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Santa Maria, RS, Brazil

Reportagem

“Já vi de cara que meu lugar era ali”

A conversa começa de maneira alegre, expansiva. Assim é o jeitinho de Gabriela Perufo. Doce e intensa, ela vive as múltiplas oportunidades, que na caminhada lhe couber.

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Por motivo de segurança, usamos pseudônimos nas matérias Foto: Vitória Gonçalves

“Tenho minha faca nos pés e meu facão lá atrás. Não tem como andar com arma de fogo, apesar de saber manusear e ter anos de prática, acho mais arriscado”, desabafa Ricardo*. Nunca parar no exato endereço sinalizado, sempre uma ou duas casas antes e não trabalhar de madrugada. Essas são só algumas precauções que o motorista de aplicativo toma na sua rotina nas ruas de Santa Maria.”

Possivelmente essa seja a realidade dos cerca de 900 mil motoristas de aplicativo no Brasil segundo pesquisa de 2021, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o que equivale a 8 Maracanãs lotados. Do outro lado da moeda, existem aqueles que fazem parte de redes de proteção, grupos de pessoas que se unem com objetivo de manter a segurança.  Um exemplo disso é o grupo Família Madruga, criada em março de 2020 por Nelson*. E ele mesmo explica como foi fundação dessa rede de proteção:

Entrevista realizada com motorista de aplicativo (Madruga):

Mesmo sendo minoria no ramo, Caren* afirma que nunca teve problema algum. “Não tem preconceito, é incrível. 99, Uber e Madruga eu só dirijo para o público feminino, optei de um tempo pra cá, não por ter acontecido alguma coisa, só por um conforto maior. Nunca senti diferença”. Apesar dessa tranquilidade, ela conta que raramente acontecem alguns incômodos, mas sempre a ajuda da Família Madruga aparece. “Já houve casos de pegar passageiros em final de festa e não querer pagar, quer prevalecer, esse tipo de coisa, aí entra a ajuda dos meninos”, ressalta.

 

Entre esses 164 motoristas, todos são selecionados a dedo pelos administradores do grupo. As regras são impostas a todos antes de aceitarem participar de uma Família e ser monitorado a todo momento que estiver trabalhando.

 

Com o lema JUNTOS, SOMOS MAIS FORTES e com regras disciplinares rígidas é que o Madruga se sustenta e consegue manter a fidelidade tanto dos usuários quanto dos motoristas. No início haverá um período de teste de 15 dias, onde você utilizará o #FAMÍLIAMADRUGA no carro. Após esse período, se você cumprir as regras, receberá o adesivo oficial. O fato de não obedecer às regras ou dependendo da gravidade do evento, o membro será chamado para conversa e recebe uma advertência, na terceira chamada é retirado do grupo.

Ainda se destaca o zelo dos gestores em manter a qualidade do relacionamento com o cliente e buscar atender corridas com rotas incomuns. Dessa forma exigem que participem de eventos sociais e confraternizações do grupo, usar o Zello (software de comunicação com linguagem de rádio) apenas para comunicar corridas suspeitas e não avisar sobre BLITZ no ZELLO e nem no grupo.

Ainda há regras sobre publicações dentro do grupo que proíbem sobre quaisquer posicionamentos: pornografia, política, futebol, defender plataformas, religião, preconceitos (homofobia, etc.), usar a imagem do grupo em vão, criar grupos paralelos (Zello, WhatsApp, etc, com a finalidade de monitoramento, rastreamento, etc) ou qualquer outro fim, que possa ser caracterizado como um subgrupo dentro do Família Madruga e não discutir no grupo.

Se acostumar com o monitoramento não é uma tarefa fácil, Caren* é responsável pela contratação e demissão do grupo, como sempre esteve presentes em empresas, se sente à vontade desempenhando essa função. “O meu material carrego dentro do carro, tenho minha agenda, minhas anotações, tenho meus adesivos, quando eu vejo algum carro desbotando o adesivo, já tiro a foto e entro em contato para arrumar. Tenho todo suporte dentro do meu carro e entre uma corrida e outra vou me organizando na agenda”, assim a motorista conecta o seu passado com o presente. 

O dia a dia

Imagem: Freepik

“Já Ricardo* desempenha apenas uma função, a de motorista. E por levar a risca sua rotina, está acima de 90% de seus companheiros de trabalho, segundo relatório enviado pelo próprio aplicativo da 99. “Só tenho três segredos: levantar cedo, tomar banho e ir trabalhar”. 

Como os outros do ramo, ele também tem uma meta para cumprir no seu dia a dia e segue o pensamento de aceitar todas as corridas.

““No 99, quando começa a cancelar corridas, parece que eles começam a te deixar meio de lado. O motorista nunca perde, é um real que tu não tem”, afirma.

A famosa ‘meta’ é o que norteia a maioria dos trabalhadores desse ramo. Nelson* explica que foi por isso que mudou completamente sua vida. Em 2003, era dono de uma construtora na cidade de Canoas, cobrava R$750,00 o m², porém com a instabilidade econômica do Brasil, o valor foi caindo até R$450,00 em 2015. Para fins de parâmetros econômicos, a inflação do país saltou de 6,41% em 2014 para 10,67% em 2015. Foi assim que, em 2017, com esse desbalance fiscal, que resolveu migrar para a área de transporte de passageiros com uso de aplicativo de mobilidade que, na época, estava em crescimento exponencial. Ironizado por um amigo que no momento estava lucrando, ele foi incentivado a se aventurar nessa nova jornada. “Vou me reinventar. No primeiro dia tirei R$380″, afirma. A partir daí, desse primeiro ganho, viu a possibilidade de ganhar mais do que no seu antigo trabalho e está até hoje no ramo. Atualmente, a meta de Nelson é de R$350,00 por dia: “Eu corro até atingir minha meta, se for 23h, 00h. Se eu atingir às 2h, vou para casa, durmo e 6h estou de pé de novo”, explica. Além de metas diárias, o motorista também lida com uma meta mensal de R$4.500, “É o que considero saudável para mim”.

O valor de R$ 350,00 diário parece ser a meta buscada entre a maioria. Com Ricardo* também é assim. Ele explica que o motorista que trabalha com vontade, atinge a meta sempre e que quando o movimento está bom sempre é válido continuar trabalhando. Assim é que Ricardo* lucra de R$6.000 até R$7.000 no mês. “Quando eu vou receber o que ganho trabalhando no 99, trabalhando num serviço fixo, não tem. Já trabalhei na Prosegur, transporte de valor e não ganhava a mesma coisa, é bem mais estressante, fora o risco que a gente corre”, destaca.

Nem tudo são flores

Era por volta das 05h30 da manhã enquanto José* dirigia seu Onix prata, em mais um dia de trabalho. Sua profissão? Ele era motorista de aplicativo. José descia a Avenida Presidente Vargas para levar um passageiro aqui, subia a Borges de Medeiros para levar outro passageiro ali, um fim de noite e começo de manhã calmo e pouco movimentado. Até que surge mais uma corrida no monitor do seu celular. O aplicativo da 99 indicava que aquela corrida era de risco, então José*, prontamente pegou o celular, e colocou para gravar aquele trajeto. O celular estava apoiado no suporte para GPS e estava apontado para dentro do carro, dando a visão de toda a parte interna do veículo. O motorista, então, se dirige para o local indicado com uma certa insegurança, porém segue normalmente, ele já tinha feito esse tipo de corrida outras vezes e era um homem experiente. Ele chega no local indicado, e aguarda o passageiro chegar. Após alguns minutos de espera, tendo somente sua rádio para lhe fazer companhia, o passageiro entra e eles seguem para o lugar indicado. O passageiro se chama Alexandre*, de 27 anos, que na ocasião em específico, se encontrava um pouco alterado. Eles então seguem para o endereço, e o homem vai guiando o motorista pelo caminho. Ele fala de maneira alta e com muitas gírias na sua linguagem. Eles então pararam na casa de um amigo desse homem. O jovem coloca a parte do corpo para fora da janela do carro e começa a gritar o nome do amigo. Um tempo depois ele entra no carro, e os três seguem viagem para mais um destino.

Na viagem o homem conversa com seu amigo e ao mesmo tempo com José*. Ele está falando sobre sua história, até que menciona um fato que deixa José* com uma insegurança maior ainda. Ele tinha saído há duas semanas da prisão. Seu crime? Quatro homicídios. O rapaz começa a falar da sua vida na cadeia e como se arrependia de ter vivido tudo isso. Ele tinha passado três anos atrás das grades e havia perdido toda sua família. Ele confessa que o seu primeiro homicídio foi por um homem ter o chamado de “filha da puta”. Por mais que ele demonstrasse arrependimento pelos anos que passou na prisão, sentia um certo orgulho ao comentar sobre as mortes. José*, sentia que o arrependimento do rapaz não era por ter cometido os crimes, mas sim por ter sido pego. O carro para e o homem sai permanecendo somente o seu amigo. José aproveita a brecha para perguntar se eram verdadeiras aquelas informações. O amigo confirma , mas indica que o homem é tranquilo. Ele então cansado de esperar Alexandre, sai do carro e vai buscar ao encontro do amigo. 

José* fica alguns bons minutos esperando os dois com o motor do seu carro ainda ligado. Então subitamente Alexandre entra no carro extremamente revoltado. Aparentemente, ele havia sido enganado em um esquema que o fez perder dinheiro. O homem grita e demonstra sua completa insatisfação desferindo insultos e ataques verbais a quem quer que os ouça. Ele então faz uma ligação extremamente agressiva para um ex-companheiro de negócios. Na ligação, ele cobra uma dívida o insultando e ameaçando de morte. Alexandre, diz que o ex-companheiro precisa pagar a dívida e se não o fizer, ele vai na casa matar o próprio, sua mãe e filhos. Alexandre*, revoltado, diz a todo tempo que não tem nada a perder e que se precisar voltar para prisão. José* se sente completamente inseguro e aflito, pois nunca tinha passado por uma situação dessas. José* segue dirigindo calado, pois não quer causar nenhum movimento brusco que possa fazer o homem se revoltar contra ele próprio. Nesse momento, José* só pensa em voltar em segurança para sua mulher e filhos. A noite está fria mas o Motorista está suando e totalmente alerta, sabe que um leve descuido pode custar sua vida. Alexandre*, no auge da sua raiva grita o no telefone e diz: “O QUE? O QUE TU FALOU?”. Ele desliga o telefone completamente transtornado e obriga José* a encostar o carro. José* está confuso e não sabe como reagir. Alexandre*, começa a gritar e insistir cada vez mais para que o motorista encoste o carro. Ele então o ameaça dizendo que vai o matar caso não pare. Ele está muito seguro disso e não tem nada a perder. “PARA O CARRO, PORRA! OU EU VOU TE MATAR”. Ele então encostou a pistola no ombro de José e ele para imediatamente. Ele obriga o motorista a descer do carro o xingando e ameaçando. José* antes de descer do carro, pega o celular que estava gravando toda a corrida. Mas Alexandre*, arranca de sua mão e entra no carro, que agora é seu veículo de para cumprir sua missão.

 José* se encontra totalmente devastado, seu carro e todos seus pertences foram subitamente tirados de de suas mãos, mas o que Alexandre* não sabia é que José*, no último momento antes de sair do carro em ato de pura coragem, conseguiu retirar a chave da ignição e levar consigo. O carro de José, possui um sistema chamado keyless, onde o carro só funciona com a chave próxima ao veículo. Então Alexandre*, foge com o carro, mas não vai muito longe. No carro, ele fica sem entender e completamente transtornado, sai do veículo e começa a vasculhar os pertences de José*.

 Após escutarem que seu companheiro estava passando por perigo extremo, a rede de proteção da família Madruga foi ativada. A corrida já estava sendo monitorada e os administradores do grupo estavam escutando tudo que o que estava sendo falado na corrida. Imediatamente, com o sinal de alteração do passageiro, o grupo encaminhou veículos para prestar suporte a José. O primeiro que chegou no local foi Rodrigo*, que avistou Alexandre* procurando qualquer coisa que pudesse levar consigo. Então então grita “esse carro é do meu colega!” e instintivamente parte para cima do homem. Ele consegue derrubar Alexandre* e tentar imobilizá-lo, porém, o homem consegue fugir deixando tudo para trás, inclusive o seu próprio celular. Após isso, Rodrigo* foi procurar José* e o encontrou a duas quadras de distância onde estava escondido. José* estava claramente abatido e sem reação. Foi para casa, tomou um banho demorado e ficou pensando em tudo o que tinha passado. José* levou algumas semanas para superar o que tinha vivido e voltar a normalidade, mas quando se passa por um trauma desses, o medo nunca é totalmente superado.

Mesmo com a convivência com o risco e o perigo diariamente, para a maioria dos motoristas de aplicativo de Santa Maria, o maior problema não são os assaltos e o medo de não voltar para casa, mas sim o trânsito. Ricardo* diz que o maior risco não é trabalhar de madrugada e os passageiros: “Eu já dirigi daqui até Fortaleza e voltei, deu 15.700km, passando por várias cidades. O trânsito de Santa Maria é o pior”.

Caren* segue o mesmo pensamento e destaca que, por conta disso, é necessário sempre cuidar do mental, ter controle de si e ainda saber a hora de parar. “O nosso trânsito é bem complicado. É bem cansativo realmente, mas quando tu vê que não tá legal, que tu tá muito estressado, é bom ir pra casa dar uma descansada”, complementa.

 

Trabalhar diariamente como motorista de aplicativo pode gerar alguns riscos, como vimos  no caso de José*. O motorista está exposto e sempre está sujeito a sofrer algum tipo de violência. Porém em alguns casos esse fato sofrer exceções, Nelson* explica que depois de um certo tempo os Madrugas passaram a ganhar um certo respeito nos bairros perigosos da cidade: “Às vezes pedem corrida na Cipriano, por exemplo, e os motoristas não vão. Nós vamos. Porquê às vezes é uma mãe de família que está querendo sair com seu filho ou uma pessoa doente que está querendo ir para o hospital. Então os traficantes enxergaram isso como um “serviço prestado à comunidade”. Então toda vez que veem o adesivo da empresa eles pensam “Madruga não”, explica.

 

A rede de proteção pode ser um prato cheio para motoristas que querem transgredir as leis, visto que estarão assegurados por um monitoramento em tempo real, dando total segurança para cometer seus crimes. Porém, Nelson* explica que estão sempre monitorando qualquer atitude ou rota suspeita. “Não aceitamos qualquer tipo de envolvimento com drogas. Já denunciamos dois motoristas que foram presos por envolvimento com drogas “, explica. Esse monitoramento se dá através de analisar as rotas do motorista e verificar se existe algum tipo de padrão. Havendo a suspeita de algum tipo de atividade ilícita isso é investigado a fundo e passado para a polícia. Nelson* explica “nós temos uma relação excelente com a polícia. Se identificarmos qualquer atitude suspeita de um motorista nosso, nós entregamos a placa do carro”, conclui. 

 

 

 

 

Mais um ponto que tem feito parte da rotina dos motoristas de aplicativo ultimamente, é a discussão sobre direitos trabalhistas. Em setembro de 2021, o senador Acir Gurgacz (PDT-RO) apresentou um projeto de lei que classifica os motoristas de aplicativo como trabalho intermitente, ou seja, a prestação de serviço de forma esporádica e que deve ser regulado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Porém, é necessário saber o que os próprios motoristas de aplicativo pensam sobre isso.

