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Movimento negro

Mês da Consciência Negra é tema do UFN Entrevista desta semana

O UFN Entrevista desta quarta-feira, dia 13 de novembro, vai abordar o Mês da Consciência Negra. A partir das 15h, o programa da Rádio Web UFN recebe a pedagoga e doutora em educação, Maria Rita Py Dutra, e o acadêmico de Ciências

Feminismo negro, força para lutar e resistir

No último Superbowl, jogo final da liga americana de futebol americano, a cantora Beyoncé aproveitou o evento de maior audiência da televisão americana para fazer um protesto contra o racismo. Junto com a apresentação, que virou

Apesar de existirem desde 1994, os mandatos coletivos não são legalizados no país. Desde 2017, uma PEC que busca viabilizar os coletivos no Poder Legislativo está parada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Deputados

Denzel Valiente, Laura Gomes e Vitória Gonçalves*

Coletivos Eleitos em 2020 para o Legislativo Municipal

As instituições políticas brasileiras são consideradas as menos confiáveis pela população. Na última pesquisa do Datafolha (07/2019) sobre o tema, 58% dos cidadãos afirmaram não confiar nos partidos políticos, e 45% informaram que não confiam no Congresso Nacional. Esse cenário coloca em debate novas formas de pensar e fazer política. Uma das alternativas para essa crise da democracia representativa são os mandatos coletivos. 

Essas iniciativas aparecem no Brasil a partir de 1994. Desde então, foram 351 candidaturas coletivas nas eleições federais, estaduais e municipais, de acordo com os dados da Rede de Ação Política para Sustentabilidade (RAPS). Esse tipo de mandato é caracterizado pela atuação de um(a) parlamentar em conjunto com coparlamentares que debatem e deliberam coletivamente acerca das decisões políticas tomadas nas casas legislativas. 

Apesar do crescimento das candidaturas coletivas nos últimos anos, ainda não existe uma regulamentação na área. Em 2017, a deputada Renata Abreu (PODE-SP) ingressou com uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 379/17) para inserir, no art.14 da Constituição Federal, a possibilidade dos mandatos coletivos no âmbito do poder Legislativo. A PEC, porém, está parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) desde o ano que foi proposta.

O pós-doutorando em Direito na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), doutor em Educação nas Ciências pela Unijuí e professor do curso de Direito da Universidade de Cruz Alta (Unicruz), Domingos Benedetti Rodrigues, aponta uma razão para esse cenário. Segundo ele, a regulamentação ainda não ocorreu pois os mandatos coletivos não surtiram um efeito abrangente na sociedade capaz de efetivar uma pressão nos parlamentares brasileiros para regulamentar a questão. No entanto, o professor acredita que o cenário está mudando. “A repercussão dos mandatos coletivos e a experiência positiva que eles vão mostrar servirá de pressão para que o parlamento o regulamente”, afirma Domingos.

O professor ainda acredita que esse tipo de representação política fortalece o exercício da democracia representativa, pois, ao contrário do parlamentar que após a eleição rompe o contato com as suas bases eleitorais, as candidaturas de grupos pressupõem um estreitamento das relações de diálogo com a população. “Penso que a proposta do mandato coletivo é incipiente e está nascendo. Mas, eu diria que com o debate e o amadurecimento, a evolução do projeto vai se concretizar. A democracia não é estática, a democracia é evolutiva, e progride de acordo com as necessidades da sociedade”, reitera Domingos.

O crescimento dos mandatos coletivos pode ser observado nas eleições municipais de 2020: foram 257 candidaturas e 16 coletivos eleitos no Brasil.

Utilize a barra lateral para visualizar todos os coletivos.

*O primeiro nome corresponde à pessoa que representa o coletivo na Câmara Municipal.

Eleitos mas não regulamentados. Como será a atuação?

Na prática, apenas o titular dos mandatos coletivos atuará na Câmara Municipal. Os (as) covereadores serão nomeados (as) nos gabinetes parlamentares como auxiliares, assistentes ou assessores. Desse modo, os coletivos adotaram diferentes formas de organização com relação à gestão e à distribuição de funções e tarefas.

