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Santa Maria, RS, Brazil

Rio Branco: a história e os rumos do coração da cidade

InvestigativoGetúlio Vargas chegou de trem até Camobi, pegou um vagão especial para a estação ferroviária e foi carregado nos braços do povo pela sua extensão, onde uma multidão de pessoas, cheias de entusiasmo, o esperavam sacudindo flores amarelas. Ele não foi uma exceção. Pasqualini, Fernando Ferrari, Salgado Filho, entre outros inúmeros e ilustres viajantes, também entraram e conheceram Santa Maria por ela. Construída para ser o eixo que conduzia à estação férrea, a avenida Rio Branco era o portão de acesso ao município e o símbolo da organização urbana e da pujança socioeconômica da cidade.

No século XIX, as rodovias eram quase inexistentes e ineficazes para viagens médias e longas. Assim, a estrutura da Rio Branco demonstrava a preocupação da comunidade em oferecer como portão de entrada ao município para aqueles que chegavam, uma arejada e ampla via, que simbolizava Santa Maria.

Se um dia ela significou tudo isto à cidade, para quem chega hoje a Santa Maria as impressões são as piores possíveis. No presente ela mais se caracteriza por ser um símbolo da decadência do município. O descaso das autoridades e falta de manutenção fez com que hoje todos os problemas do município possam ser vistos nela: bancos e monumentos mal cuidados, luzes queimadas, comércio de inúmeros produtos ilegais, prostituição, consumo de álcool e outras substâncias ilícitas, falta de segurança, descaso, sujeira, poluição, falta de um plano de arquitetura e urbanismo, moradores de rua, entre tantos outros.

Porém, talvez hoje estejamos em um momento ímpar na história cidade. A prefeitura lançou um plano de revitalização da avenida, que atende os desejos dos moradores e das milhares de pessoas que todos os dias passam por ela. Mas o que realmente a população deseja para essa rua? O que a prefeitura está disposta a fazer? É por meio da história dos personagens dela, moradores e trabalhadores, que vamos tentar mostrar a Rio Branco que o município tinha, a sua situação presente e o que poderá ser feito para que a população a tenha de volta. Porém, sem esquecer que os problemas como os camelôs e a prostituição são problemas sociais maiores, decorrentes muitas vezes da falta de oportunidades e pobreza da cidade e que não podem ser reduzidos a simples troca para outro local para sua resolução.

As lembranças felizes e a esperança de uma nova avenida

Quem contou a história da chegada de Getúlio Vargas à Rio Branco foi a dona Estela Mello, 86 anos, funcionária pública, que há 57 anos mora na avenida. Segundo ela, de lá para cá, as coisas só pioraram. Tirando pelo túnel construído por Evandro Berh, e pela administração de Osvaldo de Nascimento, que fez mudanças na catedral, ela considera que, no restante do tempo, tudo ficou parado. Essa destruição para Elza já dura vinte anos: “Eu não sei com o que se parece, não sei se parece uma vila, porque nunca estive em uma, para mim não passar de um covil, uma coisa que não tem explicação. Uma vergonha”, argumenta.

A avenida de seu tempo e que ela gostaria de rever, é a rua florida, de árvores podadas mensalmente, arbustos, flores e pedras bonitas, estas últimas ‘juntinhas e brancas como as do Rio de Janeiro’’, conta saudosa dona Estela. A avenida dos sonhos da ex-funcionária pública é na verdade a velha boulevard que era a Rio Branco.

“Quero poder ver isso, antes de morrer”

Boulevard? Este é um conceito surgido no século XIX, na França, e inspirou construções de vias públicas no mundo inteiro, entre elas a própria Rio Branco. O termo se referia ao topo reto (passarela) dos muros de cidades medievais, a idéia de fazer uma via ampla com circulação de ar, era diminuir o número de doenças infecciosas ocorridas nos centros urbanos, que até então estavam desordenadas pelo progresso da Revolução Industrial. Também é utilizado para descrever vias de tráfego “elegantemente amplas”.

Elegante é uma palavra que hoje ficaria longe da Rio Branco, mas que porém já esteve lado a lado com ela. Se hoje o que vemos na avenida são casas destruídas pela ação do tempo, antigamente famílias nobres da cidade faziam questão de ter seus palacetes ali. Dona Elza relembra essas casas que frequentava e frequenta até hoje e diz que, embora destruídas por fora, elas trazem um acervo de móveis “como só se vê no palácio do Catete” (que se localiza no Rio de Janeiro) internamente. Para ela, o governo e o município deveriam tombar como patrimônio público estes locais e preservar a memória da cidade.