Caren* explica que a situação tem que ser bem analisada: “Pelo menos pra mim do jeito que está, está bom, porque dentro disso tem que ver imposto. 99 e tal são corridas de valores bem baixos, então para alcançar um valor X tem que fazer muitas corridas no dia, aí se tu for pagar um valor X alto, não vale a pena”. A motorista conta que utiliza o MEI (Microempreendedor Individual), o que fornece um salário mínimo. “Praticamente não é nada, mas dá pra comer. Todo mundo corre atrás de salário, as pessoas trabalham de 12 a 15h para fazer seu salário”, desabafa.

 

Para Ricardo* ainda existem mais dúvidas que certezas com essa questão: “Como vai ser feito uma análise em cima desse salário? Como vai ser feito esse trabalho pra ver quanto  será o salário? Porque o cara vai trabalhar 5h e eu vou trabalhar 12h e vai ganhar a mesma coisa que eu. Eu acho complicado.”

Reportagem produzida na disciplina de Jornalismo Investigativo, no 2ºsemestre de 2022,  sob orientação da professora Glaíse Bohrer Palma.

Laura Gross atuando como repórter do SBT/RS. Imagem: arquivo pessoal.

Formada em jornalismo na Universidade Franciscana, em 2014, Laura Gross revela não ter sonhado com a carreira jornalística. A decisão pelo curso de comunicação teve a participação da mãe. Não sabia ao certo sobre que caminhos o jornalismo lhe revelaria, mas confiou na percepção materna, ao perceber a filha como uma pessoa muito comunicativa. E Laura expressa: “e deu certo”.

Não pensou em outra opção profissional depois da conversa com a mãe. A jornalista frisa que “apostou as fichas” no jornalismo. Ela percebeu durante a graduação, e ainda assim vê, através das suas diversas atuações na área, que “não faria nada diferente”. Lembra do encantamento ao ingressar na faculdade e começar a entender muitas coisas da profissão.

Das aulas iniciais, como a disciplina de Teorias da Comunicação, em que a maioria, segundo ela, achava “super chato”, começou a analisar a importância da carreira jornalística e suas transformações. Define como uma atividade profissional de impacto à sociedade. Teve diversos professores como referência. Cita o professor Bebeto Badke, no aprendizado da escrita, de contar uma história, indo além das perguntas: “o quê? quando? como? onde? e por quê?”. 

Durante a entrevista, sempre com seu sorriso largo, relembra os momentos em sala de aula com o professor Bebeto. Ela diz sobre as horas que ouvia música e de como aprender a tirar da cabeça as histórias que queria contar “de uma forma tão bonita” e que, por vezes, se percebia sempre tão “direta, seca, curta, grossa, para algo que merecia mais”.

Ainda como universitária, recorda da professora Daniela Hinerasky. Ela “me fez aprender sobre jornalismo online, que era uma coisa que eu também não fazia muito ideia. Ela me inspirou, principalmente na área que eu mais gostava que era de Jornalismo de Moda, era meu sonho. Depois dos primeiros semestres, ele virou o que eu realmente queria fazer da minha vida. Ela foi um ponto muito importante da minha trajetória”.

Descreve as aulas da professora Sibila Rocha: “aulas encantadoras, com sua forma de contar a semiótica”. Revive as aulas de TV com a Professora Glaíse Palma: “foi a partir daí que comecei a pegar gosto em fazer TV”. Passou por mentorias, bolsas, desde o primeiro semestre aproveitou todas as oportunidades. Disse que “ia nos professores e perguntava: tem uma vaguinha aí? Eu quero fazer”. Participou na UFN TV, no Linc, na assessoria de comunicação da Universidade. 

O primeiro estágio remunerado ocorreu no Diário de Santa Maria, no caderno de variedades, onde pode trabalhar com a moda, o que lhe fascina, dentro do jornalismo. Formou-se, e no ano seguinte, em 2015, decidiu morar na Irlanda. Revelou sua preocupação com o mercado de trabalho à época, em não conseguir uma colocação. Ao retornar para o Brasil, encaminhou muitos currículos “para milhares de lugares”, nas palavras de Laura. 

A primeira contratação foi no Jornal Semanário, em Bento Gonçalves, onde assumiu como repórter de geral. Tem sua trajetória marcada na Rádio Guaíba, como repórter de geral e de esporte. Foi enquanto repórter de torcida que Laura sofreu o episódio de assédio no futebol. Um torcedor, antes do início de um jogo da Libertadores, no estádio Beira-Rio, tentou beijá-la à força. A jornalista seguiu com a identificação e denúncia do agressor. 

Laura Gross estampa em sua carreira “Deixa ela trabalhar”. Imagem: arquivo pessoal.

Laura pontua a demissão no período da pandemia de Covid-19. Passado esse hiato mundial, ingressa como freelancer no SBT, na produção dos jornais locais, e, depois, na RBS TV, como editora de texto do esporte. Volta para o SBT para atuar na produção de entretenimento, onde está atualmente como editora de texto. Trabalha no SBT Rio Grande e, por vezes, é repórter, editora e apresentadora do jornal do geral e do esporte.

Ela também destaca que, “os jornalistas precisam ser multi. Nossa profissão é multi. Não tem como dizer eu só faço uma coisa. Os lugares estão cada vez mais se fechando para pessoas que só aceitam fazer uma coisa”. Na configuração atual das  empresas, contrata-se menos pessoas com múltiplas tarefas e define “essa é a lógica do sistema. Fundamental é estar preparado”.

Laura Gross, ao falar em preparação profissional, traz Marilice Daronco. “Uma pessoa que me ensinou muito no Diário de Santa Maria. A Mari tem um dos melhores textos que eu já li na minha vida. Ajudou muito no meu primeiro emprego, quando eu era repórter de jornal impresso. Ensinava como escrever um título que chamasse a atenção, com as informações, um lide, enfim, como amarrar bem o texto para o impresso. Foi uma pessoa que mudou a minha trajetória logo no meu começo”. 

E Marilice também expressa o tempo em estiveram juntas como colegas no Diário. “Uma época em que cobrimos shows e outros eventos culturais. Os olhos atentos, a vontade de aprender, o coração que não queria descobrir só a profissão, mas o mundo. Desde aquela época mostrava-se uma profissional e pessoa especial. Sinto muito orgulho de ver todo o crescimento dela ao longo dos anos e poder dizer que mais do que uma grande colega jornalista, é uma amiga maravilhosa”. 

Depois de tantos momentos retratados, Laura, sem perder o brilho entusiasta no olhar, deixa uma mensagem, em especial, aos estudantes de Jornalismo: “tenham certeza de que continuar na faculdade, que se formar, que estudar para a profissão que a gente escolheu é essencial. Não se faz jornalismo de uma forma correta, justa, ética, sem estudo. Não se fechem para somente uma coisa”. Para ela é necessário enxergar além. Saber falar para a rádio, TV, gravar, escrever, estar aptos às exigências de trabalho. Buscar informações em diversas áreas é um caminho para o sucesso. 

Perfil produzido no 1º semestre de 2023, na disciplina de Narrativa Jornalística , sob orientação da professora Sione Gomes.

A jornalista, em 2013, na cobertura de uma Batalha dos Bombeiros, de rimas, na Praça dos Bombeiros de Santa Maria. Imagem: Arquivo pessoal.

A conversa começa de maneira alegre, expansiva. Assim é o jeitinho de Gabriela Perufo. Doce e intensa, ela vive as múltiplas oportunidades, que na caminhada lhe couber. Formada em Jornalismos desde 2012, recorda da adolescente que já pensava em fazer graduação na área das ciências sociais e humanas. 

Chegou a cogitar outros cursos. Mas, foi no pré-vestibular da cidade, com a professora de inglês Denise Braga, estudante de Jornalismo na Unifra à época, que teve seu primeiro contato com a comunicação. Lembra do dia que Denise “perguntou aos alunos quem queria cursar Jornalismo, e eu sinalizei. Então, me convidou para ir junto com ela, em um dia de aula. Rapidamente fiz um tour pelo 7º e 8º andar do prédio. Já vi de cara que meu lugar era ali”.

Trouxe algumas fotografias. Ela pensou em estudar Música, Filosofia e Ciências Sociais. “No mesmo ano em que ingressei no Jornalismo na UFN fui aprovada no curso de Cinema e Animação da UFPel, e nesse período fiquei em dúvida de qual seria minha escolha. Estudar Cinema também era um desejo, mas decidi pelo Jornalismo”.   

Na graduação disse ter muitas disciplinas como inspiração. Nos primeiros anos de curso, gostava muito de Fotojornalismo e História do Jornalismo. Depois vieram as práticas, presenciando a rotina de uma redação ou emissora. Foi com Estética e Comunicação que sentiu sua mente abrir, se encantou pela história da arte. Partiu para o Laboratório de Fotografia e Memória, onde tornou-se monitora. 

Em 2008, no primeiro ano da faculdade, no Laboratório de Fotografia.
Imagem: Arquivo pessoal.

Ela revela: “entrei nos primeiros dias de graduação sem saber nada de fotografia. A professora Laura Fabrício, que depois virou uma grande amiga, me incentivou e inspirou a buscar olhares. Aprendi muito da técnica. O fotojornalismo virou uma paixão”. Gabriela escreveu textos para a Agência Central Sul, embora tenha publicado mais fotos do que matérias para o site. Também passou pela TV da instituição.

O marco de estágios foi na Câmara de Vereadores de Santa Maria. Ela aponta que, “além de ser remunerado e ajudar nas despesas mensais, foi minha primeira experiência fora da universidade. Estrutura diferente, equipamentos diferentes, uma rotina bem voltada à política institucional. Lá pude praticar um pouco de telejornalismo, de edição de vídeos, de fotografia e de assessoria de comunicação, o que ajudou na bagagem profissional”.

Formada em Jornalismo, seguiu para um MBA em Mídias Digitais na UFN. O interesse pelo jornalismo online só apareceu depois da formação, e através da pós-graduação pode perceber o importante passo para ingressar no universo digital. No mesmo ano da formação foi contratada para atuar na campanha política de Helen Cabral como assessora de comunicação. “De novo, ir para as ruas me fez aprender muito. Conheci cada canto e cada rua da cidade nesse período”. 

Ainda em 2012, trabalhou no jornal A Razão. “Era para ficar só um mês, substituindo férias. Em janeiro de 2013 houve o incêndio na boate Kiss”. Inicia, assim, sua experiência na redação. Avançou para diferentes editorias, como na produção de programas da Rádio Santamariense, com entradas ao vivo. 

Gabriela Perufo com Rodrigo Nenê, em 2020,
durante as lives de notícias, ao estilo de um telejornal,
para o Diário de Santa Maria. Imagem: Arquivo pessoal.

Planejava sair do jornal para um intercâmbio, quando abriu uma vaga para o Diário de Santa Maria, ainda era do grupo RBS. Assumiu como repórter de geral e online. Demitida em 2015,em janeiro de 2017, sob nova administração, voltou a integrar a equipe do Diário de Santa Maria como editora de online. Ela fez produções diárias de vídeos e lives de notícias. Surgiu o desafio de lançar o Bei, um portal com um DNA próprio, que traz fatos sobre segurança pública, oportunidades de emprego e serviços da cidade.

Em 2022, com 10 anos de formação jornalística e uma bagagem significativa na área, integrou a GZH como editora-assistente digital de Comportamento, que também incluía Educação, Saúde, Tecnologia e Meio Ambiente. Gabriela comenta que ficou quase um ano em GZH, “onde tive uma breve passagem pela editoria de Esporte, quando participei da cobertura da Copa do Catar”. 

Perufo deixou o veículo esse ano, e pensa muito sobre o papel do jornalismo “raiz” e como a profissão mudou. Prestou serviços à agência de comunicação Padrinho. Atualmente é freelancer. 

Sobre as conexões realizadas por onde passou, a jornalista, aos risos, falou: “são tantas vozes que formaria um coral. O Luiz Roese, carinhosamente conhecido como Tigre, foi um grande jornalista. Tive a honra de trabalhar com ele em A Razão na redação e no jornalismo diário. Luiz Norberto Roese teve a vida abreviada em 2019, por complicações de uma esclerose múltipla. 

Sobre Silvana Silva, Gabriela menciona que ela foi sua editora no Diário, em diferentes momentos. “Aprendi desde a melhorar a apuração, a escrita e a apresentar a informação da melhor forma possível ao leitor. Ela também me deu muitos conselhos, pessoais e profissionais, que levo até hoje”.

Silvana Silva percebeu o potencial da “Gabi”, assim refere-se à jornalista. “Ela sempre proativa, super antenada em redes, uma menina que gostava de game, que tinha uma linguagem muito de internet. Lá nos idos 2013 e 2014. Uma pessoa extremamente responsável, extremamente comprometida com a qualidade do trabalho dela”. Chamaram a Gabriela para a segunda equipe do Diário Online.

A editora do Diário de Santa Maria ressaltou ainda a criatividade da Gabriela, com ideias de produtos digitais interessantes. Recordou que estavam na busca por um dia do gaúcho diferente e que Gabriela Perufo trouxe algo na reunião seguinte. Foi lançado o Baita Chefe. “A Gabi foi a mentora”. Silvana saiu da redação em 2019, e Gabriela a substituiu naturalmente, assumiu a edição do Diário. A amizade segue fortalecida. “Gabi é uma pessoa que a gente pode contar sempre. Ela tem um coração de ouro. Eu desejo todo o sucesso sempre”.

Gabriela, revivendo algumas de suas escolhas, afirma que o jornalismo de hoje oferece muitas possibilidades, e diante das mudanças na profissão se dispôs a estudar coisas diferentes como copy, redes sociais e marketing. Vê a necessidade de experienciar novos meios para poder se posicionar dentro do jornalismo.

Para ela, o jornalismo de hoje oferece muitas possibilidades, e diante das mudanças na profissão, Gabriela se dispôs a estudar coisas diferentes como copy, redes sociais e marketing. Vê a necessidade de experienciar novos meios para poder se posicionar dentro do jornalismo.

Independente dos rumos, ela frisa: “nunca esqueçam que o jornalismo serve para o público, para as pessoas, e que ele tem como objetivo sempre informar para manter a democracia. Ser jornalista é uma responsabilidade imensa, tem um propósito lindo demais e pode ser incrível se feito da forma mais transparente possível. E acima de tudo: ser humano, sempre, sem nunca perder a capacidade de se indignar”. 

Encerra a conversa com esse jeitinho sorridente e muito focado. Seu companheiro de vida é o Pedro Piegas, também egresso de Jornalismo da UFN. Estão há 5 anos juntos, compartilhando a comunicação e a vida de casal. A filha canina, Capitu, completa os dias da jornalista. O perfil de Gabriela Perufo não está completo, porque sempre há algo a mais para ser relembrado.

Perfil produzido no 1º semestre de 2023, na disciplina de Narrativa Jornalística , sob orientação da professora Sione Gomes.

Flora Quinhones no estúdio de audiovisual do curso de Jornalismo na UFN. Imagem: Arquivo Pessoal.

