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Pelo fim da violência contra as mulheres

No primeiro semestre de 2005, o Correio Braziliense noticiou 30 casos de violência contra mulheres, sendo 60%, homicídios. A maioria dessas mortes (61% delas) foi provocada por homens com quem a vítima tinha (ou teve) vínculo afetivo ou de parentesco (inclusive irmão e filho), ou por conhecido. Em segundo lugar, esteve a violência sexual (17% dos casos).

Neste oito de março perguntamos: a violência contra as mulheres é coisa do passado? O projeto Violência contra as Mulheres no DF, desenvolvido pelo Fórum de Mulheres do Distrito Federal por Joelma Cezário e Melissa Navarro, com apoio da Articulação de Mulheres Brasileiras, responde a essa pergunta. As fontes consultadas foram o Correio Braziliense, a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam-DF) e a Casa Abrigo de Mulheres Vítimas de Violência, ligada ao Conselho dos Direitos da Mulher–DF. Eis alguns dados por elas organizados.

No primeiro semestre de 2005, o Correio Braziliense noticiou 30 casos de violência contra mulheres, sendo 60%, homicídios. A maioria dessas mortes (61% delas) foi provocada por homens com quem a vítima tinha (ou teve) vínculo afetivo ou de parentesco (inclusive irmão e filho), ou por conhecido. Em segundo lugar, esteve a violência sexual (17% dos casos).

A Deam registrou 4.561 ocorrências, no ano de 2005, destacando-se 56,9% (2.482 casos) de ameaças e 34,3% (1.499 casos) de lesões corporais. A violência é progressiva: avança da ameaça ao espancamento, chegando, em alguns casos, ao assassinato. A violência doméstica e familiar compõe-se de um ciclo perverso, tendendo a se repetir cada vez com maior intensidade e em menor intervalo de tempo. Assim, a alta incidência de ameaças nos indica grande número de mulheres vivendo sob riscos à saúde física e psíquica e a suas vidas.

A Casa Abrigo registrou, entre 2000 e 2004, 1.706 mulheres e crianças demandantes de seus serviços, em situação de extrema violência em suas casas. O Disque-Denúncia do CDM-DF fez 1.296 atendimentos, em 2004. O Disque Violência Contra a Mulher, implantado em 25 de novembro de 2005, pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, recebe, diariamente, entre 1.200 e 1.300 denúncias.

Há 30 anos, o assassinato de Ângela Diniz pelo marido, Doca Street, mobilizou as mulheres a retirarem do silêncio essa violência, com o objetivo de combatê-la e eliminá-la. Há 30 anos, a violência contra as mulheres brasileiras resiste. Que democracia pode conviver com a realidade retratada em dados persistentes e alarmantes de violência contra suas cidadãs?

O Estado brasileiro constitucionalizou, em 1988, compromisso de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares (art. 226, parágrafo 8º). Pelos resultados da pesquisa, o preceito não vem sendo cumprindo. .

O Estado brasileiro assumiu compromissos internacionais, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw), ratificada pelo Brasil em 1984, com reservas, levantadas dez anos depois. Essa convenção estabeleceu a possibilidade de os Estados serem responsabilizados por deixarem de agir com diligência para prevenir violações de direitos e punir atos de violência privada. O país ratificou a Convenção de Belém do Pará, que declara em seu preâmbulo: “A violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais; constitui ofensa contra a dignidade humana e é manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens”.

Constatamos resistência de um Estado patriarcal a honrar compromissos assumidos em instrumentos para promover o direito das mulheres a uma vida livre de violência — resistência à efetiva implementação das leis. O que constitui uma forma de violência institucional.

A não efetividade das leis, a tolerância com que as diversas formas de violência contra as mulheres vêm sendo tratadas, a perspectiva de impunidade com que contam os agressores reafirmam e, no limite, legitimam padrões patriarcais de convivência entre mulheres e homens. Os números da violência contra as mulheres não caem nem na capital, nem no país, revelando a forte resistência da sociedade e do Estado a mudanças substantivas. A persistência dos números fala de uma ordem social patriarcal que se reconfigura, resistindo, entretanto, a se transformar. A violência contra as mulheres é um dos núcleos duros do patriarcalismo.

* Ana Liési Thurler é doutora em sociologia pela UNB e integrante do Fórum de Mulheres do Distrito Federal, e autorizou a publicação deste artigo, tb divvulgado hoje no jornal Correio Braziliense. No próximo dia 10, ela estará na Unifra  proferindo palestra.