Progresso: os trilhos inspiraram beleza e arquitetura

A inspiração dessas construções tem explicações na história de Santa Maria. Em 1987 se instalou na cidade a Compaigne Auxiliare des Chémis Du Feaur au Brésil, uma companhia belga que, em parceria com a VFRGS – Viação Férrea do Rio Grande do Sul, executava a construção e a ampliação da malha ferroviária gaúcha. Santa Maria era, nesta época, o principal entroncamento ferroviário do Estado.

Pouca gente sabe, mas naquele tempo a avenida Rio Branco tinha um nome controverso para os dias de hoje: avenida Progresso. Após mudar de nome, e com forte influência do estilo Art Noveau, o espaço foi quase que em totalidade adornado por palacetes nesta tendência, dividindo espaço com imóveis ecléticos e neoclássicos. Durante a boa fase da ferrovia, por volta de 1960, esta característica imobiliária foi sendo substituída por estilos como Protomodernismo e o Art Déco.

Como era a Avenida Rio Branco
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Avenida Rio Branco
Avenida Rio Branco
Avenida Rio Branco
Avenida Rio Branco
Avenida Rio Branco
Avenida Rio Branco
Avenida Rio Branco
 

 

A história da avenida é devorada pelo caos urbano

A avenida Rio Branco tem uma importância histórica inegável para Santa Maria, sua localização parte da área onde se originou a cidade (praça Saldanha Marinho) e tem nas vias perpendiculares, o ínicio do traçado urbano da cidade. Além de hoje não ser mais possível visualizar a bela configuração urbanística e construção arquitetônica tanto em imóveis, quanto em estrutura, fica díficil também de observar as obras de artes que se escondem na avenida. O canteiro central que apresenta difícil visualização é repleto de monumentos, obeliscos, bustos e estátuas que representam e homenageiam diversos ícones e datas importantes pela qual a cidade passou. Ao todo são quinze monumentos escondidos.

Sua configuração urbanística, bela e ordenada, repleta de referenciais arquitetônicos, tanto em seus imóveis quanto em sua estrutura, está totalmente comprometida com a invasão publicitária dos estabelecimentos comerciais.

Além disso, o seu canteiro central era tomado, até o mês de junho, por camelôs e ambulantes, que dominaram o espaço público, impedindo a passagem de transeuntes, bem como a utilização da área para descanso, lazer e a concepção de espaços ajardinados. Complementando, um total desgaste de sua estrutura física, jardinagem e mobiliário urbano determinam a área como um dos locais mais inóspitos da cidade.

“A avenida reflete os problemas do mundo”

Dona Elza, hoje, reclama dos bancos em que não se pode sentar, pois estão podres, e do descaso com a avenida, que para ela é o coração da cidade. Segundo a moradora, se as grandes cidades têm camelódromos fechados, porque isto também não pode acontecer aqui? E ela não está sozinha nesta briga, outros moradores, frequentadores e donos de estabelecimento também reclamam dos camelódromos, um dos principais problemas da avenida, segundo eles.

O lado B da Rio Branco

Apesar da falta de cuidados com a avenida, muitas lojas e estabelecimentos escolhem a rua para colocar seus negócios, devido ao grande movimento e circulação de pessoas. Porém, muitos empreendedores  reclamam da falta de atenção  que os órgãos públicos têm com a avenida, dando principal destaque à limpeza urbana. A área após o cruzamento com a rua Vale Machado é hoje considerada a parte mais crítica da Rio Branco. Devido às diversas casas de prostituição e falta de iluminação, esta é considerada a pior zona da avenida.

O gerente de um supermercado localizado nesta área, entre a Vale Machado e a Dauth, Derli Parode Barroso, 59 anos, reclama da localização de seu estabelecimento, que fica próximo a várias casas de prostituição. Segundo ele, as pessoas têm uma imagem negativa da área: “Seria bom se resolvessem os problemas, muitos clientes não se sentem à vontade de vir por causa da vizinhança, ela passa uma imagem negativa e muitas pessoas não andam por aqui”, conta ele. Apesar disto, ele argumenta que procura ter uma relação amigável com os vizinhos.

Violência e prostituição à luz do dia

Outra queixa que o gerente destaca é a falta de segurança para moradores e estabelecimentos comerciais: “Muitas vezes tenho que parar de trabalhar para cuidar da segurança, tem que tá sempre cuidando pra não dar chance, pois já fomos assaltados”.  Quanto à arquitetura da cidade, o gerente argumenta que é muito bonita, porém ela não aparece. Ele salienta que poderia haver um projeto que valorizasse uma revitalização que trouxesse benefícios para esse ‘cartão postal’.