Flora Botin Quinhones é movimento. A jornalista, formada em 2021 na Universidade Franciscana, encaminha áudios enérgicos, cheios de expressividade e muita ousadia. Hoje está na Austrália. Entre trabalho, estudos e diversão, dedicou um tempinho para participar como perfilada dos 20 anos da Comunicação na UFN.  

O perfil é de Flora , mas quem começa falando é o empresário Deiverson Abrantes, com quem ela atuou por quatro anos e é um nome que lhe traz muitos significados. Ele fala sobre a jornalista de forma poética: “Precisamos de mais ‘Floras’, por sua dedicação e empenho em tudo o que faz, desde uma simples pesquisa até uma apresentação detalhada e abrangente. Pessoa corajosa, que se entrega completamente, comprometida em melhorar constantemente, e disposta a deixar uma marca positiva por onde passa. É esse espírito de perseverança, dedicação e paixão que realmente transforma o mundo e nos faz progredir. Nesse contexto, sou grato por ter a Flora em nossa empresa, e espero que o mundo seja preenchido por mais pessoas como ela”.

Agora, Flora por Flora. Ela não se recorda de quando teve o prelúdio pelos estudos jornalísticos, mas ainda no ensino médio achava “muito legal”. A partir dessa simplificação, resolveu fazer o vestibular para o Jornalismo. Num primeiro momento, disse que ia experimentar. Mas se apaixonou pelo curso, pelos professores, e concluiu a graduação cheia de histórias para contar.

Flora em São Paulo no Beco do Batman. Imagem: arquivo pessoal

No decorrer da conversa, as memórias surgem com intensidade. E Flora traz: “antes de eu escolher o Jornalismo, eu gostaria de ser psicóloga. Ainda acho que deveria ter sido psicóloga”. Gargalhadas após o comentário, mas logo vem a afirmativa: “Escolhi o jornalismo. Eu gosto muito do que faço. Eu gosto dessa profissão”. Ainda no Colégio Estadual Manoel Ribas, o Maneco, participou de algumas oficinas de jornalismo. Gostava de ouvir rádio.

Ingressante do curso em 2015, a jornalista cita que não teve oportunidade de trabalhar em rádio. Ou melhor, salienta que “ainda não teve”. No período acadêmico, foi buscando identificações. Descobriu que não tinha “vocação” para a TV, comenta. “Assim, eu não tinha muito jeito para TV, então eu foquei mais na área de assessoria de imprensa para empresas, mas já com um olhar para a política. Embora não estivesse conseguindo”.

O último semestre coincidiu com o período eleitoral, foi quando a professora Sione Gomes a indicou para um político da cidade. Não teve dúvidas em estar ali. Trabalhou durante toda a campanha e passou a compor o gabinete do vereador Ricardo Blattes, eleito à época. Lá permaneceu por dois anos, e relata ter aprendido muito naquele ambiente, aplicando o conhecimento jornalístico em assessoria de imprensa na área política.

E os pensamentos voltam para os laboratórios da academia. Foi monitora do Laboratório de Multimídia em Jornalismo (Multijor), também atuou na Agência Central Sul, além de uma breve passagem pela assessoria de comunicação da UFN, como estagiária. Procurou estar sempre envolvida nas atividades e participou de um documentário que acendeu seu interesse pelo gênero. “Falava sobre meninos que tocavam na rua”, lembra.

O professor Maurício Dias faz parte das recordações acadêmicas. “Ele me acompanhou durante toda a graduação. Uma pessoa com quem eu dividia muitas coisas, minhas angústias. O início do meu entendimento sobre multimídia, sobre redes sociais, marketing…  Foi ele quem me deu o start para querer aprender, e perceber como isso é importante na vida do jornalista”. O professor foi orientador do TCC da Flora, com o título: Como o jornal da Intercept faz reportagens para os stories.

Com a ida para estudar em Portugal, durante quatro meses aprofundou-se em cadeiras de Jornalismo, como a de Cinema, de Jornal e de Multimídia, que incluía rádio, TV e web, e uma de Publicidade. Cooperou com a produção do documentário chamado Solo, que tratava sobre o êxodo dos jovens de Portugal. Flora analisa que lá, na assessoria de imprensa, o foco era para empresas, “não era tão news como no Brasil. Foi bem interessante”.

A assessoria de imprensa, então, firma-se na carreira da jornalista. Ela refere-se à oportunidade junto ao vereador Blattes como um momento muito importante. “Ele me ensinou muito sobre o olhar que a gente tem que ter sobre as coisas, sobre os cenários, como relatar. E assessoria de imprensa, normalmente, tu vais ser parcial, porque tu precisas defender a empresa, ou o lugar, o projeto que tu trabalhas. Neste sentido, ele me ensinou muito sobre como defender um ponto, sabe?”.

A jornalista quando assessorava o político Ricardo Blates na Câmara de Vereadores de Santa Maria.

Flora acrescenta que aprendeu a “analisar a política, de como a gente não pode esquecer dos aspectos históricos, daquilo que aconteceu e não aconteceu. Essas coisas são muito relevantes para o jornalismo político. E como a sociedade é um pouco de não lembrar mais do que aconteceu há três meses, é sempre importante ter esse olhar histórico, que faz parte do jornalismo”.

Hoje, Flora Quinhones está em intercâmbio na Austrália, e não exerce o jornalismo. O intuito é se aprimorar na língua inglesa para melhorar sua atuação e expandir suas possibilidades de trabalho quando retornar ao Brasil: “Eu pretendo voltar para o Brasil no ano que vem e, provavelmente, trabalharei com assessoria de imprensa”. Ela acredita que, para sua jornada, é necessário a persistência e o domínio multimídia. E conclui: “aprender de tudo um pouco, saber de tudo um pouco, porque o mercado de trabalho exige isso do jornalista. Mas não deixar de se apaixonar por alguma área. Eu acho que na assessoria de imprensa política, tu fazes parte de um projeto, da construção de algo que pode ser bom para o país, que vai ser bom não só para ti, naquele momento, mas vai ser bom para uma grande maioria”.

Perfil produzido no 1º semestre de 2023, na disciplina de Narrativa Jornalística , sob orientação da professora Sione Gomes.

Santa Maria, RS (ver mais >>)

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Vivência e resistência de pessoas trans em Santa Maria

Relatos de mulheres e homens trans a partir de suas narrativas.

Marquita segurando a bandeira trans, símbolo que representa a comunidade transgênero. Foto: Heloisa Helena.

“Eu digo que a gente foi uma geração muito resistente porque viemos de um estigma de preconceito muito grande em cima da nossa população, por causa de uma doença. Nós sobrevivemos a tudo aquilo e estamos aqui”

Era outono do ano de 1967 quando veio ao mundo um menino, julgado por seu sexo biológico. Aos 17 anos começou o processo de se reconhecer como uma pessoa trans, termo que era pouco utilizado naquela época, pois usavam a palavra travesti como definição. Assim surge Marquita Quevedo, no ano de 1985, em plena pandemia de HIV/AIDS no Brasil, em um ambiente cheio de preconceito contra a população LGBTQIA+ e desinformação sobre a doença.

Ela relata a discriminação que sofreu nos anos 1980 por conta da epidemia, era agredida, xingada e expulsa de bares. “Era muito real na nossa cidade, em pleno Calçadão tinha uns espaços que quando a gente passava ouvia gritos ‘olha a AIDS’, ‘vocês estão matando a população’.” Porém, esse não foi o primeiro preconceito em sua trajetória.

Somente há quatro anos o Ministério dos Direitos Humanos retirou a transexualidade da lista de doenças ou distúrbios mentais. Em agosto de 2018, a Organização Mundial da Saúde publicou a 11ª edição do CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde), que deixou de incluir o chamado “transtorno de identidade sexual” ou “transtorno de identidade de gênero”. Desde 1952 a população trans era considerada portadora de distúrbios mentais, reforçando o estereótipo de que eram doentes.

Aos 15 anos, Cilene deu o grito de liberdade. Se reconheceu como mulher, feminina e delicada. Na infância foi apelidada de “sorriso”, o sorriso largo estava quase sempre presente em sua trajetória. Mas, aos 11 anos, seu sorriso desmanchou ao ser abusada na escola. Após ser descoberta, através de uma carta contendo uma declaração de amor para um colega de sala de aula em um colégio apenas de meninos, Cilene foi encaminhada ao psicólogo.

“Na sala dele eu tirava toda a minha roupa e ele tocava nas minhas partes íntimas. Na segunda sessão foi piorando, embora eu sentia dor, na época eu imaginava que fazia parte do tratamento. Na terceira sessão, eu parei de ir e acredito que ele iria concluir o ato.”

E nessa travessia perigosa que é a vida, Cilene começou sua caminhada em busca de ser quem realmente desejava. “Eu tenho muitos motivos para ser uma pessoa revoltada e agressiva, porque só a gente sabe o que carregamos nessa vivência toda”.

Cilene menciona uma das suas principais marcas de resistência:

Cilene Rossi trabalha como assessora parlamentar no Legislativo de Santa Maria gerando representatividade para o público trans em espaços políticos. Foto: Vitória Gonçalves.
Cilene Rossi trabalha como assessora parlamentar no Legislativo de Santa Maria gerando representatividade para o público trans em espaços políticos. Foto: Vitória Gonçalves.

É sobre o caminho difícil que Cilene fala. É sobre um caminho de perdas e abandonos. De pedras e espinhos. De preconceito e discriminação. De luta e resistência. Mesmo diante de todos os desafios, Cilene não se recolheu em si mesma. E procurando compreender o que havia nela que tanto incomodava os outros, foi construindo para si a história de sua vida.

Viver no país que mais mata travestis e transexuais é um ato de resistência. O Brasil lidera o ranking mundial de mortes por transfobia, de acordo com a ONG Transgender Europe (TGEU). Os dados são alarmantes. Segundo o dossiê anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em 2021, 140 pessoas trans foram assassinadas no país, sem contabilizar os demais atos de violência física e moral. 140 vidas, 140 histórias interrompidas. A idade média das vítimas foi de 29 anos. “Nossa maior vingança será envelhecer. Qualquer travesti que passe dos 35 anos estará se vingando desse CIS-tema” – Keila Simpson Presidenta da Antra.

Cisgênero é o indivíduo que se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu.

Gráfico produzido a partir dos dados do dossiê anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) divulgado em 2021. Produzido por Vitória Gonçalves.
Gráfico produzido a partir dos dados do dossiê anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) divulgado em 2021. Produzido por Vitória Gonçalves.

No começo do século 21 surgiram entidades nacionais como a Articulação Nacional de Travestis, Transexuais e Transgêneros (Antra), a Rede Trans e o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades, com o propósito de falar sobre questões relacionadas a população tras e gerar visibilidade. Entretanto, descobrir-se neste cenário ainda possui dificuldades.

“Eu sou uma mulher trans, mas é nítido que a maioria nem me considera mulher”. Descobrir-se diferente. Reconhecer-se. Autoproclamar-se. Assumir-se enquanto mulher trans exigiu de Davina Kurkowski todo um processo de negociação, consigo mesma e com o mundo externo. “Pelo fato de eu ser transsexual, a maioria dos homens acham que eu sou alvo de sexo fácil. Já fui assediada várias vezes em Santa Maria, na rua, indo para o cursinho, quando estava trabalhando. Era algo que acontecia quase todos os dias.”

Davina relata como as pessoas reagem de forma preconceituosa ao vê-la na rua:

Sem contar com qualquer respaldo social, mulheres como Davina estão desprotegidas e se tornam extremamente vulneráveis a múltiplas formas de assédio e ataque, sendo radicalmente privadas de direitos. Neste momento, a jovem se depara com a bruta realidade de uma mulher trans na sociedade. O desconforto em utilizar o banheiro feminino do shopping, olhares que transmitem medo, nojo e ódio acompanham Davina no seu cotidiano.

“Escutei vários comentários, uma vez me chamaram de traveco. No começo da transição eu não me sentia confortável para usar vestido e saia em público mas, pela primeira vez, devido ao verão e ao calor, coloquei um vestido. Estava voltando do shopping com duas amigas, eu me sentia ótima e  quando estávamos passando pelo calçadão, aquele homem que está sempre cantando música gospel e gritando com as pessoas começou a gritar olhando pra mim ‘porque vocês adoram o diabo’.”

Quando se fala em homens trans há pouco levantamento aprofundado no país sobre a população masculina, o reconhecimento das identidades de gênero desses sujeitos, a invisibilidade social e política enfrentada por eles, bem como as várias formas de violência que os atingem diariamente.

“Eu posso não ter passado nenhum confronto físico, nem moral, mas é bem humilhante e degradante não ter acesso a um direito básico. É de certa forma violento na vivência”. Cauã de Bairros tem apenas 21 anos, mas já possui uma grande bagagem de experiências e vivências. Aos 17 anos deu adeus ao gênero feminino, rótulo que foi imposto a ele ao nascer, mas que nunca o pertenceu. O direito básico a que o jovem se refere é ser reconhecido pelo nome social na documentação.

 

Cauã atualmente cursa música na UFSM e faz parte da equipe da Casa Verônica Foto Cauã - Arquivo pessoal.
Cauã atualmente cursa música na UFSM e faz parte da equipe da Casa Verônica Foto Cauã - Arquivo pessoal.

No ano de 2019 ele era calouro, no curso de licenciatura em Teatro na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e ainda não tinha modificado o nome na certidão de nascimento e RG. “Na época ainda não tinha uma política facilitada para o nome social. A maior burocracia era o nome, porque as pessoas olhavam o nome social e achavam que era enfeite. Pra mim isso foi o pior, questão do nome na carteira do Restaurante Universitário (RU), portal do aluno, matrícula e carteira de ônibus”.

O jovem conseguiu fazer a retificação do nome por conta de uma lei  (Provimento n° 73 de 2018) instaurada no ano de 2018, que facilitou o processo ao retirar a obrigatoriedade do requerimento de laudos médicos para alteração. Atualmente, para mudar basta a autodeterminação da pessoa interessada em modificar o nome. “Pensa que desagradável ter que pedir para um médico olhar teu corpo e atestar aquilo, para você poder ter acesso ao nome básico. É só teu nome”. Felizmente Cauã não precisou passar pela consulta médica graças a alteração da lei.

Alguns direitos e o acesso a eles tem evoluído ao longo dos anos, mas o preconceito persiste intrínseco na sociedade como mencionado nos relatos de quem convive diariamente com essa realidade.

O desafio no mercado de trabalho

A realidade das pessoas trans em busca da sua independência financeira

“A falta de oportunidade e de inclusão me fez trabalhar na noite. Eu não vou dizer que todas estão na noite por necessidade, mas 95% sim […] Hoje o público trans tem muitas oportunidades, por conta de quem esteve na linha de frente batalhando pelo público LGBT.” 

A noite muitas vezes não tem regra, não tem leis, não tem descanso. Mas não para Cilene, que optou por ter disciplina nos 15 anos que viveu a rotina do trabalho na prostituição. Conheceu todas as drogas na noite – ou quase todas. Mas se considera abençoada de não ter se viciado em nenhuma delas.

