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Santa Maria, RS, Brazil

Entrevista: Alex Monaiar, uma das vozes que organizaram a Mobilização em Santa Maria

 

Alex Monaiar, coordenador do DCE da UFSM, foi entrevistado pela ACS. Foto:arquivo.

Alex Barcelos Monaiar tem 24 anos e é estudante de psicologia. Ele também é coordenador-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e um dos organizadores dos protestos que aconteceram em Santa Maria na quinta-feira (20) e no sábado (22). Pâmela Matge da ACS conversou com ele sobre como o movimento adquiriu a proporção que atingiu.  

ACS Como é que o protesto começou a se articular em Santa Maria? 

Alex: Iniciou depois que a ATU propôs reavaliar o preço da tarifa (entende-se aumento) na reunião do Conselho Municipal de Transporte (CMT) dia 10 de junho. Sou representante do DCE nesse conselho, levei o relato da reunião para o grupo. Após, nos reunimos com os Diretórios Acadêmicos da UFSM no Conselho de DA’s e propomos uma agenda de mobilizações (panfletagem, debate e marcha) na cidade sobre a qualidade do transporte público e mobilidade urbana, para começar um diálogo com a cidade para que no momento que fossem aumentar o preço todos já estivessem cientes do que estava acontecendo. Após, nos reunimos com movimentos sociais, sindicatos e outras entidades da cidade que sempre foram nossas parceiras nessa luta pelo transporte público e acertamos a construção do debate que depois acabou virando um ato, na quinta, e da marcha, tendo o apoio desses grupos. Nesse meio tempo estouraram as manifestações no Brasil. A ATU ficou com medo das mobilizações e divulgou nota dizendo que não iria pedir o aumento. Diversas cidades no país reduziram a tarifa. Se antes era contra o aumento, agora é pela redução da tarifa. Junto a isso queremos um controle efetivo da prefeitura e da e da população sobre o transporte público, queremos a licitação para que possamos dizer o que queremos para o transporte público e aí as empresas que disputem para ver quem oferece a melhor proposta para prestar o serviço. 

 

Bandeiras do Brasil presentes nas manifestações. Foto: I. Branco

ACS – Tu esperavas tamanha adesão e tanta gente na rua? A quê esse expressivo número de pessoas pode ser atribuído? 

Alex – Quando nos propomos a construir essa marcha no Conselho de DA’s jamais imaginaríamos. Manifestos por um transporte público de qualidade tem quase todo ano. Os últimos “só” davam algumas centenas de pessoas. A má qualidade do transporte público e a ganância do empresariado do setor foi o estopim para desencadear diversas outra manifestações. O povo está cansado de estar à par das discussões dos rumos do país. As políticas sociais dos últimos 10 anos ajudaram muito a melhorar a vida do povo. Porém, essas mudanças estão chegando a um limite dentro da atual estrutura do país. As reformas de base (tributária, agrária, urbana, política, previdência) são essenciais para continuarmos avançando. Historicamente nos encontramos em um momento parecido com 1964, com movimentos de massa nas ruas e a urgência de reformas estruturais.

 

Manifestantes ocuparam as ruas de Santa Maria. Foto: I. Branco

ACS – Muito tem se falado da confusão entre o protesto ser ora um apartidário, ora um protesto com lideranças bem claras e ora um protesto com várias bandeiras, várias reivindicações. Como tu avalias isso?

Alex – É um protesto por direitos. Na democracia que temos hoje, que muitos lutaram e morreram para construir, temos a liberdade de expressão como um direito constitucional. Os partidos fazem parte dessa democracia. A última vez que não teve partidos foi na ditadura.

ACS – Durante a manifestação muitas vozes entoavam diferentes reivindicações. Como foi “puxar” e administrar tudo isso de forma organizada?

Alex  – O DCE da UFSM, junto com outras entidades e organizações da cidade, tem bastante experiência em organização de atos, pois essa é uma importante forma de luta e de expressão. Primamos pela democracia e pela defesa do Estado democrático de direito. Todas formas de expressão e reivindicações que vão nesse sentido são justas. Tentamos dar um foco maior para a redução da tarifa do transporte público, pauta originária dessa manifestação e algo bem concreto de ser conquistado muito em breve. Nos dividimos em comissões para organizar a agitação, saúde, segurança e metodologia do ato. 