Enquanto que para uns as famosas casas noturnas atrapalham o movimento, para outros é o contrário. Entre as conversas que tivemos com vários personagens da avenida, um taxista relatou que a prostituição na avenida aumenta o movimento em seu setor, já que há, durante toda a madrugada, pessoas saindo dos estabelecimentos. Segundo ele,  sem motivo especial, nos últimos anos houve queda na circulação daquela zona.

Uma janela para a realidade

Já para as famílias que moram próximo a um desses locais, as casas são um problema. Uma mãe e uma filha com as quais conversamos e que preferiram não se identificar moram em um prédio perto de uma casa de prostituição na Rio Branco. Elas contam que logo que se mudaram para o seu atual apartamento não conseguiam dormir devido aos barulhos. Da sacada de seu apartamento já acompanharam muitas brigas feias nestes estabelecimentos. “No começo qualquer barulho era um susto e corríamos para a sacada para ver o que estava acontecendo, mas hoje já acostumamos”, relata a mãe.

As obras inacabadas que existem na Rio Branco, foram relatadas por um dono de bar que preferiu não se identificar como um outro grande problema desta parte da avenida. Segundo ele, o  prédio enorme e abandonado entre a Francisco Mariano da Rocha e a Rio Branco não foi concluído, pois os acionistas do negócio ficaram sem dinheiro.

Este mesmo homem apontou que uma mulher que havíamos acabado de entrevistar não era empregada doméstica, como havia dito, e sim prostituta. Ela nos contou que já sofreu violência na Rio Branco. “Já fui assaltada, agarraram-me. Com o anoitecer a situação fica pior, fica tudo escuro”, conta ela. A falta de iluminação foi constatada pela nossa equipe, nas proximidades de uma das esquinas consideradas “perigosas” por quem frequenta a Rio Branco. Duas de três lâmpadas estavam queimadas.

O descaso das autoridades

Estavam sentados em um banco na rua, dois amigos moradores da avenida, e falavam sobre a falta de segurança e o descaso em que a avenida se encontra: “Acho que tinha que melhorar a iluminação e a limpeza, porém gosto muito de estar aqui, é uma das minhas ruas preferidas na cidade”, explicou um cabelereiro. Eles reclamaram sobre a falta de segurança, principalmente à noite, e a poluição visual que os camêlos trazem.
           
Como em quase todas as ruas de Santa Maria, os ambulantes que comercializam lanches como cachorro quente e churrasquinho não passam despercebidos.Na Rio Branco, não poderia ser diferente. O vendedor de churrasquinho Rosdagoberto também  reclama da falta de segurança pública do local,. Ele também trabalha na considerada pior zona da Rio Branco e releembra algumas tragédias: “Já vi muita coisa nos 10 anos que trabalho aqui.Nos últimos cinco anos, foram duas mulheres que morreram em duas situações diferentes. Duas brigas e mortes com faca de serra. Uma delas em um dia chuvoso se arrastou por uma quadra inteira para pedir ajuda, mas nao resistiu”, conta Rosdagoberto que não pensa em mudar de localização: “Já estava aqui há cinco anos e os outros cinco foram tranquilos”, argumenta.

Com relação a seu trabalho, Rosdagoberto vende em média 70 a 80 churrasquinhos por dia, porém não acha muito, já que diz que o o vendedor de churrasquinho que fica perto do Carrefour diz vender 200. A história de Rosdagoberto com a rua começou quando ele foi contratado para trabalhar em um açougue. Ele resolveu também vender churrasquinho paralelo ao trabalho. No fim, a ideia deu tão certo que ele ficou só com o churrasquinho. Diariamente ele chega às 18h e fica até às 23h na rua. “Seria melhor se tivesse iluminação, depois que o açougueiro fecha eu tenho que procurar algum poste de luz para ficar em baixo ”, reclama ele. Rodasgoberto explica que  nunca sofreu nada ali  e não tem medo. O motivo? Ele conhece todas as pessoas que circulam na área. Segundo ele, o atual prefeito em época de eleições passou por ele e prometeu melhorias que até hoje não foram feitas.

“Nem eles não passam na Rio Branco”

Isais Gonçalves Abresch, mas conhecido como Bigode, amigo do dono de uma carrocinha de cachoro quente, costuma frequentar a Rio Branco diariamente para tomar chimarrão. Bigode se define com morador da Rio Branco e um pertencente do centro de Santa Maria. Entre as ocupações que já teve estão as de poeta, joalheiro e funcionário público. Ele afirma que antigamente as pessoas se reuniam na rua para conversar e pegar sol e que hoje isso não existe mais pela falta de segurança: “Não tem como voltar a ser o que era antigamente”. Bigode sente saudades do que era a antiga avenida: “A Rio Branco deveria voltar a ser o que era no tempo da ferroviária. A avenida reflete os problemas do mundo que piorou, como os próprios mendigos. Os políticos abadonaram a rua, não resolvem os problemas, nem eles mesmos não passam na Rio Branco”, reinvindica.