“Esses 15 anos para mim era um trabalho. Do qual, eu tinha horário para chegar na rua e horário para ir embora, e final de semana eu não trabalhava. O corpo precisa descansar e a alma também. Porque você sobrecarrega”

Ao falar sobre as marcas que a compõem, sobre as experiências que vivenciou, sobre a sua vida, a sua história, a sua luta, Cilene relatou as agressões, os assédios e a conquista pelo território. No mundo da prostituição, toda esquina é conquistada, assim como os clientes.

“Muitas vezes a gente apanha mas a gente revida para apanhar com dignidade. Tu não aceitou quieta, tu lutou também. Perdeu, infelizmente perdeu. Mas no mundo da noite, tu só conquista seu espaço assim, apanhando e voltando, apanhando e voltando, uma hora desistem e te permitem ficar”

De acordo com Cilene, o mundo da noite envolve muitos gritos e xingamentos. E o desejo de estar em cima de um salto alto, muitas vezes se torna um pesadelo. Há noites em que não é escolhida e noites em que o corpo implora por descanso. Quando jovem, sempre contribuiu em casa, apesar das tentações de um mundo perverso, seu objetivo sempre foi o mesmo.

“Eu nunca joguei meu dinheiro fora, sempre ajudei meus sobrinhos. Geralmente a mulher trans que trabalha na noite, elas estão vulneráveis ao álcool e a droga, uma coisa leva a outra.”

Depois de vivenciar muitos mundos, conhecer seus próprios abismos e reencontrar-se consigo mesma diversas vezes nesse caminho, uma oportunidade de emprego surgiu na Estação Rodoviária de Santa Maria contribuindo com a sua construção.

“Eu se pudesse aparecer de forma mais feminina, ótimo. Mas não é privilégio de muitas. Cilene Rossi foi toda uma construção. Antigamente as condições eram precárias, algumas já tinham sorte de nascer bonitas, conseguir clientes à noite. Chamávamos na rua de “bater portinhas”. Atualmente, Cilene tem 51 anos e exerce a profissão de assessora parlamentar da vereadora Marina Callegaro (PT). Com seu trabalho, auxiliou 23 mulheres trans a fazerem a troca do nome social. Considera esse passo como um empoderamento para que pessoas como ela se reconheçam como cidadãs e como desejam ser reconhecidas.

Definitivamente, a inclusão de pessoas trans no mercado de trabalho ainda é um desafio. Mas, como conta Marquita, a área da beleza era uma alternativa para pessoas trans trabalharem, pois o local se mostrava parcialmente receptivo a essa população.“Eu digo que a minha profissão era ser cabeleireira.  Até alguns anos atrás era a profissão onde a gente se encontrava e não tinha preconceito, a gente era aceita no meio do salão”, relembra. Atualmente, Marquita trabalha com a produção cultural de eventos em Santa Maria.

Tentar se colocar no mercado de trabalho sendo uma pessoa trans pode resultar em cicatrizes profundas e desgastes emocionais. No final de 2019, logo antes da pandemia do coronavírus, Cauã estava procurando emprego, mas não havia resultados. Nas experiências para conquistar algumas vagas, houve muitos questionamentos desnecessários e nem um pouco profissionais dos colegas da empresa.

“Fiz o teste de uma semana em uma sorveteria. A moça que estava me treinando começou a me perguntar por que eu tinha cabelo comprido, se eu era gay, se eu ‘dava’, coisas bem íntimas que não tem nada a ver com o espaço de trabalho e, por causa do meu cabelo comprido, ela achou que eu era gay e ela tinha essa permissão.”

Davina também se deparou com dificuldades ao buscar por empregos. Antes da transição, ela conseguiu uma oportunidade de estágio, mas quando terminou o ensino médio, o estágio foi cancelado. De acordo com a jovem, após trocar seu nome social e começar a fazer currículo como Davina, as entrevistas de emprego nunca mais surgiram. Até o momento, seu único trabalho depois da transição foi como babá e como modelo.

Essa realidade reflete a dificuldade desse público ao tentar ingressar no mercado de trabalho. Muitas vezes não avançam sequer nos processos seletivos e não são contratados apenas por serem quem são.

As adversidades no dia a dia de pessoas trans

O impacto do preconceito na vida da comunidade T

“O momento que sofri o primeiro preconceito foi dentro da família e aí tive que me tornar forte”

Como acontece com a grande maioria das mulheres e homens trans, Marquita não teve apoio da família. A exclusão familiar ocorreu quando tinha apenas 14 anos, foi expulsa de casa e mudou de cidade para morar com um tio, após dois anos retornou para Santa Maria apenas com a roupa do corpo. Sem lugar para morar e família para acolhê-la, dormiu nas ruas da cidade e foi amparada pelos iguais a ela.

Marquita comenta como era o preconceito na década de 80:

Na trajetória de Davina, seu pai se tornou um dos primeiros desafios preconceituosos que ela enfrentaria. Na busca por tentar encontrar uma explicação para os seus sentimentos, resolveu assumir-se, a princípio, como um homem homossexual para a família, iniciando um processo de negociação entre a sua identidade e a aceitação dos outros. Após Davina e sua mãe saírem de casa na pandemia da covid-19, a jovem começou a refletir e descobriu que haveria uma (des)construção em sua vida. No final de 2020, Davina nasceu e a relação com o pai ficou em pedaços.

Cauã, por sua vez, teve o apoio da mãe desde o começo da transição, tanto emocional quanto financeiro. Por mais que fosse difícil, ela estava sempre presente para apoiá-lo. Porém, por parte do pai houve, no início, uma certa rejeição e dificuldade durante o primeiro ano de transição. Seus avós paternos optaram por cortar relações e nunca mais falaram com o neto. Alguns familiares mais próximos de Cauã se mantiveram em sua vida, pessoas que ele chama de parceria.

“Infelizmente grande parte das mulheres trans encontram o preconceito dentro da família. Muitas são expulsas de casa, pela própria mãe ou pelo pai, geralmente pelo pai. Tem mães que também não aceitam, porque esperavam um homem que casasse e tivesse filhos. Mas também tem muitas mães que abraçaram a causa junto aos filhos, eu acho isso lindo” – Cilene

Cilene costuma dizer que foi abençoada por ter sido acolhida pela família, apesar de ter sido uma construção. Foi criada em um meio onde predominava o amor e o respeito. O pai era militar, no começo foi difícil a aceitação e compreensão, mas com a convivência ele a aceitou, embora não a chamasse de Cilene. “Ele nunca me chamou pelo nome social, e eu não esperaria isso de um homem de 80 anos”. Cilene sempre colocou a família em primeiro lugar e amou-os de forma incondicional. Infelizmente, seus pais já faleceram, mas ela recorda carinhosamente dos dois e segue a vida pregando os ensinamentos de amor e respeito que ambos a ensinaram.

Passabilidade: a influência da aparência na vida de pessoas trans

Cilene fala sobre sua história com muita leveza e humor, assim como compartilha a sua vida de uma forma muito sincera, aberta e acolhedora. Apesar de ser designada ao gênero masculino ao nascer, sempre lutou pela existência da mulher que vivia dentro de si, sem perder o humor, a graça e a alegria.

De acordo com a revista Veja, aproximadamente 70% das mulheres trans se submetem a cirurgia de redesignação sexual e apenas 35% dos homens trans procuram pela cirurgia genital. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), as filas de acesso para a redesignação sexual superam os dez anos de espera, atualmente.

Mas apesar do índice ultrapassar a metade da população trans feminina, algumas mulheres optam por não realizá-la e se consideram satisfeitas com seu corpo. Este é o caso da Cilene, embora a aparência feminina, o cabelo longo, os seios fartos, a maquiagem, façam parte da sua personalidade. Cilene nunca cogitou realizar a cirurgia de redesignação sexual.

“Estou satisfeita com meu corpo, não pretendo me mutilar, nunca tive a idéia de cirurgia. Respeito aquelas que não aceitam o órgão, mas eu me aceito perfeitamente”.

Apesar da cirurgia ser considerada uma afirmação de gênero pela revista Veja, a mudança na forma de se vestir, de se comportar ou até mesmo de se montar, passou a ser a principal necessidade de mulheres que se descobriram trans, logo, quanto mais feminina, mais mulher aos olhos da sociedade.

Cilene participou, em 2019, da Parada do Orgulho LGBT Alternativa organizada pelo Coletivo Voe apresentando uma de suas performances - Foto: Vitória Gonçalves.
Cilene participou, em 2019, da Parada do Orgulho LGBT Alternativa organizada pelo Coletivo Voe apresentando uma de suas performances - Foto: Vitória Gonçalves.

No “processo da Marquita”, como ela mesma chama, começou a se montar, passar maquiagem e usar roupas femininas. Em suas próprias palavras, essa construção vem muito da heteronormatividade. “Tem que ter peito, tem que ter cabelo comprido, tem que ter uma passabilidade para poder estar inserida na sociedade e no mercado de trabalho. Independente da aparência estética que se tem, a identidade de gênero é uma coisa e a aparência é outra coisa. Em uma sociedade que julga as pessoas pelo órgão genital, isso tem de ser repensado.”

Atualmente, Marquita é uma ativista da causa LGBTQIA+ e coordenadora do ONG Igualdade - Foto: Vitória Gonçalves.
Atualmente, Marquita é uma ativista da causa LGBTQIA+ e coordenadora do ONG Igualdade - Foto: Vitória Gonçalves.

“É um processo de auto-aceitação, olhar o seu corpo e se aceitar, isso tem uma pressão muito grande. Afeta a autoestima e saúde mental da nossa população. A saúde mental é muito debilitada, por todo esse processo da pressão, da transfobia e lgbtfobia.” – Marquita

Assim como Marquita e Cilene, apesar de terem vivido as experiências em épocas diferentes, Davina também sentiu uma pressão estética ao se assumir como mulher trans. “[…] no começo eu sentia muita pressão estética, de me parecer com uma mulher cis. Sentia essa necessidade de vestir coisas femininas e me esforçar ao máximo para ter essa aparência delicada […]”.

Davina considerava seu corpo fora do padrão e vivenciou um período difícil e delicado, onde foi necessário uma constante luta por reconhecimento e aceitação. A jovem sentia muita disforia pelo próprio corpo, se sentia desconfortável com sua altura, seus ombros largos e suas mãos grossas. O verão era um incômodo, suas veias das mãos ficavam nítidas, mais um motivo para despertar a sua frustração.

Foi complicado, no começo foi bem difícil. Eu sentia mesmo essa pressão, mas não sei se a pressão vinha das pessoas ou eu me pressionava, acredito que eu mesma. Agora eu sei que não precisa, eu aceito meu corpo, sinto falta de alguma coisa as vezes, me incomoda bastante ter pelo no rosto, odeio ter pelo no rosto, é o que mais me incomoda na verdade.”

Davina em um dos seus trabalhos como modelo no desfile do curso de moda da UFN - Foto: Arquivo Pessoal.
Davina em um dos seus trabalhos como modelo no desfile do curso de moda da UFN - Foto: Arquivo Pessoal.

Quando Davina iniciou a transição, ela tinha como prioridade fazer terapia hormonal, mas agora não vê mais necessidade de tomar hormônio, pois gosta bastante do seu corpo. Porém, pretende avaliar na terapia com uma psicóloga e decidir se realmente quer ou não começar o processo de hormonização.

A pressão estética não atinge só as mulheres trans, mas os homens trans também se deparam com essa realidade, e foi uma das questões para Cauã. Em 2019, quando retificou o nome, sua aparência era diferente, tinha os cabelos compridos, ele gostava, mas muitas pessoas não gostavam. Frustrado com os questionamentos sobre seu cabelo, cortou. “Certamente, teve uma pressão pra deixar essa aparência. Os endócrinos diziam para eu fazer academia pra ficar mais musculoso. Mas eu sempre caminhei ou fiz algum tipo de esporte, então aquilo não era questão de saúde, eles estavam falando sobre aparência física. Isso é cobrado, para todas as pessoas trans é cobrado, para mulheres trans com certeza é pior”.

Em 2018, ele começou a fazer o tratamento da hormonização em Porto Alegre, sua cidade natal, no sistema privado, já que em Santa Maria ainda não existiam os ambulatórios pelo SUS que hoje auxiliam a população trans no processo de transição.

“Agora que tenho cabelo curto, barba e voz, eu tenho acesso a um respeito que nunca tive na vida. Nem antes e nem durante a transição. As pessoas parecem que me ouvem mais, é surreal”

Cauã compartilha as vantagens de se parecer com uma pessoa cis:

Entre o amor e a dor

Amar sempre foi algo complexo. Às vezes o amor não correspondido pode definir como uma pessoa vai ser daquele momento em diante. Assim como o amor muda um ser humano, a rejeição muda mais ainda. Cilene relata a sua realidade como mulher trans no mundo de relações afetivas e a dificuldade em encontrar o reconhecimento e aceitação que tanto anseia.

“Às vezes a pessoa tá com vergonha de estar do teu lado por ser quem tu é. O coração é um ponto muito fraco nosso. A gente está sempre procurando um amor, mesmo sabendo que aquele amor não vai ser correspondido e isso te frustra muito.Eu vivi quatro anos com um homem e sofri muito quando ele me deixou. Ele me trocou por uma mulher cis. Ele não estava errado, eu que estava errada de me entregar inteira”

Iniciativas de apoio à comunidade trans em Santa Maria

A importância da assistência à saúde física e mental

Utilizo o Sistema Único de Saúde (SUS), é um direito e acredito que devemos fortalecer o SUS”

Durante a transição, Marquita não teve apoio psicológico. Hoje em dia ela faz tratamento porque foi diagnosticada com Transtorno de Personalidade Borderline. Em Santa Maria, recentemente, dois ambulatórios para o público trans foram instaurados na cidade para dar auxílio a essa população: o Ambulatório Transcender e o Ambulatório Trans do Hospital Casa de Saúde.

“É muito importante esses espaços de saúde que a gente tem hoje, os ambulatórios trans, porque a saúde é fundamental e para nossa população mais ainda. Porque a nossa população não acessa a saúde facilmente, é importante ter acesso a esses locais”

O Ambulatório Trans do Hospital Casa de Saúde, inaugurado em 2022, oferece atendimento médico a pessoas que buscam iniciar ou prosseguir com a transição de gênero. O local especializado conta com atendimento clínico, psicológico, psiquiátrico e endócrino via SUS. O foco do ambulatório é dar atendimento clínico e psicossocial a pessoas que queiram fazer a transição com tratamento hormonal. Além de Santa Maria, o espaço atende também as 33 cidades da Região Central.

O Laboratório Transcender atendeu cerca de 65 pessoas trans em um ano de atendimento - Divulgação Prefeitura de Santa Maria Crédito: Marcelo Oliveira/PMSM.
O Laboratório Transcender atendeu cerca de 65 pessoas trans em um ano de atendimento - Divulgação Prefeitura de Santa Maria Crédito: Marcelo Oliveira/PMSM.

Destinado apenas aos residentes de Santa Maria, o Ambulatório Transcender nasceu em 2020 como um laboratório destinado à população T, mas ampliou os atendimentos a toda a população LGBTQIA+. O laboratório funciona junto à Policlínica de Saúde Mental, localizado na Rua dos Andradas, número 1.397. Os serviços oferecidos são: apoio psicológico, médico clínico e odontológico. Já os pacientes que desejam fazer a hormonização são encaminhados à Casa de Saúde. Em um ano de atendimento do ambulatório, 65 homens e mulheres trans e travestis foram acolhidos. É necessário reforçar que o atendimento é gratuito, via SUS e não é necessário agendar consulta ou ter encaminhamento de um posto de saúde, tudo para facilitar o acesso da população ao atendimento.

