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Alcoolismo: um problema de saúde pública

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O alcoolismo é uma doença que mata 2,3 milhões* de pessoas anualmente. As vítimas não percebem a dependência, e há poucos estudos sobre a prevenção. Seus principais sintomas são a depressão, a falta de coordenação motora, a perda de memória, a baixa auto-estima e o isolamento social. O alcoolismo mata no trânsito, dentro das casas e lota hospitais para tratamento das doenças desenvolvidas pelo uso excessivo de álcool.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo de álcool provoca grande problemas de saúde pública. No Brasil, a taxa de mortalidade por doenças associadas ao alcoolismo subiu de 10,7 para 12,64 óbitos por 100 mil habitantes em seis anos, segundo dados da pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde em janeiro de 2009. O tratamento desta população acontece em instituições públicas e privadas e levam recursos enormes do Estado e das famílias. Em Santa Maria existem algumas instituições destinadas para fases diferentes do tratamento contra o alcoolismo. As mais populares, por serem gratuitas, são os Centros de Atendimentos Psicossociais (CAP’S). 

O CAP’S Caminhos do Sol atende adultos com dependência em álcool. A fisioterapeuta Lionara Paim Marinho, coordenadora do Centro, afirma que atualmente a instituição atende 500 paciente em diferente modalidades e que há uma fila de espera de cerca de 600 pessoas. Ela explica que os centros surgiram para substituir o serviço de internação em hospitais psiquiátricos, e que a despesa para manter o CAP’S é de cerca de R$ 35 mil provenientes do Governo Federal: “o valor pode parecer alto, mas não paga toda a estrutura que precisamos. Temos apenas um computador e não temos internet” conta Lionara.

Outro local de tratamento é Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM). Segundo o contador do hospital João Pedro Ferreira Filho, o Serviço de Dependência Química do HUSM (SERDEQUIM) neste ano de 2010 até o mês de setembro foram internados 84 pacientes, sendo 78 homens e seis mulheres: “A ala dispõe de 15 leitos, a demanda é muito grande e a fila de espera é gigantesca”, assume o contador.

 Difícil admitir a dependência A psicóloga Mariane Collares Araújo afirma que a maioria dos seus pacientes começou a beber por influalcool05.jpgência do ambiente onde viviam quando criança. Segundo ela, não há estudos científicos que provem que o meio interfere para uma determinada pessoa ser alcoólatra. Porém, nos relatos ouvidos em seu consultório esta a falta de estrutura familiar como fator recorrente entre os dependentes.

Mariane ressalta que o alcoolismo é uma doença que leva tempo para se caracterizar: “cerca de 90% dos pacientes que chegam aqui bebem há mais de vinte anos. Demora muito tempo para ele se dar conta que é dependente”, afirma a profissional. Para a psicóloga a perda do emprego ou da família – e muitas vezes de ambos – acabam sendo o ponto crucial para despertar a consciência do dependente “porque até então ele só ouvia os familiares e amigos dizerem que ele era alcoólatra, agora o dependente começa a se dar conta que realmente precisa de ajuda”, diz.

Ela faz um alerta para que as pessoas que convivem com supostos dependentes de álcool. “É fácil ver se um indivíduo está se tornando dependente. Primeiro é o consumo desmedido de álcool, é aquele tipo de pessoa que não pára de beber até não ver a última gota da garrafa. Outro fator relevante nesta observação é a auto estima abalada, o dependente tende a se depreciar  gradualmente, o que o leva à depressão e ao isolamento social”, declara a psicóloga que ser realmente fácil notar se alguém próximo é alcoólatra. O difícil é admitir, afirma ela.

 Tratamentos e recaídas A vida de Jair Felipe de Oliveira, 43, pode ser dividida em três etapas: cerveja, uísque e cachaça.

Há dois anos em tratamento no Caps’s Novo, ele conta que começou a beber aos 16 anos: “ Eu trabalhava desde os 12 anos em uma oficina no setor de auto peças. Sempre via o pessoal mais velho bebendo, tinha vontade de ser como eles, estavam sempre fazendo festa e rindo. Neste ramo (mecânica) sempre tem bebida dentro do trabalho, afirma o mecânico. Jair conta que começou a beber em churrascos da empresa: “Eu tomava cerveja. No início eu nem bebia tanto mas com o tempo foi aumentando”.

