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Os óculos da sociedade

Incluir “os invisíveis”, captar as diferenças sociais, identificar forças e não fragilidades que as diversas situações de vida impõem. Esses são alguns dos tópicos levantados e discutidos pela  Política Nacional de Assistência Social (PNAS), que tem

Incluir “os invisíveis”, captar as diferenças sociais, identificar forças e não fragilidades que as diversas situações de vida impõem. Esses são alguns dos tópicos levantados e discutidos pela  Política Nacional de Assistência Social (PNAS), que tem como objetivos prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social, contribuir com a inclusão e a eqüidade dos usuários e grupos específicos. Em instituições de Santa Maria, a PNAS é a base da prestação dos serviços realizados.

O Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cededica), a Casa de Passagem para Adultos Pousada Acolher e a Unidade de Saúde Casa 13 de Maio são exemplos dessas entidades. Elas recebem, acolhem e auxiliam pessoas que – em muitos casos – estão à margem da sociedade, que foram excluídas e sofrem da invisibilidade social.

Cededica e a prevenção da criminalidade

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Imagem: Divulgação

O Cededica é conveniado ao Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) e presta serviço de execução de medidas socioeducativas em meio aberto à crianças, adolescentes e jovens. A organização, que já conquistou o certificado de utilidade pública estadual, atua há 11 anos, e hoje conta com uma equipe formada por 20 pessoas – entre estagiários, psicólogos, assistentes sociais, instrutores de oficinas, enfermeiros e advogados.

Conforme Marcelo Peixoto Marques, professor da instituição, o adolescente ou jovem chega ao Cededica encaminhado pela Vara da Criança e do Adolescente para cumprir a medida determinada em audiência. Quando um ato infracional é cometido, um Boletim de Ocorrência é efetuado e o jovem é chamado para uma audiência, na qual poderá ser aplicada uma advertência, ou definida uma medida que deverá ser cumprida. Entre elas estão a Liberdade Assistida (LA) e a Prestação de Serviço à Comunidade (PSC).

Em conjunto com a LA ou PSC, oficinas e atividades são propostas. A oferta dessas oficinas acontecem, quase em sua totalidade, por projetos via Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica) ou Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), que lançam editais – semestral ou anualmente -, e desta forma os projetos são formulados. “Os projetos são constantes, até porque a demanda se renova. Eles duram no máximo um ano e, então, é necessário reescrever”, explica Marques.

equipe cededica
Equipe do Cededica. Foto: Arquivo pessoal

Ainda de acordo com Marques, para trabalhar no Cededica ou em qualquer outro lugar que aplique medidas socioeducativas é preciso ter perfil para trabalhar e atender às demandas dos adolescentes e jovens. “Com o tempo de atuação no Cededica, a gente adquiriu um perfil. Nós construímos uma metodologia, que até então, era desconhecida em Santa Maria e, hoje, tudo isso é normal”, considera.   

Marques destaca que o atual cenário político afetará o trabalho desenvolvido pelo organização. “Se a gente fosse analisar o contexto político do país e o tempo do Cededica, ele foi formado em um período onde as políticas sociais eram bem fortes. Estamos caminhando para um desmonte de tudo isso . O futuro é bem incerto”, pressupõe.

Outro ponto destacado é a necessidade de uma conscientização por parte da comunidade a respeito dos serviços prestados pelo Cededica. “É importante as pessoas saberem o que nós fazemos e de que forma executamos”, afirma. Marques observa que em comparação com alguns anos atrás, o preconceito diminuiu, mas há ainda um trabalho de conscientização sobre Cededica.”Investir em medidas para adolescente em conflito com a lei é investir em educação e no melhor para a sociedade também”.

13 não é azar

A Casa 13 de Maio é uma unidade de saúde ligada à Secretaria Municipal de Saúde. Os atendimentos realizados estão relacionados ao acolhimento, aconselhamento, orientação e encaminhamento de exames a pessoas que contraíram algum tipo de Doença Sexualmente Transmissível (DST). O nome da unidade está relacionada ao nome da rua em que se localiza há oito dos 17 anos em que presta serviço.

A equipe formada por médicos infectologista, ginecologista, nutricionista, assistente social, clínico geral e psicólogo presta, entre outros serviços, aconselhamento as pessoas que buscam a Casa 13 de Maio. “Aconselhamento serve para desmitificar a cerca das infecções sexuais, principalmente do Vírus da Imunodeficiência Humana(HIV), e poder conversar sem tabu sobre sexualidade”, explica  psicóloga da unidade Cláudia Magalhães.

