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vulnerabilidade

A lei  Nº 8.069, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), entrou em vigor em 1990 com o intuito de proteger crianças e adolescentes regulamentando medidas que garantam os direitos de seus sujeitos. É através do ECA que os direitos à  vida, saúde, liberdade, respeito, dignidade, convivência familiar e comunitária, educação, cultura, esporte, lazer e outros que garantem a livre cidadania. 

Da política de atendimento, o estatuto dá ênfase a uma rede de integração entre  órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social que atuam de forma conjunta para garantir a efetivação das garantias dos direitos das crianças e adolescentes. Esses atendimentos podem ser realizados também por entidades não governamentais, contanto que essas estejam registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Imagem de Goran Horvat/Pixabay.

Educação no contexto de vulnerabilidade social

Em Santa Maria a Escola Estadual Paulo Freire (EEPF), conhecida como Escola Aberta, atende alunos que se encontram em vulnerabilidade social, encaminhados por órgãos de proteção à infância e adolescência. É através de um trabalho especial de atenção que os estudantes encontram apoio para suprir as necessidades de cada um e um acompanhamento aproximado para evitar  a evasão escolar.

A EEPF tem em seu plano pedagógico a definição de atendimento a alunos que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Segundo Daniela Gonçalves da Trindade, coordenadora pedagógica, muitos dos alunos não têm acesso a infraestrutura como água e luz. A escola oferece turno integral, onde logo pela manhã o aluno tem um acolhimento com café da manhã, lanches entre as aulas e também a oferta de banho ao meio dia, antes das oficinas do turno da tarde.

 A escola tem o total de 43 alunos que, diferente das demais escolas, trabalha no máximo com 10 alunos por sala em cada uma das 4 etapas, e não por séries. As etapas se dividem a cada duas séries de forma que atenda às necessidades educacionais dos estudantes que, em sua maioria, não se encontram no sistema série/idade. Desta forma os educadores conseguem garantir a atenção necessária para o aluno, diferente do que costuma ocorrer em salas de aula que contam com mais de 30 alunos que se encontram na mesma média de idade.

Além do trabalho diferenciado dentro das escolas, a equipe educacional também realiza visitas à casa dos estudantes para um acompanhamento mais próximo com vistas a uma melhor compreensão de suas necessidades. Para Emilton Faccin, agente educacional da escola, a maioria dos alunos tem uma realidade social de violência que a sociedade invisibiliza. “A maioria não recebe afeto e carinho. A  escola passa não apenas a educar, mas também a cuidar do aluno. Marcamos consultas, levamos para vacinar, temos convênio com dentista, são demandas que outras escolas dificilmente dariam conta.”, afirma Emilton.

 Como a escola não possui ensino médio, muitos dos alunos que se formaram na EEPF não procuraram outras escolas para dar seguimento aos estados. Segundo Daniela, muitos alunos ficam no aguardo de que a escola passe a oferecer o ensino médio. Isso se dá pelo vínculo criado através de uma atenção diferenciada oferecida na Paulo Freire. 

Atendimento em Assistência Social

Interior da antiga instalação do CRAS Norte. Foto: Nathália Arantes

Santa Maria conta com dois Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) que integram o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) desenvolvendo serviços de proteção social, atendendo indivíduos e família.  O serviço, que se destina ao atendimento e acompanhamento de indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade social, também presta atendimento a crianças e adolescentes, apesar de não ser restrito apenas a esses. O ECA define que as entidades de atendimento são responsáveis pelo planejamento e execução de programas de proteção em regime de orientação e apoio sócio-familiar. Segundo o “Ações de Proteção a Crianças e Adolescentes contra violências: levantamentos nas áreas de saúde, assistência social, turismo e direitos humanos” (2018), do Ministério dos Direitos Humanos, por compreender família como um espaço contraditório e de tensões, este espaço é trabalhado com enfoque em seu contexto cultural e econômico com suas composições distintas e dinâmicas próprias.

Apesar de constar no site da Prefeitura Municipal de Santa Maria a existência do CRAS Norte, no bairro Chácara das Flores, o usuário que se desloca até o endereço se depara com um prédio que através de um grafite identifica o centro de referência, porém o espaço se encontra em situação de abandono com uma estrutura extremante danificada, sem janelas e o teto caído.

Informações no site da PMSM

 

Por meio de contato da reportagem com a Secretaria de Desenvolvimento Social do município, foi informado que o prédio era cedido à prefeitura e que toda a estrutura estava danificada. Segundo Daniele Lang, assistente social,  já está em fase de tramitação o projeto de um novo prédio que está passando por reformas de adequação e deve estar funcionando no início de 2020. Após seu fechamento, em dezembro de 2018, o CRAS Norte tem realizado atendimentos à domicilio e no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), localizado no bairro Nossa Senhora do Rosário.

Os CRAS  que hoje atuam em Santa Maria se localizam em Camobi e no bairro Santa Marta. A reportagem também entrou em contato com o COMDICA duas vezes para compreender como a rede de integração se estabelece na cidade, mas não obteve retorno.

Políticas Públicas e a Participação das Universidades

Pioneiro no Brasil, o Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente (NEJUSCA) da Universidade Federal de Santa Catarina estuda questões sociais e jurídicas dos direitos das crianças e adolescentes, se afastando da ideia menorista que coisificava a criança. Através de uma rede de promotores, juízes e demais profissionais da área do direito, o NEJUSCA atua também diretamente com a comunidade, através de palestras e seminários em escolas. Daniela Richter, professora adjunta do curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ressalta a importância do núcleo do qual também é integrante: “É uma relação importante que a academia tem de concretizar os direitos a partir da parte prática, auxiliando crianças que se encontram em situação de vulnerabilidade, resolvendo problemas educacionais desenvolvendo vínculos com a comunidade.” 

Em Santa Maria não há nas universidades algum núcleo específico na área do direito da criança. Dessa forma, muitas demandas acabam não sendo trabalhadas. Daniela, que já coordenou a Cátedra de Direitos Humanos da Faculdade Metodista Centenário, salienta que, na época, desenvolveu muitas ações na área da infância, trabalhando também atendimento a adolescentes infratores.

Professora Daniela Richter (Arquivo Pessoal)

A professora destaca que o direito da criança nasce de uma concepção bem distinta dos demais. Isso ocorre por reconhecer que a criança está em processo de desenvolvimento e, por isso, necessita de direitos específicos. Para Daniela, questões como violência, saúde e educação ainda devem ser amadurecidas e trabalhadas através de políticas públicas, para que haja uma efetivação da garantia dos direitos das crianças e adolescentes.

Quando se trata de políticas públicas com a finalidade de assegurar os direitos das crianças e adolescentes, a professora reconhece inúmeros programas e ações, como o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (COMDICA), mas salienta que a cidade tem capacidade de trabalhar para um maior desenvolvimento de ações de políticas públicas. “Poderíamos trabalhar muito mais neste sentido com a quantidade de universidades que há em Santa Maria e seu potencial humano. É neste sentido que deixamos a desejar. Mas o poder público como um todo, apesar de maneira rasa, tem feito este tipo de atendimento. Muitas vezes não acaba sendo da maneira ideal como prevê o estatuto, mas está ali a disposição.” afirma Daniela.