Bigode é amigo de José Luis Lima Pimentel, vendedor de cachorro quente. Ele discorda do amigo: “Melhorou, antigamente era pior, mas continua perigoso”. Para ele  não há perigo, argumenta, pois, conhece todas as pessoas que circulam de noite e todos o respeitam por estar trabalhando.

Conta que não há venda de drogas na noite, mas que tem gente que constuma frequentar a avenida para consumir, e que essas pessoas não trazem maiores problemas, pois sabem que se fizerem alguma coisa nesta área não terão outro lugar para ficar. Embora não façam nada,  os usuários costumam pedir dinheiro. Pimentel relata que quem pratica os atos de violência são os que não circulam normalmente pela área, mas que passam para ir para outros locais. O vendedor trabalha todos os dias até às duas da manhã.  Segundo ele, o horário de maior movimento é das 22 às 23 horas, horário de saída da Unifra.

A esperança e a revolta por dias melhores

Otimista com um futuro melhor,  o filho do proprietário da Ferragem Rio Branco, Rodrigo Côrrea, 30 anos, conta que a família está com o estabelecimento na avenida há cinco anos: “O movimento aumentou e estamos conseguindo conquistar clientes, pessoas que antes não conheciam estes lados, agora estão vindo”, explica ele. Mas Corrêa não descarta que se houvesse uma revitalização o movimento seria ainda melhor, pois foram prometidas muitas mudanças desde que estão com a ferragem no local, e até hoje nada aconteceu.

Entre as principais queixas sempre está a falta de segurança, e em alguns casos ela trouxe muita revolta. O açougueiro Artur Rocha, 66 anos, trabalha há 41 anos na rua. Para ele o movimento aumentou nestes anos, porém a segurança está pior. O seu açougue, por exemplo, já foi arrombado. Rocha relembra que há anos atrás ele podia sair do estabelecimento e deixá-lo aberto que nada acontecia. Hoje, é impossível isso acontecer: “Hoje tenho vontade de matar os caras”, revolta-se Rocha. Ele acredita que uma das causas dos assaltos é a lei do desarmamento. “A gente nao pode andar armado e há cada vez mais bandidos”, justifica. Para ele todos os governos, do munícpio ao congresso deveriam ser mais homens e mudar as leis “porcas deles”.

Mas mesmo assim, Rocha ainda consegue ver o lado bom da situação: os muitos amigos que fez e faz por causa do estabelecimento. Entre tantas reclamações consideramos as mais repetitivas a falta de segurança, os camelódromos, a limpeza e principalmente o abandono dos órgãos públicos.

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obs: as entrevistas foram gravadas antes da remoção dos camelôs da avenida Rio Branco para o shopping popular

A prefeitura pretende revitalizar a avenida.
Mas como será feito esse projeto?

O projeto que começou no início do governo Schirmer seria uma volta à avenida dos  anos 50 e 60 dos quais os moradores mais antigos tanto sentem falta. Julio Rasquin, presidente do Escritório da Cidade e responsável pela proposta, diz que ela é ousada e que todos os pontos que causam reclamações serão revistos: valorização dos monumento históricos, reconstituição dos passeios e canteiros, requalificação paisagística, novos bancos e iluminação e calçadas com só um padrão.

Giovani Brasil, 36 anos, responsável pela arquitetura e pelo urbanismo do projeto explica que a intenção é deixar o caminho livre e aumentar a visibilidade da via. Segundo ele, hoje a área está muito poluída porque há muito tumulto e confusão visual. A idéia é tirar toda a vegetação baixa que tapa a visão de um lado para o outro da rua e subir a copa das árvores.Também trocar bancos, postes e outros itens da estrutura.

Resgatar as raízes da avenida também é um ponto importante, isso vai ser feito por meio da valorização dos monumentos históricos que se encontram nas três primeiras quadras e também dos prédios históricos. Além disso, haverá uma verba para a manutenção das obras feitas.

Expectativa: quando o projeto será posto em prática?

Segundo Brasil, o projeto está em licitação, mas o orçamento já foi aprovado. Ele afirma que até o fim do mandato pretendem estar com tudo pronto, e que é provável que inicie ainda esse ano. Porém, um ponto que pode inviabilizar o projeto são os camelôs que não pretendem acatar a ordem da prefeitura e sair da via principal.