O ambulatório realiza uma busca ativa principalmente a pessoas Trans, Travestis e Transgêneros, para oferecer assistência. “A população T já tem historicamente uma dificuldade de acesso às Unidades Básicas de Saúde e, hoje, estamos fazendo um movimento de captação dessa população. No início, nós achamos que seria mais fácil eles aparecerem, mas não foi isso que aconteceu. A solução que encontramos é fazer visita domiciliar, vamos até as Unidades Básicas e conversamos com as agentes de saúde, elas já tem mais ou menos um mapa daquele território e das pessoas que têm interesse. A partir disso, a enfermeira vai até a casa, explica como funciona e oferece os serviços que disponibilizamos”, relata o psicólogo e coordenador do ambulatório Transcender, César Bridi, sobre a necessidade da busca ativa.

Bridi reforça que o atendimento é gratuito, público e acessível para todos e todas - Foto: Vitória Gonçalves.
Bridi reforça que o atendimento é gratuito, público e acessível para todos e todas - Foto: Vitória Gonçalves.

O Transcender também abre espaço para as pessoas que querem falar sobre questões de identidade. Ele tem grupos de afirmação de gênero para adultos – maiores de 18 anos – e grupos para adolescentes, dando oportunidade de se descobrir e se entender. Além do atendimento em grupo, dispõe de atendimento individual e para família, como conta Bridi: “Quando uma pessoa transiciona ou descobre sua orientação sexual, todos que estão no entorno precisam lidar com isso. A gente acolhe, explica, orienta os familiares e, caso necessário, encaminhamos para a psiquiatria da policlínica. Nós pensamos que, quando a pessoa vem pra cá, ela precisa se sentir protegida e acolhida.”

Outro espaço que acolhe vítimas de violência de gênero e tem como foco o público LGBTQIA+ e feminino é a Casa Verônica. O projeto é ligado ao Observatório de Direitos Humanos (ODH) e Pró-Reitoria de Extensão (PRE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O local recebeu o nome Casa Verônica para homenagear e manter viva a luta e ativismo de Verônica Oliveira, conhecida como Mãe Loira. Ativista trans e referência na militância LGBTQIA+ na cidade, Verônica foi violentamente assassinada no ano de 2019 a facadas.

A Casa Verônica pretende promover rodas de conversa, eventos e oficinas, focalizadas na saúde mental e física do público alvo, assim como promover a inclusão de nome social, para fomentar políticas públicas voltadas para essas questões. Cauã, atualmente, faz parte da equipe e expõe a importância de existir um espaço como esse, devido a alta demanda: “É um projeto que poucas universidades têm até agora. Mas não é porque esses projetos são raros e escassos que há pouca demanda, a demanda é grande. As pessoas têm sede e fome de reconhecimento, de diálogo e de troca”.

Logo da Casa Verônica. Ilustração: Noam Wurzel/ Casa Verônica.

Logo da Casa Verônica

Ilustração: Noam Wurzel / Casa Verônica.

Os atendimentos ainda não começaram, pois a Casa Verônica está trabalhando na contratação dos profissionais, processo que envolve trâmites administrativos. Mas a Casa oferece orientações sobre os serviços disponíveis na universidade e na cidade e, conforme o caso, realiza encaminhamentos para a rede.


Reportagem produzida na disciplina de Jornalismo Investigativo, no 2º semestre de 2022, sob orientação da professora Glaíse Palma.

Seja nas redes sociais, em produtos ou até mesmo na alimentação, provavelmente você já viu o desenho de um personagem de rabiscos, acompanhado de uma frase em tom humorístico. Trata-se dos florks, o meme que é sensação do momento. Mas você sabe a origem dele?

Primeira tirinha do Flork Of Cows, publicada em 2012. Fonte: Knowyourmeme

Seu surgimento é mais antigo do que parece, tendo início em 21 de janeiro de 2012, intitulado Flork Of Cows (flor de vaca, em tradução livre), uma série de tirinhas feita no programa Paint, onde o criador mostravas seus sentimentos. Inicialmente, eram publicadas em um site WordPress.

Os traços dos desenhos eram extremamente grosseiros mas, em 19 de março de 2016, foi publicada a primeira tirinha no formato que conhecemos hoje: um fantoche de meia. Sim, é isso mesmo, os florks são animações de fantoches feitos de meia.

Nesta mesma data, o Flork Of Cows passou a ter uma página no Facebook, que conta, na atualidade, com 183 mil seguidores. No ano seguinte, um subfórum foi criado no Reddit. Existe, ainda, o perfil no Twitter e no Instagram.

No Brasil, começou a viralizar após serem desenhados em bentôs cakes, que são bolinhos para marmita. A “febre” é tanta, que muitas pessoas confundem, inclusive, os dois termos, chamando o desenho em si de bentôs. O nome vem do japonês e significa marmita, enquanto cake é o inglês de bolo.

Confeiteira Karol Dotto conclui pedido para o Dia dos Namorados. Foto: Pablo Milani

A confeiteira Karol Dotto relata uma procura pelo novo formato. “Me pedem com bastante frequência, desde que me adaptei nessa moda dos bentôs com florks. O povo gosta, é um mini bolo engraçado e de ótimo custo benefício pra quem quer presentear seus amigos”, comenta.

O custo médio varia entre R$ 30 e R$ 35, mas existem locais que vendem até por R$ 45. “O preço é mais elevado pelo fato de ser customizado conforme o desejo do cliente. A confeitaria é 100% artesanal, sobre o que está acontecendo hoje, agora. Nós, confeiteiras, procuramos trazer o que está em alta, a novidade”, explica Karol.

Por serem personalizados conforme desejo do cliente, os bentôs estão em alta, principalmente com o uso humorístico dos florks. Fotos: Karol Dotto

Além dos bentôs, o ramo de produtos personalizados também surfa no sucesso dos Florks. Sejam canecas, camisetas ou outros artigos, eles ganharam espaço e aparecem em uma série de coleções, seja de datas comemorativas, humor, profissões, signos ou até mesmo do clube do coração.

Nem a cultura gaúcha ficou de fora da sensação do momento. Florks peão e prenda também foram criados. Fotos: Pablo Milani

“Conheci em grupos do Facebook, divulgamos alguns modelos de canecas para ver se daria  certo e logo recebemos pedidos. Começamos a vender a partir disso e só foi crescendo”, conta a estudante Thais Pagnossin, que atua em uma empresa do segmento. Ela percebe um diferencial nos florks para os outros memes: a sua vida útil. “Percebi que não seria algo momentâneo, que vira sucesso e logo acaba esquecido. Está em alta e penso que não vai acabar tão cedo”, acrescenta.

E o número de pedidos aumentou. Segundo Thais, na atualidade, a cada cinco pedidos, três envolvem florks, em média. “Tem dias que trabalhamos apenas com vendas desse estilo, é uma demanda bem superior a outras artes”, elucida.

A personalização dos produtos ocorre por um processo chamado sublimação. Thais explica como é realizado:

O coronavírus intensificou os conflitos sociais e escancarou as desigualdades e a crise do capitalismo no território latinoamericano.

Foto: Santiago Torrado @santitorrado1

No início da década de 1970, durante o efervescer da Operação Condor, que representava o controle da América Latina pelos Estados Unidos através das ditaduras militares, o escritor uruguaio Eduardo Galeano eternizou-se nas linhas de “As veias abertas da América Latina”. O sucesso de vendas, publicado há 50 anos, narrou através de uma pesquisa jornalística, histórica e antropológica, a exploração, as riquezas, a cultura e as realidades da terra e do povo latinoamericano.

Poucos anos antes de sua morte, Galeano, que era jornalista e escritor, chegou a revelar que lamentava que depois de décadas de sua publicação original, “As veias abertas” não tenha perdido sua atualidade.

O livro passou a ser considerado uma bíblia por parte da esquerda intelectual e ferozmente criticado pela direita conservadora. As controvérsias acerca do texto se intensificaram após Galeano considerar que não o leria novamente e que não era qualificado quando escreveu o clássico anticolonialista, antiimperialista e anticapitalista nos anos 70. 

Válido ou datado, o fato é que o livro marcou o pensamento dos estudos sociais latinoamericados e cumpriu sua proposta de analisar e fazer pensar sobre as relações de exploração e dominação que há séculos regem a política e a sociedade das Américas para além dos Estados Unidos.

O fim da primavera progressista

La lluvia que irriga a los centros del poder imperialista ahoga los vastos suburbios del sistema. Del mismo modo, y simétricamente, el bienestar de nuestras clases dominantes – dominantes hacia dentro, dominadas desde fuera – es la maldición de nuestras multitudes condenadas a una vida de bestias de carga.” Tal trecho, retirado da décima sétima página, representa com fidelidade a América Latina de ontem mas também a de hoje.

Após anos de hiato democrático, milhares de mortos, torturados e desaparecidos, os governos populares e o neoliberalismo passaram a dividir espaço nos países da região. Durante a primeira década do século XXI, progressistas foram eleitos por toda a região. A guinada à esquerda trouxe políticos como Néstor Kirchner e Cristina Kirchner na Argentina, Evo Morales na Bolívia, Lula e Dilma no Brasil e José Mujica no Uruguai. Mesmo que esses governos tenham garantido direitos das classes populares e respondido às lutas históricas dos subalternizados, não foram capazes de quebrar, de fato, com os interesses neoliberais dos grupos dominantes. 

Segundo o doutor em História Social do Trabalho e professor da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), Diorge Konrad, “esses governos aplicam políticas sociais e econômicas, inclusive de reparação das perdas do poder aquisitivo das classes trabalhadoras”. Conforme Konrad, mesmo que tenha havido um aumento real de salários “é muito pouco perto das perdas anteriores para repor níveis, por exemplo, do salário mínimo quando ele foi criado” e completa que governos como o do Lula e o de Néstor Kirchner, que chegou a crescer 8% a economia na Argentina, “são governos que não mudaram a macroestrutura neoliberal”.

A não ruptura dos governos progressistas com a ordem neoliberal culminou no declínio de seus próprios políticos. Sob os holofotes da mídia, os escândalos de corrupção e de autoritarismo mancharam a história desses governos e acarretaram num bem elaborado movimento de retomada e manutenção do poder pelas classes políticas e sociais historicamente dominantes.

Os holofotes apontam para a direita extrema e para o neoliberalismo

Guiada pelo discurso anticorrupção, a América Latina abraçou a nova onda conservadora que teve início na Europa na década de 2010. A Operação Lava Jato no Brasil que contou com a midiatização do juiz Sérgio Moro, talvez seja um dos melhores exemplos das características da política latinoamericana atual. 

O discurso neoliberal da extrema direita vende o Estado como real e único vilão responsável por toda corrupção e miséria e, como única forma de combater-se esse mal, é preciso desinflá-lo e diminuir o seu controle ao mínimo possível. Em “A Elite do Atraso”, o sociólogo brasileiro Jessé Souza evidencia a existência de uma distorção da realidade na qual a real elite encontra-se fora do Estado.

Jessé propõe uma analogia, para ele essa construção funciona como um narcotráfico. Nesse sentido, “os políticos são os aviõezinhos do esquema e ficam com as sobras do saque realizado na riqueza social de todos em proveito de uma meia dúzia.” Ainda para o sociólogo, a verdadeira corrupção estaria em permitir que meia dúzia de superpoderosos ponham no bolso a riqueza que é de todos, deixando o resto na miséria.

A partir dessa construção, onde é imprescindível corrigir os erros cometidos pela esquerda através da eleição de políticos extremistas, conservadores e com características fascistas, elegeram-se nos últimos anos, uma gama de novos líderes de direita. 

Entre esses políticos estão Sebastián Piñera no Chile e Iván Duque na Colômbia. Não por causalidade, nesses países eclodiram as maiores manifestações sociais dos últimos tempos na América Latina. Mas além disso, não podemos deixar de citar o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, da “nova direita” que, entretanto, continua representando ideais e pensamentos já conhecidos do cenário político brasileiro. 

A política entreguista e sem espaço para as reivindicações dos movimentos sociais não esperava encontrar pelo caminho uma pandemia que mudaria, mesmo que temporariamente, os rumos político-sociais da América Latina, escancarando fraquezas e reais intenções por trás dos novos líderes do cenário político-ideológico.

A pandemia de conflitos sociais

Foto: Santiago Torrado @santitorrado1

Em 2019, antes mesmo do início da pandemia de coronavírus, a situação social e política da América Latina já apresentava os sinais da crise. No mesmo ano, uma campanha pela passagem do metrô realizada por estudantes do ensino médio de Santiago, tornou-se um dos maiores protestos que o Chile já viu e provocou a queda da constituição datada do governo do ditador Augusto Pinochet. 

O povo foi às ruas contra a política ultra-neoliberal herdada da ditadura Pinochet e contra a enorme desigualdade social do país. O governo e a polícia reprimiram com violência as manifestações, o que acarretou na resistência dos participantes e popularização do protesto que terminou com mais de 30 mortos e 11 mil feridos. Atualmente o país está em processo de redação da nova constituinte.

Já em 2020, no meio de diferentes políticas de contenção ao coronavírus, altos índices de morte, desemprego e inflação, a população latinoamericana seguiu organizando protestos contra o abandono e má condução dos governos.

O primeiro exemplo que podemos citar são as manifestações no Peru em novembro do ano passado. Inconformados com o impedimento do presidente Martín Vizcarra, os peruanos lotaram a capital Lima, em protesto ao que chamaram de golpe à democracia. As manifestações foram consideradas as maiores dos últimos 20 anos segundo a imprensa local. 

Os manifestantes seguiram se reunindo contra o governo inteiro de Manuel Merino e após denúncias de mortes de participantes, 11 ministros do governo pediram demissão. Em 15 de novembro, cinco dias após assumir o cargo, Merino apresentou sua renúncia e seu lugar foi assumido por um governo de transição. 

Neste ano, o Haiti entrou em uma forte ebulição social após uma onda de violência e sequestros assolar o país. Os haitianos exigiam atitude por parte do governo contra os grupos criminosos. Os conflitos passaram a se intensificar desde fevereiro, quando o então presidente Jovenel Moise recusou deixar o cargo e prendeu opositores políticos. Em 7 de junho, Moise foi assassinado em sua residência nos subúrbios de Porto Príncipe em um crime ainda sem solução.

Um dos maiores conflitos sociais que podemos destacar em 2021 foi o ocorrido na Colômbia. No dia 15 de abril o presidente colombiano Iván Duque apresentou ao Congresso uma proposta de reforma tributária que visava aumentar a base de arrecadação do imposto sobre serviços básicos e IVA. A medida buscava liberar 6,3 bilhões de dólares para financiar os gastos do governo durante a pandemia e a recuperação econômica para os próximos anos.