ACS – Houve resistência ou divergências em relação a algum grupo que estava na manifestação?

Alex – Sim, sempre há. Por isso, a importância da organização para que possamos discutir e nos unir em torno de uma pauta maior. Há pessoas que discordam de bandeiras de partidos nos atos, porém os partidos fazem parte da democracia, goste ou não eles estão aí e precisamos entender o que cada um representa, afinal, ano que vem tem eleições, precisamos fazer com que essa força do povo nas ruas se expresse também nas urnas. Porém, a participação democrática e cidadã não pode se resumir somente ao voto, embora esse também seja importante. É preciso ter em conta também que o sistema político eleitoral atual possui diversos problemas estruturais, como o financiamento privado de campanha, esse e outros são problemas que afetam a todos os partidos, daí a importância da Reforma Política, não basta ser contra a corrupção, é preciso combater ela na raiz. Por último, gostaria de falar sobre a pichação na câmara, antes de qualquer julgamento sobre essa forma de expressão, sugiro que leiam o que foi escrito: “242”, “Justiça”, “Pizzaria do Schirmer”. Isso é a pichação em sua essência: resistência, expressão, luta política.

 

 ACS – Qual foi a maior dificuldade durante as manifestações e o que pode ser considerado gratificante?

Megafone à rua. Foto: I. Branco

Alex – Aprofundar a pauta do transporte público e mobilidade urbana. Ter acesso à cidade é uma questão direitos. A grande maioria depende do transporte público para trabalhar, estudar, se divertir, se encontrar, viver. Santa Maria está em uma situação calamitosa, diferente de outras cidades aqui não há licitação, soma-se à isso uma relação de favorecimento do grande empresariado com o poder público e temos uma festa de quem lucra às custas da população com a conivência daqueles que deveriam nos representar e defender (mesmo com o caso da Kiss, pouco se fala sobre os agentes públicos corruptos). Outra dificuldade, porém compreensível pelas limitações de uma marcha, foi compreender a diversidade das reivindicações, algumas são até contraditórias, por isso precisam ser discutidas e debatidas.

De positivo é a possibilidade de transformação social, todos estão querendo ir para as ruas agora, porém essa disposição de ir às ruas deve estar aliada à disposição para organização e discussão sobre os rumos do país. Se tem muito o que mudar, que mudança vamos propor? Não basta ser contra ou a favor, o momento é para propostas, precisamos ser protagonistas dessa mudança. Somente discutindo, nos unindo, e nos organizando é que poderemos realmente mudar esse país. Que a mudança venha das nossas mãos.

ACS – O que tu esperas a partir de agora?

Alex – O povo foi pra rua. Todos unidos pela redução da tarifa, mas compreendendo também que muitas outras coisas precisam mudar na cidade e no país. Está voltando um gosto pelo protesto, se espalhando pela população. É muito importante e espero que comece ser discutido mais profundamente.

