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Santa Maria, RS, Brazil

Rua do Rosário

Os cortes

Essa semana tivemos muitos cortes. Novamente. Mas, em específico, esses além de simbólicos também tiveram uma forma física aqui em Santa Maria. No domingo, o bairro Rosário perdeu a metade de suas árvores. Em seguida, moradores,

Fotos: Julia Trombine

Essa semana tivemos muitos cortes. Novamente. Mas, em específico, esses além de simbólicos também tiveram uma forma física aqui em Santa Maria. No domingo, o bairro Rosário perdeu a metade de suas árvores. Em seguida, moradores, grupos de estudantes, e pessoas da nossa cidade movimentaram as redes sociais com questionamentos e indignações. Outras pessoas também demonstraram afetação de não entendimento, de anarquismo e também de ignorância. Isto dito, me nego acreditar que alguém concorde com os cortes sem devida observação ou justificativa para serem feitos. Todos sabemos que algumas árvores realmente podem “prejudicar” o trânsito, a fiação da rua, enfim, outros tantos motivos que poderiam justificar tais atos se estes considerassem o espaço e respectivamente sua existência. Porém, não vejo o fato como um divisor de ideias, pelo contrário. Acredito que nunca estivemos tão perto desses cortes, morando no Rosário ou não.

Afinal, foram tantos cortes. O país vive um colapso inegável em diferentes contextos e realidades. Está em chamas aqui, e em todos os lugares. E 2019 está sendo um ano que todo mundo sente as mudanças no ar. Nos olhares que não se encontram no caminho. No próprio caminhar na rua. No pulso que acelera ao ler mais uma notícia “inacreditável”. Na batida do peito com a incerteza das próximas falácias que virão. Mas não podemos ver apenas as coisas negativas. Existem ações boas, momentos bons, como a senhora que parou ao me observar fotografando e disse “o verde pode ser também esperança”, ou nos movimentos que coletivos culturais fazem, as iniciativas de conscientização, as campanhas de prevenção as vezes silenciadas. Mas, caso não tenhamos muitos feitos bons, acredito que a soma é sempre melhor que a desinformação e o desconhecimento.

Aprendemos a importância das árvores diante da existência. Talvez não no mesmo ano de escola, nem no mesmo lugar, mas desde quando esquecemos a associação de natureza com a vida? As pesquisas científicas em todas as áreas do conhecimento apontam apenas para uma perspectiva: a  arborização urbana como uma necessidade das cidades. Não somente pelas questões estéticas que as árvores trazem as vias, mas atrelado a esse benefício é pensado também perante o bem-estar e sobre a qualidade do ar oferecido para a vida humana, consequentemente o que reflete na nossa qualidade de vida. Podemos não ter lado algum. Não comentar sobre a rua que teve esses cortes. Mas, na situação atual, que a natureza nos pede socorro na nossa cara de tantas maneiras, não acredito que podemos, ainda, estar dentro e somente na zona de conforto. Afinal, apenas uma grande árvore pode providenciar muitas necessidades de oxigênio. E isso tem ligação direta para com nossa existência.

As mesmas árvores que possuem papel de dar “sombra” para o ser humano, e ajudam a reduzir em até 10% o consumo de energia por meio do efeito de moderação climática local. As mesmas que podem reduzir a incidência de asma, câncer de pele e doenças relacionadas ao estresse, pois ajudam a diminuir a poluição do ar, promovendo a possibilidade de um ambiente mais bonito e adequado para animais, como pássaros. Árvores reduzem poluição sonora e os ventos, mantendo umidade do ar e chuvas regulares, fornecem base para produtos como medicamentos e chás, além de frutas, flores, sementes. Também promovem saúde dos solos e evitam erosão com suas raízes. Desenvolvem um papel importantíssimo no ecosistema pois são elas as responsáveis por manter mais de 50% da biodiversidade. Apesar dessa ser uma realidade local e também factual, esse momento de corte bruto representa a perda de quanto a cidade já não se preocupa em mudar as ruas e espaços que não possuem muita arborização, e quem acaba perdendo isso dentro da cidade somos nós.

Julia Trombini é jornalista escorpiana egressa da UFN. Fez parte da equipe do LabFem (Laboratório de Fotografia e Memória) como repórter fotográfica. Trabalhou também com diagramação, assessoria de imprensa e produção de conteúdo. Tem interesse em fotografia, audiovisual e temas de resistência política.