Desde que foi lançada, a proposta de reforma foi considerada onerosa para a classe média do país. Segundo especialistas, a medida retiraria dinheiro dos que movem a economia da Colômbia, deixando-os vulneráveis e incapazes. A partir daí, sindicatos, movimentos sociais e diversos setores da sociedade se manifestaram contra a reforma, o que ocasionou forte turbulência social e rapidamente os protestos se espalharam pelo país.

A cidade de Cali, terceira mais populosa da Colômbia, se tornou o epicentro do embate entre policiais militares e manifestantes. O governo criticou a violência das manifestações e acusou dissidentes guerrilheiros e grupos criminosos de participação nos atos. Desde então, os protestos contra o governo e as denúncias de desaparecimento e morte de manifestantes se intensificaram. Os atos contra o governo e a política neoliberal de Iván Duque resultaram em 67 mortes segundo um relatório do Human Rights Watch.

A forte repressão e violência policial na Colômbia foi relatada pela jornalista colombiana Gina Piragauta que esteve presente na cobertura dos protestos:

“A situação na Colômbia é de conflito social crescente desde muito tempo, há elementos que contribuíram para que aumentassem os conflitos como a falta de emprego, educação, péssimo sistema de saúde e houve protestos muito significativos no ano passado mas foram suspendidos por questão da pandemia. A pandemia veio a acrescentar os conflitos sociais e políticos no país. Esta greve não é de nenhum partido político, de nenhuma organização política, é do povo colombiano trabalhador e nesse sentido levou as pessoas massivamente para a rua. Temos visto que a repressão policial tem sido dirigida especialmente às pessoas da imprensa e também dirigida às pessoas que cuidam dos direitos humanos durante as manifestações. Temos visto que estão disparando nos olhos dos manifestantes, temos muitos desaparecidos. Algumas dessas pessoas desaparecidas aparecem mortas nos rios e de outras nada se sabe e também tivemos muitos presos.”

Os relatos da ação policial disseminaram-se pelas redes sociais e pela imprensa. No dia 1º de maio, Alejandro Zapata, um jovem de 20 anos, foi gravemente ferido pelo esquadrão de choque Esmad durante um protesto em Bogotá e não resistiu. No dia 5 de maio, Lucas Villa, de 37 anos, recebeu vários disparos em uma marcha pacífica na cidade de Pereira. O universitário morreu no dia 11 do mesmo mês. 

Em 14 de maio, Sebastián Munera de 22 anos morreu após ser atingido por uma granada lançada por agentes da Esmad. Um dos casos que mais revoltou os manifestantes e que provocou a convocação de novos atos pelo país foi o da jovem de 17 anos Alison Meléndez. Alison foi presa na noite de 12 de maio e violentada sexualmente por agentes da polícia. Um dia depois a jovem se suicidou.

O êxodo venezuelano

Para além dos conflitos sociais que eclodiram nos últimos anos e que vimos anteriormente, a América Latina também passa por um momento de intensos processos migratórios. Tais movimentos podem ser deslocamentos entre os países latinoamericanos, como os decorrentes de crises humanitárias, mas também, pelos processos de imigrantes de outros países do globo que chegam na América Latina todos os anos. A política de recepção dessas pessoas em processo de deslocamento é diferente em cada país.

De acordo com o cientista político venezuelano Xávier Franco, “nada define mais a espécie humana desde suas origens do que sua capacidade de se mover ao redor do mundo”. Entre os motivos que podem levar uma pessoa a sair de seu país de origem estão as crises humanitárias como a venezuelana, mas também existem outros, como a legítima aspiração por uma melhor qualidade de vida.

Entretanto, no caso da Venezuela, é preciso compreender os aspectos que levaram aos processos de deslocamento populacional. A crise no país vem se intensificado desde 2013 após a eleição de Nicolás Maduro. A população começou a sofrer os impactos econômicos a partir de 2014, quando o barril do petróleo se desvalorizou e a economia venezuelana começou a desmoronar. 

Desde então o país atravessa uma grave crise humanitária onde parte da população é obrigada a se refugiar em países vizinhos. O número de venezuelanos que migraram forçadamente para outros países só em 2020 é de 3,9 milhões. Esses dados são do relatório anual da UNHCR (Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados)

O relatório  mostra um crescimento no número de refugiados venezuelanos no continente latinoamericano. Houve aumento do fluxo de migrações para o Brasil, México e Peru. Porém, mais de 120 mil refugiados venezuelanos que estavam na Colômbia retornaram ao país de origem em 2020. Segundo o documento, entre os motivos para o retorno estão as dificuldades enfrentadas desde o início da pandemia do coronavírus.

Atualmente a Colômbia hospeda cerca de 1,7 milhões de imigrantes venezuelanos. Dados do novo relatório também estimam que entre refugiados e venezuelanos deslocados no exterior, quase um milhão de crianças nasceram em situação de deslocamento entre 2018 e 2020, uma média de entre 290 mil e 340 mil por ano.

O Xávier Franco evidencia que a imigração em massa da Venezuela nos últimos anos “se expandiu em todas as direções mas principalmente para os países fronteiriços, o que gerou uma verdadeira crise política, diplomática e humanitária de proporções continentais para as quais nenhum governo foi preparado e coordenado”.

Para a professora da UFSM e coordenadora do Migraidh (Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão Direitos Humanos e Mobilidade Humana Internacional da UFSM) a migração de venezuelanos é “potencializada pelas questões socioeconômicas e que tem muito forte a própria mobilidade como uma possibilidade de promover as chamadas remessas, levar ao país de envio o suporte para os que ficaram”. Ou seja, nesses casos, a população migrante envia recursos financeiros para os familiares que continuam a residir no país de origem. 

Ataques à imprensa 

Assim como com os movimentos sociais, a imprensa latinoamericana tem sofrido recorrentes ataques e censura. Entre janeiro a junho de 2020 foram mais de 600 violações à liberdade de imprensa na América Latina segundo dados do último dossiê levantado pelo Voces del Sur, um projeto que monitora as agressões à imprensa e a liberdade de expressão em 11 países da região e que no Brasil conta com o apoio da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).

Conforme o levantamento, entre as vítimas estão 336 jornalistas, 27 repórteres independentes, 220 meios de comunicação, 46 fotógrafos e cineastas, 37 diretores, editores e executivos de meios de comunicação, 11 trabalhadores de comunicação e 1 produtor de conteúdo. Além disso, os dados apontam que 453 desses ataques foram realizados por parte dos governos, 95 por meios não estatais e 61 de forma desconhecida.

Outra denúncia do Voces del Sur é sobre as leis que buscam criminalizar a desinformação, as conhecidas notícias falsas. Apesar dessas leis serem propostas como formas de se conter a difusão de rumores e conteúdos falsos que prejudiquem a sociedade, elas podem se tornar ambíguas e quando usadas de forma estratégica por governos, até prejudiciais à democracia.

Segundo a Comissão Internacional dos Direitos Humanos, as proibições de divulgação de desinformações são baseadas em conceitos vagos como “notícias falsas” ou “informação não objetiva”. Porém, é importante que os aspectos sejam analisados cuidadosamente para que se evite imprecisões que possam vir a favorecer atos de arbitrariedade.

Com a covid-19, por exemplo, alguns governos latinoamericanos estão redigindo leis que, por sua vez,  acabam por censurar a informação incômoda. Ou seja, aquela que prejudica ou denuncia a atuação dos governos. Na Venezuela, por exemplo, a Lei Contra o Ódio e o Código Penal foram utilizadas para prender cidadãos e jornalistas que divulgaram informações não oficiais.

O relatório ainda evidencia que o país com mais casos de violação ao jornalismo em 2020 foi o Brasil com 168 casos. Logo depois estão Nicarágua com 123, Equador e Honduras com 50, Peru com 18, Argentina com 16,  Uruguai com 10 e Guatemala com uma violação à liberdade de imprensa.

Texto produzido na disciplina de Jornalismo Internacional, do Curso de Jornalismo da Universidade Franciscana sob a orientação da professora Carla Torres.

Foto: Heloisa Helena Canabarro

Muito antes do início da pandemia de Coronavírus, a arte e a cultura no país vêm sofrendo com o descaso do governo. Ao ser eleito, Jair Bolsonaro (Sem partido), atual presidente, cumpriu sua promessa de campanha e ação do Ministério da Cultura (Minc), suas atribuições foram incorporadas ao recém-criado Ministério da Cidadania e, em 7 de novembro de 2019, a Secretaria Especial de Cultura foi transferida para o Ministério do Turismo. O atual governo não apoia a cultura no Brasil, pelo contrário, por diversas vezes demonstrou descaso, reduziu verbas, mostrou intolerância a obras e expressões artísticas e incitou práticas de ódio e censura.

É nesse contexto que emerge a pandemia de Coronavírus no Brasil. Com a necessidade de isolamento social e a proibição de aglomerações, a tragédia sanitária fechou cinemas, museus, galerias, teatros, circos e cancelou shows, que tinham o público aglomerado como parte fundamental de seus eventos. O setor cultural que já estava fragilizado e desprovido de recursos, foi o primeiro a ser impactado e pode ser um dos últimos a normalizar. A pandemia provocou o mundo das artes a se reinventar e adaptar-se às circunstâncias. Museus, galerias, curadores e artistas plásticos e visuais, começaram a buscar soluções inovadoras para propagar arte durante esse período.

Exposições e artistas no ambiente virtual

Conforme a pesquisa nacional, realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), entre junho e setembro de 2020, intitulada “Percepção dos Impactos da COVID-19 nos Setores Culturais e Criativos do Brasil”, mais de 41% dos correspondentes perderam a totalidade de suas receitas, entre os meses de março e abril. Essa proporção aumentou para 48,88%, entre maio e julho de 2020. O Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea), através da Carta de Conjuntura número 49, anunciou que “as estimativas de participação do setor cultural na economia brasileira, antes da pandemia, variavam de 1,2% a 2,67% do produto interno bruto (PIB), e o conjunto de ocupados no setor cultural representava, em 2019, 5,8% do total de ocupados, ou seja, em torno de 5,5 milhões de pessoas”.

Percepção dos Impactos da COVID-19 nos Setores Culturais e Criativos do Brasil,

Em maio do ano passado, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) estimou que 13% dos museus do mundo poderiam encerrar, em definitivo, suas atividades em decorrência da pandemia. O risco de contaminação levou ao fechamento, temporário, de 90% dos museus. Sem previsão de quando as atividades irão retornar ao normal, parte dos museus, galerias e artistas plásticos e visuais buscam abrigo no ambiente virtual. Com o objetivo de propagar arte e cultura, tentam adequar suas exposições a diferentes plataformas. Alguns desses espaços culturais optaram por reproduzir fotos do acervo em alta resolução, acompanhadas de texto descritivo sobre obra e autor e mostrar em seu próprio site ou pelas redes sociais, criando assim um modelo de exposição virtual.

A abertura de algumas mostras começaram a ser realizadas por Live streaming — transmissões ao vivo — em redes sociais, como Instagram, Facebook ou Youtube, buscando divulgar e atrair o público a apreciar obras virtualmente. Já outros espaços culturais foram além, adaptaram suas exposições a Online Viewing Rooms — Salas de Visualização Online — que reproduz digitalmente em 3D um espaço de exposição, permitindo ao público navegar pelo espaço, observando as obras de diferentes ângulos.

Como exemplo de exposição virtual, no vídeo abaixo podemos assistir como é a experiência de entrar em uma sala de visualização online. A exposição coletiva é da Photoarts Gallery, que reuniu fotografias de diversos artistas em uma galeria virtual. O visitante tem liberdade de andar pelo ambiente projetado, ao ativar o áudio é possível ouvir o som ambiente, e com apenas um clique se obtém informações sobre o autor, descrição sobre a obra, de forma escrita ou por meio de áudio do próprio autor, sendo possível até adquiri-la.[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=V-bdO51fWQU”]

O curador e responsável técnico do acervo do Museu de Arte de Santa Maria (Masm), Marcio Flores, relata que transformações nos processos curatoriais foram necessárias para adequar-se ao momento em que estamos vivenciando. “Hoje é preciso pensar nas plataformas digitais como meio de divulgação, embora as exposições presenciais sejam realizadas. Isto demanda mais trabalho, organização e criação de materiais específicos para estas plataformas e programas”, esclarece. Marcio realizou curadoria de diversas exposições de forma híbrida, online e presencial, durante a pandemia. Sobre as exposições virtuais e o futuro dessa modalidade, o curador comenta: “Acho fantástico essas possibilidades expográficas, que permitem a participação e visualização de diferentes públicos. Acredito que este processo tecnológico, digital, é uma grande ferramenta de divulgação e promoção cultural, veio para ficar e cada vez mais ser aprimorado, e seu desenvolvimento irá nos proporcionar futuramente muitos resultados ainda nem imaginados.”

A prática de exposições virtuais não surgiu durante a pandemia de Covid-19, a plataforma Google Arts & Culture há anos disponibiliza visitas virtuais em museus de todo o mundo e acesso a galerias com um amplo acervo de imagens, tudo de forma gratuita, tornando a arte mais acessível. Utilizando a tecnologia Street View, possibilita vistas panorâmicas de 360° na horizontal e 290° na vertical, dando ao visitante uma certa liberdade para andar pelo local. O site exibe mais de seis milhões de obras e conta com mais de seis mil exposições. É possível visitar instituições de arte internacionais e nacionais, como por exemplo, o Museu Nacional, Instituto Inhotim, Museu Afro Brasil, MASP – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand e outros.

O Sesc RS lançou, em abril deste ano, a Galeria Virtual Sesc, o projeto nasceu visando disseminar as artes visuais e aproximar a relação do público com a arte e artistas gaúchos, de diferentes regiões do estado. Na plataforma é possível visitar as exposições de forma online, apreciando as obras e suas descrições, contendo também audiodescrição. Sob a lógica de uma galeria física, a cada 30 dias é apresentada uma nova exposição, atualmente está em exibição a mostra “Entre o Sagrado e o Profano” de Nelson Theophilo Hartmann.

Os museus não apenas adaptaram-se à pandemia, mas um novo museu foi criado, o Covid Art Museum (CAM) — Museu de Arte Covid — primeiro museu digital que nasceu durante o período de isolamento social. O acervo é disponibilizado pelo Instagram (@covidartmuseum), mostrando artes que surgiram durante o período pandêmico, tendo como tema sentimentos e objetos relacionados a pandemia de Coronavírus. É composto por pinturas, colagens, fotografias e ilustrações de diversos autores. O CAM foi idealizado por Emma Calvo, Irene Llorca e José Guerrero, de Barcelona, que também são responsáveis pela curadoria das obras, que são partilhados através da hashtag #CovidArtMuseum.

De acordo com uma pesquisa, realizada pelo Itaú Cultural em parceria com o Instituto de pesquisa Datafolha, sobre “Hábitos culturais: expectativa de reabertura e comportamento digital”, 57% dos brasileiros intensificaram o acesso à web durante a pandemia, 36% mantiveram o padrão de acesso e 7% reduziram suas atividades virtuais. Segundo o levantamento, 17% dos entrevistados relataram visitar museus e exposições online, ainda de acordo com a pesquisa, a intenção de continuar a fazer estas atividades virtuais após a pandemia diminui para 14%. Os entrevistados que realizaram atividades culturais durante a pandemia avaliam positivamente os impactos da prática para a saúde mental e para convivência social, 54%, declararam que as atividades culturais na web ajudaram a diminuir a sensação de solidão, para 45%, o acesso à cultura pela internet reduziu o estresse e ansiedade, e 44% viram uma melhora geral na qualidade de vida. É importante salientar que nem todo mundo tem acesso ao meio digital, de acordo com o levantamento, dos cerca de 1.500 entrevistados em todo o país, 7% relataram não ter acesso à internet.