O mecânico conta que conseguiu reduzir a bebida depois que entrou no quartel. Mesmo chegando à patente de sargento, acabou abandonando a vida militar, porque segundo ele, a noiva evangélica não gostava de “milico”. Depois do casamento Jair ficou seis anos sem beber, teve um casal de filhos, voltou para o ramo de auto peças, sustentava a família e tinha uma vida tranquila. A empresa exigia que ele viajasse com  frequência e em uma dessas viagens Oliveira reencontrou o vício. “ Fui para Caxias e o pessoal lá tem muito costume de beber, nem que seja um copinho de vinho na hora do almoço” declara o mecânico. Quando voltou para Santa Maria já não via o  casamento como antes:”Minha mulher era evangélica, todo dia tinha que chegar em casa do trabalho e ir para o igreja. Eu não aguentava mais fazer isso, queria sair, jogar futebol, tomar uma cerveja com meus colegas de trabalho, mas tinha que ir lá com aqueles crentes” relato o ex fiel.

Segundo Oliveira, o ápice do seu alcoolismo foi quando viajou a Passo Fundo: “Já tinha trocado a cerveja pelo uísque, passei um mês bebendo todos os dias. Não conseguia mais fazer nada. Então minha irmã veio me buscar e me levou para Marabá. Fiquei na casa dela cerca de 45 dias para fugir do círculo vicioso (trabalho e amigos). A separação foi inevitável. “Depois que voltei do norte minha mulher quis se separar. Eu acabei indo para Santa Catarina,  lá substituí o uísque pela cachaça”. 

Lá, Jair começou a beber pela manhã e pediu demissão da empresa onde trabalhava porque sentia que o trabalho estava atrapalhando seu vício: “ Resolvi voltar para Santa Maria e abrir uma oficina com mais dois amigos (também alcoólatras), assim o negócio era meu e eu poderia beber quando eu quisesse”. 

O mecânico só procurou ajuda por insistência da irmã. Ficou internado na ala psiquiátrica do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM) para desintoxicação e depois seguiu tratamento no Cap’s Novo. “Passei a tomar antidepressivo e outros medicamentos. Continuei trabalhando, vendo meus filhos, mas muita gente sumiu. Existe muito amigo na hora em que se está bebendo, na hora do aperto só fica a família”, declara Oliveira, que recentemente teve uma recaída e ficou três dias bebendo continuamente. 

João Pedro Ferreira Filho,  do HUSM. relata que casos iguais ao do Jair são comuns. Dificilmente o dependente será internado apenas uma vez. É uma luta sem previsão de final.

 O psiquiatra Carlos Biavaschi diz que os alcoólatras "pesados" desenvolvem algum problalcool04.jpgema grave de memória. O cérebro do dependente pode desenvolver a  Síndrome Wernicke-Korsakoff (SWK) ou a demência alcoólica. A SWK é caracterizada por descoordenação motora, movimentos oculares rítmicos (como se estivesse lendo) e paralisia de certos músculos oculares. O psiquiatra explica que a demência alcoólica pode provocar lesões difusas no cérebro prejudicando além da memória a capacidade de julgamento, a personalidade pode se alterar, o comportamento como um todo fica prejudicado.

Violência doméstica A delegada da Delegacia Polícia da Mulher de Santa Maria Débora Dias afirma que as agressões ocorrem três vezes mais na casas onde a bebida está presente: “O alcoolismo é um problema de saúde, mas também é caso de polícia, 87% das ocorrências de violência doméstica estão relacionadas ao álcool”, relata da delegada. Ela ressalta que a maioria das mulheres que são agredidas são esposas dos dependentes: “90% é casada como agressor, mas também vem aqui mães, irmãs e vizinhas que são agredidas por alcoólatras”, conta Débora Dias, que afirma se sentir abalada até hoje quando um caso de agressão se torna homicídio sem que ela pudesse ter ajudado a vítima.

