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economia solidária

Feicoop conta com apoio da comunidade para ser realizada

Prevista para ocorrer de 11 a 14 de julho, a Feira Internacional do Cooperativismo (Feicoop), que completa 26 anos em 2019, costuma dar à Santa Maria o título de capital latino-americana do cooperativismo. Mesmo a potência

É dia de feira

“É dia de feira, quarta-feira, sexta-feira não importa a feira”. Nesse caso, sábado é dia de Feirão Colonial, uma atividade que existe há 24 anos e faz parte do Projeto Esperança/Cooesperança, da Diocese de Santa Maria.

Todo o trabalho bem organizado se fortalece".

Irmã Lourdes Dill: por uma economia solidária

Basta chegar à sede do Banco da Esperança em Santa Maria para perceber a agitação da vida da religiosa Lourdes Dill, ou irmã Lourdes, como é conhecida na cidade. Entre uma agenda apertada, telefonemas e viagens,

Prevista para ocorrer de 11 a 14 de julho, a Feira Internacional do Cooperativismo (Feicoop), que completa 26 anos em 2019, costuma dar à Santa Maria o título de capital latino-americana do cooperativismo. Mesmo a potência que representa pelo grande número de pessoas que atrai, cerca de 300 mil por edição, a feira tem enfrentado dificuldades para conseguir toda a estrutura necessária para a sua realização. Isso porque a estrutura de lonões, onde ocorrem os debates e oficinas que envolvem formações e discussões de políticas públicas referentes à sustentabilidade, meio ambiente e economia solidária, é uma das mais caras para bancar.

Devido às dificuldades em captar recursos governamentais e projetos com outras entidades, o Projeto Esperança/Cooesperança e a Cáritas, responsáveis pela organização da Feicoop, lançaram uma campanha de financiamento coletivo cujos recursos serão destinados para a estrutura física e logística da feira. A campanha “Juntos pela Feicoop” recebe colaborações pelo site da Cáritas ou por meio de depósito bancário  em conta do Banco do Brasil (Agência 0010-8, Conta 26.292-7). Qualquer valor é bem-vindo.

O texto de divulgação da campanha destaca a participação de vários países anualmente na Feicoop que tem por objetivo promover a geração de trabalho e renda, a partir de uma economia mais justa e solidária. “Seja doador e participe desta transformação, garantindo que centenas de famílias tenham a oportunidade de buscar o seu sustento e qualidade de vida.”

É possível acompanhar informações sobre a Feira e sobre a campanha pela fanpange da Feicoop no Facebook. Diversos vídeos com depoimentos de pessoas que vivem da economia solidária e de pessoas que apoiam e acreditam na ideia têm sido publicados. E para quem quiser conhecer mais sobre a feira, a TV OVO produziu um documentário chamado Cultura de Afetos, que retrata a teia de vidas e histórias que constroem essa bonita história.

Sinopse:

Transformar o modo de vida, formar coletivos e desenvolver a conscientização sobre economia solidária pela educação popular. É a partir da Feira Estadual do Cooperativismo, em Santa Maria, que, há 25 anos, as redes de solidariedade se conectam pelo mundo e se entrelaçam numa cultura de afetos que defende a diversidade e a sustentabilidade. É uma luta de resistência que promove políticas públicas para o país desde os pequenos produtores aos prossumidores.

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Variedades de produtos na feira/ Foto: Caroline Costa/Laboratório de Fotografia e Memória

“É dia de feira, quarta-feira, sexta-feira não importa a feira”. Nesse caso, sábado é dia de Feirão Colonial, uma atividade que existe há 24 anos e faz parte do Projeto Esperança/Cooesperança, da Diocese de Santa Maria.

A comercialização de frutas, verduras, hortaliças e ainda produtos coloniais e artesanais ocorre todos os sábados, sempre das 7h ao meio-dia, no Centro de Referência em Economia Solidária Dom Ivo Lorscheiter. À venda estão produtos oriundos de grupos de cooperativismo e de economia solidária que integram o projeto Esperança Cooesperança. Os cerca de 2 mil agricultores se transformam em comerciantes e trabalham num sistema de autogestão, ou seja, dentro da feira ninguém é empregado, todos se ajudam e trabalham no processo que começa no plantio, segue no cultivo dos alimentos (ou produção dos artigos artesanais e produtos coloniais) e vai até a comercialização. A irmã Lourdes Dill, coordenadora do projeto, explica “no feirão são todos cooperativados, são pequenos grupos da área rural e urbana que sobrevivem dessa renda”.  

