Santa Maria, RS (ver mais >>)

Santa Maria, RS, Brazil

favela

MC Carol desenhada por Wander Schlottfeldt.

O Brasil é um país é originado de várias culturas e reflete toda a inspiração, gosto e atitude do povo. O funk conquistou o público mais pelo ritmo do que pelas letras, passando a mensagem do movimento e da dança. As várias vertentes do funk passam por letras sexuais aos famosos proibidões, mas também podem falar de assuntos sérios como exclusão social, marginalização, racismo e corrupção política. O funk carioca conquistou seu lugar ao ser consumido pelas classes média e alta, e se popularizou ao falar gírias, palavrões e expressões da periferia, além de discutir a realidade social. Apesar da objetificação feminina nas letras do funk, as mulheres tem se inserido cada vez mais nesse mercado para deixar um recado direto contra o machismo, o preconceito racial e social. O psicólogo Alves afirma que, ao mesmo tempo que o funk apresenta a mulher como um corpo de consumo, ele também “faz passagem para dizer que ela pode dançar e se sentir à vontade com a sua expressão do corpo”. Nomes como Lexa, MC Carol, Iza e MC Rebecca são destaques no cenário musical atual.

A cantora Anitta começou sua carreira no funk e levou suas músicas ao estrelato através do YouTube, no qual ostenta 13 milhões de inscritos em seu canal. Em 2018, ela conquistou o posto de maior cachê feminino da publicidade nacional e se tornou garota-propaganda do YouTube Music para a América Latina. A Pesquisa Cultura nas Capitais identificou que o funk está entre um dos estilos musicais prediletos do público com idades entre 12 e 24 anos, chegando a ser o mais votado entre jovens de 12 e 15 anos em todos os estratos sociais.

Segundo a Video Viewers, o maior canal do YouTube brasileiro de 2019 é o KondZilla, também entrando em 4º lugar no ranking mundial. Pertencente à produtora de clipes KondZilla Filmes, não é nenhuma surpresa que o clipe brasileiro mais acessado da plataforma esteja neste canal. Lançado no dia 8 de março de 2017, o clipe da música “Bum Bum Tam Tam” do MC Fioti foi o 1º clipe brasileiro a alcançar 1 bilhão de visualizações. Foram 18 meses de audiência alta dentro e fora do Brasil e, segundo dados do YouTube, quase dois terços das visualizações vieram de fora do país. Após o sucesso, a música ganhou uma versão em três idiomas, com participação do colombiano J. Balvin e do rapper estadunidense Future.

Dados divulgados pelo Spotify afirmam que a busca nele pelo funk tem aumentado em média 51% ano a ano desde 2014, quando a plataforma chegou ao Brasil. Foi também apontado que os estados brasileiros que mais escutam funk no Spotify são São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, respectivamente. Enquanto funks mais ouvidos de todos os tempos, a “Bum Bum Tam Tam” do MC Fioti leva o 1º lugar, seguida por “Olha A Explosão” do MC Kevinho e “Vai Malandra” da Anitta. Entre os artistas que conseguem fazer sucesso no exterior, Anitta é a mais bem-sucedida, levando “Vai Malandra” para o Top 200 de 15 países, enquanto “Deu Onda” do MC G15 e “Amor de Verdade” do MC Kekel chegam em primeiro lugar apenas no Paraguai e Portugal, dois consumidores ávidos dos hits brasileiros.

Alves defende que a Anitta é uma expressão máxima hoje da possibilidade do funk ser nacional e internacional. “Assim como o samba, o funk sofre preconceito, mas logo pode vir a se tornar a cara da música brasileira, ao longo que o estilo vai sendo “embranquecido” e inserido dentro das casas de classe média alta”. Apesar de suas músicas terem seguido um caminho mais pop, Anitta não se acanha para falar do funk e explicou sobre sua origem em uma palestra em Harvard. Segundo informações da Folha, ela disse: “O funkeiro canta a realidade dele. Se ele acorda, abre a janela e vê gente armada e se drogando, gente se prostituindo, essa é a realidade dele”. Sem romantizar o estilo musical, a artista ainda ressaltou que as letras do funk só vão mudar quando a realidade dos morros for outra.