A Casa 13 de Maio também realiza testes rápidos – que entre 30 e 50 minutos, já apontam o resultado –  para o diagnóstico de DST’s, entre elas o HIV. O exame confirmatório, que deveria ser feito também na unidade, é realizado em laboratório, pois falta material.

A procura pelo centro de especialidade pode ocorrer de duas maneiras: encaminhadas por unidades de saúde ou por livre demanda. De acordo com  James Pizarro, assistente social, as pessoas buscam mais  pela Casa 13 de Maio do que outras unidades de saúde por não sofrerem nenhum tipo de julgamento e preconceito. “Não se faz juízo de valor. Não trabalhamos com a perspectiva de certo ou errado. Nós tratamos como uma doença qualquer e, por isso, talvez, eles buscam a unidade” , explica Pizarro.

Andréa Lenz
Andréa Lenz destaca os principais motivos para o aumento no número de infecções sexuais. Foto: Rodrigo Savian/ Laboratório de Fotografia e Memória

Em relação ao número de infecções, apenas na Casa 13 de Maio foram diagnosticados 120 novos casos – desde o começo de 2016 até o início do mês de novembro do mesmo ano. Para a enfermeira Andréa Lenz, um dos principais motivos para o alto número, além da banalização, é a falta de informação e divulgação de informações a respeito de sexualidade e DST’s. “Falta equipe que trabalhe com educação sexual no ensino médio e superior. Recebemos muitos universitários, jovens sem informação”, alerta.  Pizarro também acredita que há necessidade da realização de um trabalho nas escolas. “É preciso de um corpo forte e capacitado dentro das escolas que consiga replicar isso com os professores”, destaca.

Ainda sobre a falta de espaço para a discussão da temática, Pizarro e Andréa concordam que  programas educativos permanentes e planejamento de abordagens são uma forma de  prevenção. “Não conseguimos fazer algo em conjunto com a assistência e a educação, essa fragmentação dificuldade a integração”, considera Pizarro. Além disso, Andréa destaca que mesmo realizando um trabalho de aconselhamento, a Casa 13 de Maio presta um serviço assistencial e oferece apoio de psicólogos e assistentes sociais, mas que é necessário um trabalho específico no âmbito da educação.

Pizarro
Para Pizarro, falta espaço para debate sobre sexualidade e programas educativos relacionados a prevenção. Foto: Rodrigo Savian/ Laboratório de Fotografia e Memória

Embora qualquer tipo de DST seja carregada de preconceitos, quem contrai HIV sente esse preconceito ainda mais forte. “Nos tornamos interlocutor de pessoas que não são escutadas por ninguém”, ressalta Pizarro. O tratamento para retardar a progressão da doença possibilita que se viva normalmente. Conforme a enfermeira, não há mortes causadas diretamente pelo HIV, a menos que o paciente abandone o tratamento – que é gratuito –  e seja acometido por doenças oportunistas.

De acordo com Andréa, a partir dos 14 anos ou quando se inicia a vida sexual, é recomendada a busca por orientação e exames. “O vírus é democrático, não escolhe idade, cor, condição econômica, peso. É uma questão comportamental”, explica. Como exemplo, a enfermeira cita o caso de duas senhoras, com mais de 60 anos, que contraíram o vírus.

A Casa 13 de Maio oferece espaço para a realização de testes, aconselhamentos e orientações. Porém, esse espaço não é o adequado. Segundo Pizarro e Andréa, não há capacidade para receber as pessoas que procuram pela unidade. “Eu não tenho sala. Uma equipe multidisciplinar  precisa dividir o mesmo local”, explica Pizarro. Há necessidade de um local mais apropriado, um espaço para o paciente.

A unidade presta um serviço delicado e participa de momentos frágeis e decisivos.“É um processo de escuta”, acrescenta Andréa. Pizarro destaca que a  Casa 13 de Maio acolhe todas as pessoas, e estas buscam a Casa por se sentirem à vontade e não serem condenadas. “Atendemos a  todos da mesma maneira. Não deixamos ninguém”.