 

Fotos: Augusto Coelho – Laboratório de Fotografia e Memória

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O alcoolismo é uma doença que mata 2,3 milhões* de pessoas anualmente. As vítimas não percebem a dependência, e há poucos estudos sobre a prevenção. Seus principais sintomas são a depressão, a falta de coordenação motora, a perda de memória, a baixa auto-estima e o isolamento social. O alcoolismo mata no trânsito, dentro das casas e lota hospitais para tratamento das doenças desenvolvidas pelo uso excessivo de álcool.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo de álcool provoca grande problemas de saúde pública. No Brasil, a taxa de mortalidade por doenças associadas ao alcoolismo subiu de 10,7 para 12,64 óbitos por 100 mil habitantes em seis anos, segundo dados da pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde em janeiro de 2009. O tratamento desta população acontece em instituições públicas e privadas e levam recursos enormes do Estado e das famílias. Em Santa Maria existem algumas instituições destinadas para fases diferentes do tratamento contra o alcoolismo. As mais populares, por serem gratuitas, são os Centros de Atendimentos Psicossociais (CAP’S). 

O CAP’S Caminhos do Sol atende adultos com dependência em álcool. A fisioterapeuta Lionara Paim Marinho, coordenadora do Centro, afirma que atualmente a instituição atende 500 paciente em diferente modalidades e que há uma fila de espera de cerca de 600 pessoas. Ela explica que os centros surgiram para substituir o serviço de internação em hospitais psiquiátricos, e que a despesa para manter o CAP’S é de cerca de R$ 35 mil provenientes do Governo Federal: “o valor pode parecer alto, mas não paga toda a estrutura que precisamos. Temos apenas um computador e não temos internet” conta Lionara.

Outro local de tratamento é Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM). Segundo o contador do hospital João Pedro Ferreira Filho, o Serviço de Dependência Química do HUSM (SERDEQUIM) neste ano de 2010 até o mês de setembro foram internados 84 pacientes, sendo 78 homens e seis mulheres: “A ala dispõe de 15 leitos, a demanda é muito grande e a fila de espera é gigantesca”, assume o contador.

 Difícil admitir a dependência A psicóloga Mariane Collares Araújo afirma que a maioria dos seus pacientes começou a beber por influalcool05.jpgência do ambiente onde viviam quando criança. Segundo ela, não há estudos científicos que provem que o meio interfere para uma determinada pessoa ser alcoólatra. Porém, nos relatos ouvidos em seu consultório esta a falta de estrutura familiar como fator recorrente entre os dependentes.

Mariane ressalta que o alcoolismo é uma doença que leva tempo para se caracterizar: “cerca de 90% dos pacientes que chegam aqui bebem há mais de vinte anos. Demora muito tempo para ele se dar conta que é dependente”, afirma a profissional. Para a psicóloga a perda do emprego ou da família – e muitas vezes de ambos – acabam sendo o ponto crucial para despertar a consciência do dependente “porque até então ele só ouvia os familiares e amigos dizerem que ele era alcoólatra, agora o dependente começa a se dar conta que realmente precisa de ajuda”, diz.

Ela faz um alerta para que as pessoas que convivem com supostos dependentes de álcool. “É fácil ver se um indivíduo está se tornando dependente. Primeiro é o consumo desmedido de álcool, é aquele tipo de pessoa que não pára de beber até não ver a última gota da garrafa. Outro fator relevante nesta observação é a auto estima abalada, o dependente tende a se depreciar  gradualmente, o que o leva à depressão e ao isolamento social”, declara a psicóloga que ser realmente fácil notar se alguém próximo é alcoólatra. O difícil é admitir, afirma ela.

 Tratamentos e recaídas A vida de Jair Felipe de Oliveira, 43, pode ser dividida em três etapas: cerveja, uísque e cachaça.

Há dois anos em tratamento no Caps’s Novo, ele conta que começou a beber aos 16 anos: “ Eu trabalhava desde os 12 anos em uma oficina no setor de auto peças. Sempre via o pessoal mais velho bebendo, tinha vontade de ser como eles, estavam sempre fazendo festa e rindo. Neste ramo (mecânica) sempre tem bebida dentro do trabalho, afirma o mecânico. Jair conta que começou a beber em churrascos da empresa: “Eu tomava cerveja. No início eu nem bebia tanto mas com o tempo foi aumentando”.