João Hartz está entre os feirantes mais antigos. Ele deixou a rotina agitada em Porto Alegre há mais de 25 anos pensando em melhorar a qualidade de vida dele e da família “voltei para o interior, adquiri propriedade rural em Silveira Martins, pensando em produzir muitas coisas para mim comer e para vender. Eu tenho agroindústria de produtos integrais, sem glúten, sem lactose e planto milho e feijão orgânico”. João conta que a rotina aos sábados não é fácil “levanto às 4h da manhã, saio às 5h, para chegar às 6h e montar o estande”, mas todo o esforço vale a pena, relata o produtor “me sinto satisfeito em estar trazendo saúde às pessoas e proporcionando bem estar”.

E é em busca de saúde e produtos fresquinhos que seu Jarbas Niederauer vai ao Feirão há 24 anos. Para o aposentado, a variedade é o que mais agrada. “Todas as vezes que venho à feira, percebo a diversidade e gosto da qualidade dos produtos”, comenta.  

Artesanato da feira/ Foto: Caroline Costa/ Laboratório de Fotografia e Memória

Comerciantes e visitantes satisfeitos, esse é o resultado dos feirões segundo a Jussane Turri Carvalho, que mora em Arroio Grande e vende diversos tipos de queijo. Além de fonte de renda, para ela a feira também é um espaço para se fazer amizades. “Aqui se encontra do mais simples ao mais rico, se cria uma amizade com os clientes. Todos os sábados, muitos já vem direto na minha banca”, lembra.

O otimismo dos feirantes é o mesmo da coordenadora do projeto. Para a irmã Lourdes Dill, chegar aos 24 anos de feira é sinal de que a ideia deu certo e amadureceu. “A gente semeia e cultiva e ver essa história acontecer é muito gratificante. Valeu a pena investir meu tempo, praticamente 30 anos. Hoje me traz alegria”, diz.

Por Fabielle Dornelles e Raíssa Bertazzo para o Jornal Abra

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“Todo o trabalho bem organizado se fortalece”. Irmã Lourdes

Basta chegar à sede do Banco da Esperança em Santa Maria para perceber a agitação da vida da religiosa Lourdes Dill, ou irmã Lourdes, como é conhecida na cidade. Entre uma agenda apertada, telefonemas e viagens, a irmã conversou com a reportagem do Ambjor a respeito de sustentabilidade, projetos e economia solidária.

A conversa durou cerca de uma hora e foi ali, na sede do Projeto Esperança/ Cooesperança, que percebemos que bastam poucas pessoas se disporem a tomar iniciativas para que o mundo fique melhor.

 O Projeto Esperança/Cooesperança foi fundado por Dom Ivo Lorscheiter, bispo diocesano de Santa Maria, e tem como fundamento a solidariedade. Esse projeto criou ainda outros projetos, como os PACs (Projetos Alternativos Comunitários) com a finalidade de construir o Desenvolvimento Solidário Sustentável e encontrar soluções para problemas sociais, tais como, desemprego, êxodo rural, fome, miséria e exclusão social. Hoje não tem como falar no Projeto Esperança/Cooesperança sem associá-lo com a figura da cofundadora da iniciativa, irmã Lurdes Dill, que atua como coordenadora no projeto há quase 30 anos.

“O que o capitalismo faz no mundo? Ele concentra na mão de poucos. A economia solidária é uma reação à crise, ao desemprego e à exclusão social.”

Ambjor: Irmã Lurdes (como preferiu ser chamada), como a senhora define o Projeto Esperança/Cooesperança?

Irmã Lourdes: O Projeto é um trabalho que começou como uma obra de formiguinhas e que se fortaleceu como todo trabalho de equipe bem organizado se fortalece. Está ligado à arquidiocese de Santa Maria, dentro do Banco da Esperança.

Ambjor: E como funciona na prática o Projeto?

Irmã Lourdes: É um trabalho cooperativado, de economia solidária que trabalha em rede com pequenos grupos de agricultores familiares, artesãos, povos indígenas, catadores, quilombolas. É um leque muito grande que conta também com consumidores que optam por outro jeito de consumo que não o
capitalismo selvagem. Essas pessoas adquirem produtos naturais, integrais e, portanto mais saudáveis.