 A Coletiva de Mulheres (PT – SP), por exemplo, possui 18 integrantes. Na Câmara Legislativa do município de Ribeirão Preto é possível designar apenas duas pessoas para o gabinete. O coletivo nomeará, assim, duas covereadoras como assessoras. Os coletivos Nossa Cara (PSOL – CE), Candidatura Coletiva (PCdoB – RS), Nossa Voz (PT – MG) e Pretas por Salvador (PSOL – BA) também pretendem nomear os (as) covereadores (as) como assessores (as) de acordo com as cotas de cada município.

Algumas cidades permitem um número maior de pessoas no gabinete. Assim, além da representação política, os coletivos Representa Taubaté (Cidadania – SP), Nossa Cara (PSOL – CE), Bancada Feminista (PSOL – SP), e Coletivo Nós (PT – MA) planejam compor o gabinete com pessoas que não estão, necessariamente, dentro do coletivo. 

O processo de tomada de decisão também é diversificado nos mandatos coletivos. Na Coletiva de Mulheres (PT – SP), devido ao número elevado de covereadoras (18), a deliberação das decisões políticas ocorrerá por meio de votações. Já a Candidatura Coletiva (PCdoB – RS) defende uma construção ampla e plural. “Cada uma tem 1/5 da decisão nos temas que se apresentarem para votação – mas não só isso, também queremos trazer um sexto elemento para essas decisões: a opinião popular sobre cada tema”, comentam as covereadoras.

O coletivo Todas as Vozes (PSOL – SP) possui um regimento interno que estabelece o funcionamento do mandato e as tarefas desempenhadas por cada covereador (a). Segundo o coletivo, os princípios que orientam a atuação do grupo são a governança compartilhada, a participação popular e o estímulo a decisões dentro da coletividade. Na prática, os temas são discutidos e deliberados por todos (as). Além disso, pretendem debater assuntos polêmicos com a população por meio de audiências públicas, reuniões de bairro e conselhos de moradores. 

O Coletivo Nós (PT – MA) estabeleceu no estatuto do regimento do mandato um processo de tomada de decisão em três etapas. “A primeira instância de decisão são os próprios covereadores e vereadoras, que também incidirão sobre as pautas prioritárias do mandato; a segunda é a coordenação geral do Coletivo Nós, que atua para além do mandato; e um terceiro espaço são as plenárias populares nos polos, que vão ouvir as demandas das comunidades. Será apresentado na tribuna as demandas que o povo definir como prioridade”, explica o coletivo.

Além disso, o coletivo planeja propor alterações no regimento da casa legislativa para que todos (as) os (as) covereadores (as) tenham direito de falar na tribuna e participar das comissões especializadas. Outro coletivo que já relata intenções de indicar mudanças na Câmara Municipal é o Nossa Voz (PT – MG). Para o coletivo, os discursos da pauta do dia podem ser escritos por qualquer um dos quatro covereadores, assim como, durante as votações podem ser utilizados termos como “após deliberação do Coletivo, entendemos que sim/não”, ou “eu co-vereadora Andressa, voto junto aos covereadores Bruno, Hernane e Priscila que sim/não”.

O professor Domingos entende que a regulamentação dos mandatos poderia auxiliar nessas questões reivindicadas pelos coletivos. Contudo, a Lei nº 9.504/97, que estabelece as normas para as eleições, ainda não incorporou essas novas demandas. “Para que a candidatura seja aceita, deve ser uma candidatura única, de apenas uma pessoa. O mandato coletivo é um grupo de pessoas que escolhem e candidatam um membro do grupo, registram ele em um partido e realizam a candidatura. Mas, legalmente apenas um candidato participa”, sinaliza Domingos.

Outra questão presente no debate é referente aos salários. Alguns grupos eleitos este ano propõem a divisão do salário do parlamentar entre os (as) membros (as) do mandato coletivo. A Coletiva das Mulheres (PT – SP) lembra que a divisão de salário é considerada crime, dessa forma, apenas a vereadora titular vai receber o salário integralmente. O coletivo Nossa Cara (PSOL – CE)  relata que apenas a representante Adriana Gerônimo receberá o salário como vereadora, e o restante como assessoras parlamentares. Além dos coletivos que não definiram qual será a remuneração de cada representante (3), outros afirmaram que o salário não será compartilhado (3).

Uma solução que busca contemplar todos (as) foi adotada pelo coletivo Todas as Vozes (PSOL – SP), composto por nove pessoas. Cinco covereadores (as) serão nomeados (as)  para o gabinete do vereador. “Equiparamos ao máximo o salário das pessoas que atuam dentro da Câmara, que originalmente não são iguais, e ainda remuneramos mais três pessoas. Vale ressaltar que no nosso caso serão seis pessoas na Câmara (trabalhando 40hs semanais) e três pessoas alocadas nos bairros (trabalhando 20hs semanais), portanto elas receberão um salário menor”, explica o coletivo.