O mecânico conta que conseguiu reduzir a bebida depois que entrou no quartel. Mesmo chegando à patente de sargento, acabou abandonando a vida militar, porque segundo ele, a noiva evangélica não gostava de “milico”. Depois do casamento Jair ficou seis anos sem beber, teve um casal de filhos, voltou para o ramo de auto peças, sustentava a família e tinha uma vida tranquila. A empresa exigia que ele viajasse com  frequência e em uma dessas viagens Oliveira reencontrou o vício. “ Fui para Caxias e o pessoal lá tem muito costume de beber, nem que seja um copinho de vinho na hora do almoço” declara o mecânico. Quando voltou para Santa Maria já não via o  casamento como antes:”Minha mulher era evangélica, todo dia tinha que chegar em casa do trabalho e ir para o igreja. Eu não aguentava mais fazer isso, queria sair, jogar futebol, tomar uma cerveja com meus colegas de trabalho, mas tinha que ir lá com aqueles crentes” relato o ex fiel.

Segundo Oliveira, o ápice do seu alcoolismo foi quando viajou a Passo Fundo: “Já tinha trocado a cerveja pelo uísque, passei um mês bebendo todos os dias. Não conseguia mais fazer nada. Então minha irmã veio me buscar e me levou para Marabá. Fiquei na casa dela cerca de 45 dias para fugir do círculo vicioso (trabalho e amigos). A separação foi inevitável. “Depois que voltei do norte minha mulher quis se separar. Eu acabei indo para Santa Catarina,  lá substituí o uísque pela cachaça”. 

Lá, Jair começou a beber pela manhã e pediu demissão da empresa onde trabalhava porque sentia que o trabalho estava atrapalhando seu vício: “ Resolvi voltar para Santa Maria e abrir uma oficina com mais dois amigos (também alcoólatras), assim o negócio era meu e eu poderia beber quando eu quisesse”. 

O mecânico só procurou ajuda por insistência da irmã. Ficou internado na ala psiquiátrica do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM) para desintoxicação e depois seguiu tratamento no Cap’s Novo. “Passei a tomar antidepressivo e outros medicamentos. Continuei trabalhando, vendo meus filhos, mas muita gente sumiu. Existe muito amigo na hora em que se está bebendo, na hora do aperto só fica a família”, declara Oliveira, que recentemente teve uma recaída e ficou três dias bebendo continuamente. 

João Pedro Ferreira Filho,  do HUSM. relata que casos iguais ao do Jair são comuns. Dificilmente o dependente será internado apenas uma vez. É uma luta sem previsão de final.

 O psiquiatra Carlos Biavaschi diz que os alcoólatras "pesados" desenvolvem algum problalcool04.jpgema grave de memória. O cérebro do dependente pode desenvolver a  Síndrome Wernicke-Korsakoff (SWK) ou a demência alcoólica. A SWK é caracterizada por descoordenação motora, movimentos oculares rítmicos (como se estivesse lendo) e paralisia de certos músculos oculares. O psiquiatra explica que a demência alcoólica pode provocar lesões difusas no cérebro prejudicando além da memória a capacidade de julgamento, a personalidade pode se alterar, o comportamento como um todo fica prejudicado.

Violência doméstica A delegada da Delegacia Polícia da Mulher de Santa Maria Débora Dias afirma que as agressões ocorrem três vezes mais na casas onde a bebida está presente: “O alcoolismo é um problema de saúde, mas também é caso de polícia, 87% das ocorrências de violência doméstica estão relacionadas ao álcool”, relata da delegada. Ela ressalta que a maioria das mulheres que são agredidas são esposas dos dependentes: “90% é casada como agressor, mas também vem aqui mães, irmãs e vizinhas que são agredidas por alcoólatras”, conta Débora Dias, que afirma se sentir abalada até hoje quando um caso de agressão se torna homicídio sem que ela pudesse ter ajudado a vítima.

 

Fotos: Augusto Coelho – Laboratório de Fotografia e Memória