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Santa Maria, RS, Brazil

Lixo compactado, pode ser separado?

 150 anos e 250 mil habitantes. Disso, Santa Maria se orgulha. O ano para ficar para a História também lança uma “nova” coleta de lixo. Coleta seletiva para mostrar a preocupação da cidade universitária com o meio ambiente?  Não. Apenas outra forma de recolher o lixo com utilização de contêineres.

 

Opinião especializada
 A maior parte do lixo urbano é orgânico. O sistema de coleta de lixo implantado, não só mistura todos os tipos de resíduos, como os compacta, o que impede a triagem, segundo a química especialista em resíduos e profª de Química na Universidade Federal de Santa Maria, Marta Tocchetto . Depois de compactado, o que seria reciclável se torna inviável de reutilizar. O resíduo perde o valor se estiver sujo ou contaminado: “É para fazer confusão mental dizer que separam o lixo”, afirma Marta.

A professora explica que há uma enorme quantidade de resíduos perigosos, como remédios e pilhas descartados. Quando um não-perigoso, como papel, entra em contato com os perigosos, se torna perigoso também. “É papo furado dizer que separam porque é caro e dispendioso. Imagina limpar e separar tudo! O custo operacional é grande. É um absurdo compactar e querer fazer triagem”, enfatiza Marta, cuja tese de doutorado é sobre implantação de gestão ambiental.

Apesar de todo investimento feito nos equipamentos, para a professora de Química, a cidade não evoluiu e o dinheiro foi desperdiçado: “A preocupação foi comprar os contêineres. Poderia ter sido pensado outro sistema em que o lixo pudesse ser separado. O meio ambiente não é prioridade”.

É dever do poder público se preocupar com a qualidade de vida da população, ambiental e redução de custos. Já as pessoas, deveriam refletir sobre a quantidade de lixo que produzem. Marta alega que “a comunidade também falhou ao não exigir a coleta seletiva”. A especialista em resíduos defende que deveriam ser implantadas, aos poucos, medidas educativas para a coleta seletiva: “Assim, vejo desperdício e falta de visão ambiental”.
Mudar hábitos é ter consciência do quanto o meio ambiente é importante. “Não acho que seja fácil mudar a educação, mas deve haver interesse que isso ocorra. As pessoas devem ser conscientizadas. O que eles querem é coletar mais lixo, para ganhar. A vontade é menor que a dificuldade”, lamenta Marta.
O novo sistema é prático, é só jogar o lixo dentro, “mas só favorece a empresa”, afirma Marta. “A proposta é exclusivamente criar facilidade para a empresa recolher o lixo. A rota é menor, de fácil percurso, o lixo fica reunido em menores quantidades, são menos paradas, reduz consumo de combustível dos caminhões e os postos de trabalho”, argumenta.
O que pensa a comunidade

A acadêmica de Arquitetura e Urbanismo Taís Finamor, 19 anos, diz que: “É até interessante a tal implantação do novo sistema no que diz respeito a poder depositar o lixo a qualquer horário, e ao fato da cidade, teoricamente, ficar mais limpa. Porém o sistema se torna falho uma vez que não foi implantada a separação do lixo. Não é tão útil como poderia ser se fosse implantado a coleta seletiva de lixo”.

O pintor Alexandro Sarturi, 27 anos, gostou do sistema implantado no centro, pois onde mora foi beneficiado: “Foi bom porque agora as vilas ficam mais limpas, mais lixeiros recolhem lá e mais seguido, às vezes ficava dois ou três dias sem passar o caminhão do lixo. Me preocupei quando vi os contêineres porque tenho amigos lixeiros, mas eles foram mandados para outros lugares”, conta o morador do bairro São João.

O acadêmico de Odontologia, Murilo Grehs, 21 anos, conta que separa o lixo em casa, mas tudo é largado junto na lixeira. “Até Santo Ângelo tem coleta seletiva há anos e Santa Maria não tem!”.

Acadêmica de Engenharia Florestal, Daniele Ghellar, 19 anos, costumava separar o lixo até que viu o zelador do prédio misturar tudo: “É uma palhaçada não ter coleta seletiva, em uma cidade do tamanho que é”.