Para o jornalista, professor e amante das artes Carlos Alberto Badke, as visitações online têm seus pontos positivos e negativos. “As visitas virtuais a museus, exposições e passeios por cidades históricas têm vantagens e desvantagens. Eu destacaria o fato de termos a possibilidade de viajar sem sair de casa, conhecer lugares até então desconhecidos e ampliar nosso acervo cultural. A maior desvantagem é não estar em presença das obras de arte, prédios e ambientes. A mediação via tela de computador esfria um pouco esta relação, essencial para sentirmos empatia com as possibilidades ofertadas pelos seus criadores”, avalia Carlos. O jornalista também afirma que a visitação virtual, embora tenha suas limitações, o ajudou durante o período de pandemia. “Foi uma ferramenta de grande auxílio para aumentar o meu conhecimento e disponibilizar aos alunos.”

A pandemia parecia um beco sem saída para artistas plásticos e visuais, mas alguns desses artistas contornaram a situação e fizeram dela um momento de reinvenção e ressignificação. Simone Rosa, artista visual que iniciou sua carreira em 1987, fala de que forma a temática de suas produções artísticas mudou neste período. “Minha produção poética durante a pandemia mudou bastante, inseri pássaros beija-flor como símbolo de boas novas, como mensageiro de notícias boas, inclusive a última exposição que estou fazendo chamo de Tempos consonantes, que quer dizer que a gente busca tempos consonantes, tempos harmoniosos, notícias boas e que tudo isso passe. O beija-flor é um símbolo de mensageiro de boas novas, ele é símbolo místico no Xamanismo e em várias religiões.”

Para a artista a experiência digital não substitui o presencial: “Quero que volte às exposições presenciais e que a gente consiga continuar tendo esse contato presencial com as obras, eu acho que o virtual surgiu para ser uma opção paralela, mas ele nunca vai substituir a experiência que tem que ter no contato direto com a obra.”

Reprodução/ Instagram de Simone Rosa, Exposição Mensageiros do Recomeço

O artista Emerson Massoli iria expor sua mostra individual OP-ORIGAMI, ano passado, no Museu de Arte de Santa Maria (Masm), mas em decorrência da pandemia a exposição foi adiada para este ano, na esperança que a situação estivesse um pouco melhor, o que não ocorreu. Para a mostra não ser adiada novamente, o artista, em parceria com o museu e curadoria, optou por realizá-la de forma híbrida, online e presencial. “Como a maioria das obras expostas eram objetos em três dimensões, foi muito interessante pensar e visualizar como transpor isso para o virtual, sem que perdesse a essência da percepção das obras físicas…”, relata Emerson sobre a adaptação. As obras de sua exposição foram apresentadas nas redes sociais, por meio de fotos dos trabalhos expostos no espaço físico, imagens com detalhes, informações descritivas sobre a obra e um vídeo, estilo tour pela exposição, o que possibilitou a compreensão da noção de dimensão e disposição dos trabalhos no espaço expositivo.

Reprodução/ Instagram Museu de Arte de Santa Maria

Sobre o sucesso que a exposição obteve virtualmente o artista revela: “O alcance foi algo que me surpreendeu bastante, não imaginava a repercussão que poderia tomar, indo além do contexto local, o que teve grande influência das redes sociais para que acontecesse”. Emerson conta que por causa da pandemia, assim como muitos artistas, buscou alternativas criativas no ambiente online. “Acredito que a maioria dos artistas teve que se adaptar ao contexto para dar vazão a sua arte. Participei ano passado de algumas exposições coletivas de forma virtual, criei um perfil específico em uma rede social para compartilhar os processos e resultados da pesquisa artística que desenvolvo, e pretendo no começo do mês de junho realizar uma exposição virtual em uma plataforma de realidade virtual. As opções são muitas e variadas, acredito que após o fim da pandemia esses modelos de difusão de arte se manterão, pois trouxeram novas perspectivas para o cenário cultural”.

Helena Macedo, artista plástica e professora de arte, no início da pandemia, aposentou-se da função de professora, a qual trabalhou por 38 anos. Em seus anos de magistério atuou conjuntamente como artista plástica, atualmente continua produzindo obras de arte. A artista é membro da Associação dos Artistas Plásticos de Santa Maria (AAPSM), que realizou três exposições, todas de forma híbrida, antes do período pandêmico, no Museu de Arte de Santa Maria (Masm). Helena também pertence ao Grupo Olhares, coordenado pelo artista plástico Luciano Santos. Durante a pandemia, o grupo realizou algumas exposições virtuais, como “VAI DE ARTE”, uma mostra virtual pelo instagram (@vai.de.arte), de máscaras decorativas em alusão a pandemia. Também participou da exposição “Alegorias Pandêmicas”, que foi pensada exclusivamente para a plataforma Instagram, contando com obras de artistas do grupo e convidados. A última exposição do grupo foi “CONTEMPORÂNEA: MARIA”, que reúne a visão particular de 15 artistas de Santa Maria acerca de Maria, além de virtualmente a mostra também está disponível para visitação presencial na Universidade Franciscana (UFN), na Sala de Exposições Angelita Stefani.

Reprodução/ Instagram da Exposição Alegorias Pandêmicas

A artista comenta sua satisfação com o resultado das mostras virtuais. “Eu acho que todas tiveram um grande alcance e me realizei muito”. As produções artísticas de Helena não foram afetadas durante o período pandêmico, a artista continuou realizando suas obras e incluindo objetos referentes à pandemia, o que mais a afetou foi não ir presencialmente às mostras. “Um dos problemas foi não poder mais frequentar exposições, que adoro ir ver pessoalmente”, relata. Sobre o impacto econômico no setor cultural, Helena conta que não foi fácil, mas como grande parte dos artistas plásticos têm outra fonte de renda, afirma: “Para mim foi muito negativo, a renda nas vendas das obras foi muito baixa. Mas como falei no início, sou professora e tenho outra renda, e assim não me afetou tanto. Não posso dizer que não vendi obras de arte, vendi. Mas não como na época em que não tínhamos pandemia”.

Auxílio emergencial cultural – Lei Aldir Blanc

Apenas três meses após a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a pandemia de Coronavírus, foi aprovado o projeto de lei 1.075/2020 iniciativa da deputada Benedita da Silva (PT). O projeto determinava à União a aplicação de ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública. A legislação foi intitulada como Lei Aldir Blanc em homenagem ao artista, que morreu em maio vítima do coronavírus. De acordo com o projeto de lei, caberia a União entregar para estados, Distrito Federal e municípios R$ 3 bilhões. Os beneficiários desse auxílio são profissionais que trabalhavam com música, entretenimento, teatro, artes, espetáculos e outros setores artísticos e estabelecimentos do setor cultural afetados pela pandemia. O repasse da verba ao setor cultural ficou a cargo dos estados e municípios. A ajuda financeira começou a ser paga só em setembro de 2020.

A Secretaria Especial de Cultura, que é vinculada ao Ministério do Turismo federal, oferece em seu site um painel de dados que permite o acompanhamento dos indicadores da Lei Aldir Blanc.

Embora o Auxílio Emergencial Cultural tenha beneficiado uma parte dos trabalhadores da cultura, a quantidade de solicitações foi menor que o esperado. O principal motivo está no fato que dentre os artistas e trabalhadores da cultura aptos a inscrição para receber o benefício, muitos já estavam cadastrados no Auxílio Emergencial pago pelo Governo Federal, instituído em abril de 2020, o que não os permitiu ter direito ao Auxílio Cultural.

Santa Maria

Em Santa Maria não foi diferente, reinventar-se virtualmente foi necessário a artistas e espaços culturais. Da mesma maneira que em outras regiões do país, após o fechamento de espaços e eventos adiados como medida de combate à Covid-19, artistas tiveram dificuldade de atuar em sua área e manter sua renda. “O impacto econômico foi muito forte, pois teve uma grande parada, tive que fechar meu atelier ao público e não ter mais alunos, teve um tempo que parou as vendas e depois recomeçou devagar”, relata a artista Simone Rosa, e acrescenta que felizmente tem outra fonte de renda para garantir o sustento: “Não vivo só da renda do atelier ou das artes visuais, tenho outra fonte de renda, porque se não seria muito problemático. Fico triste em pensar que existem pessoas e famílias que dependem da renda da produção cultural, tanto artes plásticas, quanto teatro e música. Fico feliz em ver que tiveram várias campanhas que incentivam e apoiam esse setor que foi abandonado de uma hora para outra”.

Para auxiliar o setor cultural, a Prefeitura de Santa Maria abriu em maio o edital Viva Cultura 2020, que beneficiou 70 projetos e mais de 200 pessoas, que realizaram apresentações artísticas no festival virtual Viva Santa Maria. Já em outubro foi realizada a primeira edição do festival Santa Maria Pela Música, também de forma online, porém dessa vez com venda de ingressos, em que a verba da arrecadação foi revertida aos artistas que se apresentaram no evento. Por meio da Secretaria de Cultura, auxiliou artistas locais, selecionados em edital da Lei Aldir Blanc, para projetos artísticos de Arte Mural/Grafite em espaços do Parque Itaimbé.

Exposições online começam a fazer parte da rotina do Masm

O Museu de Arte de Santa Maria (Masm) não ficou para trás e começou a realizar exposições no formato virtual, tendo como objetivo manter o museu em funcionamento durante a pandemia de Covid-19. As visitações online podem ser feitas pelo Instagram ou Facebook do museu, e as obras expostas são apresentadas por meio de fotos. A diretora do Masm e artista plástica Marília Chartune relembra o começo dessa iniciativa. “Nós tivemos muitas dificuldades no início, porque não sabíamos qual público iríamos atingir. Temos nossas redes sociais, Instagram e Facebook, e adaptamos juntamente com os expositores que enviaram arquivos de qualidade, fizemos as publicações periódicas de acordo com cada uma das redes sociais”, conta a diretora.

A primeira exposição postada nesse formato foi durante o evento Viva Masm, em junho do ano passado, onde além da exposição, diversas obras de arte estavam disponíveis para serem comercializadas no Mercado de Arte do Museu. Devido ao sistema de bandeiras no Rio Grande do Sul, o Masm fica aberto também a visitação presencial, com agendamento prévio para evitar aglomerações, exceto na bandeira preta. O museu deu continuidade às apresentações de maneira híbrida, combinando online e presencial, em 2021. Sobre as exposições virtuais, Marília relata: “A gente tem muitas visitações registradas, muito mais as vezes do que quando é presencial, então tivemos sucesso nessa parte”.

Reprodução/ Facebook Museu de Arte de Santa Maria

Yann Ziegler, artista visual santa-mariense, que há anos dedica-se à produzir arte a partir da ressignificação de objetos apropriados do meio onde vive, expôs de forma híbrida no Masm sua mostra “A Transmutação dos Sólidos”, com curadoria de Marcio Flores, composta por 61 objetos-arte. A abertura da exposição foi realizada virtualmente, via transmissão ao vivo no Instagram do Masm. “Fazer a abertura de uma exposição através de uma live foi uma experiência e tanto. Teve um alcance além do esperado, tanto que estou certo que, mesmo depois da pandemia, quando se voltar a fazer abertura presencial, farei juntamente com a on-line. Acho que a live de vernissage veio para ficar”, declara o artista sobre a experiência. Quanto à busca de alternativas criativas no ambiente online, Ziegler acrescenta: “Intensifiquei o uso das redes sociais como forma de melhor chegar ao meu público”.

Foto: Heloisa Helena – Obra de Yann Ziegler, Exposição A Transmutação dos Sólidos

Um ano após o início da pandemia de Coronavírus, a vacinação no Brasil caminha a passos lentos e o número de óbitos supera os 400 mil, será mais um ano complicado para o setor cultural. Artistas plásticos e visuais, museus e galerias seguirão tentando adaptar-se às circunstâncias da pandemia, somando esforços para reinventar-se e manter a arte viva em meio ao caos. As exposições virtuais e o ambiente online podem auxiliar nesse processo, com suas vantagens e desvantagens, estão ganhando espaço no mundo das artes.

 

Foto: Reprodução Instagram (@pensandonarotina)

Nesse período de instabilidade, muitos brasileiros passaram por um processo de autoconhecimento. E muitos identificaram que esse momento de reflexão trouxe uma necessidade de autocuidado. Viver durante uma pandemia, obviamente, requer muita atenção à saúde, e muitas pessoas optaram por cuidar do maior órgão do corpo humano: a pele. 

A skincare – a tradução literal de “cuidados com a pele” – se encontra como um mercado em ascensão na pandemia. A rotina não é novidade, mas foi adotada por muitos atualmente, de acordo com os dados da Associação Brasileira da Indústria e da Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC). Segundo a pesquisa do órgão, “os produtos voltados aos cuidados com a pele registraram crescimento de 161,7% nas vendas durante os dez primeiros meses de 2020, em comparação com o mesmo período de 2019”. 

A ABIHPEC afirmou que as máscaras de tratamento facial foram as segundas mais vendidas (91%), ficando atrás apenas dos esfoliantes corporais (153,2%), considerando todo o ano passado. O órgão relatou que, além da estética, o novo coronavírus influenciou muito nesse crescimento, devido ao álcool em gel nas mãos e a quantidade elevada de lavagens, provocando o ressecamento da pele, exigindo uma maior atenção à hidratação

. As máscaras se tornaram uma das razões para o surgimento de espinhas na região do rosto, dessa maneira, explicando o aumento nas vendas de máscaras para tratamento facial. 

Apesar de não ser mencionada nos sintomas mais comuns, a Associação destacou as manifestações que a própria Covid-19 pode causar na pele – “em alguns casos foram observadas erupções e manchas ligadas à inflamação provocada pela doença. A vermelhidão e a irritação também podem estar ligadas à reação do organismo quando contrai o vírus”. 

Médica Dermatologista Ana Cristina Porto Alegrete. Reprodução Instagram (@bellevitta_alegrete)

 

A tendência da skincare está associada ao home office e devido ao estresse causado durante o isolamento, muitas doenças emocionais foram desenvolvidas. De acordo com a dermatologista Ana Cristina Porto Alegre, “foi uma mudança radical em nossas vidas e a incidência de dermatoses aumenta muito com o estresse, mas não observei aumento em nenhuma doença específica”. A médica destaca, “tenho 30 anos de formada, trabalho com dermatologia há 33 anos desde que passei pela disciplina no curso de graduação e nunca vi as pessoas tão estressadas”. Ela aponta algumas doenças que se destacaram nesse período, “observamos muito o aparecimento de doenças relacionadas ao uso da máscara, como dermatite de contato, rosácea e dermatite perioral”.

