucos entendem que aqueles que estão no meio do fog podem se queimar!  Não é fogo, é fumaça sufocante.

Esse quadro está sendo esboçado há tempos com crayon, com traços sutis que se acumulam e revelam-se, inesperadamente, nesse  acúmulo de linhas. Voltar é quase impossível!  Entrou na bruma, é para se ocultar! (não adianta a chuva para molhar… essa bruma é densa demais… seria, pois,  resultante de uma chuva ácida?)

As mãos que ajudaram a remover os tapetes já estão distantes e a  caminhada nesse percurso encoberto fica cada vez mais só. Solitária mesmo! Quem precisa de mãos, afinal? Quem tira tapete de um, tira de todos, quem oculta poeira aqui, oculta ali também… É assim que o cansaço se instala em quem fica de fora

Retirar o tapete já não adianta mais, não há mais mãos para ajudar a sair desse cinza que encobre o tempo, o espaço e os dias. E aqueles que não se deixaram envolver e encobrir, esses, talvez tenham um cansaço permanente, mas a consciência leve e o sorriso constante em seu interior. Ainda resta aos que estão cansados, a leveza do/de ser!

 

 

 

Najara  Ferrari Pinheiro é graduada em Letras(FIC) e Comunicação Social (UFSM), mestre em Estudos da Linguagem (UFSM) e doutora em Ciências da Comunicação (Unisinos).  Escreve para a ACS.

Foto: Valéria Boelter

Gestar um texto exige paciência, atenção, cuidados, reflexões… Exige escuta e olhar atentos, penso eu. Precisa de afagos, de carinho, de lapidação mental e, depois, precisa de muita lapidação na sua escritura. Um processo de escrever, deletar, reescrever, deletar, substituir palavras, buscar outras até encontrar aquela que diz e nos diz. É um processo de experimentação e aprendizagem, um  processo de revisão dos fatos, das ideias, dos pensamentos e também da vida.

Viver é dever inicia sua gestação com o ver e ouvir. Ver uma entrevista de Djavan a Pedro Bial agora, em abril.  Uma entrevista apenas!  Mas o chamamento para o título tirou-me de um lugar confortável em que eu estava. Pensei que, depois de um longo ano de 2018, eu precisava entender que a vida é para ser vivida. Mas o cenário dessa entrevista e uma música ficaram tocando em meus pensamentos por algum tempo. Ouvir os pensamentos, as ideias e pensar que realmente o que vale é Viver como um Dever. VIVER É DEVER, afirma Djavan. Sim, Viver, assim, com V maiúsculo é dever, eu afirmo! Mesmo que este viver de Djavan seja um refinado discurso político sobre os fatos que estão “à flor da pele” de nosso mundo e, talvez, fiquem ofuscados por outros tantos discursos que nos bombardeiam o pensamento constantemente, ouvi a parte que me dizia muito:  viver é dever. Tomei posse  e a transformei  para expor os meus sentidos.

Viver é dever, sim! De um discurso político refinado à ideia de que precisamos  muito mais Viver do que sobreviver, nasceu esse texto. E para nascer, ele passou por diferentes fases, afagos, lapidações e cuidados, por escolhas daquilo que, para mim, hoje, é Viver e Viver como um Dever,  não como uma consequência natural da vida. Viver intensamente as emoções, os sentimentos, as pessoas, os momentos e, acima de tudo, dar importância ao que realmente importa, ao que nos faz bem, ao que nos agrega e nos faz melhores… Afinal, “Tudo vai mal, muito sal/ Nada vai bem para ninguém/ Nessa pressão, quem há de dar a mão?/ Pra que o mundo saia lá do fundo pra respirar/ E não morrer […]”

Viver é ir e continuar indo, sem receios, pois logo ali podemos nos deparar com aquela queda que nos paralisa e nos deixa  ofegantes, ansiosos, apreensivos, apenas sobrevivendo e talvez a um instante da morte.

De mão dadas com alguns e muitas vezes sós, precisamos ir, ou até mesmo voar. Voar para um outro lugar onde se possa respirar, sair da pressão  para rever nossos desejos, nossas necessidades, reinventar-nos e reViver nossos sonhos.  Pois se “nada vai bem para ninguém”,  procuremos  o outro lado dessa situação, procuremos “o sol que se espalha no ar”, a mão que nos acode, ampara, afaga e nos segura firmes para não nos deixar cair.