A produtora KondZilla criou e dirigiu a série de televisão Sintonia, que estreou na Netflix em 9 de agosto de 2019. A história conta a vida de três jovens da periferia, Doni, Nando e Rita, que cresceram juntos na mesma comunidade e são influenciados, respectivamente, pelo fascínio do funk, das drogas e da igreja. A série, de 6 episódio e classificação etária de 16 anos, se passa na favela da capital paulista e traz nomes desconhecidos como artistas principais, entre eles MC Jottapê, Christian Malheiros e Bruna Mascarenhas. O MC Jottapê afirma ser o mais parecido com seu personagem por também sonhar em ser um astro do funk, e com uma segunda temporada prometida, o jovem ainda assina as músicas da série ao lado de alguns dos grandes nomes do funk brasileiro.

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É cultura sim

Inserido na perspectiva da arte contemporânea, o funk é uma escolha musical que é feita conscientemente por identificação com o ritmo ou o conteúdo. Ele é uma forma dos grupos sociais extremamente oprimidos e sem voz produzirem cultura e estabelecerem moldes de representação social. Assim, podem revelar os conflitos diários que as camadas menos privilegiadas da população enfrentam, como a repressão policial, precariedade dos transportes coletivos e serviços públicos.

O funk ganhou destaque na mídia, tem influenciado positivamente a economia do mercado musical brasileiro, mas a imagem dos personagens favelados ainda incomoda os que criminalizam o funk. Em contra partida, os jovens começaram a trazer o gênero musical para suas casas, garantindo o lugar do funk nas seções culturais dos grandes jornais do país. É, então, que ele começa a dar visibilidade às suas expectativas e frustrações através da expressão juvenil que introduz a glorificação do funk como um espetáculo sobre a cultura urbana periférica. O psicólogo Thiago fala que o funk se insere na vida das pessoas da periferia como uma expressão da sua realidade, mas que as pessoas ficam muito ligada a ideia da favela do Rio quando, na verdade, existe periferia em toda cidade. Qualquer lugar que tem centro, tem periferia, e ela se alimenta daquilo que pode ter, como as relações humanas, a mutualidade e a resistência.

MC Fioti desenhado por Wander Schlottfeldt.

Ocupando o 5º lugar do ranking do estado que mais escuta funk, o Rio Grande do Sul também deixa sua fama de tradicionalista de lado pra abrir a porta para o funk. Com seis anos de produção de festas em Santa Maria e região, Pedro Bittencourt conta que a procura por bailes funks tem sido predominante ao longo do tempo, e que os artistas mais procurados são, normalmente, os das grandes produtoras de funk como GR6 e KondZilla. “Não é qualquer artista, uma boa produção não basta”, ele explica que a idade, estilo de vestir e, principalmente, as músicas são o que mais chama atenção do público que é 99% jovem. Trabalhando com a Touch Produta, Bittencourt fala da repressão das pessoas mais velhas com o rotulo do baile funk como um lugar com coisas ruins. Ele ainda ressalta que, por mais que em alguns lugar existam brigas e consumo de drogas, qualquer evento está sujeito a esse tipo de coisa, mas que “o preconceito é maior com o funk por se relacionar com pessoas de menor poder aquisitivo”.

No dia 11 de outubro deste ano, acontecia a primeira edição da festa “M4ND3L40” (Mandelão) no Clube Comercial de Santa Maria. Ao reunir jovens em uma funkeira chamada “raiz”, por não levar o repertório para a vertente pop e comercial, as fotos da festa foram divulgadas na página do Facebook da produtora. Em poucos dias de publicação, a repercussão das fotos era grande, mas pelos motivos errados. O álbum recebeu 954 comentários e foi compartilhado 687 vezes, o teor dos comentários eram de ridicularização e puro preconceito, com “brincadeiras” que incitavam que “só de olharem as fotos já haviam sido assaltados” ou pedindo pra “acender a luz pra enxergarem esse pessoal bonito”. O organizador da festa entrou em contato com a Justiça por conta da grande repercussão das fotos e dos muitos comentários racistas e preconceituosos, mas, infelizmente, não se sabe o andamento atual do processo.

