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Santa Maria, RS, Brazil

Dia do fogo

Fogo na Amazônia

É até difícil de acreditar que um grupo de pessoas foi capaz de definir um “dia do fogo”; mais difícil ainda é imaginar quais as reais intenções. A Polícia Federal ainda está investigando o caso, mas

É até difícil de acreditar que um grupo de pessoas foi capaz de definir um “dia do fogo”; mais difícil ainda é imaginar quais as reais intenções. A Polícia Federal ainda está investigando o caso, mas é fato que no dia 10 de agosto de 2019 os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) identificaram um aumento significativo de incêndios no estado do Pará. As regiões com maior aumento de fogo têm proximidade, não por acaso, com uma rodovia, a BR-163, das cidades Novo Progresso, Altamira e São Félix do Xingu.

A fumaça da região também foi identificada pelos satélites da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, a NASA – agência do Governo Federal dos Estados Unidos. As imagens da NASA confirmam que é o período de incêndio mais ativo desde 2010 e que, desde julho, tem aumentado significativamente.

A situação é tão surreal que o “convite” para a ação foi publicado no jornal local (de Novo Progresso, PA). O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, conhecido como IBAMA, e o Ministério Público afirmam que informaram o governo federal, mas nada foi feito. Não houve prevenção, não houve sequer o aumento de fiscais na região no período. O IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), principais órgãos ambientais, fazem parte da lista das instituições que já estão com orçamento ameaçado devido aos últimos bloqueios orçamentais anunciados pelo governo. Ambos correm o risco de não ter recursos suficientes até o fim deste ano.

É preciso deixar claro que incêndios não são naturais do ecossistema da maior floresta tropical do mundo. Apesar do período de seca, os fogos são provocados por humanos, acidentalmente ou propositadamente. O número de incêndios registrados subiu mais de 82% em 2019 comparado com o mesmo período do ano passado, segundo dados do INPE.

Empresas internacionais já começaram a se mobilizar com boicote a compra de couro brasileiro em forma de protesto contra os incêndios na Amazônia. A gigante cadeia americana VF Corporation – dona da Vans, Kipling, Timberland, The North Face, Napapijri, entre outras marcas – declarou que enquanto não houver segurança sobre a fonte da matéria-prima do Brasil não vai compactuar com esse mercado.

Amazônia em chamas. Foto: Ria Sopala/ Pixabay

As manifestações chamaram a atenção para a grave situação da Amazônia a nível mundial. Mas de acordo com estudos do Programa de Queimadas do INPE, o Cerrado, bioma que cobre um quarto do território nacional brasileiro, teve 30% de todos focos os registrados este ano. Situação tão ou mais grave está o bioma Pantanal que teve registro de aumento de 334% no número de incêndios, entre 1º de janeiro a 11 de setembro, deste ano, comparado ao mesmo período do ano passado. O estado do Mato Grosso, que abriga os biomas da Amazônia, Cerrado e Pantanal, tem número de incêndios superior ao do estado do Pará e decretou em agosto, estado de emergência.

Ao contrário do que se tem argumentado pelo governo, existe correlação entre desmatamento e queimadas. A estiagem na região também está mais branda do que nos anos anteriores e as queimadas nos estados de Rondônia e Roraima aumentaram mais do que o dobro do que o ano passado. Dados do INPE, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e da Universidade Federal do Acre, revelam que entre os dez municípios que registraram maior número de incêndios, sete deles também estão na lista dos municípios com mais alertas de desmatamento.

Segundo informações da Procuradoria-Geral da República, algumas das áreas queimadas em 2019, na Amazônia, já tinham registro no Ministério Público Federal por exploração ilegal entre 2016 e 2017, e os “desmatadores” notificados na Justiça. Ou seja, apesar das notificações continuam a explorar, desmatar e a queimar as mesmas áreas.

Além disso, a partilha de informação nas redes sociais tem disseminado grande volume de conteúdo. Contudo, é preciso esclarecer que a Amazônia não é o pulmão do mundo e não pertence somente ao Brasil. O território da floresta está, além do Brasil, no Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa, a área corresponde a 5,5 milhões de km².

Foto:Pioordozgoith/Pixabay

A Floresta Amazônica é a maior floresta tropical do mundo e possui a maior biodiversidade, abriga o maior rio do mundo, tanto em extensão quanto em volume de água, que é o Amazonas. Estima-se que cerca de 20% da água doce do planeta circulam na bacia amazônica. A importância das árvores é inegável, em condições normais, elas retiram gás carbônico (CO2) e devolvem oxigênio (O2), processo conhecido como fotossíntese, a manutenção da floresta é fundamental para o clima, mas a floresta consome quase todo o oxigênio que produz. Já as algas marinhas, no mesmo processo de fotossíntese, devolvem para a atmosfera volume muito maior de O2, elas podem assim ser consideradas o “pulmão do mundo”. A principal ameaça contra as algas atualmente é o aquecimento das águas marinhas e a poluição.

No caso das florestas, e dos demais biomas brasileiros, as ameaças são várias e as consequências vão além da perda da biodiversidade local e das povoações indígenas e ribeirinhas. “Quando uma grande árvore morre, a chuva na floresta muda” narrou a jornalista Sônia Bridi na série de reportagens “Terra, que tempo é esse?” que resultou no livro “Diário do Clima” (2012), “as árvores mortas, vão liberar carbono durante anos”. No livro “A vida secreta das árvores” (2017), de autoria do engenheiro florestal alemão Peter Wohlleben, é possível entender a importância de um grupo de árvores e o quanto elas agem “em comunidade”, para quem tiver interesse em saber um pouco mais sobre esse processo.

O número de incêndios de 2019 aponta o crescimento nos últimos dez anos, mas não é recorde histórico (ao menos no primeiro semestre). São vários fatores que estão diretamente relacionados com o desmatamento. O pico histórico é em 1995 devido ao início do Plano Real – hiperinflação, aumento poder de consumo e corrida por ativos, basicamente por terras, especulação fundiária. O desmatamento cresceu entre 1997 e 2002 junto com o preço de matérias-primas, com destaque para o gado. O pico de 2004 estava relacionado com o preço de commodities. Em 2010, o maior problema foi a seca, mas também foram registrados incêndios em importantes parques florestais como o Parque Nacional das Emas, em Goiás e a Área de Proteção Ambiental Meandros do Rio Araguaia, na divisa de Goiás com Mato Grosso e Tocantins.

 Os níveis baixaram com recorde histórico em 2012 devido a dois fatores principais: restrição de crédito a produtores infratores e aumento da fiscalização do Ibama, segundo dados Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal, do INPE. A pesquisa comparou dados do “calendário do desmatamento”, relacionando períodos de chuva, atividades agrícolas, apesar de um aumento no valor das matérias-primas.

Em 2019, o Ibama registrou um terço a menos de multas a infratores ambientais comparativamente ao mesmo período do ano passado. Desta vez, ainda não há indícios de que a alta no desmatamento e incêndios tenha relação com alguma corrida para comprar terras nem ciclos econômicos do valor das matérias-primas, como carne de gado e soja. Resta aguardarmos o parecer e torcer para que seja feita alguma mudança, nem que seja através do apelo mundial.

 

 

 Por Alice Dutra Balbé,  doutora em Ciências da Comunicação e mestre em Informação e Jornalismo pela Universidade do Minho, Portugal,  jornalista egressa UFN.