A dermatologista comenta que, quando o decreto ordenou o fechamento dos estabelecimentos, o número de atendimentos despencou. “As pessoas estavam com muito medo de sair de casa, aos poucos pela necessidade os pacientes foram retornando às consultas”, menciona ela. Além disso, ela acredita que as pessoas começaram a olhar mais a sua pele nesse período e pelo modismo da época começaram a falar muito sobre skincare e afirma que as consultas aumentaram para estes cuidados. 

Atualmente, com a facilidade de consultar dicas de cuidados com a pele na internet, muitas pessoas recorreram a esse meio. A Dra. Ana Cristina alerta que hoje com a internet e as redes sociais existe muita informação, mas nem todas confiáveis, “sugiro que as pessoas sempre saibam do currículo de quem está dando estas informações, chequem a fonte e vejam se tem embasamento científico”. Além disso, observou que essa facilidade de encontrar informações resultou em um paciente bem informado, “ele vem geralmente com uma lista de perguntas, sobre o que é mito e sobre o que é verdade no tratamento dermatológico”. 

Compartilhando as experiências

Psicóloga Alessandra Vasconcellos. Reprodução Facebook.

A psicóloga Andressa Vasconcellos explica, “acredito que a pandemia prejudicou tudo, os cuidados consigo mesma são importantes durante a vida. Na pandemia acredito que esses cuidados tenham aumentado, para trazer conforto, envolvimento, preencher o dia, olhar para si com mais carinho”. 

Algumas pessoas relatam sua experiência e compartilham com seus seguidores. Foi o caso de Leonardo Barreto, 42 anos, advogado e, atualmente, influenciador que possui quase 3 mil seguidores no seu instagram (@pensandonarotina). “Eu tenho interesse há muito tempo por cuidados pessoais, com rosto e corpo, muito por ver minha mãe se cuidando. Ela sempre gostou dos creminhos dela”, conta ele. “Desde bem novo eu já procurava ter pelo menos um hidratante que fosse pro rosto e outro pro corpo, mas na realidade eu não aderi 100%, não tinha muita disciplina sabe?”, acrescentou. 

“Comigo o divisor de águas foi exatamente a pandemia. Pouco antes de parar tudo aqui no Brasil, no início de 2020, eu trouxe alguns produtos de uma viagem. O interesse sempre esteve aqui e nesse período, já com 40 anos, eu estava sentindo mais necessidade mesmo”, relatou. “De repente, me vi trancado em casa, naquela incerteza e insegurança toda e cheio de produtinhos. Pronto, foi aí que a coisa

Leonardo Barreto. Reprodução Instagram.

aconteceu mesmo. Passei a ter uma rotina muito organizada de skincare e muito disciplinada. Foi meio que fundamental para mim ter esse momento de auto-observação, autocuidado”, declarou. 

Barreto menciona que paralelamente foi consumindo conteúdo sobre o assunto, para aprofundar seus conhecimentos, logo, além de consumir, começou a compartilhar as experiências. “Imagino que por isso o crescimento nos mercados de decoração e de skincare. O olhar sobre a nossa própria casa ficou mais forte, até por algumas novas necessidades, como um cantinho de Home Office; e o sobre si também se identificou. Se perceber, se cuidar, dar um carinho a si mesmo, tudo isso imagino que ajudou a fortalecer a cabeça das pessoas”, retratou o influencer. 

O influencer analisa que, inegavelmente, a maioria do público é feminino. Ele acredita que o movimento tenha crescido, até das próprias marcas de cosméticos para desvincular cuidados e produtos do gênero, mas a inclusão dos homens nos cuidados com a pele se encontra enraizada demais. 

Como esse cenário reflete na pele

Vitor Bitencourt. Reprodução Instagram (@jvitorbitencourt).

Mesmo não substituindo os procedimentos clínicos, as pessoas adaptaram sua rotina a produtos acessíveis que contribuíssem com seu novo costume. O mestrando em Comunicação, Vitor Bitencourt, comenta como iniciou com os hábitos de cuidado no seu dia, “acho que esse crescimento no interesse por cuidados da pele foi tanto por necessidade quanto por estética, já que ainda tinha algumas espinhas, um pouco menos, mas agora um problema maior com as consequências das espinhas que já passaram, como manchas e cicatrizes”. Ele menciona que durante a pandemiaacabou pesquisando ainda mais sobre o tema, principalmente, por ter tido um crescimento no poder aquisitivo teve a possibilidade de investir mais em produtos. 

Vitor analisa o cenário masculino nesse meio, “acredito que existe ainda um grande estigma de relação desses produtos com o público feminino por uma questão de preconceito, já que homens também tem muitos problemas de pele e muitas vezes por não procurar tratamentos acabam tendo problemas maiores, que penso muitas vezes afetar a confiança e autoestima deles”. O comunicólogo comenta alguns influencers brasileiros que ele costuma acompanhar, além de perfis de  instagram de dermatologistas e biomédicas. 

Mikael Queiroz. Reprodução Instagram (@mkaqueirozf)

Além de Vitor, seu namorado, Mikael Queiroz, coordenador de Marketing no 7 Night Bar, compartilham juntos a rotina de skincare. Mikael conta que por influência do namorado iniciou com os hábitos de cuidados com a pele, “eu iniciei as minhas rotinas de skincare durante a pandemia, muito por conta de necessidade e estética, depois do início da pandemia acredito que eu e outras pessoas ficaram muito expostas a estresse e problemas psicológicos, o que de alguma forma piorou minha pele drasticamente”. 

Maria Luiza Anacleto. Reprodução (@imluizaa).

A acadêmica de enfermagem, Maria Luiza Anacleto, menciona que começou sua rotina de skincare antes da pandemia, mesmo não possuindo um hábito contínuo. “Foi por necessidade, devido as espinhas que começaram a surgir após a pausa de anticoncepcional oral”, comentou. Ela ainda afirma que pretende continuar com a rotina pós-pandemia e que acredita que cuidar da pele tem ligação com seu psicológico, “a minha pele demonstra quando não estou bem”. 

Segundo o evento apresentado pela ABIHPEC em live, com a participação da Quintiles, empresa multinacional americana que atende os setores combinados de tecnologia da informação em saúde e pesquisa clínica, informa que os produtos que não podem faltar nas gôndolas no período pós-pandemia, são os itens para depilação, cremes de tratamento para cabelos e pele.

 

A internet se consolidou, ao longo do tempo, como um espaço social que permite interações e trocas que alcançam os mais variados âmbitos da vida pública e privada. O ambiente online ainda possibilita um debate a partir de diferentes ideias e posições, o que coloca em destaque o papel que as ferramentas digitais desempenham em sociedades democráticas. Porém, apesar dos avanços das tecnologias de informação e comunicação, a internet também se tornou um terreno fértil para muitas violações, censura e desinformação.

É nesse contexto, tanto de benefício quanto de risco, que a internet tornou-se um instrumento político para muitos governos, que buscam cortar o acesso às plataformas digitais ou realizar apagões totais de conexão. Em 2021, 20 países interromperam o sinal da internet e bloquearam as mídias sociais. Veja abaixo:

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O que são os cortes à internet?

Os cortes, bloqueios ou apagões se caracterizam como uma interrupção intencional da internet, com o objetivo de tornar o serviço inacessível e inutilizável para a população de uma cidade, região ou país. De forma geral, os governos costumam ordenar essas medidas para controlar o fluxo de informações.

Os cortes podem ser totais (apagão), o que compromete toda a conexão da internet, e parciais (bloqueio), ou seja, restritos a tipos específicos de conexão (internet à cabo, móvel ou fibra ótica), ou às mídias sociais e aplicativos de mensagem (Whatsapp, Telegram, Twitter, Facebook, Instagram, Snapchat, etc). A redução da velocidade da conexão também é considerada uma ferramenta de restrição ao acesso à internet.

Cortes na internet, violação de direitos humanos e impactos na democracia

Os bloqueios à internet e às mídias sociais têm impacto em diversos direitos humanos assegurados por declarações e tratados internacionais. O Advogado e Professor de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), João Pedro Seefeldt Pessoa, explica que o direito ao acesso à internet, à informação e à inclusão digital são comprometidos quando ocorrem os cortes. “A restrição do acesso à internet compromete a própria democracia, especialmente quando limita o exercício dos direitos de cidadania pelos usuários”, comenta Pedro.

A população ainda pode ficar vulnerável em diversas frentes, como esclarece a Pesquisadora Júnior de Direito e Tecnologia do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, Celina Carvalho: “A interrupção do acesso à internet impede o pleno gozo de uma série de direitos e liberdades fundamentais, especialmente o direito à liberdade de expressão e opinião, acesso à informação e liberdade de reunião e associação”.

O Professor Universitário, Advogado e Doutor em Diversidade Cultural e Inclusão Social – FEEVALE/RS, Luciano de Almeida Lima, ainda destaca que a liberdade de expressão é um dos principais direitos violados pelos cortes à internet e às mídias sociais. “Não podemos ignorar que o direito de liberdade de expressão integra a concepção de dignidade da pessoa humana, representando, de outra parte, fundamento necessário à sobrevivência do Estado e da própria democracia”.

“Um bloqueio total da internet pode refletir uma atmosfera de repressão política, censura, violação dos direitos humanos ou a ausência de um Estado Democrático de Direito. Essas restrições podem representar um impacto à democracia justamente porque a ideia de democracia vem acompanhada do reconhecimento de direitos fundamentais de liberdade que tornam possível uma participação política guiada por um senso de agência do indivíduo”, afirma Celina.

Apesar disso, os apagões continuam em curso e atingiram o ápice em 2021. Neste ano, foi registrado o mais longo período de corte na internet em uma democracia. Durante quatro meses, entre 4 de agosto de 2020 e 5 de fevereiro de 2021, o povoado de Jammu e Kashmir, na Índia, ficou sem acesso à internet. De acordo com o governo, os cortes foram feitos durante períodos de operações militares como uma “medida de precaução” e uma forma de “restaurar a ordem” diante de ações terroristas no povoado.

Os cortes na internet são comuns na Índia. Na foto, protestos no país em 2019. Foto: Anushree Fadnavis/Reuters

Apenas neste ano, a Índia já realizou 25 bloqueios à internet e às mídias sociais. Além de Jammu e Kashmir, outras medidas de restrição no país acontecem durante os Protestos dos Agricultores, que se concentram em Nova Délhi e nas cidades ao redor da capital. O governo afirmou que os cortes são realizados para evitar desinformação sobre os movimentos sociais. Porém, especialistas afirmam que é uma tentativa de barrar a organização de novas manifestações.

Jordânia, Senegal, Rússia, Cuba e Bangladesh também empregaram bloqueios à internet e às mídias sociais em períodos de protestos. O governo de Cuba, por exemplo, fez dois cortes neste ano: em janeiro, quando realizou o bloqueio, por duas horas, ao acesso às mídias sociais e aplicativos de mensagem em meio a manifestações contra o governo; e, em julho, quando impôs um apagão no dia do início de novos protestos. Whatsapp, Facebook, Instagram e alguns servidores do Telegram ainda estavam restritos em Cuba, na data de término da reportagem.

De acordo com a organização Access Now, “os governos estão usando interrupções na rede como uma ferramenta não apenas para impedir e desarticular o protesto em si, mas também para ocultar as violações dos direitos humanos comumente associadas aos protestos”. Caso do Irã, que nos meses de janeiro e fevereiro cortou o acesso ao aplicativo Signal e à internet móvel para, supostamente, esconder a repressão às manifestações sociais em alguns locais do país.

20 países cortaram a internet em 2021. Imagem: Picture Alliance.

“Em países onde a democracia não é uma realidade, o bloqueio da internet é utilizado como forma de reprimir essas manifestações sociais, mantendo as pessoas dominadas por essa repressão política. Assim, além de violar direitos, esse bloqueio tem a capacidade de impedir, ou ao menos dificultar muito, a organização da sociedade para os movimentos sociais – que são essenciais em uma democracia, mas não são bem-vistos em países repressivos e autoritários”, relata a Professora, Advogada e Doutoranda em Direito, Bruna Bastos.

Esse é o caso de Mianmar, país do sudeste asiático que é governado por uma Junta Militar, desde o golpe de Estado em fevereiro de 2021. Logo que chegaram ao poder, os militares estabeleceram um “toque de recolher” da internet, que era bloqueada durante toda a madrugada e voltava a funcionar perto das nove da manhã. Em março, a Junta Militar baniu o uso do Twitter, do Facebook e do Instagram. Apenas em abril, a internet à cabo e a fibra óptica foram reestabelecidas. Porém, a internet móvel, usada pela maior parte da população no país, continuava bloqueada.

Outro período recorrente de cortes na internet é em época de eleições. Neste ano, Uganda, Níger, Congo e o Chade realizaram bloqueios durante o pleito. Na Uganda aconteceu um apagão de todos os serviços digitais por quatro dias. O acesso à internet no país já é limitado desde 2018, quando foi criada uma taxa diária para uso das mídias sociais, chamada Over the Top (OTT).

Os objetivos e os efeitos dessa medida em período eleitoral são diversos, como explica o Advogado João Pedro: “Os apagões da internet em época de eleições podem levar à desinformação, quando o usuário não consegue ter acesso a uma diversidade de informações para escolher ou criticar um candidato, bem como, ao desmantelamento de manifestações políticas, com o fim de impedir a liberdade de expressão e silenciar opiniões dissonantes ou contra hegemônicas. Os apagões acabam sendo utilizados por aqueles que querem se manter no poder, de forma ilegítima, e promover uma campanha de desinformação e confusão no povo”.

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Pandemia e cortes na internet: vácuo de informações, assistência e cidadania

A pandemia do coronavírus intensificou o uso da internet e das mídias sociais. Logo, seu bloqueio dificulta que a população tenha acesso a informações durante esse período. “Apagões ou limitações à internet podem interferir no comércio eletrônico, em aplicativos de reserva de vacina, em videoconferências ou mesmo no acesso a informações vitais sobre o vírus da covid-19”, aponta Celina Carvalho.

Os bloqueios em Jammu e Kashmir, na Índia, por exemplo, impediram o trabalho de organizações de assistência humanitária. “Nossos voluntários não conseguiram identificar quem precisava de ajuda”, relatou Bilal Khan à Fundação Thomson Reuters. Khan é membro da Athrout, equipe que fornece ajuda médica e alimentação ao povoado de Jammu e Kashmir.

Além disso, outros impactos de cortes à internet no período atual podem ser observados. Para Bruna Bastos, os bloqueios durante a pandemia tornam-se mais graves, pois violam e adentram em outros direitos além da liberdade de expressão e acesso à informação.

Luciano de Almeida Lima também se posiciona nesse sentido: “Tente imaginar se você ou seus filhos não pudessem ter acesso a aulas online, a serviços públicos digitalizados ou à possibilidade de continuar suas atividades de trabalho como reuniões e vendas. A resposta é muito simples. Você não ficaria excluído simplesmente da internet, você ficaria excluído completamente da cidadania”.

Com a consciência disso, governos utilizam a internet como uma ferramenta para silenciar a população e promover um apagão não somente nas redes, mas em todos os direitos humanos e fundamentais. Entre contradições e tendências autoritárias, os cortes na internet colocam em evidência as democracias em xeque no mundo.

Texto produzido pela acadêmica Laura Gomes na disciplina de Jornalismo Internacional, do Curso de Jornalismo da Universidade Franciscana (UFN). Orientação: Profª Carla Torres.