Santa Maria, RS (ver mais >>)

Santa Maria, RS, Brazil

violência psicológica

Até onde é amor?

“Encontre algo que você ame, e deixe isso te matar”. Essa é uma das frases de Arlequina, o casal que mais fez sucesso este ano. Mas até onde você deve deixar o amor controlar a sua

Violência contra a mulher: o relato de Ana

Antes da homologação da Lei Maria da Penha, 11.340, os casos de violência doméstica nem eram reconhecidos como violência contra mulher como é atualmente. A Lei reconheceu que as vítimas vivem sob dependência econômica e que

DSC_0040
30,5% dos casos relatam desrespeito, comportamentos rudes – puxa, empurra, belisca, xinga. Foto: Maria Luísa Viana / Laboratório de Fotografia e Memória

“Encontre algo que você ame, e deixe isso te matar”. Essa é uma das frases de Arlequina, o casal que mais fez sucesso este ano. Mas até onde você deve deixar o amor controlar a sua vida? Depois do lançamento do filme Esquadrão Suicida, o relacionamento de Arlequina e Coringa, os vilões em Batman, mais do que nunca se tornou alvo de romantização. Há quem insista em dizer que “apesar de complicado, é um relacionamento em que os dois se amam independente de qualquer coisa”. Porém, não há nada de romântico nesse relacionamento; na verdade, ele é abusivo.

O relacionamento abusivo existe quando uma pessoa usa a sua influência e poder sobre a outra; é o uso inadequado de persuasão, quando o abusador busca controlar as ações do parceiro, é possessivo e machuca o outro, psicológica ou fisicamente.

Arlequina era psicóloga de Coringa no hospício. Ele a manipula, faz ela se apaixonar e o ajudar a fugir. Mas quando ela captura o Batman para provar seu amor, ele a agride, física e verbalmente, dizendo que só ele poderia derrotar o Batman, achando-se melhor que ela. Esse complexo de superioridade também caracteriza um relacionamento abusivo.

No final, Arlequina até pensa em deixá-lo, mas isso só até receber uma mensagem do vilão, que a faz ter esperanças de um final feliz. Há quem diga que se Arlequina quisesse deixá-lo, já o teria feito. Mas assim como em relacionamentos reais, seu parceiro sabe exatamente como manipulá-la para mantê-la por perto.

Agressão, complexo de superioridade e manipulação. Comportamentos da ficção muito parecidos com os da vida real. Prova disso são os relatos anônimos de uma pesquisa realizada pela internet com 325 pessoas.

“De início ele fez de tudo para que todos à minha volta acreditassem na pessoa extremamente calma e gentil que ele dizia ser, os abusos demoraram a aparecer. Só percebi quem ele realmente era quando me contou rindo que uma ex tentou suicídio por causa dele e, por isso, ela era motivo de piada em toda conversa com os amigos. Por outro lado, as ex que o tinham deixado eram sempre más, loucas, pessoas que tentaram destruir a imagem dele. Comecei a quase não ver meus amigos e família, as agressões físicas/sexuais tinham como desculpa o fato de eu precisar ser punida pelos meus comportamentos errados. Eu sempre precisava estar marcada por grandes hematomas de mordidas, porque, para ele, essa era a única forma de mostrar a todos que eu namorava. Um dia colocou-me sentada entre a tela de segurança e a janela do prédio, a mais de dez andares do chão. Entrei em depressão profunda e me tornei a outra namorada que tentou se matar”.

Como você pode ver, relacionamentos abusivos são mais comuns do que se imagina. Segundo uma pesquisa feita pelo Instituto Avon, em parceria com o Data Popular, a cada 5 jovens, 3 já sofreram algum tipo de violência nos relacionamentos. Na pesquisa feita pela internet, com 325 pessoas (284 mulheres e 41 homens) entre os dias 19 de outubro e 5 de novembro deste ano, 197 disseram que já tiveram um relacionamento abusivo.

Mas o que caracteriza um relacionamento abusivo afinal?