Ao questionado sobre o caso da festa Mandelão, o DJ M do Vietnã comenta que os eventos de Santa Maria tem estado muito divididos entre um público de classe média alta e um de classe baixa. “Eu não comentei nada sobre as fotos, mas eu vejo que as pessoas julgam mais é o modo de vestir”, destaca. Ele também fala que a cidade tem uma cultura de funk que rende muito, mas que os DJs precisam de mais espaço e ter o seu trabalho valorizado.

O funk conquistou seu lugar como um fenômeno brasileira, o qual engloba vários temas e pontos que podem ser condicionados a pesquisas. A distribuição das músicas evoluiu e tornou possível a popularização dos mais diversos estilos musicais. Thiago Alves aponta que, por conta da popularização dos streamings e do YouTube, as músicas não são apenas escutadas como também consumidas. As pessoas não querem ver o clipe apenas pela música, mas pela atriz, pelo biquíni de fita adesiva, e até pela experiência da realidade da periferia mostrada. A cultura do funk foi “glamourizada” e tornou-se um produto para todas as classes do país, vendendo a moda e estilo de vida da favela. Enquanto as casas da periferia são muito próximas e não tem muita estrutura, os jovens de classe média e alta se veem presos na bolha de seus apartamentos e condomínios fechados. Não são poucos os clipes que exaltam a periferia e expõem a realidade em seus clipes, como, por exemplo, “Cria de Favela” da MC Mirella, que durante as gravações foi surpreendida por um tiroteio e escolheu deixar os registros no produto final.

Segundo Thiago, “mesmo com a extrema desigualdade, as pessoas de classe média alta vão acessar elementos periféricos por não poderem vivenciar aquilo e por chamar atenção”. Além do aumento do consumo e procura pelas festas que tocam funk, a cultura desse estilo musical se torna importante pelo seu lugar na vida do jovem que estão a margem de algumas situações sociais e econômicas. Não só oferecem a esperança da possibilidade de uma vida justa com ganhos financeiros altos, como também dão a chance do jovem se enxergar na representação do funk, se reconhecer, sentir que pertence aquele meio e se orgulhar da sua história. O gênero ganha essa dimensão tanto na cena musical quanto no espaço da mídia, mostrando a força, garra e resistência que existe na arte e na vida periférica.

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Reportagem produzida por Bibiana Rigão Iop e Wander Schlottfeldt na disciplina de Jornalismo Investigativo, com orientação da professora Carla Torres.

MC Poze do Rodo desenhado por Wander Schlottfeldt.

“Era só mais um Silva que a estrela não brilha; ele era funkeiro, mas era pai de família”. Não há quem não conheça o famoso refrão do Rap do Silva, maior hit do MC Bob Rum. Essa música reflete sobre a vida na periferia e o preconceito das classes mais altas com o funk e a cultura que o envolve. Apesar da música ter sido lançada em 1990, ainda se vê a mesma realidade quando o estilo musical é trazido à tona, quase sempre associado à criminalidade e à violência urbana.

Desenvolvido no fim da década de 70, o funk foi conceituado como a prática musical vinculada a manifestações culturais dos chamados bailes funk, que não passavam de festas organizadas por equipes de som em clubes da região suburbana. Naquela época, festas como o baile da pesada estavam apostando em um repertório com soul music para promover o movimento Black Rio, inspirado nos bailes realizados nos Estados Unidos na mesma época. Os produtores abraçaram a ideia de valorização da cultura negra e queriam produzir artistas nacionais, porém a indústria se deslocou para o estilo disco com rapidez, levando somente Tim Maia à ascensão.

O psicólogo Thiago Alves diz que a cultura brasileira engloba vários elementos internacionais e oriundos de outros países e o culturas, “e o funk, a nível internacional, têm elementos negros da sua essência, principalmente na vocalização e instrumentos”.