Entrevista: Pâmela Rubin Matge, jornalismo Unifra

Fotos: I. Branco

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Uma resposta

  1. Alex falou com clareza e tocou no ponto central: a necessidade de levantarmos as críticas e sermos propositivos. Não basta criticar. As propostas só serão elaboradas se soubermos que mundo queremos para nós; se um mundo repleto de relações competitivas, consumistas ou um mundo mais justo, solidário. “Falar” sobre isso nos protestos é um caminho importante porque o povo se junta e vê que não está sozinho. Aliás, estamos todos nos sentindo muito sozinhos, sem confiança no Estado, nas estruturas de poder, como as megamídias. E ao marcharmos um ao lado do outro, mesmo que tenhamos bandeiras diferentes, acaba sendo uma oportunidade de se aproximar do Outro. O que não pode acontecer é uma voz querer silenciar a voz do outro. Como bem disse o Alex, na democracia a liberdade de expressão é condição fundamental. Só não esqueçamos que liberdade implica respeito acima de tudo. Podemos não concordar um com o outro, mas quando imponho ao outro um modo de ser padronizado, fundamentalizado passo a pregar um totalitarismo e não uma democracia. Vale dizer que alguns grandes meios de comunicação de massa têm feito justamente isso: calado as vozes de uns e repetido, insistentemente e incansavelmente, as vozes de outros. Estamos cansados de ouvir nas rádios, na televisão, as vozes de comentaristas fundamentalistas e totalitários, que usam uma máscara de democracia, mas que têm discursos sorrateiros e destruidores da ética solidária e da paz. Dizer que a Brigada deve e tem o direito de reprimir (diga-se: usar balas de borracha, gás, etc) é se aliar a tudo, menos à democracia. Parabéns, Agência Central Sul de Notícias por abrir espaço a voz do Alex, que não é a voz dele apenas, mas as vozes de muitos outros estudantes. Adriane Roso

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Alex Monaiar, coordenador do DCE da UFSM, foi entrevistado pela ACS. Foto:arquivo.

Alex Barcelos Monaiar tem 24 anos e é estudante de psicologia. Ele também é coordenador-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e um dos organizadores dos protestos que aconteceram em Santa Maria na quinta-feira (20) e no sábado (22). Pâmela Matge da ACS conversou com ele sobre como o movimento adquiriu a proporção que atingiu.  

ACS Como é que o protesto começou a se articular em Santa Maria? 

Alex: Iniciou depois que a ATU propôs reavaliar o preço da tarifa (entende-se aumento) na reunião do Conselho Municipal de Transporte (CMT) dia 10 de junho. Sou representante do DCE nesse conselho, levei o relato da reunião para o grupo. Após, nos reunimos com os Diretórios Acadêmicos da UFSM no Conselho de DA’s e propomos uma agenda de mobilizações (panfletagem, debate e marcha) na cidade sobre a qualidade do transporte público e mobilidade urbana, para começar um diálogo com a cidade para que no momento que fossem aumentar o preço todos já estivessem cientes do que estava acontecendo. Após, nos reunimos com movimentos sociais, sindicatos e outras entidades da cidade que sempre foram nossas parceiras nessa luta pelo transporte público e acertamos a construção do debate que depois acabou virando um ato, na quinta, e da marcha, tendo o apoio desses grupos. Nesse meio tempo estouraram as manifestações no Brasil. A ATU ficou com medo das mobilizações e divulgou nota dizendo que não iria pedir o aumento. Diversas cidades no país reduziram a tarifa. Se antes era contra o aumento, agora é pela redução da tarifa. Junto a isso queremos um controle efetivo da prefeitura e da e da população sobre o transporte público, queremos a licitação para que possamos dizer o que queremos para o transporte público e aí as empresas que disputem para ver quem oferece a melhor proposta para prestar o serviço. 

 

Bandeiras do Brasil presentes nas manifestações. Foto: I. Branco

ACS – Tu esperavas tamanha adesão e tanta gente na rua? A quê esse expressivo número de pessoas pode ser atribuído? 

Alex – Quando nos propomos a construir essa marcha no Conselho de DA’s jamais imaginaríamos. Manifestos por um transporte público de qualidade tem quase todo ano. Os últimos “só” davam algumas centenas de pessoas. A má qualidade do transporte público e a ganância do empresariado do setor foi o estopim para desencadear diversas outra manifestações. O povo está cansado de estar à par das discussões dos rumos do país. As políticas sociais dos últimos 10 anos ajudaram muito a melhorar a vida do povo. Porém, essas mudanças estão chegando a um limite dentro da atual estrutura do país. As reformas de base (tributária, agrária, urbana, política, previdência) são essenciais para continuarmos avançando. Historicamente nos encontramos em um momento parecido com 1964, com movimentos de massa nas ruas e a urgência de reformas estruturais.

 

Manifestantes ocuparam as ruas de Santa Maria. Foto: I. Branco

ACS – Muito tem se falado da confusão entre o protesto ser ora um apartidário, ora um protesto com lideranças bem claras e ora um protesto com várias bandeiras, várias reivindicações. Como tu avalias isso?