O arquiteto comenta que muitas vezes as pessoas não têm nem como andar na avenida. A prefeitura consultou os moradores antigos na tentativa de deixá-la acessível como era nos velhos tempos. “Eles a utilizavam como ponto de encontro de famílias. Até agora o projeto foi elogiado por esses moradores”, qualifica Brasil.

A polêmica dos camelôs e o shopping popular

“ Ninguém pode se adonar de um local público, que é da população”

Os camelôs estavam esparramados por toda Santa Maria quando resolveram reivindicar um local definitivo para ficarem, caso não fosse atendida a solicitação, iriam embora da cidade. O então prefeito Behr fez um ofício para que eles tivessem um local fixo e fez um discurso em praça pública inaugurando o camelódromo que hoje gera tanta polêmica. Assim começa a história dos ambulantes que hoje lutam para ficar no local que lhes foi dado há quinze anos. Embora outras vezes a questão de retirá-los da avenida já tenha sido colocada, eles sempre ganharam as brigas. Além disto, conseguiram em uma das disputas um ofício que garante o local em caráter permanente.
           
Foi definido por sorteio quem seriam os donos de cada banca do camelódromo na época. Foi levado em consideração que aquelas pessoas que ali iriam trabalhar não tinham oportunidade nem condições de ter outra ocupação.O porta voz deles, Cézar Carrote, conta que a reunião onde foi decido que eles iriam trocar de local foi feita a portas fechadas com empresários ainda no governo Valdeci, o que pra eles é um absurdo.  Segundo ele, o povo de Santa Maria não sabe a verdade, só sabe o que a imprensa divulga. Porém, Carrote considera que quem dá votos é a população e não um grupo de empresários.

O arquiteto e urbanista Brasil pensa diferente. Argumenta que as outras administrações foram deixando acontecer fatos que culminaram neste ponto e que os vendedores informais deixam a avenida inutilizada para a população. Considera que seria bom justamente para o povo que isto mudasse. “É como se eu quisesse colocar meu escritório lá, o espaço é público, não pode ser um ou outro seguimento”, argumenta Brasil. Ele conta que o projeto da prefeitura também abrange tirar os vendedores informais das calçadas.  

Lugar de Camelô é na
Rio Branco ou no Shopping Popular?

Os camelôs argumentam que acham horrível o sistema adotado de disputarem pontos maiores ou melhores por sorteio, segundo eles, ninguém é melhor que ninguém para ter ponto com mais vantagens. Além disso, os pontos maiores custam mais caro.  Reclamam também que é um número muito grande de pessoas em um local muito pequeno e que isso pode trazer problemas até para a saúde deles. “Poderiam revitalizar com a gente dentro, nos trocar de quadra então, mas não ir para um local fechado”, justifica o porta voz. Outro ponto levantado pelo primeiro secretário dos camêlos, é que em outras capitais os camelódromos foram construídos sempre a céu aberto.

Mais uma vez opinião das autoridades e dos camêlos são diferentes. Brasil coloca que o projeto é toda extensão da Rio Branco e não uma quadra ou outra, então não haveria como trocá-los apenas de quarteirão.

Um ponto que também levanta debate são os produtos ilegais vendidos pelo comércio informal, como remédios proibidos. O secretário explica que em todo lugar há pessoas boas e ruins, e que eles tentam conscientizar aqueles que vendem mostrando que ninguém lucra com estas vendas. “Eu tento mostrar que traficante nunca acaba bem”, explica.

A avenida Rio Branco Hoje

Finalmente,  nos dias 24 e 25 de junho, foram desmontadas as bancas dos camelôs no centro da cidade e agora eles estão localizados no shopping popular. A população espera, agora, que o projeto de revitalização da Rio Branco continue, e que volte a ter a Rio Branco dos “anos de ouro” de Santa Maria.

Os rumos do coração da cidade

A avenida Rio Branco hoje não é adornada somente por casas, prédios e estabelecimentos, mas também por polêmicas. Ainda mais forte que isso é adornada por sonhos, criados por personagens reais das mais variadas idades, com as mais diferentes histórias, que todos os dias deixam suas marcas pelas calçadas, por onde eles também constroem seus futuros.

Pisam no mesmo solo que Getúlio e tantos outros nomes pisaram, nas calçadas que guardam tantos segredos e a história de Santa Maria. São esses personagens que irão ver e viver as mudanças que aguardam a Rio Branco e terão boas ou más surpresas. Afinal, histórias diferentes guardam anseios diferentes para o mesmo local, e histórias reais nem sempre têm um final feliz. Mas no final das contas, um dia, todos nós e todas essas histórias serão apenas mais uma página das tantas que o coração de Santa Maria abriga.

