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Santa Maria, RS, Brazil

Gare: uma invasão ou um bairro?

 Invasões em prédios e terrenos públicos ou privados são comuns em cidades de porte médio no Brasil. Em Santa Maria, isso também acontece. Há pouco mais de cinco anos, teve início a invasão da Gare da Estação Férrea. Essa ocupação, em particular, difere das demais por causa do nível de construção das casas, por ficarem nos fundos de um prédio histórico e em uma área considerada nobre. O terreno, atualmente, pertence à Prefeitura Municipal de Santa Maria.

Essa ocupação irregular teve início em meados de 2000. No começo, a infra-estrutura do local era precária, mas no decorrer dos seus seis anos de existência recebeu algumas melhorias como abastecimento de água, luz elétrica e algumas casas, que têm rede de esgoto.  Segundo o assessor jurídico da Secretaria de Habitação, Robinson Almeida, as famílias haviam solicitado à Prefeitura ligações de água, mas o pedido foi negado. Mais tarde, uma decisão judicial autorizou a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) a fornecer água para aquela área. Almeida desconhece de onde provem o fornecimento de luz elétrica, mas os moradores da invasão assumem sem constrangimento que fazem “gato”, crime previsto no artigo 155 do Código Penal Brasileiro, com pena de um a quatro anos de prisão e multa. 

 Perante uma autorização judicial, a Secretaria de Habitação do Município está fazendo uma pesquisa socioeconômica para verificar dados dos moradores, como renda e condições de habitação. Esse levantamento, comandado pelo gerente de produção habitacional da Secretaria, Alceu Bitencurt, não abrange todas as casas da invasão, mas apenas as 63 moradias que estão no curso do túnel que será construído no local para ligar a Avenida Rio Branco e a Travessa Ferreira Pinto.  

Apesar de ainda não estar concluída, a pesquisa é bastante reveladora e mostra, por exemplo, que as casas construídas ali encaixam-se num nível de razoável a bom e que nenhuma caracteriza uma favela. “Graças à autorização judicial que o município teve para fazer o levantamento das famílias atingidas pelo túnel, a nossa equipe encontrou casas com automóvel, motocicleta e caminhonetes. São famílias que têm veículo e estão querendo agora se adonar de um terreno do município e teriam condições de pagar um aluguel ou construir em uma outra área, em um outro local” avalia Almeida. Bitencurt também garante que a maioria das famílias não é carente e que isso pode ser percebido pelo padrão das construções, que são de alvenaria e têm aberturas de qualidade.

Além desses dados, foi constatado que alguns moradores já haviam recebido lotes em um outro local. “Temos informações que algumas pessoas têm condições de construir suas casas fora daquele lugar. Pessoas já receberam lotes da prefeitura em outras regiões, ou seja, são reincidentes” constata o diretor geral da Secretaria de Habitação, Élvio San Felice.  

Por enquanto, não existe nenhum processo para remover as famílias que vivem na invasão. Os moradores não podem ser retirados de lá sem que antes a Prefeitura, através da Secretaria de Habitação, encontre uma área alternativa. “Não tem processo de tirar família. Nós estamos fazendo um levantamento e, a partir daí, se por decisão judicial ficar definido que a construção do túnel é fundamental e que para sua concretização essas pessoas deverão sair, provavelmente acontecerá um acordo entre a justiça, as famílias e a Prefeitura. Para retirá-los, precisaríamos encontrar uma área em um outro local, mas apenas para aqueles que são realmente carentes” pondera Felice.

Aqueles que já haviam recebido ajuda da Prefeitura terão “que se virar”  diz o assessor jurídico da Secretaria. Caso não se encontre uma área alternativa, o poder judiciário, ao considerar a função social da propriedade e o direito a moradia, pode condicionar o suprimento da ordem judicial àqueles que são carentes. “Nós estamos mais ou menos nos preparando para essa realidade, mas ainda não tem nada decidido” afirma o assessor. Outro dado intrigante é o fato de alguns dos primeiros invasores terem construído suas casas e, depois, vendido para os atuais moradores. 

Dois projetos ficaram inviabilizados devido a essa ocupação irregular. Um deles é a construção de um túnel que ligaria as zonas norte e sul da cidade e o outro é transformação da área em um parque. Além dessas duas questões, a invasão, assim como qualquer outra, causa mais transtornos para o governo municipal, como a desvalorização da área e os problemas sociais como falta de saneamento básico e arruamento.  “Qualquer invasão é nociva para a sociedade” avalia Almeida.