Alex – É um protesto por direitos. Na democracia que temos hoje, que muitos lutaram e morreram para construir, temos a liberdade de expressão como um direito constitucional. Os partidos fazem parte dessa democracia. A última vez que não teve partidos foi na ditadura.

ACS – Durante a manifestação muitas vozes entoavam diferentes reivindicações. Como foi “puxar” e administrar tudo isso de forma organizada?

Alex  – O DCE da UFSM, junto com outras entidades e organizações da cidade, tem bastante experiência em organização de atos, pois essa é uma importante forma de luta e de expressão. Primamos pela democracia e pela defesa do Estado democrático de direito. Todas formas de expressão e reivindicações que vão nesse sentido são justas. Tentamos dar um foco maior para a redução da tarifa do transporte público, pauta originária dessa manifestação e algo bem concreto de ser conquistado muito em breve. Nos dividimos em comissões para organizar a agitação, saúde, segurança e metodologia do ato. 

ACS – Houve resistência ou divergências em relação a algum grupo que estava na manifestação?

Alex – Sim, sempre há. Por isso, a importância da organização para que possamos discutir e nos unir em torno de uma pauta maior. Há pessoas que discordam de bandeiras de partidos nos atos, porém os partidos fazem parte da democracia, goste ou não eles estão aí e precisamos entender o que cada um representa, afinal, ano que vem tem eleições, precisamos fazer com que essa força do povo nas ruas se expresse também nas urnas. Porém, a participação democrática e cidadã não pode se resumir somente ao voto, embora esse também seja importante. É preciso ter em conta também que o sistema político eleitoral atual possui diversos problemas estruturais, como o financiamento privado de campanha, esse e outros são problemas que afetam a todos os partidos, daí a importância da Reforma Política, não basta ser contra a corrupção, é preciso combater ela na raiz. Por último, gostaria de falar sobre a pichação na câmara, antes de qualquer julgamento sobre essa forma de expressão, sugiro que leiam o que foi escrito: “242”, “Justiça”, “Pizzaria do Schirmer”. Isso é a pichação em sua essência: resistência, expressão, luta política.

 

 ACS – Qual foi a maior dificuldade durante as manifestações e o que pode ser considerado gratificante?

Megafone à rua. Foto: I. Branco

Alex – Aprofundar a pauta do transporte público e mobilidade urbana. Ter acesso à cidade é uma questão direitos. A grande maioria depende do transporte público para trabalhar, estudar, se divertir, se encontrar, viver. Santa Maria está em uma situação calamitosa, diferente de outras cidades aqui não há licitação, soma-se à isso uma relação de favorecimento do grande empresariado com o poder público e temos uma festa de quem lucra às custas da população com a conivência daqueles que deveriam nos representar e defender (mesmo com o caso da Kiss, pouco se fala sobre os agentes públicos corruptos). Outra dificuldade, porém compreensível pelas limitações de uma marcha, foi compreender a diversidade das reivindicações, algumas são até contraditórias, por isso precisam ser discutidas e debatidas.

De positivo é a possibilidade de transformação social, todos estão querendo ir para as ruas agora, porém essa disposição de ir às ruas deve estar aliada à disposição para organização e discussão sobre os rumos do país. Se tem muito o que mudar, que mudança vamos propor? Não basta ser contra ou a favor, o momento é para propostas, precisamos ser protagonistas dessa mudança. Somente discutindo, nos unindo, e nos organizando é que poderemos realmente mudar esse país. Que a mudança venha das nossas mãos.

ACS – O que tu esperas a partir de agora?

Alex – O povo foi pra rua. Todos unidos pela redução da tarifa, mas compreendendo também que muitas outras coisas precisam mudar na cidade e no país. Está voltando um gosto pelo protesto, se espalhando pela população. É muito importante e espero que comece ser discutido mais profundamente.

Entrevista: Pâmela Rubin Matge, jornalismo Unifra

Fotos: I. Branco