Feira da Economia Solidária reúne adeptos da alimentação saudável
Feira da Economia Solidária reúne adeptos da alimentação saudável

Ambjor: O Esperança/Cooesperança é de Santa Maria?

Irmã Lourdes: O Projeto é daqui, da região. Dessa arquidiocese e de mais 34 municípios da região. Ele faz cidadania aqui, mas tem integração e articulação por todo o Brasil e também na América Latina. Ressalto que a principal atuação é localizada e funciona por meio das redes e das feiras, as quais resultam em uma interligação nacional e atuação internacional.

Ambjor: Como atua o Esperança/Cooesperança?

Irmã Lourdes: O primeiro foco é a organização do povo em pequenos grupos urbanos integrados. Logo, incentivamos as produções urbana e rural, sempre com vistas ao consumo responsável. É neste ponto que o projeto está engajado com a causa ambiental.

Ambjor: Irmã Lurdes, o que é o consumo responsável na perspectiva do Projeto?

Irmã Lourdes: Nós da economia solidária acreditamos no comércio justo e no consumo ético e solidário. Esses ideais fazem com que haja uma responsabilidade na produção, mas também no consumo. Para nós, a única finalidade do consumo é qualificar a vida e mostrar opções saudáveis para pessoas, as quais consomem tantas coisas que fazem mal pra elas e para o meio ambiente.

Ambjor: Em sua opinião, a sociedade é prejudicada por não consumir produtos considerados naturais?

Irmã Lourdes: Com certeza. A gente fica muito triste porque as pessoas não têm noção do mal que faz um produto que tem muita química, veneno e corantes. Hoje se vê tanta criança, e atribuo essa falha aos pais, que não tomam mais leite e água. Elas só bebem refrigerantes. O resultado disso é o alto número de crianças obesas, com diabetes e outros problemas decorrentes da má alimentação. Os pais devem ensinar o consumo responsável aos filhos. Isso tudo nós trabalhamos dentro da economia solidária.

Ambjor: E o que é a economia solidária?

Irmã Lourdes: É uma economia que contrapõe o capitalismo. O que o capitalismo faz no mundo? Ele concentra na mão de poucos. Ele concentra poder, ele concentra dinheiro, ele concentra terra. Ele concentra bens na mão de poucos. A economia solidária tem como grande contraponto o desemprego. Nunca a humanidade foi tão criativa como tem sido nesse alvorecer da economia solidária. A economia solidária é uma reação à crise, ao desemprego e à exclusão social.

Alimentos e produtos ecológicos fazem o diferencial numa economia que se opõe ao consumismo
Alimentos e produtos ecológicos fazem o diferencial numa economia que se opõe ao consumismo

A economia solidária é uma economia mais socializada, partilhada, onde todos os povos e todas as raças teriam direitos e deveres iguais. Por exemplo, os bens do universo e da natureza, eles pertencem a toda humanidade, não pertencem ao pequeno ou ao grande produtor. Dentro da economia solidária falamos em partilha dos grandes patrimônios da humanidade.

Ambjor: Quais são esses patrimônios?

Irmã Lourdes: Os grandes patrimônios da humanidade são a terra, a água, o ar, a semente e os bens produzidos. O conhecimento também é um patrimônio da humanidade. O conhecimento não pertence a uma pessoa. Ele é construído e pertence a toda comunidade.  Por isso ninguém poderia reter o conhecimento. Tudo precisa ser compartilhado.

Ambjor: Que relação se estabelece entre a economia solidária e o desenvolvimento de uma sociedade?

Temos dois modelos de desenvolvimento no mundo, o crescimento capitalista concentrador na mão de poucos e o desenvolvimento solidário, sustentável e territorial. Este pensa global e tem ação local. A finalidade desse desenvolvimento é construir o bem-viver, o que é diferente do viver bem. O capitalismo defende o viver bem, nós da economia solidária defendemos o bem viver.

Ambjor: Bem-viver é estar contente com o bem-estar?

Irmã Lourdes: O bem-viver inclui o direito ao mínimo necessário para o bem-estar: casa, educação, alimento,  ambiente limpo, saúde e lazer. Deus criou os meios necessários e deu ao homem um habitat digno pra sobreviver. Não está nos planos de Deus a ideia de que o pobre deve ser pobre. Isto é um conceito errado criado pela humanidade, especialmente pelo capitalismo. É por isso que nós, da economia solidária, falamos muito da questão do bem-viver. Exemplo disso é os indígenas que não acumulam, que vivem com pouco.