_DSC0013
Faz você se sentir incapaz de tomar decisões. Foto: Caroline Costa / Laboratório de Fotografia e Memória

Diferentemente do que muitos imaginam, relacionamento abusivo não é sinônimo de agressão física. De acordo com a psicóloga Renata Krug, pós-graduada em Terapia de Casal e Família, um relacionamento é abusivo quando alguém fere os direitos do outro de pensamento e liberdade. Na sociedade atual, esses limites estão borrados e muita coisa pode ser aceita. Todavia, alguns comportamentos serão sempre abusivos, como agressão física, sexual, verbal e moral. A relação abusiva é caracterizada como o desejo de controlar o parceiro e tê-lo para si, é colocar a pessoa no lugar de “coisa”.

Definir quando um relacionamento é abusivo pode ser muito difícil, porém, os principais indicativos desse tipo de relação são: ciúme exagerado, sentimento de posse, controle sobre as decisões e ações do parceiro, vontade de mantê-lo em isolamento, violência verbal e/ou física, relações sexuais obrigadas.

De acordo com a delegada Débora Dias, titular da Delegacia Especializada de Atenção à Mulher de Santa Maria, todo tipo de violência pode ser denunciado: lesão corporal, ameaças, constrangimentos, injúria, difamação, calúnia, cárcere privado, estupro, etc. A Lei 11340/06, conhecida como Lei Maria da Penha protege todas as mulheres de agressões físicas, morais e psicológicas, incluindo mulheres lésbicas, trans e bissexuais que sofrem violência doméstica e familiar. Ela também pode ser aplicada por analogia para proteger homens, isso por não existe lei similar para os mesmos.

O maior problema dos relacionamentos abusivos é que eles são difíceis de identificar. Normalmente, as agressões são sutis.  Nos relatos da pesquisa feita pela internet é possível perceber algumas atitudes aparentemente normais que passam a ser indício de relações opressoras.

“No começo achava que era ciúmes normal de início de namoro, mas depois foi se tornando algo doentio, insuportável. Ele começou a colocar defeito em tudo, na roupa que eu usava, nos amigos que eu tinha, queria me privar de fazer qualquer coisa e me ameaçava dizendo que se eu terminasse com ele iria se afundar no mundo das drogas. Teve uma vez em que ele me ligou dizendo que estava em cima duma ponte e iria se jogar, caso eu não fosse para casa em 5 minutos. Acredito que aguentei isso por acabar aceitando o que ele pedia por ter no pensamento a frase “vou fazer isso para não me incomodar” e acabava cedendo as suas chantagens. Eu temia terminar com ele por medo do que ele seria capaz de fazer comigo e com ele mesmo, e eu iria me sentir culpada”.

4_grafico

O abusado

DSC_0007
Foto: Maria Luísa Viana / Laboratório de Fotografia e Memória

A psicóloga Renata Krug explica que “muitas pessoas não conseguem se libertar de um relacionamento abusivo porque estão psicologicamente e/ou socialmente ligadas ao agressor”. Muitas vezes, depende dele, inclusive, financeiramente. Outra questão é que muitas vezes a pessoa pode ter sido criada em uma situação abusiva e, por isso, acredita que aquilo é normal. A delegada Débora Dias conta que o principal motivo das vítimas voltarem atrás e retirarem as denúncias é o medo, mas tem ainda a falta de apoio familiar, a situação econômica, os filhos, a autoestima baixa, entre outros. Ela também ressalta que é muito importante desde o início do relacionamento que se preste atenção nas cenas de ciúmes excessivo, “que não são sinais de amor, mas de posse.  Jamais se deve ceder em mudar de roupa, cabelo, maquiagem ou trabalho porque o parceiro não gosta. Há milhares de pessoas no mundo, alguém vai gostar e ponto. Temos que prestar atenção e preservar nossa dignidade, respeito e amor próprio em primeiro lugar”.

O abusador

Geralmente a pessoa que passa por situações abusivas acaba reproduzindo nos outros um vínculo semelhante, mesmo que de forma inconsciente. Ela pode estar na posição de agressora por ter a sua autopercepção tão crítica que teme ser enganada, traída ou derrotada pelo outro o tempo todo. Isso é muito comum em homens que sofrem bullying ou presenciam violência em casa quando crianças. É o que mostram os dados em que 64% dos agressores já presenciaram violência contra a mãe, conforme pesquisa da Avon.