Sim, VIVER É DEVER, assim como voar para outros mundos e sonhar para sair lá do fundo, para respirar, para fugir da pressão e não morrer ou deixar-se matar. É preciso ouvir a canção, a voz do coração e seguir… “uma vida para ser bem vivida tem que se dar/ Acudir, amparar, prestar mais atenção/ Pois viver é dever, se negar é pior, merecer cada mão”.

E no meio de tantos deveres e obrigações  (e até dores) lembrei que mais do que  levar a vida é preciso vivê-la. Viver, é nosso dever, eu repito (o meu é, mas será que é seu também?) (Viver é dever é uma das faixas do álbum Vesúvio lançado por Djavan em 2018)

 

 

Najara  Ferrari Pinheiro é graduada em Letras(FIC) e Comunicação Social (UFSM), mestre em Estudos da Linguagem (UFSM) e doutora em Ciências da Comunicação (Unisinos).  Escreve para a ACS.

Pixabay

Escrever é um desafio, mas diante do convite da Rosana Zucolo (Agência CentralSul de Notícias) resolvi aceitar. Essa aceitação é também uma superação aos muitos limites que tenho diante da consciência que me trava: escrever é uma maneira de despir-se (ou despir-me). Desafio aceito, e agora?

Agora é olhar de frente para o desafio, sentar e escrever… Então, decidi expor fragmentos de reflexões ou reflexões fragmentadas sobre ‘coisas’ que li, vi, ouvi ou pensei a respeito da vida e da (des)humanização do mundo.

Mundo, do latim, mundus, como adjetivo significava “limpo, são, puro, elegante, apurado”. Em português também existe o adjetivo mundo que significa limpo. Alguém usa a palavra mundo como limpo? No entanto, o uso de seu antônimo ‘imundo’, que significa impuro e sujo, é muito comum na nossa língua. Mas imundo traz dento de si o mundo, o ‘sujo’ traz dentro de si o mundo, o ‘limpo’. E o (i)mundo provoca reflexões.

Esta é uma das reflexões que surgem de imagens: em uma noite dessas vi um homem (e não era um bicho, relembrando Bandeira) dentro de um contâiner selecionando o que havia de mundo naquele lugar imundo. Por que nossas imundícies ainda estão misturadas a coisas limpas? Por que aquele ser limpo tem que se misturar aos restos e às sujeiras que produzimos? Por que não deixamos separados os lixos limpos e facilitamos o acesso a quem vive dessa caça a tesouros que desprezamos. Bandeira fala alto em meus pensamentos “o bicho, meu Deus, era um homem”.

Esta outra surge de ‘coisas’ que li em “A virtude da Raiva” de Arun Gandhi, neto de Mahatma Gandhi: “nossa ganância e nossos hábitos, que causam tanto desperdício, perpetuam a pobreza, o que é uma violência contra toda a humanidade”. Volto ao contâiner e vejo que aquilo que desperdiçamos contribui para violentar e desumanizar aqueles que vivem na pobreza ou em extrema pobreza.

Nesta reflexão, junto o que vi, o que li com o que ouvi. A guerra causa a fome, mas a fome também gera conflitos e a imagem da guerra e da fome parecem tão distantes de nós, brasileiros. Parecem estar lá, no continente africano ou em países que inexistem, não fazem parte do mapa mundi. São tão pobres, por isso tão invisíveis ao mundo. Seria mesmo ao mundo?

Reunindo as inquietações e os fragmentos, expondo-me, confesso! Tenho pensado, refletido ou inquietado-me muito com a ausência de um olhar humanizado, um olhar para o outro como um igual, como alguém que merece a nossa atenção, o nosso sorriso, o nosso afeto, a nossa confiança… e diante da percepção dessa ausência, tenho me perguntado: que (i)mundo é esse?

Najara  Ferrari Pinheiro é graduada em Letras(FIC) e Comunicação Social (UFSM), mestre em Estudos da Linguagem (UFSM) e doutora em Ciências da Comunicação (Unisinos)

Primeiros dias pós-Carnaval, dias em que volta aquela sensação de recomeço. “Agora vai!” E hoje também inicia minha colaboração mensal aqui na Agência Central Sul. É no embalo dos (re)começos que proponho resgatar algumas reflexões sobre “autocuidado”, termo que será recorrente durante o ano.

O autocuidado está em pauta desde os últimos meses de 2018, aproximadamente quando a situação política no Brasil deu os primeiros indícios de qual caminho iria tomar. Foram inúmeros textos e vídeos produzidos sobre o assunto durante o período. Porém, com a chegada de 2019 parece que algo se perdeu. Logo nos primeiros dias, 2019 trouxe notícias que ninguém estava pronto para receber. As perspectivas e rotinas de autocuidado que estavam em pauta extraviaram-se em meio a tanto lixo tóxico, lama, racismo, mortes e tantos outros crimes. Mas se com o fim do carnaval o ano começa de novo, e dessa vez para valer, talvez seja uma nova chance para resgatar o processo de autopreservação.