Ao acompanhar as tendências estadunidenses, o novo estilo musical tentava se aliar ao hip-hop da cultura negra. A concorrência entre os DJs era grande e muitos buscavam por referências viajando à Miami, nos Estados Unidos, cidade onde surgia a vertente de ­hip-hop chamada de Miami Bass. O estilo se destacava pelo ritmo rápido, bumbo frenético e letras sexualmente explícitas. Em 1987, os bailes funks cariocas eram cerca de 700 por fim de semana, agregando no mínimo um milhão de jovens no Rio de Janeiro. Nesta época, os bailes eram realizados em ginásios de esportes ou quadras de escolas de samba.

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Enquanto a classe média alta via o rock nacional como preferência, o funk incorporava músicas eletrônicas com graves pulsantes e muito dançante, se tornando o lazer da juventude pobre da cidade junto ao pagode. Entre as inovações da época, surgem os MCs, sigla para “mestre de cerimônias”, responsáveis por interpretar a letra e interagir com o público através do microfone. É então que os novos artistas deixam de tentar reproduzir as músicas estadunidenses e começam a criar suas próprias letras, falando sobre a vida cotidiana da favela e da sua comunidade, também apelando pelo pedido de um baile pacífico.

É no fim da década de 1980 que a violência nos bailes funk passa a chamar atenção da imprensa, gerando um aumento no preconceito com o estilo musical e de festa. Ao mesmo tempo que o MC Marlboro impulsionava a carreira de inúmeros artistas com coletâneas, o MC Grandmaster Raphael do Furacão 2000 propõe os festivais de galeras, no qual os próprios frequentadores dos bailes elaboravam e interpretavam as letras. Depois de 1990, as festas aconteciam em áreas de céu aberto ou ruas, e a figura dos MCs ganhava grande destaque, incitando a imagem de sucesso artístico acessível à qualquer jovem da favela. Apesar de muitos irem para os concursos dos festivais com propósitos pacíficos, a competitividade fomentava a agressividade em alguns jovens, resultando em violência. Ao serem documentados pela imprensa, a imagem do funk foi diretamente ligada aos arrastões de 1992.

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O acontecimento foi um embate entre facções rivais oriundas de bairros periféricos na Praia do Arpoador, e onde a elite carioca se chocou com ritual de luta comum da periferia. Devido ao impacto negativo causado na população dos bairros nobres e a grande divulgação da mídia, o marco ficou conhecido como arrastão e os envolvidos foram taxados de assaltantes e relacionados aos bailes funk. Assim, a imprensa começa a marginalizar o gênero perante a opinião pública, principalmente a partir de 1995, quando surgem acusações que ligavam os bailes com o comércio varejista de drogas. Segundo Alves, “o funk é mal visto pela perspectiva de onde ele vem, pois, quando ele chega na mídia, é ligado a questão da violência”. As pessoas, muitas vezes, nunca foram num baile funk, mas veem a representação social da favela na televisão, que torna mais fácil negar a desigualdade social e o lugar do funk como uma expressão da realidade.

Devido as inúmeras proibições aos bailes funk por parte do governo municipal, exigindo a vistoria policial durante os eventos, as festas foram acolhidas pelos líderes do morro e passaram a acontecer nas ruas da comunidade. É quando surge o proibidão, vertente do funk que usa palavras de baixo calão, fala de sexo explícito e sobre drogas, algumas vezes exaltando facções criminosas. Cria-se, então, o hábito de criar duas versões da música, uma aceitável para o mercado e uma para cantar nos bailes. Enquanto leis tentavam silenciar o movimento, os grandes veículos de comunicação popularizavam o ritmo fora da favela. O funk conquistou espaços na classe média e alta, e entra no século XXI com um público mais diverso.

Categorias e vertentes

Mister Catra desenhado por Wander Schlottfeldt.

