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Santa Maria, RS, Brazil

Receita de diploma

Não escolhi fazer jornalismo porque tinha um diploma para pegar no final.

Ingredientes

Quando olhei meu diploma na manhã do dia 18 de junho, chorei. Lembrei que também chorei quando fui buscá-lo no dia da minha formatura.

Dois momentos antagônicos que se chocaram por força da esdrúxula decisão dos senhores ministro do Supremo.

Não escolhi fazer jornalismo porque tinha um diploma para pegar no final. Minhas motivações foram outras. Junto com elas, uma boa dose de ideologias juvenis – que se aperfeiçoam, mas não morrem.

Três dias depois da decisão do STJ, muita discussão, muitos blogs, muitas charges, reeditei a incredulidade que me tomou naquele momento.

São estas as minhas reflexões.

Vamos colocar a farinha:

Quem deve, teme sim. E deve temer ainda mais quando existe um conjunto de profissionais preparados para remover montanhas. Por isso, melhor sem faculdade, sem diploma, sem academia. Que dependam das benesses de quem pode indicá-los para o mercado. Desta forma, ficarão atrelados ao bem feitor (geralmente também com poder e que se verá protegido) sem chance de exercerem livremente o poder de investigar e publicar.

 

Agora o leite:

Falemos em reserva de mercado? Que seja, oras. Mas pergunto, qualquer profissão que perde o poder de categoria tem força para o quê? O nosso sindicado, dos jornalistas, ainda representará uma categoria, agora pulverizada sem mais exigência para exercer a profissão de jornalista? Quem negociará pisos e reajustes? Se já eram ruins, ficarão como? Qual será a regra – objetiva, não ao contrário – para estabelecer o justo critério? Viraremos um ‘bando de puxa sacos’ para garantir reconhecimento, já todos sabem que, frequentemente, nem talento, nem esforço, são parâmetros claros, ou mesmo justos? Vejo o império dos assédios chegando, já que os patronais se livraram sindicatos que os atormentam.

 

Não podem faltar os ovos:

Defendo ferrenhamente a possibilidade de as pessoas se manifestarem, e principalmente, de fazerem isso livremente. Ta ai a Internet, a qual dedico meus estudos de mestrado. A saúde do sistema social depende de pessoas se manifestam, discutem, trocam informações – a tal da esfera pública atuante da qual tanto se fala. Mas, não ter diploma não garante ou melhora o acesso ao mercado de trabalho. Entendo e aceito bem o argumento de que a dependência do diploma para exercer a profissão é uma maneira elitista de se chegar ao mercado de trabalho. Mas, o caminho para se mudar isso não passa pela extinção da comprovação material de término de um curso superior. Muito pelo contrário, caminha pela defesa de mais vagas em universidades públicas, mais dinheiro público investido na qualificação do ensino e pelo incentivo a pesquisa para que se possa discutir questões substanciais. Por mais talento que o cidadão tenha, sem conhecimento, o resultado pode ser trágico.  

 

Bata bem:

Ao alegar estar acabando com um produto da ditadura (a exigência do diploma para exercer a profissão), o senhor relator Ministro Marco Gilmar Mendes, promoveu, na verdade, uma espécie de revanche aos jornalistas deste País. Bem ao tipo: Me ferraram, agora eu ferro vocês. Não achemos que ele “esqueceu” a repercussão negativa (e com razão) do prende-solta travado com Polícia Federal. “No dia 9 de julho, menos de 24 horas após a prisão, o presidente do STF, Gilmar Mendes, decidiu pela liberação do empresário Daniel Dantas, de Verônica Dantas (irmã e parceira de negócios), e de mais nove pessoas presas na terça durante a Operação Satiagraha da Polícia Federal." Isso não se esquece né! E tem mais, muito mais. Lamentável.

Voltado ao diploma, concluo que sim, foi pessoal. Somos dispensáveis quando não há interesse em se dizer o que precisa e deve ser dito. Tanto é que a bárbara comparação com a culinária se explica: para quê usar de um argumento mais bem acabado se quem tem o “rabo preso” conhece o peso de uma matéria investigativa e nunca desaprovaria uma medida que enfraquece o provável denunciante.

 

Pode colocar no forno:

Tomo a liberdade de reproduzir parte do artigo “Muito além do diploma”, do colega jornalista diplomado Muniz Sodré. “A sociedade contemporânea precisa, mais do que nunca, do jornalista. Talvez seja necessário redefinir a sua identidade. E esta exigência aponta para um tipo de "agente mediador" a quem se confie a tarefa de guia no cipoal das informações. Acreditamos que tal guia não surja espontaneamente apenas da própria informação, mas dela juntamente com a formação escolar”.
Portanto, não acho que devemos fazer a discussão sobre a extinção do diploma simplesmente como extração do status quo. Isso é muito pequeno perto da dimensão que a área tem. Se assumimos a profissão, devemos assumir o debate de suas mazelas também, e melhorá-la. Vejo a decisão de se excluir diploma como uma maneira – interessada – de se enfraquecer o jornalismo. Não para o contrário.

Tá pronto o bolo, pode chamar o Gilmar.

Desafio o senhor ministro a fazer uma matéria (com foto) sobre a manifestação que faremos em Porto Alegre, no dia 24 ao meio-dia, na Esquina Democrática.

Será que ele consegue?