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No século XIX, as rodovias eram quase inexistentes e ineficazes para viagens médias e longas. Assim, a estrutura da Rio Branco demonstrava a preocupação da comunidade em oferecer como portão de entrada ao município para aqueles que chegavam, uma arejada e ampla via, que simbolizava Santa Maria.

Se um dia ela significou tudo isto à cidade, para quem chega hoje a Santa Maria as impressões são as piores possíveis. No presente ela mais se caracteriza por ser um símbolo da decadência do município. O descaso das autoridades e falta de manutenção fez com que hoje todos os problemas do município possam ser vistos nela: bancos e monumentos mal cuidados, luzes queimadas, comércio de inúmeros produtos ilegais, prostituição, consumo de álcool e outras substâncias ilícitas, falta de segurança, descaso, sujeira, poluição, falta de um plano de arquitetura e urbanismo, moradores de rua, entre tantos outros.

Porém, talvez hoje estejamos em um momento ímpar na história cidade. A prefeitura lançou um plano de revitalização da avenida, que atende os desejos dos moradores e das milhares de pessoas que todos os dias passam por ela. Mas o que realmente a população deseja para essa rua? O que a prefeitura está disposta a fazer? É por meio da história dos personagens dela, moradores e trabalhadores, que vamos tentar mostrar a Rio Branco que o município tinha, a sua situação presente e o que poderá ser feito para que a população a tenha de volta. Porém, sem esquecer que os problemas como os camelôs e a prostituição são problemas sociais maiores, decorrentes muitas vezes da falta de oportunidades e pobreza da cidade e que não podem ser reduzidos a simples troca para outro local para sua resolução.

As lembranças felizes e a esperança de uma nova avenida

Quem contou a história da chegada de Getúlio Vargas à Rio Branco foi a dona Estela Mello, 86 anos, funcionária pública, que há 57 anos mora na avenida. Segundo ela, de lá para cá, as coisas só pioraram. Tirando pelo túnel construído por Evandro Berh, e pela administração de Osvaldo de Nascimento, que fez mudanças na catedral, ela considera que, no restante do tempo, tudo ficou parado. Essa destruição para Elza já dura vinte anos: “Eu não sei com o que se parece, não sei se parece uma vila, porque nunca estive em uma, para mim não passar de um covil, uma coisa que não tem explicação. Uma vergonha”, argumenta.

A avenida de seu tempo e que ela gostaria de rever, é a rua florida, de árvores podadas mensalmente, arbustos, flores e pedras bonitas, estas últimas ‘juntinhas e brancas como as do Rio de Janeiro’’, conta saudosa dona Estela. A avenida dos sonhos da ex-funcionária pública é na verdade a velha boulevard que era a Rio Branco.

“Quero poder ver isso, antes de morrer”

Boulevard? Este é um conceito surgido no século XIX, na França, e inspirou construções de vias públicas no mundo inteiro, entre elas a própria Rio Branco. O termo se referia ao topo reto (passarela) dos muros de cidades medievais, a idéia de fazer uma via ampla com circulação de ar, era diminuir o número de doenças infecciosas ocorridas nos centros urbanos, que até então estavam desordenadas pelo progresso da Revolução Industrial. Também é utilizado para descrever vias de tráfego “elegantemente amplas”.

Elegante é uma palavra que hoje ficaria longe da Rio Branco, mas que porém já esteve lado a lado com ela. Se hoje o que vemos na avenida são casas destruídas pela ação do tempo, antigamente famílias nobres da cidade faziam questão de ter seus palacetes ali. Dona Elza relembra essas casas que frequentava e frequenta até hoje e diz que, embora destruídas por fora, elas trazem um acervo de móveis “como só se vê no palácio do Catete” (que se localiza no Rio de Janeiro) internamente. Para ela, o governo e o município deveriam tombar como patrimônio público estes locais e preservar a memória da cidade.

Progresso: os trilhos inspiraram beleza e arquitetura

A inspiração dessas construções tem explicações na história de Santa Maria. Em 1987 se instalou na cidade a Compaigne Auxiliare des Chémis Du Feaur au Brésil, uma companhia belga que, em parceria com a VFRGS – Viação Férrea do Rio Grande do Sul, executava a construção e a ampliação da malha ferroviária gaúcha. Santa Maria era, nesta época, o principal entroncamento ferroviário do Estado.

Pouca gente sabe, mas naquele tempo a avenida Rio Branco tinha um nome controverso para os dias de hoje: avenida Progresso. Após mudar de nome, e com forte influência do estilo Art Noveau, o espaço foi quase que em totalidade adornado por palacetes nesta tendência, dividindo espaço com imóveis ecléticos e neoclássicos. Durante a boa fase da ferrovia, por volta de 1960, esta característica imobiliária foi sendo substituída por estilos como Protomodernismo e o Art Déco.