Autocuidado não é sobre só usar máscara hidratante e colocar pepinos nos olhos, mas pode ser também. O processo pode ser muito mais simples e barato do que isso. É importante estar atento também para que tipo de cuidados estamos sendo conduzidos para não cairmos na lógica do consumo. Autocuidado é um ato político. É sobre encontrar meios de permanecer inteiro e não permitir ser engolido pelas crises que vão surgir nos próximos anos. Cuidar de si é estar preparado e forte para quando chegar a hora de agir.

“Em caso de despressurização, máscaras cairão automaticamente. Puxe uma delas, coloque-a sobre o nariz e a boca ajustando o elástico em volta da cabeça e, depois,auxilie os outros, caso necessário”. Quem já viajou de avião certamente ouviu essas instruções ou, talvez, as tenha visto em alguma série ou filme. Mas a questão que eu trago aqui é: você precisa estar saudável para poder cuidar dos outros, caso necessário. E quais práticas podem ser incluídas no seu dia a dia?
 Beber mais água. Água pura, por favor.
 Comer mais comida de verdade e menos industrializados.
 Ter contato com a terra. Cuidar das plantas, plantar uma árvore ou cultivar uma horta em casa. É possível mesmo para quem mora em apartamento.
 Ver os amigos. Não espere o próximo aniversário para estar perto de pessoas importantes.
 Sair sem rumo. Você não precisa esperar ter algo para resolver fora de casa.
 Consumir mais literatura e todos os tipo de arte. Elas elevam nossa sensibilidade e empatia.
 Ocupar as ruas. Passamos muito tempo em frente as telas absorvendo acontecimentos ruins de todas as partes do mundo. Várias vezes sai e pensei “ué, mas não está tudo um caos!”. Em algum lugar ainda há paz.
 Fazer terapia. Ainda é um privilégio, mas existem diversos lugares, como universidades, que oferecem atendimento gratuito. Não espere uma crise para buscar ajuda profissional.

Em uma sociedade que nos cobra constante produção, os momentos dedicados ao cuidado de si soam como privilégio. Para uma parte das pessoas é sim um privilégio, pois elas
não precisaram reivindicar o direito de cuidarem de si. Se você já pratica esses cuidados, pode ser uma boa hora para ajudar quem ainda não conseguiu.


Arcéli Ramos é jornalista egressa da UFN. Repórter da Agência Central Sul em 2015. Com pesquisas na área jornalismo literário e linguagem, hoje também estuda “Pesquisa de tendências”. É colaboradora na New Order, revista digital na plataforma Medium, e produz uma newsletter mensal.

 

A aposta da Agência Central Sul para 2019, além da produção semanal de conteúdo realizada por alunos do curso de Jornalismo da UFN, é contar com a colaboração de articulistas e cronistas egressos do curso e com professores colaboradores de outras áreas de atuação, como História e Letras.

As discussões propostas pelos colaboradores irão perpassar diversos temas do cotidiano, alguns mais espinhosos, outros mais leves – mas não menos importantes. Entre eles estão meio ambiente, a partir do olhar de Alice Balbé; feminismo e maternidade, abordado por Natália Librelotto; questões sobre LGBTQ+, evidenciadas por Deivid Pazatto; mulher e esporte, sob a ótica de Agnes Barilles; música e cinema, por Lucas Schneider; e comportamento, analisado por Arcéli Ramos; entre outros pontos de vista que permeiam as múltiplas vozes que englobam o ser e estar no mundo, vindas das percepções de Paola Saldanha, Najara Ferrari e Paula Bolzan.

Além dos artigos de opinião,  as crônicas também estarão entre as publicações. Reserve as quintas-feiras para ler Manuela Fantinel e Silvana Righi e refletir sobre as “fotocrônicas” de Julia Trombini e Laura Fabrício. Ainda, semanalmente traremos um reflexão em formato de imagem, pelas fotografias produzidas pelo LabFEM- laboratório de Fotografia e Memória do curso de Jornalismo.

Te convidamos para estar junto conosco neste período, porque o time se completa quando o que produzimos circula – repercute e retorna, isto é, quando chega até você, caro(a) leitor(a). Que possamos sensibilizar o cotidiano a partir do jornalismo de qualidade.