Saiba a localização das instituições:

 

Acolher e dar passagem para o melhor

A Casa de Passagem Pousada Acolher atende pessoas em situação de rua, em trânsito ou que vem até a cidade para a realização de tratamento. Com um grupo formado por um gestor e equipe técnica – psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e monitores -, a casa tem capacidade para prestar serviço até 50 pessoas. Até o final de 2016, 42 pessoas estavam instaladas no local.

Conforme Araceli Santos de Paula, enfermeira da casa de passagem, o atendimento realizado é ininterrupto, e a Pousada Acolher atende 24 horas por dia. “A equipe técnica se reúne e começam os encaminhamentos e a busca por um lugar para eles ficarem”, explica Araceli sobre o processo de acolhimento.

Pousada Acolher
Casa de Passagem para Adultos Pousada Acolher. Foto: Juliana Brittes/ Laboratório de Fotografia e Memória

A Pousada Acolher oferece refeições – café, almoço e janta -, atendimento psicológico e médico e oficinas.  Os investimentos recebidos para a manutenção do local são de responsabilidade do governo. “O município repassa a verba, e  a casa precisa gerenciar entre alimentação, infra-estruturar e gasolina”, explica Ana Carla Goulart, coordenadora da instituição.

A casa não é de longa permanência. As pessoas podem ficar até 30 dias na pousada, mas em alguns casos, quem procura a Acolher não tem outro lugar para ficar e acaba permanecendo meses na casa de passagem. “Temos pessoas que já estão aqui há seis meses. São pessoas que têm conflitos familiares, que já não tem mais nenhum vínculo com a família”, exemplifica Ana. A coordenadora explica que em alguns casos, o uso de drogas e álcool pode ser o motivo para o rompimento com os laços entre parentes.

Segundo Araceli, o ideal seria se houvesse residenciais terapêuticos gratuitos para atender algumas pessoas que buscam a casa de passagem, pois há clínicas particulares, mas quem busca pela Acolher não tem condições econômicas para se manter nesses lugares. Em alguns casos, a Acolher busca o Ministério Público para conseguir benefícios e curador para a pessoa, contudo, o processo é lento, já que não há um lugar especializado para esse tipo de atendimento. “Também fazemos encaminhamentos, como para o Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), para que possam receber atendimento psicológico, fazemos visitas nas famílias para tentar reinseri-los”, conta a enfermeira.

Os acolhimentos de ruas também são realizados. Quando há a informação de pessoas em situação de rua, a casa de passagem faz abordagens, com o intuito de levar a pessoa até a Pousada Acolher. Porém, conforme Ana, há resistência por parte de alguns. “Às vezes as pessoas estão no frio, mas não querem vir. Eles dizem que tem liberdade. Aqui eles podem ir e vir, mas tem regras, horário para as refeições”, explica. Após o período de estadia, a casa ainda acompanha as pessoas por seis meses.

Casa de passagem
Ana Carla Goulart fala sobre o vínculo criado com as pessoas que passam pela casa de passagem. Foto: Juliana Brittes/ Laboratório de Fotografia e Memória

De acordo com a coordenadora e a enfermeira da Pousada Acolher, é necessário ter perfil e gostar do trabalho. “Eu procuro me colocar no lugar deles, temos que ter empatia. Cada um tem uma história pra contar. Eles têm confiança na gente”, afirma Araceli. Entre as pessoas que passam pela casa de passagem, há diversas histórias e  personagens que a partir da Acolher conseguem se restabelecer. “A maioria chega na  casa de passagem porque é o último recurso. Eles criam um vínculo com a gente. Adoro poder ajudar o próximo, eles precisam de qualquer coisa, até de um sorriso”, conclui Ana.

Acolher, ouvir, atender, cuidar. Pequenos gestos que podem ser importantes para pessoas que são “invisíveis” na  sociedade. Instituições como Cededica, Casa 13 de Maio e Pousada Acolher são os óculos que permitem que esses sujeitos sejam vistos pelos demais, e assim possam ser  reconhecidos, atendidos e terem suas necessidades sanadas.

 

CONTATO

Cededica

  • Telefone(s): (55) 3027-4007/ (55) 3025-4007
  • E-mail: santamaria@cededica.org.br
  • Site: www.cededica.org.br

Unidade de saúde Casa 13 de Maio

  • Telefone(s): (55) 3223-7038

Casa de Passagem

  • Telefone(s): (55) 3015-1518