O que pensam os catadores

 A facilidade alegada, que a comunidade pode depositar o lixo a qualquer hora, não é novidade, muitos moradores já depositavam o lixo quando desejavam. A diferença é que agora o lixo fica protegido. Isso, não há duvida. Mas protegem também de quem sobrevive dele, como os catadores. Alguns entram dentro dos contêineres, em meio a todo lixo, para procurar o que pode ser reutilizado. Uma forma de coleta desumana.

Uma catadora, de 44 anos, que não quis se identificar, afirma que os contêineres são ruins para retirar o material. A moradora do bairro Caturrita conta que recolhe resíduos recicláveis para o depósito do lixão: “Por isso eles têm lixo seco. Mas tem muita gente que não conseguiu a vaga”. Com um gancho improvisado, feito com cabo de vassoura e arames, mexe no lixo dentro do contêiner: “Nunca entrei dentro do contêiner, é muito fedorento lá dentro, mas tem gente que entra, acho horrível. Coitados”, diz.

O catador Carlos Roberto Gomes, 41 anos, conta que é mais perigoso do que nas lixeiras: “É muita coisa misturada, às vezes, entro dentro do contêiner. Lá é mais escuro, já me cortei várias vezes. Isso não vai dar certo”. Ele vende o que pode ser reciclado para uma usina de reciclagem na vila Goiânia. “Se as pessoas tivessem consciência, também do nosso trabalho, separariam o lixo. Isso seria bom pra todo mundo”, lamenta.

A catadora Eni Barbosa Petes, é analfabeta e não sabe sua idade, vem todo dia da vila Oliveira, onde mora, para o centro recolher resíduos recicláveis: “Nada é difícil para mim, mas se as pessoas pelo menos separassem o lixo, ficaria mais fácil”. Ela recolhe jornais, galão de plástico e papéis: “Na lixeira rasgava as sacolas do lixo e tinha que juntar o que caía, com o contêiner ficou até bom, é só jogar tudo para dentro”, confessa.

 

Fotos: Ariéli Ziegler e Rodrigo Simões (Laboratorio de Fotografia e Memória / acadêmico de Jornalismo)

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 150 anos e 250 mil habitantes. Disso, Santa Maria se orgulha. O ano para ficar para a História também lança uma “nova” coleta de lixo. Coleta seletiva para mostrar a preocupação da cidade universitária com o meio ambiente?  Não. Apenas outra forma de recolher o lixo com utilização de contêineres.

 

Opinião especializada
 A maior parte do lixo urbano é orgânico. O sistema de coleta de lixo implantado, não só mistura todos os tipos de resíduos, como os compacta, o que impede a triagem, segundo a química especialista em resíduos e profª de Química na Universidade Federal de Santa Maria, Marta Tocchetto . Depois de compactado, o que seria reciclável se torna inviável de reutilizar. O resíduo perde o valor se estiver sujo ou contaminado: “É para fazer confusão mental dizer que separam o lixo”, afirma Marta.

A professora explica que há uma enorme quantidade de resíduos perigosos, como remédios e pilhas descartados. Quando um não-perigoso, como papel, entra em contato com os perigosos, se torna perigoso também. “É papo furado dizer que separam porque é caro e dispendioso. Imagina limpar e separar tudo! O custo operacional é grande. É um absurdo compactar e querer fazer triagem”, enfatiza Marta, cuja tese de doutorado é sobre implantação de gestão ambiental.

Apesar de todo investimento feito nos equipamentos, para a professora de Química, a cidade não evoluiu e o dinheiro foi desperdiçado: “A preocupação foi comprar os contêineres. Poderia ter sido pensado outro sistema em que o lixo pudesse ser separado. O meio ambiente não é prioridade”.