Equipe ACS

A noite de 29 de outubro foi, de longe, a mais difícil destes cinco anos. No momento em que abri aquela imagem, fui acometido por uma dor arrebatadora. Difícil acreditar no que estava acontecendo. Ainda mais ali, em um lugar para onde vou todas as noites. Em uma das salas que costumo ter aula. Sempre pensei que a universidade fosse um lugar para pessoas aprenderem a conviver, superar diferenças e se elevar intelectualmente. Um lugar neutro, longe da maldade do mundo. Um lugar onde as pessoas pensam, se educam e percebem seu semelhante da forma mais correta possível, como um ser humano.

Depois daquela imagem e com ela, só veio dor. Doeu na minha pele, na minha garganta engasgada com o choro de quem não acreditava. Não queria acreditar. Quando não coube mais dentro de mim tamanha tristeza, escorreu pelos meus olhos. Não só pelos meus, mas pelos olhos de todos aqueles que assim como eu, não conseguiram compreender o motivo de uma escrita tão perversa. Tão desumana. Aquelas palavras rabiscadas marcaram uma universidade inteira. Foi dolorido receber o impacto de tamanho preconceito e toda a bagagem negativa que veio com ele.

O racismo é um crime de ódio. Uma manifestação gratuita do que há de pior dentro do coração do homem. Vi muita gente chorando, de raiva, de dor. De um sentimento chamado empatia. Da capacidade de se colocar no lugar do outro e perceber o mal que fora gerado a partir do momento em que o giz foi pego para riscar aquele quadro. Vi rostos brancos, negros, pardos, de todas as cores escorrendo uma dor que a alma não tinha como suportar.

Se você me perguntar o que eu penso de ser negro? Vou te responder que ser negro em um país de brancos não é fácil. Ainda assim, tenho orgulho de minha cor, minha raça e minhas raízes. Este país foi levantado com suor e sangue negro. Pisamos em um solo que carrega a história da negritude. Um país com mais de 54% da população autodeclarada negra, não pode chamar este número tão majoritariamente gigantesco de minoria. Falta coerência nesta fala. Falta dignidade em reconhecer que o negro é discriminado. Que a escravatura foi abolida há 130 anos, mas no pensamento medíocre de uma mente doentia, o negro nunca vai deixar de usar correntes e dormir na senzala.

Não estava escrito meu nome naquele quadro. Estava escrito “Preto” e isso fere minha dignidade, minha tão simples e insignificante existência, enquanto alguém que está aqui de passagem. Não preciso que meu nome esteja lá, o racismo tem alcances muito maiores do que se possa compreender. Só sabe quem é “Preto”.

Vou lhe contar um segredo, sou feito de carne e osso. Assim como você, minha carne vai perecer e de mim só restará a lembrança de quem fui, as pessoas que toquei. Da minha pele negra, não sobrará nada. Da sua branca também não.

No momento em que partimos deste plano, deixamos tudo para trás. As roupas, a casa, o carro, tudo aquilo que conquistamos ao longo de nossa caminhada. O verdadeiro segredo que quero lhe contar é que estamos aqui para aprender. Para ajudar aqueles que precisam. Nossa tarefa não é discriminar, separar ou dividir as pessoas. É ensiná-las sobre o amor, a compaixão. Se você consegue entender o quão grandiosa é esta tarefa, parabéns.

Agora, se você entende que meu tom de pele lhe dá o direito de se ver como melhor que eu ou meus irmãos de cor, se o seu cabelo liso e suas roupas de grife lhe fazem mais importante que eu, ou se o seu olho claro consegue ver o que eu, cego, não posso ver, pois estou atormentado tentando combater meus demônios – e eles são muitos -, aí você certamente não terá aprendido nada nesta oportunidade que lhe foi dada. Vou ficar triste por você, mesmo que não queira. Não aceite! Cada um oferece aquilo que carrega no coração. Por dentro somos todos iguais, a cor da pele não pode ser tão importante assim. E se mesmo depois de tudo que falei nestas linhas, você continuar não entendendo o real significado do racismo, tente compreender então estas palavras: dor, morte, exclusão. Elas falam por si só!

A cultura do racismo precisa acabar. Este preconceito mata inúmeras pessoas todos os anos. Não podemos permitir que o ódio vença. Precisamos construir um mundo de amor. Precisamos dar as mãos uns aos outros, para que a corrente consiga ser mais forte. Mais forte que o racismo. Mais forte que a dor que hoje fala em nosso peito. Hoje é dia de dizer, basta. Racismo nunca mais!

Por Willian Ignácio, estudante de jornalismo na UFN