O Representa Taubaté (CIDADANIA – SP) afirmou que não haverá divisão de salário da vereadora, cada um (a) terá sua função e serão contratados (as) como funcionários do gabinete. O mandato também verifica possibilidades, dentro da legalidade, para tornar essa questão mais igualitária possível. O coletivo Pretas por Salvador (PSOL – BA) pretende usar a verba para fazer o pagamento dos funcionários, enquanto as duas principais representantes receberão o salário igualitário. 

A Coletiva Bem Viver (PSOL – SC) relatou que o salário da parlamentar será dividido entre as cinco covereadoras da mesma maneira. O grupo Fany das Manas (PT – PE) pretende dividir o salário igualmente entre a representante e as assessoras. Embora a intenção da divisão dos ganhos seja manter os parâmetros igualitários dos coletivos, a partilha salarial é considerada um esquema de rachadinha, na qual ocorre uma transferência de parte ou de todo salário do servidor para o parlamentar ou secretários a partir de um acordo anteriormente estabelecido. 

Segundo o professor Domingos Benedetti, a lei proíbe que o parlamentar eleito pela teoria do mandato coletivo divida o seu salário entre correligionários. “Ele vai ter o número de assessores que é permitido por lei, que irão receber o salário do parlamento”, relata o professor. Ele também reforça que o papel dos assessores é desenvolver funções de assessoramento ao desenvolvimento do mandato parlamentar. Mas apenas um candidato vai subir na tribuna, para defender e apresentar o projeto de lei. 

Por questões legais, a partilha de salário deve ser analisada juridicamente visto que há diversos casos ilegais em relação a divisão salarial. Assim, a questão pode causar confusão entre o que é ou não legal por parte dos tribunais eleitorais. Por outro lado, os custos de campanha eleitoral são regulados pela legislação eleitoral, sem grandes complicações do ponto de vista da estratégia de compartilhamento dos gastos. 

Embora os mandatos coletivos não sejam regulamentados juridicamente no Brasil, o método tem pretensões de alcançar outros níveis institucionais e se fortalecer no legislativo. Para o professor Domingos Benedetti, a proposta oferece um grande exercício de democracia participativa e contribui com a reaproximação dos desejos da população aos espaços institucionais.

Espaço das mulheres

O crescimento dos mandatos coletivos nas eleições acompanhou a luta pelo espaço das mulheres na política, que, nas últimas eleições foram eleitas nas Câmaras Municipais de todas as capitais do país. Apesar disso, a maior parcela da população feminina permaneceu ausente no Legislativo municipal de 17% dos municípios brasileiros, segundo o levantamento do Instituto Update

Por outro lado, os mandatos coletivos avançam na questão da representatividade. Ao todo, 93 pessoas compõem os 16 grupos eleitos. Destes, 71 são mulheres e 22 são homens. Apenas um coletivo não possui mulheres na composição. As mulheres ainda estão à frente da representação parlamentar em 13 coletivos. 

Disposição geográfica

A região sudeste concentra a maioria dos mandatos coletivos (oito). Em seguida, vem a região nordeste com eleição de quatro coletivos. No sul, três Câmaras Municipais serão ocupadas por coletivos. Na região centro-oeste, apenas um coletivo foi eleito. No nordeste, a reportagem não encontrou coletivos eleitos.

O que defendem?

Quando o assunto são as bandeiras defendidas pelos coletivos, todos possuem diversas frentes de atuação. Entre as pautas mais frequentes estão a defesa dos direitos das mulheres, da educação, da cultura, da população negra e periférica e LGBTQIA+. 

No nordeste, que em 2017 era a região com maior número de homicídios no Brasil segundo o Atlas da Violência – levantamento de homicídios relatados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pautas com o enfrentamento a violência contra a mulher e ao extermínio da juventude negra se destacam em comparação às outras regiões. Os coletivos Pretas por Salvador (PSOL – BA), Fany das Manas (PT – PE) e Nós (PT – MA), possuem entre suas bandeiras de luta o combate a violência e a defesa dos direitos das populações, o que evidencia uma realidade enfrentada na região.