No novo milênio, as letras do funk ganham uma tendência erótica e sexual, se aproximando da batida do samba e deixando o Miami Bass de lado para inserir o tamborzão. Nesse período, um dos sucessos foi o Bonde do Tigrão que, com músicas como “Cerol Na Mão”, alcançou disco platina em 2001.

Na mesma época, a MC Tati Quebra-Barraco entrava na cena como precursora feminina, lançando músicas como “Boladona” e “Sou feia, mas tô na moda”,  alcançando sucesso até no exterior.

Outro artista que subia nas paradas era o ícone do proibidão, Mister Catra. Famoso por seus 32 filhos, o artista obteve reconhecimento nacional por seus hits como “Adultério” e foi indiciado por apologia ao crime em 2002.

Começam a surgir novas tendências em São Paulo, uma vertente do funk chamada de ostentação por falar de um estilo de vida com muitos bens de consumo de alto custo e estar sempre rodeado por mulheres. Alguns dos MCs mais conhecidos nessa categoria são MC Guime com “Plaque de 100” e MC Rodolfinho com “Os mlk é Liso”.

Outra vertente foi o funk pop, canções mais populares que buscam conquistar espaço internacional, com letras suaves e batidas semelhantes ao pop. Muitos MCs escolhem deixam a nomenclatura para trás e migram para este subgênero, como Anitta, Ludmilla (antiga MC Beyoncé) e Pocah (antiga MC Pocahontas).

Importante ressaltar o brega funk, uma vertente do Recife que se enlaça aos cancioneiros românticos do Nordeste e, por fim, o 150bpm, categoria que mais fez sucesso recentemente, no qual a sigla significa “batidas por minuto”. É chamado assim por ser mais rápido que o comum, que é geralmente de 130bpm. Enquanto o brega funk tem sido exaltado por artistas como MC Loma e As Gêmeas Lacração cantando “Envolvimento” e “Xonadão”, o 150bpm vem ganhando espaço com músicas como “Eu vou pro Baile da Gaiola” do MC Kevin, O Chris e “Tô Voando Alto” do MC Poze do Rodo, além de DJs como FP Do Trem Bala e DJ Gabriel do Borel.

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Polêmicas

Ao longo dos anos, o funk sofreu com a perseguição política e com elementos controversos de sua cultura. Em linhas gerais, podemos citar uma das principais polêmicas como sendo a dança, por possuir uma certa sensualidade. O gênero musical leva os dançarinos a movimentarem o quadril e bumbum de forma sensual e, muitas vezes, são considerados vulgares. Alguns dos mais lembrados são o “passinho do romano”, “passinho” e “sarrada no ar”, sendo que o segundo foi declarado patrimônio cultural imaterial do Rio de Janeiro em 2018.

Outra preocupação comum é com a vestimenta dos frequentadores do baile funk, principalmente na “falta” de roupa das mulheres. O uso de shorts e saias curta com decotes e roupas coladas chama a atenção, e algumas pessoas ficam desconfortáveis com a exposição gerada. Apesar de algumas letras incitarem a sexualização e objetificação das mulheres, há funkeiras que gostam das vestimentas de costume e concordam com o hit da Pocah que diz “Deixa eu te lembrar que eu não sou obrigada a nada, ninguém manda nessa raba”.

Não é de se surpreender também com a polêmica sobre as letras do funk, uma vez que elas falam abertamente sobre sexo, ostentação e, algumas vezes, apologia ao crime. As músicas abordam os assuntos de formas surpreendentes, como o hitQue Tiro Foi Esse?” de Jojo Maronttinni, ou a música “Tropa do R7” na qual o DJ R7 apresenta 7 minutos de uma montagem de sons de tiro em que 11 MCs interpretam estrofes de funk proibidão. Porém, foi o sucesso “Baile de Favela” de 2015, do DJ R7 e MC João, que foi criticado por internautas  e recebeu até resposta musicais pela forma como se referiu as mulheres, como a da cantora Mariana Nolasco.