Crianças que foram criadas sem atenção e sendo mandadas por seus pais, reproduzem o mesmo pensamento com seus filhos, diz a psicóloga Renata. Segundo ela, “o acesso ao estudo, cultura, pensamento crítico e a profissionais da saúde é muito importante. Estes ajudam a problematizar a situação e pensar criticamente em outras possibilidades”.

Veja a seguir o relato de uma menina que alega ter sido a abusadora:

“Quando eu estive na posição de opressora, obviamente não percebia isso e nem conhecia a expressão relacionamento abusivo. Apenas agora vejo o que fiz, depois de muitos anos, pois sentia prazer em ter alguém submisso, não sabia os efeitos que isso teria. Quando terminamos, meu ex tentou se matar. Um ano depois voltamos e ao terminar, ele tentou de novo. Logo depois, ele começou tratamento para depressão. Eu não tinha conhecimento do extremo que a situação tinha chegado”.

Consequências do abuso

Essas experiências podem deixar algum tipo de trauma. A vítima pode ter medo de se relacionar de novo, ter problemas de ansiedade, pesadelos, retração e se torturar com perguntas como o motivo de ter escolhido uma pessoa assim, ou como não percebeu que aquilo estava acontecendo. A psicóloga Renata diz que os sintomas são inúmeros e que dependem da personalidade e da capacidade de resiliência do psicológico de cada pessoa. Na maioria das situações é necessário um tratamento multidisciplinar. Por isso é bom contar com ajuda de profissionais da saúde, como psicólogos ou assistentes sociais. É importante trabalhar a autoestima e entender o que levou a pessoa a manter um relacionamento insatisfatório.

Amigos e familiares 

É possível que a vítima não se dê conta da situação em que está ou se recuse a acreditar na verdade. De acordo com Renata, a família e os amigos podem ajudar a pessoa a identificar o abuso e se livrar do que a impede de seguir. Embora essa ajuda seja necessária, ela nem sempre acontece. É complicado admitir para as pessoas próximas que você foi uma vítima e, muitas vezes, quando se dispõe a falar pode ser criticada e ouvir expressões como “eu não sabia que você era ingênua a esse ponto” ou “é gostar de ser trouxa”, “como você deixa ele fazer isso”? A questão não é deixar ou gostar, o problema está nos abusos mascarados do dia a dia, e frases como essas acabam deixando a pessoa com a autoestima ainda mais baixa. A pessoa que é abusada não é culpada pelo que sofreu. O coletivo UNAS diz que o mais importante é não estar sozinha e ter apoio de familiares e amigos é essencial. “A culpa não é de vocês! Não há palavra, ação, comportamento seu que justifique abuso por parte de qualquer pessoa. Reconhecer um relacionamento abusivo é doloroso e sair dele é mais complicado ainda, mas lembre-se que você merece o melhor, é forte e não está sozinho”. O amor não abandona, nem ameaçada, nem agride, isso é abuso.

box

Por Ariadne Marin, Bibiana Iop, Flora Quinhones e Mariana Olhaberriet para o Jornal Abra

 

Maria da penha (Série de reportagens)-01Antes da homologação da Lei Maria da Penha, 11.340, os casos de violência doméstica nem eram reconhecidos como violência contra mulher como é atualmente. A Lei reconheceu que as vítimas vivem sob dependência econômica e que ela vive com o agressor. Hoje, as mulheres que denunciam casos de violência doméstica recebem auxílio do governo, programas de assistência e acompanhamento psicológico. Porém, antes de 2006, os casos de agressão ficavam debaixo dos panos, pois a vítima não tinha esse aparato de proteção e justiça.
Na série de testemunhos de mulheres sobre as violências sofridas captados pela  repórter-aprendiz Amanda Souza, diferentes idades, experiências, dor, lucidez e alívio. Os nomes foram trocados por decisão da equipe de edição da ACS.