Ambjor: Como o projeto Esperança/Cooesperança trata a questão do consumismo, apontado pela ONU como um dos grandes vilões do Ecossistema?

Irmã Lourdes: O capitalismo é o pai do consumismo. Este depreda a natureza. A economia solidária busca o equilíbrio entre o ser humano e o meio ambiente, entre o bem comum, a cultura e a identidade. Buscamos o resgate dos princípios da construção do ecossistema, entre eles, a segurança alimentar. Não precisava ninguém passar fome. Temos o alimento necessário, mas tem quase um bilhão de pessoas passando fome por causa da concentração e do desperdício de alimento. Hoje em torno de 40% do alimento é desperdiçado. Isso dá pra ver nas lixeiras e nos caminhões que perdem grãos durante o transporte. Já o consumo exagerado vai gerar miséria – o grande desconforto ambiental para a humanidade. Muitas pessoas não têm o mínimo para sobreviver. Se resgatarmos princípios universais, como o direito à igualdade, conservaríamos o ecossistema. Será que Santa Maria precisa de mais mercados? Será que a grande quantidade de farmácias na cidade não denuncia uma população que come remédios? Será que não está fácil demais comprar remédios aqui?

Ambjor: Nestes 30 anos, o que a senhora destacaria como algo que foi alcançado com êxito?

Irmã Lourdes: O espírito coletivo e a partilha. As pessoas entram na economia solidária com comportamento bastante individualista. No começo acham que o mundo é delas, que a mesa da feira é só para elas. Ao passar do tempo elas mudam, compartilham dos projetos, ajudam umas às outras. Posso dizer que um dos grandes sucessos é a transformação do individualismo em solidariedade. Destaco ainda a vitória de termos a Feira da Economia Solidária em um pavilhão fechado. Com a ajuda do Dom Ivo, conseguimos argumentar com os órgãos públicos que é possível fazer feira dentro de um prédio. Não foi fácil lutar por isso há 30 anos e quebrar o paradigma de que feira em prédio caracteriza mercado tradicional.

Ambjor: Com tantos mercados e centros comerciais, dá pra acreditar na feira como fonte de renda para o produtor e opção rentável para o consumidor?

Irmã Lourdes: Dá sim. Essa é a consciência que formamos nos grupos de vendedores e de consumidores. Todos os sábados tem feira a partir da 7 horas da manhã. As pessoas pegam seu chimarrão, convidam a família e vão para a feira. As pessoas ainda optam por isso, até porque o comércio local abre a partir das 9 horas. Ali elas ficam mais de duas horas. Conversam, fazem amigos, trocam experiências, convivem. Na feira, as pessoas conversam entre si e não com prateleiras. É bonito de ver a sintonia entre vendedores e clientes.

Ambjor: Fale-nos sobre a FEICOOP.

Irmã Lurdes: A Feira Internacional do Cooperativismo é uma articulação nacional e internacional criada aqui em Santa Maria. A Unifra é uma grande parceira dessa iniciativa. Existem mais de 40 trabalhos acadêmicos a respeito da FEICOOP. Isso é muito significativo pra nós, já que sinaliza uma geração com consciência transformadora.

Esta feira não é uma mera feira, ela é diferente. É um espaço que tem muitas atividades, seminários, oficinas, ideias, debates e também, é claro, uma grande exposição de produtos com muita criatividade feita pelos integrantes da economia solidária do Brasil, da América Latina e de outros continentes.

Ambjor: Qual é a importância dessa feira para o Esperança/Cooesperança?

Irmã Lourdes: Hoje o grande destaque do projeto é puxar essa feira que já fez história na vida de pessoas do Brasil inteiro. As pessoas querem vir na feira de Santa Maria, viajam dias, fazem promoções para pagar os ônibus e os hotéis. Além disso, A FEICOOP destaca Santa Maria como a capital mundial da economia solidária. A Feira começou em julho de 1994 e até hoje as autoridades locais guardam a segunda quinzena de julho para a realização desta iniciativa.

Ambjor: O que falta para o Projeto Esperança/Coesperança hoje?