Como era a Avenida Rio Branco
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Avenida Rio Branco
Avenida Rio Branco
Avenida Rio Branco
Avenida Rio Branco
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Avenida Rio Branco
 

 

A história da avenida é devorada pelo caos urbano

A avenida Rio Branco tem uma importância histórica inegável para Santa Maria, sua localização parte da área onde se originou a cidade (praça Saldanha Marinho) e tem nas vias perpendiculares, o ínicio do traçado urbano da cidade. Além de hoje não ser mais possível visualizar a bela configuração urbanística e construção arquitetônica tanto em imóveis, quanto em estrutura, fica díficil também de observar as obras de artes que se escondem na avenida. O canteiro central que apresenta difícil visualização é repleto de monumentos, obeliscos, bustos e estátuas que representam e homenageiam diversos ícones e datas importantes pela qual a cidade passou. Ao todo são quinze monumentos escondidos.

Sua configuração urbanística, bela e ordenada, repleta de referenciais arquitetônicos, tanto em seus imóveis quanto em sua estrutura, está totalmente comprometida com a invasão publicitária dos estabelecimentos comerciais.

Além disso, o seu canteiro central era tomado, até o mês de junho, por camelôs e ambulantes, que dominaram o espaço público, impedindo a passagem de transeuntes, bem como a utilização da área para descanso, lazer e a concepção de espaços ajardinados. Complementando, um total desgaste de sua estrutura física, jardinagem e mobiliário urbano determinam a área como um dos locais mais inóspitos da cidade.

“A avenida reflete os problemas do mundo”

Dona Elza, hoje, reclama dos bancos em que não se pode sentar, pois estão podres, e do descaso com a avenida, que para ela é o coração da cidade. Segundo a moradora, se as grandes cidades têm camelódromos fechados, porque isto também não pode acontecer aqui? E ela não está sozinha nesta briga, outros moradores, frequentadores e donos de estabelecimento também reclamam dos camelódromos, um dos principais problemas da avenida, segundo eles.

O lado B da Rio Branco

Apesar da falta de cuidados com a avenida, muitas lojas e estabelecimentos escolhem a rua para colocar seus negócios, devido ao grande movimento e circulação de pessoas. Porém, muitos empreendedores  reclamam da falta de atenção  que os órgãos públicos têm com a avenida, dando principal destaque à limpeza urbana. A área após o cruzamento com a rua Vale Machado é hoje considerada a parte mais crítica da Rio Branco. Devido às diversas casas de prostituição e falta de iluminação, esta é considerada a pior zona da avenida.

O gerente de um supermercado localizado nesta área, entre a Vale Machado e a Dauth, Derli Parode Barroso, 59 anos, reclama da localização de seu estabelecimento, que fica próximo a várias casas de prostituição. Segundo ele, as pessoas têm uma imagem negativa da área: “Seria bom se resolvessem os problemas, muitos clientes não se sentem à vontade de vir por causa da vizinhança, ela passa uma imagem negativa e muitas pessoas não andam por aqui”, conta ele. Apesar disto, ele argumenta que procura ter uma relação amigável com os vizinhos.

Violência e prostituição à luz do dia

Outra queixa que o gerente destaca é a falta de segurança para moradores e estabelecimentos comerciais: “Muitas vezes tenho que parar de trabalhar para cuidar da segurança, tem que tá sempre cuidando pra não dar chance, pois já fomos assaltados”.  Quanto à arquitetura da cidade, o gerente argumenta que é muito bonita, porém ela não aparece. Ele salienta que poderia haver um projeto que valorizasse uma revitalização que trouxesse benefícios para esse ‘cartão postal’.

Enquanto que para uns as famosas casas noturnas atrapalham o movimento, para outros é o contrário. Entre as conversas que tivemos com vários personagens da avenida, um taxista relatou que a prostituição na avenida aumenta o movimento em seu setor, já que há, durante toda a madrugada, pessoas saindo dos estabelecimentos. Segundo ele,  sem motivo especial, nos últimos anos houve queda na circulação daquela zona.

Uma janela para a realidade

Já para as famílias que moram próximo a um desses locais, as casas são um problema. Uma mãe e uma filha com as quais conversamos e que preferiram não se identificar moram em um prédio perto de uma casa de prostituição na Rio Branco. Elas contam que logo que se mudaram para o seu atual apartamento não conseguiam dormir devido aos barulhos. Da sacada de seu apartamento já acompanharam muitas brigas feias nestes estabelecimentos. “No começo qualquer barulho era um susto e corríamos para a sacada para ver o que estava acontecendo, mas hoje já acostumamos”, relata a mãe.