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”600px” center=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Metade dos relatos ao Ligue 180 feitos no ano passado tratou de violência física. Em 72% dos casos, as agressões foram cometidas por homens com quem as vítimas mantêm ou mantiveram uma relação afetiva. Do total de relatos de violência registrados pelo serviço, 50,16% foram de violência física; 30,33%, de violência psicológica; 7,25%, violência moral; 2,10%, violência patrimonial; 4,54%, violência sexual; 5,17%, cárcere privado; e 0,46% referiram-se a tráfico de pessoas.[/dropshadowbox]

Ana e a naturalização da violência doméstica 

Ana conheceu o ex-marido, Otávio, em Santa Maria, no ano de 1991. Dois meses depois de começarem o namoro, casaram e mudaram de cidade.  O casamento logo mostrou o caráter de Otávio. Os abusos psicológicos já eram recorrentes no casamento, mesmo antes da gravidez do primeiro filho do casal. As brigas, no início do casamento, se davam por causa do filho mais velho, do primeiro relacionamento de Ana. “ – Quando ele judiava do meu filho mais velho, eu brigava muito. Era um ciúme horrível dos meus primos, sobrinhos e do meu próprio filho. Não podia ficar perto dele”, conta ela.

As agressões continuaram e, quando o primeiro filho do casal, Léo, fez quatro meses, Ana ateou fogo no próprio corpo, em um meio a um abuso psicológico marcado por uma violência verbal intensa. Era o auge da depressão e da negligência. Otávio achava  “bobagem” os sintomas da esposa e continuava a proibi-la de sair, conversar, visitar parentes e amigos. “Nós nunca saíamos, para viajar, de férias, ou ir ao parque, numa praça… ele odiava… nas apresentações de colégio dos meninos, ele não queria ir”, relata.

A vida em família ficou insustentável, porque o marido também não conseguia os manter financeiramente. Era Ana quem assegurava as contas. Ela conta que sempre trabalhou muito para dar o melhor aos filhos, enquanto Otávio trabalhava quando queria. Nessa época, Ana narra ter ouvido ofensas várias: “-Tu não consegue criar teus filhos”; “ – Minha ex-mulher era melhor que tu”; “ – Esse menino (o mais velho) é bastardo”; “ – Te conheci na rua, tu é ‘uma qualquer’ ”.

O casal se separou diversas vezes. Quando a família retornou para Santa Maria, Ana começou a trabalhar numa lancheria própria e, voltou a morar com o marido por ter muito medo de ficar sozinha.  “Nos separamos umas 10 vezes, mas ele aparecia, entrava na minha casa como se nada tivesse acontecido depois de quatro meses fora”. Ela conta que ele trazia flores e presentes, mas nunca realmente pediu desculpas. “Eu tinha um medo de que meu filho mais velho fizesse algo, porque meu marido vivia destratando ele. Não deixava ele comer sem pedir, dizia que ele ia se drogar… então eu estava sempre em volta, cuidando e nervosa”.  O filho mais novo cresceu e o filho mais velho saiu de casa quando casou. No entanto, as brigas e agressões continuaram. Ana praticamente sustentava Otávio. E além do sustento da casa, pagava as viagens dele à trabalho.

Violência física e psicológica

Relato de Ana (Mat ACS)[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”600px” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]3 em cada 5 mulheres jovens já sofreram violência em relacionamentos, aponta pesquisa realizada pelo Instituto Avon em parceria com o Data Popular (nov/2014). [/dropshadowbox]

Quando a mãe de Ana faleceu, há 5 anos, deixou  a casa como herança. Ana e o filho mais novo, Léo,  foram morar nela, deixando Otávio sozinho da moradia antiga.  Abalada pela perda da mãe, Ana deixou na antiga casa parte dos equipamentos de trabalho. Quando ela voltou para buscá-los para voltar à lancheria, o ex-marido não queria devolvê-los. “Tive que obrigá-lo a me dar meus equipamentos e, ainda,  vi que ele acabou perdendo todos os meus clientes, pois não conseguiu manter o negócio”. Otávio, então, foi embora para Passo Fundo, e ainda telefonava  regularmente para saber da vida de Ana e de Léo.  Nessas ocasiões estava diferente, bem-humorado, calmo. No entanto, Otávio voltou de Passo Fundo sem dinheiro, e implorou para Ana aceitá-lo em casa por uns três meses, até arranjar um emprego. “Conversei com o Léo, perguntei o que ele achava de o aceitarmos de volta, e então decidimos ajudar. Deixei ele ficar na minha casa”. Ela conta que levou em consideração o fato de que quando ele trabalhava e tinha dinheiro, ficava bem. “Otávio era carinhoso apenas quando bebia. Brincava com o filho, era tranquilo, porém, no outro dia voltava a ser implicante, arrogante e agressivo” , conta. Após dois meses, a agressividade começou novamente.