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No primeiro semestre de 2005, o Correio Braziliense noticiou 30 casos de violência contra mulheres, sendo 60%, homicídios. A maioria dessas mortes (61% delas) foi provocada por homens com quem a vítima tinha (ou teve) vínculo afetivo ou de parentesco (inclusive irmão e filho), ou por conhecido. Em segundo lugar, esteve a violência sexual (17% dos casos).

Neste oito de março perguntamos: a violência contra as mulheres é coisa do passado? O projeto Violência contra as Mulheres no DF, desenvolvido pelo Fórum de Mulheres do Distrito Federal por Joelma Cezário e Melissa Navarro, com apoio da Articulação de Mulheres Brasileiras, responde a essa pergunta. As fontes consultadas foram o Correio Braziliense, a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam-DF) e a Casa Abrigo de Mulheres Vítimas de Violência, ligada ao Conselho dos Direitos da Mulher–DF. Eis alguns dados por elas organizados.

No primeiro semestre de 2005, o Correio Braziliense noticiou 30 casos de violência contra mulheres, sendo 60%, homicídios. A maioria dessas mortes (61% delas) foi provocada por homens com quem a vítima tinha (ou teve) vínculo afetivo ou de parentesco (inclusive irmão e filho), ou por conhecido. Em segundo lugar, esteve a violência sexual (17% dos casos).

A Deam registrou 4.561 ocorrências, no ano de 2005, destacando-se 56,9% (2.482 casos) de ameaças e 34,3% (1.499 casos) de lesões corporais. A violência é progressiva: avança da ameaça ao espancamento, chegando, em alguns casos, ao assassinato. A violência doméstica e familiar compõe-se de um ciclo perverso, tendendo a se repetir cada vez com maior intensidade e em menor intervalo de tempo. Assim, a alta incidência de ameaças nos indica grande número de mulheres vivendo sob riscos à saúde física e psíquica e a suas vidas.

A Casa Abrigo registrou, entre 2000 e 2004, 1.706 mulheres e crianças demandantes de seus serviços, em situação de extrema violência em suas casas. O Disque-Denúncia do CDM-DF fez 1.296 atendimentos, em 2004. O Disque Violência Contra a Mulher, implantado em 25 de novembro de 2005, pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, recebe, diariamente, entre 1.200 e 1.300 denúncias.

Há 30 anos, o assassinato de Ângela Diniz pelo marido, Doca Street, mobilizou as mulheres a retirarem do silêncio essa violência, com o objetivo de combatê-la e eliminá-la. Há 30 anos, a violência contra as mulheres brasileiras resiste. Que democracia pode conviver com a realidade retratada em dados persistentes e alarmantes de violência contra suas cidadãs?

O Estado brasileiro constitucionalizou, em 1988, compromisso de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares (art. 226, parágrafo 8º). Pelos resultados da pesquisa, o preceito não vem sendo cumprindo. .

O Estado brasileiro assumiu compromissos internacionais, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw), ratificada pelo Brasil em 1984, com reservas, levantadas dez anos depois. Essa convenção estabeleceu a possibilidade de os Estados serem responsabilizados por deixarem de agir com diligência para prevenir violações de direitos e punir atos de violência privada. O país ratificou a Convenção de Belém do Pará, que declara em seu preâmbulo: “A violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais; constitui ofensa contra a dignidade humana e é manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens”.

Constatamos resistência de um Estado patriarcal a honrar compromissos assumidos em instrumentos para promover o direito das mulheres a uma vida livre de violência — resistência à efetiva implementação das leis. O que constitui uma forma de violência institucional.

A não efetividade das leis, a tolerância com que as diversas formas de violência contra as mulheres vêm sendo tratadas, a perspectiva de impunidade com que contam os agressores reafirmam e, no limite, legitimam padrões patriarcais de convivência entre mulheres e homens. Os números da violência contra as mulheres não caem nem na capital, nem no país, revelando a forte resistência da sociedade e do Estado a mudanças substantivas. A persistência dos números fala de uma ordem social patriarcal que se reconfigura, resistindo, entretanto, a se transformar. A violência contra as mulheres é um dos núcleos duros do patriarcalismo.

* Ana Liési Thurler é doutora em sociologia pela UNB e integrante do Fórum de Mulheres do Distrito Federal, e autorizou a publicação deste artigo, tb divvulgado hoje no jornal Correio Braziliense. No próximo dia 10, ela estará na Unifra  proferindo palestra.