É dever do poder público se preocupar com a qualidade de vida da população, ambiental e redução de custos. Já as pessoas, deveriam refletir sobre a quantidade de lixo que produzem. Marta alega que “a comunidade também falhou ao não exigir a coleta seletiva”. A especialista em resíduos defende que deveriam ser implantadas, aos poucos, medidas educativas para a coleta seletiva: “Assim, vejo desperdício e falta de visão ambiental”.
Mudar hábitos é ter consciência do quanto o meio ambiente é importante. “Não acho que seja fácil mudar a educação, mas deve haver interesse que isso ocorra. As pessoas devem ser conscientizadas. O que eles querem é coletar mais lixo, para ganhar. A vontade é menor que a dificuldade”, lamenta Marta.
O novo sistema é prático, é só jogar o lixo dentro, “mas só favorece a empresa”, afirma Marta. “A proposta é exclusivamente criar facilidade para a empresa recolher o lixo. A rota é menor, de fácil percurso, o lixo fica reunido em menores quantidades, são menos paradas, reduz consumo de combustível dos caminhões e os postos de trabalho”, argumenta.
O que pensa a comunidade

A acadêmica de Arquitetura e Urbanismo Taís Finamor, 19 anos, diz que: “É até interessante a tal implantação do novo sistema no que diz respeito a poder depositar o lixo a qualquer horário, e ao fato da cidade, teoricamente, ficar mais limpa. Porém o sistema se torna falho uma vez que não foi implantada a separação do lixo. Não é tão útil como poderia ser se fosse implantado a coleta seletiva de lixo”.

O pintor Alexandro Sarturi, 27 anos, gostou do sistema implantado no centro, pois onde mora foi beneficiado: “Foi bom porque agora as vilas ficam mais limpas, mais lixeiros recolhem lá e mais seguido, às vezes ficava dois ou três dias sem passar o caminhão do lixo. Me preocupei quando vi os contêineres porque tenho amigos lixeiros, mas eles foram mandados para outros lugares”, conta o morador do bairro São João.

O acadêmico de Odontologia, Murilo Grehs, 21 anos, conta que separa o lixo em casa, mas tudo é largado junto na lixeira. “Até Santo Ângelo tem coleta seletiva há anos e Santa Maria não tem!”.

Acadêmica de Engenharia Florestal, Daniele Ghellar, 19 anos, costumava separar o lixo até que viu o zelador do prédio misturar tudo: “É uma palhaçada não ter coleta seletiva, em uma cidade do tamanho que é”.

O que pensam os catadores

 A facilidade alegada, que a comunidade pode depositar o lixo a qualquer hora, não é novidade, muitos moradores já depositavam o lixo quando desejavam. A diferença é que agora o lixo fica protegido. Isso, não há duvida. Mas protegem também de quem sobrevive dele, como os catadores. Alguns entram dentro dos contêineres, em meio a todo lixo, para procurar o que pode ser reutilizado. Uma forma de coleta desumana.

Uma catadora, de 44 anos, que não quis se identificar, afirma que os contêineres são ruins para retirar o material. A moradora do bairro Caturrita conta que recolhe resíduos recicláveis para o depósito do lixão: “Por isso eles têm lixo seco. Mas tem muita gente que não conseguiu a vaga”. Com um gancho improvisado, feito com cabo de vassoura e arames, mexe no lixo dentro do contêiner: “Nunca entrei dentro do contêiner, é muito fedorento lá dentro, mas tem gente que entra, acho horrível. Coitados”, diz.

O catador Carlos Roberto Gomes, 41 anos, conta que é mais perigoso do que nas lixeiras: “É muita coisa misturada, às vezes, entro dentro do contêiner. Lá é mais escuro, já me cortei várias vezes. Isso não vai dar certo”. Ele vende o que pode ser reciclado para uma usina de reciclagem na vila Goiânia. “Se as pessoas tivessem consciência, também do nosso trabalho, separariam o lixo. Isso seria bom pra todo mundo”, lamenta.

A catadora Eni Barbosa Petes, é analfabeta e não sabe sua idade, vem todo dia da vila Oliveira, onde mora, para o centro recolher resíduos recicláveis: “Nada é difícil para mim, mas se as pessoas pelo menos separassem o lixo, ficaria mais fácil”. Ela recolhe jornais, galão de plástico e papéis: “Na lixeira rasgava as sacolas do lixo e tinha que juntar o que caía, com o contêiner ficou até bom, é só jogar tudo para dentro”, confessa.

 

Fotos: Ariéli Ziegler e Rodrigo Simões (Laboratorio de Fotografia e Memória / acadêmico de Jornalismo)