 
 
Moradores gostam de viver no local
 

 Os moradores da Gare têm uma rotina como em qualquer outro bairro da cidade: acordam cedo, alguns cuidam dos afazeres domésticos e outros saem para trabalhar. Pelos mais diversos motivos essas pessoas resolveram arriscar e tentar uma vida nessa ocupação. A dona-de-casa Cristiane Rosa, 23 anos, morava em Camobi e incentivada pela cunhada resolveu construir uma casa com seu marido Jeremias Ferreira, atualmente desempregado. Cristiane mora na invasão há quatro anos e tem uma filha de cinco que está na pré-escola do Colégio João Linque Sobrinho. Cristiane gosta muito de morar na invasão, o único problema é a falta de segurança. Ela declara que nas mediações do prédio da Gare existem muitos marginais que utilizam os vagões abandonados para se esconder e usar drogas. Sua vizinha, Alzira Silva, 44 anos, também reclama da falta de segurança e diz que sua irmã já foi assaltada no prédio da estação ferroviária. “À noite é muito escuro, por isso é perigoso” avaliou Alzira.

O técnico em engenharia eletrônica, Pedro Oliveira, fala que as condições de moradia melhoraram bastante desde que foi morar na ocupação há quatro anos. “Melhorou 100%”, releva Oliveira, que mora com os três filhos, todos estudantes, o mais novo e o do meio estudam na Escola Coronel Pillar e o filho mais velho é acadêmico do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 
O ex-jogador de futebol, pelo Inter de Santa Maria, Valmir Sales, mora há dois anos na invasão e não tem pretensão de sair, a exemplo dos demais entrevistados. Há quatro meses, ele levou sua mulher, Layane de Ávila, e sua filha de seis meses para morarem com ele. Sales abandonou a carreira de jogador de futebol e arranjou um emprego de mecânico porque queria algo de maior estabilidade. 
 

Fotos: Núcleo de Fotografia e Memória da Unifra (Mariana Coradini)

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 Invasões em prédios e terrenos públicos ou privados são comuns em cidades de porte médio no Brasil. Em Santa Maria, isso também acontece. Há pouco mais de cinco anos, teve início a invasão da Gare da Estação Férrea. Essa ocupação, em particular, difere das demais por causa do nível de construção das casas, por ficarem nos fundos de um prédio histórico e em uma área considerada nobre. O terreno, atualmente, pertence à Prefeitura Municipal de Santa Maria.

Essa ocupação irregular teve início em meados de 2000. No começo, a infra-estrutura do local era precária, mas no decorrer dos seus seis anos de existência recebeu algumas melhorias como abastecimento de água, luz elétrica e algumas casas, que têm rede de esgoto.  Segundo o assessor jurídico da Secretaria de Habitação, Robinson Almeida, as famílias haviam solicitado à Prefeitura ligações de água, mas o pedido foi negado. Mais tarde, uma decisão judicial autorizou a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) a fornecer água para aquela área. Almeida desconhece de onde provem o fornecimento de luz elétrica, mas os moradores da invasão assumem sem constrangimento que fazem “gato”, crime previsto no artigo 155 do Código Penal Brasileiro, com pena de um a quatro anos de prisão e multa. 

 Perante uma autorização judicial, a Secretaria de Habitação do Município está fazendo uma pesquisa socioeconômica para verificar dados dos moradores, como renda e condições de habitação. Esse levantamento, comandado pelo gerente de produção habitacional da Secretaria, Alceu Bitencurt, não abrange todas as casas da invasão, mas apenas as 63 moradias que estão no curso do túnel que será construído no local para ligar a Avenida Rio Branco e a Travessa Ferreira Pinto.  

Apesar de ainda não estar concluída, a pesquisa é bastante reveladora e mostra, por exemplo, que as casas construídas ali encaixam-se num nível de razoável a bom e que nenhuma caracteriza uma favela. “Graças à autorização judicial que o município teve para fazer o levantamento das famílias atingidas pelo túnel, a nossa equipe encontrou casas com automóvel, motocicleta e caminhonetes. São famílias que têm veículo e estão querendo agora se adonar de um terreno do município e teriam condições de pagar um aluguel ou construir em uma outra área, em um outro local” avalia Almeida. Bitencurt também garante que a maioria das famílias não é carente e que isso pode ser percebido pelo padrão das construções, que são de alvenaria e têm aberturas de qualidade.