A fragilidade mental em que o agressor colocava Ana era intensa. Ela engravidou novamente do marido, mas perdeu o bebê algumas horas depois do nascimento, no hospital, ela estava arrasada, e nem podia externalizar sua tristeza. “Eu não podia ficar triste, ou chorar, ele (Otávio) me impedia disso, não podia expressar meus sentimentos. Quando minha mãe faleceu, as vezes me recordava dela e chorava, e ele dizia ‘não chora!’, quando perdi meu bebê também, nem no hospital, ele falava com rispidez ‘tu não chora!’ ”.
Há um ano e meio, antes da separação definitiva do casal, eles estavam discutindo e Otávio jogou um balde com pedras contra Ana, porque ela disse algo que o incomodou. “Era assim, qualquer coisa que eu falasse quando ele estava agressivo, coisas eram arremessadas contra mim ou ele me batia“.   Ana saiu de sua casa com o filho e, algum tempo depois, foi até lá (onde o agressor mora). Mais uma vez, Otávio a agrediu e ameaçou. Foi quando Ana decidiu mudar de atitude. Registrou ocorrência e deixou registrado que ele estava morando na residência que era herança da mãe dela. 

A superação

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”600px” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]56% dos homens admitem que já cometeram alguma dessas formas de agressão: xingou, empurrou, agrediu com palavras, deu tapa, deu soco, impediu de sair de casa, obrigou a fazer sexo. Saiba mais sobre as “Percepções do Homem sobre a Violência Contra a Mulher” (Data Popular/Instituto Avon 2013). [/dropshadowbox]

Depois de sete anos do episódio em que Ana ateou fogo contra o próprio corpo, ela decidiu se separar e refazer sua história de vida. “Nem que eu fique passando necessidade, vou embora”. Ela continua na casa que alugou e se mudou com Léo. Otávio está até hoje morando na residência de Ana, pagando aluguel para ela. “Mas ele ainda vêm aqui (na nova casa) com alguma desculpa, para saber como o Leozinho está, ou qualquer outro pretexto para se aproximar. Hoje, com minha vida refeita, meu trabalho, meu carro, não dependo mais dele. Eu cuido da minha vida, sou dona da minha vida. E não tenho como voltar, tenho certeza, porque ninguém muda se não quer. Ele não vai mudar, só tenho pena dele“.  Ana fez tratamento para ansiedade, com medicamentos, fez cursos, arrumou o bar na frente da sua casa atual e continuou trabalhando. Ela conseguiu iniciar o tratamento só depois de separada, pois durante o casamento nunca pôde sair para consultas ou mesmo para comprar os remédios.

Ana disse que resgatou sua vida de volta com muita força de vontade, e precisou ter muita determinação para superar tudo que Otávio fez.  Ela considera a lei Maria da Penha muito importante, porque  antes as vítimas denunciavam e nada acontecia. Os homens não tinham medo.  Segundo ela, apesar de ainda ter muitas vítimas de violência doméstica, hoje os homens têm medo da lei, do que possa acontecer com eles. “Antes mesmo da lei, não se dava importância para abuso psicológico. Meu marido usava o fato de ler e conhecer mais assuntos do que eu contra mim, ele trabalhava com revista jurídica, então essa ‘cultura’ era algo que utilizava também para me atingir“.

Ana acredita que deveria ter análise psicológica nos agressores, um tratamento com eles, para interromper o ciclo de violência. Ela ressalta que poderia ter um amparo psicológico maior às vítimas, porque a violência psicológica é algo muito forte e que prejudica a mente da vítima, seu raciocínio, sua moral. “Pensei em me matar muitas vezes depois, mesmo separada, por causa de todos os danos emocionais que meu ex-marido causou. Eu pensava ‘por que eu vivo?’, não tinha razão para viver. Hoje eu consigo seguir por mim mesma, quero ver meu filho formado, se Deus quiser“.