Irmã Lourdes: Políticas públicas. Temos uma organização aqui no município, o conselho municipal de economia solidária, mas falta um fundo do município para a economia solidária. Em nível estadual nós temos leis significativas que foram criadas pelo governo. Em nível federal temos a Secretaria Nacional de Economia Solidária que está sediada no Ministério de Trabalho e Emprego e agora juntou com a Previdência Social. Mas o apoio não é constante, depende de quem está no governo. Por isso é importante que o nosso trabalho seja alvo de estudos dentro das universidades, nos cursos de Economia, de Administração e até da própria Comunicação, além da Arquitetura. Assim vamos formar uma sociedade preocupada com o meio ambiente.

Ambjor: Quais são os principais apoiadores do Projeto Esperança/Cooesperança?

Irmã Lourdes: A Unifra, a Emater, alguns órgãos públicos e a imprensa local.

Ambjor: De novo sobre o meio ambiente: na sua opinião, dá para recuperar o que já foi destruído?

Irmã Lourdes: Há um ditado que diz: “Aquilo que foi destruído o foi para sempre, o que está em perigo ainda pode ser salvo”. O solo que foi envenenado leva muitos anos para se purificar. Para isso, ele precisa ter adubação verde. Desse adubo ele suga força e se renova, mas precisa de uns 4 ou 5 anos para se recuperar. A água também. Temos tantas fontes poluídas, né?  A água potável está em grande perigo no mundo e no Brasil. Nossas fontes foram destruídas pelo veneno e pela ganância.  É possível recuperar a ecologia pela agricultura familiar, mas assim é muito difícil. O agronegócio está impregnado, esse sistema é devastador. No Mato Grosso do Sul devastaram muito. Lá você anda quilômetros e quilômetros e não encontra uma árvore. Preocupo-me com o solo. Não adianta plantar somente eucalipto. Ele destrói, suga toda a água e torna o solo um bagaço. É difícil dialogar com quem acredita que o agronegócio é a solução.

Ambjor: Quais são os desafios da agricultura familiar?

Irmã Lourdes: Apesar da valorização, a agricultura familiar também precisa de política pública. Se o pequeno agricultor que vive isolado no meio rural, não tiver uma articulação, apoio e uma política pública, ele sai do campo e vem pra cidade. Mas quando ele vem para os centros urbanos, ou não se adapta ou não consegue lidar com os problemas encontrados nesse ambiente que é novo pra ele. A solução seria o campo oferecer as mesmas facilidades que a cidade tem: telefone, internet, televisão e qualidade de vida. É importante que os jovens possam vir estudar na cidade e voltar pra colônia, mas pra isso deve haver condições de sustentabilidade na sua propriedade rural. Além disso, o produtor rural tem que ter onde comercializar sua colheita. Hoje temos vários programas do governo como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e as feiras.  Mas isso tudo é um processo, nada vem pronto, tem que ter muita união e muita informação.

Ambjor? Santa Maria cuida do meio ambiente?

Irmã Lourdes: Temos inúmeros problemas, a começar pela questão do lixo. Quando você caminha cedo, já vê o lixo espalhado. Os contêiners são insuficientes. Mas essa responsabilidade deve ser dividida entre os órgãos responsáveis e a sociedade. As pessoas devem ajudar a manter a cidade limpa e a prefeitura deveria reforçar a educação ambiental, além de apoiar os catadores – eles são profetas da ecologia.

Ambjor: Em sua opinião, em tempo de crise ambiental, o corte da árvore na praça central de Santa Maria e a grande quantidade de luz que fica ligada na decoração da praça Saldanha Marinho, combinam com o espírito natalino?

Irmã Lourdes: Nada justifica o corte daquela árvore. Pena que o assunto foi abonado rapidamente. Além disso, em tempo de crise e com tantas pessoas passando fome, o desperdício de energia e o grande investimento na decoração de natal da cidade são práticas que não deveriam prosperar. Acho bom que enfeite a cidade, mas houve um exagero que não combina com a situação brasileira do momento. É muito gasto pra pouco tempo. Deveria se pensar nas necessidades da cidade como um todo.

Ambjor: O destaque que a imprensa local dá para as questões ambientais em Santa Maria é suficiente?

Irmã Lourdes: Tornar a questão ambiental uma pauta presente é um desafio para a mídia local. Esse assunto, algumas vezes, vai requerer denúncia e mostrar comprometimento de órgãos e figuras públicas com a degradação ambiental. Esse tema é desafiador e merece destaque.