Além disso, pautas relacionadas à gestão das cidades, meio ambiente e agricultura familiar estão presentes tanto nos coletivos da região nordeste como nas regiões sudeste e sul.

A reportagem entrou em contato com todos os coletivos eleitos. 12 retornaram e quatro não haviam respondido até o encerramento da matéria: Teremos Vez (RS), Mandato Popular Coletivo (SP), Quilombo Periférico (SP) e Mandato Coletivo de Machado (MG). 

*Reportagem produzida para a disciplina de Jornalismo Investigativo sob a orientação do professor Mauricio Dias

 

O UFN Entrevista desta quarta-feira, dia 13 de novembro, vai abordar o Mês da Consciência Negra. A partir das 15h, o programa da Rádio Web UFN recebe a pedagoga e doutora em educação, Maria Rita Py Dutra, e o acadêmico de Ciências Sociais e militante do Movimento Negro de Santa Maria, Gustavo Rocha, mais conhecido como “Afro Guga”. Você pode acompanhar o UFN Entrevista pelo link disponível no site da Instituição, pelo Facebook da RádioWeb UFN. As reprises são veiculadas pelo link às sextas (21h30), sábados (16h30), domingos (18h) e segundas-feiras (21h). Você também ouve a Rádio Web UFN pelo aplicativo RadiosNet. O UFN Entrevista tem produção e apresentação do acadêmico de Jornalismo Gianmarco de Vargas.

 

O racismo ainda permanece em nossa sociedade e faz com que os negros tenham difícil acesso aos direitos que deveriam ser proporcionados a todos. A luta enfrentada por grupos de militantes da causa se torna mais forte e abrangente para apresentar as dificuldades e a falta de representatividade dessa classe em meio à grande massa.

Novembro é o mês da Consciência Negra. E, para dar destaque a esta data, foi realizado nos dias 10 e 11 deste mês, na auditório da Antiga Reitoria da Universidade Federal de Santa Maria, a 6ª edição do debate “Novembro Negro”. Na atividade, alunos de graduação e pós-graduação puderam expor seus trabalhos. Foram debatidos quatro temas, divididos nos seguintes eixos de apresentações: Violência, criminalidade e encarceramento; Migrações e refúgios; Racismo e subjetividade; Religiosidades Afro-Brasileiras: Intolerância Religiosa.

Uma das organizadoras da mesa-redonda, a professora Maria Rita Py Dutra, doutoranda em Educação e mestre em Ciências Sociais, docente há 30 anos, escritora e militante do movimento negro, concedeu à Agência CentralSul entrevista sobre o tema. Confira a seguir os principais momentos da conversa.

Maria Rita Py Dutra foi uma das organizadoras do Novembro Negro (Foto: GT Negros/Divulgação)

Agência CentralSul – Como a senhora avalia  o movimento negro dentro das escolas?

Maria Rita Py Dutra – Uma lei criou a semana nas escolas, porque a lei diz que é obrigado o ensino da história da cultura africana e que é para ter uma Semana da Consciência Negra. Isso foi um problema, porque a escola não faz nada durante todo o ano e quando chega em novembro começa a nos chamar para palestras. Eu acho que semana da consciência negra não deveria ter nas escolas, pois os professores devem trabalhar as questões étnico-raciais durante o ensino. Acho bem problemático, deveríamos ter um currículo antirracista em todas as áreas.

Agência CentralSul – Como a senhora avalia o preconceito das religiões de matriz afro na mídia, existe uma visibilidade ou eles acabam mascarando as coisas?

Maria Rita Py Dutra -Nosso maior problema é a questão da religiosidade, porque essas (igrejas) neopentecostais estão aí e elas possuem o poder. E é aquela coisa do Hitler, uma mentira dita muitas vezes se torna uma verdade. É eles principalmente através da igreja Universal possuem um plano político. Então é claro que muitas coisas não surgem na mídia, existe um desinteresse em mostrar os problemas enfrentados por nossas religiões.

Agência CentralSul – Existe uma preocupação do movimento negro com uma possível volta do Regime Militar?

Maria Rita Py Dutra – Eu não posso te falar em nome do movimento negro em si, porque eu por conta da faculdade estou um pouco afastada das militâncias. Mas nós do GT Negro temos essa preocupação. Meu medo maior é dessa radicalização que já está havendo. Meu medo é de que a bancada evangélica, por exemplo, assume o poder, porque isso está mais próximo e é preocupante demais. Temo até mesmo, daqui uns anos, ver gays, lésbicas e negros na fogueira.