Além desses dados, foi constatado que alguns moradores já haviam recebido lotes em um outro local. “Temos informações que algumas pessoas têm condições de construir suas casas fora daquele lugar. Pessoas já receberam lotes da prefeitura em outras regiões, ou seja, são reincidentes” constata o diretor geral da Secretaria de Habitação, Élvio San Felice.  

Por enquanto, não existe nenhum processo para remover as famílias que vivem na invasão. Os moradores não podem ser retirados de lá sem que antes a Prefeitura, através da Secretaria de Habitação, encontre uma área alternativa. “Não tem processo de tirar família. Nós estamos fazendo um levantamento e, a partir daí, se por decisão judicial ficar definido que a construção do túnel é fundamental e que para sua concretização essas pessoas deverão sair, provavelmente acontecerá um acordo entre a justiça, as famílias e a Prefeitura. Para retirá-los, precisaríamos encontrar uma área em um outro local, mas apenas para aqueles que são realmente carentes” pondera Felice.

Aqueles que já haviam recebido ajuda da Prefeitura terão “que se virar”  diz o assessor jurídico da Secretaria. Caso não se encontre uma área alternativa, o poder judiciário, ao considerar a função social da propriedade e o direito a moradia, pode condicionar o suprimento da ordem judicial àqueles que são carentes. “Nós estamos mais ou menos nos preparando para essa realidade, mas ainda não tem nada decidido” afirma o assessor. Outro dado intrigante é o fato de alguns dos primeiros invasores terem construído suas casas e, depois, vendido para os atuais moradores. 

Dois projetos ficaram inviabilizados devido a essa ocupação irregular. Um deles é a construção de um túnel que ligaria as zonas norte e sul da cidade e o outro é transformação da área em um parque. Além dessas duas questões, a invasão, assim como qualquer outra, causa mais transtornos para o governo municipal, como a desvalorização da área e os problemas sociais como falta de saneamento básico e arruamento.  “Qualquer invasão é nociva para a sociedade” avalia Almeida.

 
 
Moradores gostam de viver no local
 

 Os moradores da Gare têm uma rotina como em qualquer outro bairro da cidade: acordam cedo, alguns cuidam dos afazeres domésticos e outros saem para trabalhar. Pelos mais diversos motivos essas pessoas resolveram arriscar e tentar uma vida nessa ocupação. A dona-de-casa Cristiane Rosa, 23 anos, morava em Camobi e incentivada pela cunhada resolveu construir uma casa com seu marido Jeremias Ferreira, atualmente desempregado. Cristiane mora na invasão há quatro anos e tem uma filha de cinco que está na pré-escola do Colégio João Linque Sobrinho. Cristiane gosta muito de morar na invasão, o único problema é a falta de segurança. Ela declara que nas mediações do prédio da Gare existem muitos marginais que utilizam os vagões abandonados para se esconder e usar drogas. Sua vizinha, Alzira Silva, 44 anos, também reclama da falta de segurança e diz que sua irmã já foi assaltada no prédio da estação ferroviária. “À noite é muito escuro, por isso é perigoso” avaliou Alzira.

O técnico em engenharia eletrônica, Pedro Oliveira, fala que as condições de moradia melhoraram bastante desde que foi morar na ocupação há quatro anos. “Melhorou 100%”, releva Oliveira, que mora com os três filhos, todos estudantes, o mais novo e o do meio estudam na Escola Coronel Pillar e o filho mais velho é acadêmico do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 
O ex-jogador de futebol, pelo Inter de Santa Maria, Valmir Sales, mora há dois anos na invasão e não tem pretensão de sair, a exemplo dos demais entrevistados. Há quatro meses, ele levou sua mulher, Layane de Ávila, e sua filha de seis meses para morarem com ele. Sales abandonou a carreira de jogador de futebol e arranjou um emprego de mecânico porque queria algo de maior estabilidade. 
 

Fotos: Núcleo de Fotografia e Memória da Unifra (Mariana Coradini)