
Movimento Legendários evidencia que homens nunca saem da ‘Adolescência’
O grupo que mistura pregação religiosa e coaching promete transformar os homens em verdadeiros “governantes” da casa e cobram um preço exorbitante.
O grupo que mistura pregação religiosa e coaching promete transformar os homens em verdadeiros “governantes” da casa e cobram um preço exorbitante.
Nos últimos meses o termo “masculinidade” e suas discussões me chamaram atenção. Comecei a pesquisar sobre a temática e até participar de rodas de conversa sobre essa questão que atinge diversas esferas da sociedade: a masculinidade
A Agência CentralSul de Notícias faz parte do Laboratório de Jornalismo Impresso e Online do curso de Jornalismo da Universidade Franciscana (UFN) em Santa Maria/RS (Brasil).
Uma criança olha para a câmera e uma mãe ansiosa cuida dos seus filhos enquanto espera o marido voltar para casa. Um choro, um abraço apertado e a certeza de que o seu companheiro se tornou um novo homem. Esse é o cenário do vídeo que a influenciadora Viih Tube postou no seu Instagram e que suscitou a polêmica da vez, os Legendários.
O grupo que mistura pregação religiosa e coaching promete transformar os homens em verdadeiros “governantes” da casa e cobram um preço exorbitante por esse encontro transformador. Esse movimento evidencia o quanto a ideia de masculinidade está atrapalhada nos dias atuais e como homens, em busca de tornarem-se mais viris, transformam tudo em performance.
A ideia, então, é evocar um ideal de homem supostamente estabelecido pela religião. Ele é forte, resistente, capaz de aguentar o peso de uma família inteira em seus braços e se reconecta com Deus e com a sua virilidade em cima de uma montanha. A metáfora aqui é clara, quanto mais alto, mais perto de Deus alguém está. Mas até isso é deturpado, e a subida para se aproximar do céu se torna uma trilha em que os homens fazem exercícios físicos enquanto ouvem pregações.
É curioso pensar que, no mesmo momento, o movimento Legendários e a série “Adolescência” ocupam lugares de destaque nos principais portais de notícia e entretenimento. O personagem que protagoniza a série é um menino no início da adolescência que é suspeito de assassinar uma colega de classe. Pequeno, fraco e “esquisito” aos olhos dos outros alunos, ele teria a matado depois que ela o humilhou após uma tentativa de flerte.
Para mim, a masculinidade performática que leva homens a pagarem 80 mil reais para se tornarem o “verdadeiro chefe da família”, é uma diferente expressão do mesmo ressentimento sublimado pelo menino da série. O ideal de homem que o menino persegue e o faz ser excluído, é o mesmo pelo qual homens se submetem ao Legendários. No final, essa ideia performática sempre leva a algum tipo de violência física ou emocional.
Artigo produzido na disciplina de Narrativa Jornalística no 1º semestre de 2025. Supervisão professora Glaíse Bohrer Palma.
Nos últimos meses o termo “masculinidade” e suas discussões me chamaram atenção. Comecei a pesquisar sobre a temática e até participar de rodas de conversa sobre essa questão que atinge diversas esferas da sociedade: a masculinidade tóxica. E quando escrevo masculinidade tóxica, me refiro a ela em diferentes perspectivas: relacionamento, comportamento, emoções, sociabilidade, entre outras questões que ferem o individual e o coletivo.
Essa toxicidade começa logo cedo, na formação enquanto indivíduo homem, e nos obriga a ter um comportamento forte, viril e rígido, forçando a colocar de lado tudo que equivale ao feminino. A sociedade machista e masculinista nos exige a ser homem, mas não qualquer homem. Tem que ser “Homem com H maiúsculo”. Mas afinal, o que é ser homem? O que é um homem? Que homem é esse?
Passei a me questionar ainda mais sobre essas questões, depois de assistir o documentário O Silêncio dos Homens, uma iniciativa do site Papo de Homem, lançado recentemente. O filme aborda um ponto importante: o silêncio das emoções, que nos são retiradas logo na infância, com a famosa frase “homem não chora”. Além disso, nos mostra que esse silêncio é a raiz de diversos problemas, como a violência doméstica, o suicídio, alcoolismo, depressão e o vício em pornografia. Também apresenta que apenas três em cada 10 homens possuem o hábito de falar sobre seus medos e dúvidas com amigos.
De certa forma, soa até estranho dizer que os homens são silenciados, devido a nossa construção histórica, onde o homem sempre é colocado no topo da cadeia social. E me refiro justamente a maneira como os homens são criados, tendo que mostrar firmeza a todo instante. Não podemos agir com comportamentos ligados ao feminino, devemos ter um bom emprego, ser o líder da família, flertar com mulheres, não chorar, gostar de futebol e por aí vai. Essas são só algumas atitudes, ou melhor, obrigações do que parece ser uma “cartilha” para se tornar um homem. Ah! E se você falhar em alguma delas, pronto, logo você é rotulado de “viado”. E no ideário da masculinidade tóxica, “viado” não é homem.
Essa construção de ser masculino, se naturalizou com o patriarcado e a dominação com ele trazida. O homem sempre foi visto como símbolo de poder, logo, tudo que se associa ao feminino é colocado um ou mais degraus abaixo. Nós, homens, somos ensinados a buscar por uma hipermasculinidade, a fim de manter a dominação dos homens sobre as mulheres e, também, de homens sobre homens, causando danos para ambos. Dessa forma, o homem acaba fortalecendo a manutenção de seus privilégios, a partir do momento em que não se coloca aberto para refletir seus comportamentos.
Falar sobre masculinidade é perceber o quanto ela interfere no comportamento masculino e os seus impactos no coletivo. O movimento surge como forma de repensar o papel do homem na sociedade, de escutar, de mostrar suas vulnerabilidades e de entender que ser homem está além da supervalorização de características, sejam físicas ou culturais, associadas ao masculino. Por isso, faço um convite especialmente aos homens: assistam ao documentário O Silêncio do Homens e vamos refletir sobre nossas práticas masculinas.
Assista ao documentário “O Silêncio dos Homens”, com direção de Ian Leite e Luiza de Castro. O filme é fruto de um projeto que ouviu mais de 40.000 pessoas sobre questões de masculinidade.
[youtube_sc url=”https://youtu.be/NRom49UVXCE” title=”O%20silêncio%20dos%20homens”]
Deivid Pazatto é jornalista egresso da UFN, pós-graduando em Estudos de Gênero na UFSM e militante do movimento LGBTQ+. Foi repórter da Agência Central Sul e monitor do Laboratório de Produção Audiovisual (Laproa) durante a graduação