Agência CentralSul – Toda essa desigualdade social é reflexo do racismo e da escravatura?

Maria Rita Py Dutra – Sim. Porque tudo passa pelos bancos escolares. E, por muito tempo depois do fim da escravidão, as crianças negras não ganhavam oportunidade de estudar, não podiam frequentar uma escola. E obviamente o racismo que ainda existe, por exemplo, em uma entrevista de emprego entre um branco e um negro a tendência é que seja escolhido um branco. O racismo influencia diretamente na questão da desigualdade social.  Nós precisamos de justiça social.

Agência CentralSul – Quais medidas a senhora crê que devam ser tomadas para expandir as informações sobre a cultura negra que possam diminuir o preconceito?

Maria Rita Py Dutra – A primeira medida a ser tomada é garantir o acesso e a permanência do estudante negro nas universidades. Depois disso, ele deve conseguir fazer o mestrado e o doutorado. As coisas só vão mudar quando nós tivermos professores negros em todas as universidades públicas e privadas do país. Existem muitos poucos professores negros nas universidades.

Agência CentralSul – Recentemente presenciamos ataques racistas dentro da UFSM. Como essa questão repercutiu na instituição?

Maria Rita Py Dutra– Os professores da universidade ficaram impactados. Não se esperava isso dentro de uma academia do curso de Direito (e de Ciências Sociais). Por isso que a gente entende esse Supremo Tribunal e esse Judiciário todo. As formações são muito retrógradas e conservadoras. O número de negros que frequentam faculdades é extremamente baixo e o ensino superior não foi pensado para a classe popular. Existe invisibilidade dos sujeitos negros, não só como estudantes mas também como professores. Temos relatos de colegas negros que o ônibus estava lotado e ninguém sentava do lado dele. O racismo está nas raízes do capitalismo e está atingindo toda a sociedade. Quem é diferente sofre em todas as localidades.

Caroline Freitas e Elizabeth Lima

Disciplina: Jornalismo Digital 1

Professor: Maurício Dias

panther
Panteras Negras, partido negro revolucionário estadunidense fundado no ano de 1966 em Oakland (Califórnia), por Huey Newton e Bobby Seale, criado com objetivo de patrulhar guetos negros para proteger os residentes da brutalidade da polícia.

No último Superbowl, jogo final da liga americana de futebol americano, a cantora Beyoncé aproveitou o evento de maior audiência da televisão americana para fazer um protesto contra o racismo. Junto com a apresentação, que virou polêmica para os americanos, ela lançou o clipe da música Formation, que defende o orgulho dos traços e cabelo afro e critica o preconceito, a violência policial e os assassinatos de negros.
A filha da cantora, Blue Ivy, aparece no videoclipe quando ela diz que ama “o cabelo afro de seu bebê”. No evento, Beyoncé e seu exército de mulheres se vestiram como integrantes do partido dos Panteras Negras, que surgiu em 1960 e lutou pela participação dos negros na política e contra a segregação racial e o racismo.
Mulheres negras lutam há muito tempo pela quebra do sistema machista e racista. Entre elas, estão Angela Davis, Nina Simone, cantora que abordava questões raciais desde 1976, a atriz Viola Davis que luta contra a desigualdade étnica, e a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Essas mulheres inspiram movimentos ao redor do mundo, como o feminista, e sua corrente – feminismo negro – que faz o recorte para as demandas de mulheres negras.

No Brasil, o feminismo negro iniciou no final da década de 1970, quando, segundo Jarid Arraes*, o movimento vinha suprir duas demandas: o sexismo dentro do próprio movimento negro, quando as mulheres negras enfrentavam dificuldades para manter sua autonomia e igualdade de gênero em relação aos homens negros, e em um momento em que as questões – ainda nascentes – do feminismo davam prioridade a temas relacionados às mulheres brancas. No que toca a população negra feminina no País, o autor aponta dados alarmantes relacionados a temas como mercado de trabalho e violência doméstica. Entre os casos mais críticos, cita a conquista do “emprego formal, uma boa colocação e ingressar no ensino superior [como] dificuldades típicas daquelas que possuem a pele negra”. Além disso, o autor aponta que 60% das vítimas de agressão por parte de companheiros e ex-companheiros no Brasil são mulheres negras. Historicamente os dados do IBGE  evidenciaram em relação ao emprego formal e salários, uma hierarquia discriminatório –  melhores salários  obedeciam a escala de homens brancos, mulheres brancas, homens negros e mulheres negras. No censo de 2014, os dados do instituto já apontavam que quase 54% da população brasileira se considerava preta ou parda. Esse índice parece se refletir nas crescentes demandas da parte do feminismo negro no País. Em Santa Maria, além do Movimento negro, o coletivo JuNF marca a luta da mulher negra.