 

Gisele Ortolan, jornalista diplomada e mestranda em Ciência Política

 

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Não escolhi fazer jornalismo porque tinha um diploma para pegar no final.

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Quando olhei meu diploma na manhã do dia 18 de junho, chorei. Lembrei que também chorei quando fui buscá-lo no dia da minha formatura.

Dois momentos antagônicos que se chocaram por força da esdrúxula decisão dos senhores ministro do Supremo.

Não escolhi fazer jornalismo porque tinha um diploma para pegar no final. Minhas motivações foram outras. Junto com elas, uma boa dose de ideologias juvenis – que se aperfeiçoam, mas não morrem.

Três dias depois da decisão do STJ, muita discussão, muitos blogs, muitas charges, reeditei a incredulidade que me tomou naquele momento.

São estas as minhas reflexões.

Vamos colocar a farinha:

Quem deve, teme sim. E deve temer ainda mais quando existe um conjunto de profissionais preparados para remover montanhas. Por isso, melhor sem faculdade, sem diploma, sem academia. Que dependam das benesses de quem pode indicá-los para o mercado. Desta forma, ficarão atrelados ao bem feitor (geralmente também com poder e que se verá protegido) sem chance de exercerem livremente o poder de investigar e publicar.

 

Agora o leite:

Falemos em reserva de mercado? Que seja, oras. Mas pergunto, qualquer profissão que perde o poder de categoria tem força para o quê? O nosso sindicado, dos jornalistas, ainda representará uma categoria, agora pulverizada sem mais exigência para exercer a profissão de jornalista? Quem negociará pisos e reajustes? Se já eram ruins, ficarão como? Qual será a regra – objetiva, não ao contrário – para estabelecer o justo critério? Viraremos um ‘bando de puxa sacos’ para garantir reconhecimento, já todos sabem que, frequentemente, nem talento, nem esforço, são parâmetros claros, ou mesmo justos? Vejo o império dos assédios chegando, já que os patronais se livraram sindicatos que os atormentam.

 

Não podem faltar os ovos:

Defendo ferrenhamente a possibilidade de as pessoas se manifestarem, e principalmente, de fazerem isso livremente. Ta ai a Internet, a qual dedico meus estudos de mestrado. A saúde do sistema social depende de pessoas se manifestam, discutem, trocam informações – a tal da esfera pública atuante da qual tanto se fala. Mas, não ter diploma não garante ou melhora o acesso ao mercado de trabalho. Entendo e aceito bem o argumento de que a dependência do diploma para exercer a profissão é uma maneira elitista de se chegar ao mercado de trabalho. Mas, o caminho para se mudar isso não passa pela extinção da comprovação material de término de um curso superior. Muito pelo contrário, caminha pela defesa de mais vagas em universidades públicas, mais dinheiro público investido na qualificação do ensino e pelo incentivo a pesquisa para que se possa discutir questões substanciais. Por mais talento que o cidadão tenha, sem conhecimento, o resultado pode ser trágico.  

 

Bata bem:

Ao alegar estar acabando com um produto da ditadura (a exigência do diploma para exercer a profissão), o senhor relator Ministro Marco Gilmar Mendes, promoveu, na verdade, uma espécie de revanche aos jornalistas deste País. Bem ao tipo: Me ferraram, agora eu ferro vocês. Não achemos que ele “esqueceu” a repercussão negativa (e com razão) do prende-solta travado com Polícia Federal. “No dia 9 de julho, menos de 24 horas após a prisão, o presidente do STF, Gilmar Mendes, decidiu pela liberação do empresário Daniel Dantas, de Verônica Dantas (irmã e parceira de negócios), e de mais nove pessoas presas na terça durante a Operação Satiagraha da Polícia Federal." Isso não se esquece né! E tem mais, muito mais. Lamentável.

Voltado ao diploma, concluo que sim, foi pessoal. Somos dispensáveis quando não há interesse em se dizer o que precisa e deve ser dito. Tanto é que a bárbara comparação com a culinária se explica: para quê usar de um argumento mais bem acabado se quem tem o “rabo preso” conhece o peso de uma matéria investigativa e nunca desaprovaria uma medida que enfraquece o provável denunciante.

 

Pode colocar no forno:

Tomo a liberdade de reproduzir parte do artigo “Muito além do diploma”, do colega jornalista diplomado Muniz Sodré. “A sociedade contemporânea precisa, mais do que nunca, do jornalista. Talvez seja necessário redefinir a sua identidade. E esta exigência aponta para um tipo de "agente mediador" a quem se confie a tarefa de guia no cipoal das informações. Acreditamos que tal guia não surja espontaneamente apenas da própria informação, mas dela juntamente com a formação escolar”.
Portanto, não acho que devemos fazer a discussão sobre a extinção do diploma simplesmente como extração do status quo. Isso é muito pequeno perto da dimensão que a área tem. Se assumimos a profissão, devemos assumir o debate de suas mazelas também, e melhorá-la. Vejo a decisão de se excluir diploma como uma maneira – interessada – de se enfraquecer o jornalismo. Não para o contrário.

Tá pronto o bolo, pode chamar o Gilmar.

Desafio o senhor ministro a fazer uma matéria (com foto) sobre a manifestação que faremos em Porto Alegre, no dia 24 ao meio-dia, na Esquina Democrática.

Será que ele consegue?

 

Gisele Ortolan, jornalista diplomada e mestranda em Ciência Política