Ambjor: Ainda há muitas coisas a serem conquistadas?

Irmã Lourdes: Nossa meta é organizar o povo que está à margem da sociedade para que ele seja incluído e busque viver com qualidade e quantidade de vida. Isso serve para todas as idades e classes sociais. Um mundo melhor é possível e nós todos podemos ajudar.

Na contramão do fumo

Miraci tem prazer em selecionar as verduras para a cliente
Miraci tem prazer em selecionar as verduras para a cliente

“Todo mundo pensa que vale a pena insistir no plantio do fumo, mas na verdade é muito difícil. Ficamos nas mãos das grandes empresas fumageiras e nós, pequenos agricultores, somos prejudicados na saúde e financeiramente”, desabafa a agricultora Miraci Sippert Schú.

Miraci levanta nas madrugadas de sábado para arrumar os produtos que vende na feira. Esses produtos são da própria horta da agricultora e a principal fonte de sustento dela e da família. Com alegria ela mostra as cenouras e os pés de alface, presentes da terra pra ela, como gosta de repetir. “Se a gente cuidar da terra, ela nos presenteia. Quando penso que vou colher uma certa quantidade, a terra me dá muito mais”, conta.

Mas nem sempre foi assim. Miraci plantou fumo por 10 anos. Além de se endividar com três multinacionais fumageiras, ela adquiriu uma enfermidade, decorrente do contato frequente com o veneno usado nas folhas das plantações. “O fumo dá renda somente para as grandes multinacionais”, enfatiza a agricultora que diz que parou de plantar fumo para cuidar da saúde e ter a consciência limpa com o meio ambiente.

Segundo a coordenadora do Projeto Esperança/Cooesperança, irmã Lourdes Dill, a região central é uma grande produtora de fumo, mas os agricultores ganham pouco e arriscam a saúde. A religiosa explica que Dom Ivo, o idealizador do projeto, se preocupava com a renda e a saúde desses plantadores, bem como com o crescimento do índice de fumantes na região. Dessa forma, surgiu em 1991, o Seminário de Alternativas à Cultura do Fumo, parceiro do Projeto Esperança/Coesperança que tem por finalidade incentivar os agricultores vítimas da produção do fumo a investir em outras culturas.

O trabalho de alternativa à cultura do fumo começou há 25 anos e nunca parou. O objetivo do seminário é organizar equipes e motivar os agricultores a desistirem da cultura do fumo e investir em culturas alternativas. “O fumo mata mais de 25 milhões de pessoas por ano no mundo. No Brasil, mais de 200 mil pessoas morrem em consequência do consumo de cigarros. Santa Maria fuma muito”, enfatiza irmã Lourdes Dill.

Para colaborar com essa conscientização, há dez anos surgiu a Convenção Quadro para Controle do Tabaco.

Além do risco à saúde do agricultor, o cultivo do fumo causa sérios danos ao meio ambiente. Miraci conta que percebia que quando as abelhas se alimentavam na folha do fumo, traziam o pólen para a colmeia e logo todo o enxame morria. Para a irmã Lourdes, muitos grupos já pararam de plantar fumo e também de fumar. Essas pessoas também passaram a produzir artigos ecológicos com a finalidade de promover o resgate do meio ambiente.

Hoje Miraci é outra pessoa. Não parece a mesma que vivia depressiva. O motivo da mudança é abandonar o fumo, investir em outras culturas e morar na área rural. “Morei 10 anos na cidade. Vivia triste. Não queria nem cumprimentar os vizinhos”, conta a agricultora que vê no campo o verdadeiro estilo de vida saudável.

“Batata, milho, mandioca e tudo o que você imaginar tem na minha propriedade”, comemora Miraci que tem nos três filhos e no marido os companheiros de plantio. Além da própria banca, ela já supre as bancas dos colegas. Na última feira, a feliz agricultora trouxe 25 pés de alface, e sem veneno nenhum, diga-se de passagem, para compartilhar com os outros vendedores. Miraci vive o sonho de ver a terra onde mora produzir o suficiente para o sustento da família. Ela ainda paga dívidas da época do fumo, mas a terra tem lhe ajudado a olhar pra frente. “Vai um alface aí”?

 

Fotos: Luisa Neves – Ambjor