 Juventude Negra Feminina de Santa Maria – o JuNF

Geanine Escobar, criou o grupo virtual JuNF (Juventude Negra Feminina de Santa Maria), em 2003. Primeiro surgiu a necessidade de se encontrar para falar e debater. Logo, os encontros começaram presencialmente, então, com saraus de poesia negra, por exemplo. “A poesia negra declamada é algo bem simbólico e marcante, temos autores como Oliveira Silveira, que, inclusive, propôs a mudança na fase racista do hino do Rio Grande do Sul – povo quem não tem virtude/acaba por ser escravo”, conta Alice Carvalho, estudante de psicologia. A frase não foi alterada.
“Na Junf, além de ser um espaço para falarmos sobre feminismo e empoderamento da mulher negra, fazemos amigos lá também. Conversamos sobre o nosso dia a dia, e quando alguma de nós não está muito bem nós nos juntamos, como irmãs mesmo, e não somente como militantes. Isso é uma característica única do coletivo, pois, em outros movimentos eu não encontrava muito, esse fortalecimento emocional, ainda mais entre nós, mulheres negras”, relata a estudante de psicologia. Sua amiga e parceira de luta, Aline Escobar, estudante de serviço social, da UFSM, fazia parte do coletivo Junf, mas se afastou do movimento recentemente. O Junf (Juventude Negra Feminina) é bem único dentro do país, segundo a militante, pois faz um recorte dentro do grupo feminino , e com mulheres negras, também abordando a questão homossexual e bissexual.

Foto: Pedro Gabriel/laboratório de fotografia e memória
Integrantes do Junf. Foto: Pedro Gabriel/Laboratório de Fotografia e Memória

As diferenças entre as lutas

Para Alice, o feminismo nos moldes da mulher branca não contempla a mulher negra, pois parte de um lugar diferente. “Ele não atinge as demandas das negras, não as empodera. Elas avançaram na luta com o feminismo negro, mas as linhas são diferentes, por mais que elas se atravessem”, afirma.

Segundo ela, as feministas, em geral, lutam pelo aborto legal e seguro, mas o feminismo negro luta para que mulheres negras possam ter seus filhos vivos, porque muitas vezes eles são mortos por conflitos, pela Polícia Militar. Já que boa parte da população negra se encontra nas periferias – há um recorte, inclusive, nos locais onde mulheres brancas nascem e as negras nascem e crescem. “Quando chegamos num grupo de mulheres majoritariamente brancas, não conseguimos ficar ali muito tempo, pois não temos voz, nossas pautas não são abordadas”, acrescenta.

As mulheres (brancas) ainda tem a ideia de hierarquização de quem pode falar. “É jogada a carta da solidariedade, de que somos todas irmãs, mas isso não é posto em prática, por isso nos afastamos, porque somos diferentes, sofremos de formas diferentes”, critica Alice.

A estudante acredita que há conforto e reconhecimento entre elas para compartilhar a luta e experiências em um espaço constituído para debater somente feminismo negro. “Acho que podemos, de fato, participar de espaços mistos. Cabe às brancas que desconstruam seu racismo, nos escutem, pratiquem uma ação transformadora. É importante que quem luta contra a cultura racista, se manifeste também em espaços quando alguém fala algo racista, fale para aquela pessoa que é errado e desconstrua essa construção racista”, completa.

