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Santa Maria, RS, Brazil

Não me importa ser perfeita. Me importa falar

Imagem de StockSnap por Pixabay

“Eu entendo a visão dela, mas não concordo. Ela não deveria falar isso”. “Ela devia estudar mais antes de sair falando”. “Fez o uso errado de uma palavra”. “Ela não sabe que esse conceito é de fulano?”. Não importa o quanto você estude, o que diga, o que viveu e quanto conhecimento carregue. Você nunca será perfeita.

A intenção aqui não é motivar ou desmotivar qualquer ação. De textos motivacionais a internet está cheia – no amplo sentido da palavra. Esse papo de “ninguém é perfeito e tudo bem” já cansou. Se cansou é porque está há muito sendo replicado, triplicado, adaptado, etc. E vai continuar sendo dito e cansando as pessoas por aí, porque é uma resposta ao padrão de perfeição que continua sendo objetivo.

Porém, existem muitas formas de ser e demandar plenitude. “Sem defeitos”, “Nunca errou”. Num universo de possibilidades, é perceptível que para algumas pessoas a exigência de perfeição começa em pontos diferentes.

Para homens – brancos, cisgênero, heterossexual, classe média-alta – a perfeição é uma linha de chegada. Alguns deles inclusive acreditam que já passaram dela há muito tempo. Agora é só colocar o pé na mesa e chill on – ficar de boas.

Já mulheres se deparam com outro ponto de vista. Ou melhor, o ponto de partida. Não. Não. Mulheres não são perfeitas e vão continuar não sendo. Lembra do clichê? Ninguém é perfeitblá blá blá blá. O problema é que neste caso, a corrida começa muito antes do ponto de partida. O saldo é negativo.

Mulheres só podem ousar falar, pensar, reivindicar direitos e SER o que quiserem quando forem perfeitas. O feminismo só será “aceito” quando não tiver falhas, quando um único discurso contemplar todas as mulheres. Nenhuma falha é aceita.

A atriz que falou uma bobagem uma vez nunca mais foi ouvida. A marxista “não pode” usar maquiagem. Se estudar demais e for bonita de menos também não pode. Mães perdem o direito de debater maternidade por deixarem seus filhos usarem esmaltes ou comer fast food no fim de semana. Todas as escolhas, as falhas e preferências privadas são motivos para alguém tentar silenciar e deslegitimar as lutas e discursos das mulheres.

Assim a sociedade segue estipulando e cobrando um padrão de comportamento, que se diz perfeito, como pré-requisito para existir. O mesmo acontece com as pautas coletivas. Quando uma falha é revelada, aquilo não serve mais. E tudo isso é mais uma estratégia para que as coisas continuem como estão. Para que mulheres continuem competindo. Para que homens silenciem mulheres. Para que não se enfraqueça um sistema que tenta enfraquecer mulheres.

Exigir algo inalcançável é só mais uma forma de dizer que nunca falaremos sobre isso. É uma versão mais mascarada do “na volta a gente compra”.

Mudanças necessitam de processos e no processo mora o erro. Não importa ser perfeita. Importa falar. E mudar.

 

 

Arcéli Ramos é jornalista egressa da UFN. Repórter da Agência Central Sul em 2015. Com pesquisas na área jornalismo literário e linguagem, hoje também estuda “Pesquisa de tendências”. É colaboradora na New Order, revista digital na plataforma Medium, e produz uma newsletter mensal

 

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“Eu entendo a visão dela, mas não concordo. Ela não deveria falar isso”. “Ela devia estudar mais antes de sair falando”. “Fez o uso errado de uma palavra”. “Ela não sabe que esse conceito é de fulano?”. Não importa o quanto você estude, o que diga, o que viveu e quanto conhecimento carregue. Você nunca será perfeita.

A intenção aqui não é motivar ou desmotivar qualquer ação. De textos motivacionais a internet está cheia – no amplo sentido da palavra. Esse papo de “ninguém é perfeito e tudo bem” já cansou. Se cansou é porque está há muito sendo replicado, triplicado, adaptado, etc. E vai continuar sendo dito e cansando as pessoas por aí, porque é uma resposta ao padrão de perfeição que continua sendo objetivo.

Porém, existem muitas formas de ser e demandar plenitude. “Sem defeitos”, “Nunca errou”. Num universo de possibilidades, é perceptível que para algumas pessoas a exigência de perfeição começa em pontos diferentes.

Para homens – brancos, cisgênero, heterossexual, classe média-alta – a perfeição é uma linha de chegada. Alguns deles inclusive acreditam que já passaram dela há muito tempo. Agora é só colocar o pé na mesa e chill on – ficar de boas.

Já mulheres se deparam com outro ponto de vista. Ou melhor, o ponto de partida. Não. Não. Mulheres não são perfeitas e vão continuar não sendo. Lembra do clichê? Ninguém é perfeitblá blá blá blá. O problema é que neste caso, a corrida começa muito antes do ponto de partida. O saldo é negativo.

Mulheres só podem ousar falar, pensar, reivindicar direitos e SER o que quiserem quando forem perfeitas. O feminismo só será “aceito” quando não tiver falhas, quando um único discurso contemplar todas as mulheres. Nenhuma falha é aceita.

A atriz que falou uma bobagem uma vez nunca mais foi ouvida. A marxista “não pode” usar maquiagem. Se estudar demais e for bonita de menos também não pode. Mães perdem o direito de debater maternidade por deixarem seus filhos usarem esmaltes ou comer fast food no fim de semana. Todas as escolhas, as falhas e preferências privadas são motivos para alguém tentar silenciar e deslegitimar as lutas e discursos das mulheres.

Assim a sociedade segue estipulando e cobrando um padrão de comportamento, que se diz perfeito, como pré-requisito para existir. O mesmo acontece com as pautas coletivas. Quando uma falha é revelada, aquilo não serve mais. E tudo isso é mais uma estratégia para que as coisas continuem como estão. Para que mulheres continuem competindo. Para que homens silenciem mulheres. Para que não se enfraqueça um sistema que tenta enfraquecer mulheres.

Exigir algo inalcançável é só mais uma forma de dizer que nunca falaremos sobre isso. É uma versão mais mascarada do “na volta a gente compra”.

Mudanças necessitam de processos e no processo mora o erro. Não importa ser perfeita. Importa falar. E mudar.

 

 

Arcéli Ramos é jornalista egressa da UFN. Repórter da Agência Central Sul em 2015. Com pesquisas na área jornalismo literário e linguagem, hoje também estuda “Pesquisa de tendências”. É colaboradora na New Order, revista digital na plataforma Medium, e produz uma newsletter mensal