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Na mesma época que surgiu a música de Jojo Maronttinni, entrava nas paradas a “Só Surubinha de Leve”, música que levaria a internet a loucura no início de 2018, em que MC Diguinho falava claramente sobre embebedar uma mulher fácil de dominar, estupra-la e abandoná-la na rua. A violência nos versos provocou milhares de internautas que não se deram por satisfeitos quando as plataformas de streaming baniram a música e o artista publicou uma “versão light” com reformas nas letras. Antes da segunda opção da música ser lançado, o artista negou arrependimento sobre seus versos em suas redes sociais.

Ainda sobre as letras, MC Pedrinho ficou muito conhecido em 2014 por suas músicas de conotação sexual. Com apenas 12 anos o cantor já havia lançado grande sucessos como “Dom Dom Dom”, “Matemática” e “Hit Do Verão”, o que acabou chamando atenção da Vara da Infância e da Juventude, que cancelou um de seus shows no Ceará sob alegação do teor erótico das canções. O artista não deixou de lado suas criações de funk proibidão, mas produziu algumas versões lights para suas músicas. Outra criança que, aos olhos da lei, entrou muito cedo no mercado da música funk foi a Medoly. A erotização das crianças é um assunto delicado, principalmente quando elas tem oito anos e cantam funk. O Ministério Público chegou a abrir um inquérito contra o pai da antiga MC Medoly em 2015 por considerarem que suas roupas eram muito adultas, o que o levou a reformular a carreira da filha. Tanto MC Pedrinho (hoje com 17 anos) como Melody (12) seguiram suas carreiras musicais e, neste ano, lançaram um clipe juntos.

Vale destacar o assassinato do cantor paulista MC Daleste conhecido por seus funk ostentação. O cantor dos sucessos “São Paulo” e “Gosto mais do que lasanha” foi baleado na barriga na noite de 6 de julho de 2013, em Campinas, ao fim de um show gratuito com cerca de 3 mil pessoas. O cantor estava conversando com o público quando foi atingido, e chegou a ser levado ao centro cirúrgico, mas não resistiu. A policia não pegou o assassino, mas afirmou que foram três disparos e que, com certeza, o atirador queria atingir especificamente o artista.

Já para finalizar com questões mais atuais, é importante falar da prisão do DJ Rennan da Penha, um dos maiores personagens do funk atual. O idealizador do Baile da Gaiola foi levado sob a acusação de atuar como olheiro, avisando o pessoal quando a polícia ia subir o morro, e de que as músicas dele faziam apologia ao uso de drogas, incitando que o Baile da Gaiola seria uma forma de atrair as pessoas ao tráfico. O site do Kondzilla publicou uma matéria explicando o caso do funkeiro e falando de operações da polícia que aconteceram no início de 2019 para acabar com o baile funk.

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Aos olhos da lei

Entre as formas de preconceitos e problemas que a Justiça encontrou com a cultura do funk, podemos destacar alguns projetos de leis que entraram em vigor. Em 2000 foi publicado o projeto da lei Álvaro Lins que proibia a realização dos bailes sem a autorização e supervisão de autoridades policiais no Rio de Janeiro, o que acabou por se estender à festas “raves” em 2007. Também vale ressaltar sobre a lei 5.544/09 sancionada em setembro de 2009 no Rio de Janeiro, que define o funk como movimento cultural e musical de caráter popular. Essa conquista em prol dos direitos dos funkeiros foi da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (APAFunk) e foi registrada no livro “Funk-se quem quiser: no batidão negro da cidade carioca”. Em 2017, a sugestão de um projeto de lei que criminalizava o funk atingiu 20 mil assinaturas, chegando ao número mínimo para ser encaminhada para debate dos senadores. O projeto do empresário Marcelo Alonso classificou o gênero musical como crime de saúde pública à criança, ao adolescente e à família. A Comissão dos Direitos Humanos não transformou a sugestão em projeto de lei, pois iria diretamente contra a liberdade de expressão esculpido no artigo 5º da Constituição, inciso IX.

(segue)

Reportagem produzida por Bibiana Rigão Iop e Wander Schlottfeldt na disciplina de Jornalismo Investigativo, com orientação da professora Carla Torres.