A militância no cabelo

negressencia
O Projeto Negressencia, através da bolsa Funarte de fomento para artistas e produtores negros, financiou a imersão artística de 9 bailarinos negros de Santa Maria/­RS em um processo criativo em dança negra. Foto: arquivo projeto

Amanda Silveira, 22, faz parte do espetáculo Negressencia e estuda dança na UFSM. “O feminismo está aí para mostrar que somos mais do que uma aparência da mulher negra, podemos ser milhões de outras coisas além do estereótipo criado, principalmente dentro da dança”, nota Amanda. A estudante conta que parou de alisar o cabelo por outros motivos pessoais, mas percebeu, lendo sobre, que usar o cabelo crespo é um ato político. E ao reconhecer sua identidade, ela tomou coragem para outros passos.
“Eu não preciso agradar a não sei quem, por causa de um padrão que eu não sei quem criou”, destaca. Ao valorizar sua cor, seu cabelo, ela pode ajudar outras meninas que passam pelas mesmas coisas. “Eu notei coisas peculiares depois que parei de alisar, por exemplo, assédios na rua – por mais que seja horrível – eu parei de sofrer, mas não por consciência dos homens e sim por causa do racismo. Por causa do meu cabelo crespo, de negra, é como se um preconceito espantasse o outro. E são coisas que notamos, é complicado passar por essa transição, depois percebi que essa sou eu, me reconheço muita mais agora ao olhar no espelho. ”, completa Amanda.

Foto: Pedro Gabriel/Laboratório de Fotografia e Memória
Foto: Pedro Gabriel/Laboratório de Fotografia e Memória

As meninas também falam sobre a representatividade inexistente do cabelo afro e crespo, na mídia. Hoje é mais aceito pela sociedade ter cabelo crespo, desde que esteja com cachos controlados. Elas alisam o cabelo para se sentirem iguais e serem aceitas. Alice Carvalho ressalta que consegue transitar mais facilmente por espaços, por causa das tranças, do que mulheres que usam o cabelo black power. Ela parou de alisar o cabelo a partir do poema “Cabelos que Negros”, declamado pela Geanine Escobar, no dia em que conheceu a JuNF. “Hoje consigo me olhar no espelho e ficar feliz com o que vejo, as pessoas me elogiam mais quando estou de trança do que quando estou com ele natural”.
Já Aline nunca alisou os cabelos, e atribui isto ao fato de ter nascido numa família negra com uma estrutura identitária forte.  “Usar o cabelo natural é uma forma de nos libertarmos de um sistema racista, usar roupas e acessórios afros também é um ato político”.

A estudante de psicologia da UFSM, Juliane Loreto, 20, conta que alisou os cabelos por um ano e depois começou a usá-lo naturalmente em 2014. “Isso aconteceu quando encontrei uma colega negra no meu curso, e conversamos sobre isso. Ela elogiava meu cabelo quando o usava crespo, e eu pensava que enfim alguém gostava dele assim, até que passei a usá-lo sempre”. Segundo a estudante, o corte do cabelo foi para deixá-lo mais volumoso e aussumir o discurso de empoderamento enquanto mulher negra em espaços de debate. “Tudo que é estético é um ato político. O modo como a gente se veste tem muito da gente”, concorda Karen Tolentino, 30, dançarina do Negressencia.

A solidão da mulher negra

As entrevistadas ressaltaram ainda que a solidão da mulher negra também é discutida entre as meninas do movimento,principalmente porque se sentem visibilizadas como objeto de forma mais intensa do que as outras mulheres – brancas – e, segundo elas, entre parceiros e parceiras essa discrepância vai aparecer em algum momento. “Percebo uma facilidade maior entre minhas amigas brancas para relacionamentos, e em como os homens brancos hesitam em entrar em relacionamentos sério com nós, negras”, nota Karen.
A objetificação e sexualização do corpo da mulher negra também são mais intensas, segundo Alice, e elas precisam construir uma identidade e saber o que é ser negra. A pauta de representatividade é recorrente, pois, quando há representação na mídia, a mulher negra é hiperssexualizada, estereotipada, ou aparece como serviçal. Alice acredita que há um estereótipo que a mídia finge representar, mas é de modo racista e excludente.

Além disso, ocorre racismo entre mulheres dentro do próprio movimento feminista. “Sofremos racismo em todos os espaços, em instituições escolares, em festas, na raiz da estrutura do sistema está esse ímpeto de nos afastar e nos tirar a humanidade. Visto que nossos ancestrais eram tratados como animais na escravidão”, afirma Aline.

O Laproa  veiculou a crônica audiovisual produzida por alunas do primeiro semestre na disciplina de Oficina de Mídias do curso de Jornalismo da Unifra, sob orientação da professora Neli Mombelli.

*ARRAES, Jarid. Feminismo negro: sobre minorias dentro da minoria. Revista Fórum, 21.fev.2014 (http://migre.me/tW3lr)

Por ACS, Arcéli Ramos e Amanda Souza