As obras inacabadas que existem na Rio Branco, foram relatadas por um dono de bar que preferiu não se identificar como um outro grande problema desta parte da avenida. Segundo ele, o  prédio enorme e abandonado entre a Francisco Mariano da Rocha e a Rio Branco não foi concluído, pois os acionistas do negócio ficaram sem dinheiro.

Este mesmo homem apontou que uma mulher que havíamos acabado de entrevistar não era empregada doméstica, como havia dito, e sim prostituta. Ela nos contou que já sofreu violência na Rio Branco. “Já fui assaltada, agarraram-me. Com o anoitecer a situação fica pior, fica tudo escuro”, conta ela. A falta de iluminação foi constatada pela nossa equipe, nas proximidades de uma das esquinas consideradas “perigosas” por quem frequenta a Rio Branco. Duas de três lâmpadas estavam queimadas.

O descaso das autoridades

Estavam sentados em um banco na rua, dois amigos moradores da avenida, e falavam sobre a falta de segurança e o descaso em que a avenida se encontra: “Acho que tinha que melhorar a iluminação e a limpeza, porém gosto muito de estar aqui, é uma das minhas ruas preferidas na cidade”, explicou um cabelereiro. Eles reclamaram sobre a falta de segurança, principalmente à noite, e a poluição visual que os camêlos trazem.
           
Como em quase todas as ruas de Santa Maria, os ambulantes que comercializam lanches como cachorro quente e churrasquinho não passam despercebidos.Na Rio Branco, não poderia ser diferente. O vendedor de churrasquinho Rosdagoberto também  reclama da falta de segurança pública do local,. Ele também trabalha na considerada pior zona da Rio Branco e releembra algumas tragédias: “Já vi muita coisa nos 10 anos que trabalho aqui.Nos últimos cinco anos, foram duas mulheres que morreram em duas situações diferentes. Duas brigas e mortes com faca de serra. Uma delas em um dia chuvoso se arrastou por uma quadra inteira para pedir ajuda, mas nao resistiu”, conta Rosdagoberto que não pensa em mudar de localização: “Já estava aqui há cinco anos e os outros cinco foram tranquilos”, argumenta.

Com relação a seu trabalho, Rosdagoberto vende em média 70 a 80 churrasquinhos por dia, porém não acha muito, já que diz que o o vendedor de churrasquinho que fica perto do Carrefour diz vender 200. A história de Rosdagoberto com a rua começou quando ele foi contratado para trabalhar em um açougue. Ele resolveu também vender churrasquinho paralelo ao trabalho. No fim, a ideia deu tão certo que ele ficou só com o churrasquinho. Diariamente ele chega às 18h e fica até às 23h na rua. “Seria melhor se tivesse iluminação, depois que o açougueiro fecha eu tenho que procurar algum poste de luz para ficar em baixo ”, reclama ele. Rodasgoberto explica que  nunca sofreu nada ali  e não tem medo. O motivo? Ele conhece todas as pessoas que circulam na área. Segundo ele, o atual prefeito em época de eleições passou por ele e prometeu melhorias que até hoje não foram feitas.

“Nem eles não passam na Rio Branco”

Isais Gonçalves Abresch, mas conhecido como Bigode, amigo do dono de uma carrocinha de cachoro quente, costuma frequentar a Rio Branco diariamente para tomar chimarrão. Bigode se define com morador da Rio Branco e um pertencente do centro de Santa Maria. Entre as ocupações que já teve estão as de poeta, joalheiro e funcionário público. Ele afirma que antigamente as pessoas se reuniam na rua para conversar e pegar sol e que hoje isso não existe mais pela falta de segurança: “Não tem como voltar a ser o que era antigamente”. Bigode sente saudades do que era a antiga avenida: “A Rio Branco deveria voltar a ser o que era no tempo da ferroviária. A avenida reflete os problemas do mundo que piorou, como os próprios mendigos. Os políticos abadonaram a rua, não resolvem os problemas, nem eles mesmos não passam na Rio Branco”, reinvindica.

Bigode é amigo de José Luis Lima Pimentel, vendedor de cachorro quente. Ele discorda do amigo: “Melhorou, antigamente era pior, mas continua perigoso”. Para ele  não há perigo, argumenta, pois, conhece todas as pessoas que circulam de noite e todos o respeitam por estar trabalhando.

Conta que não há venda de drogas na noite, mas que tem gente que constuma frequentar a avenida para consumir, e que essas pessoas não trazem maiores problemas, pois sabem que se fizerem alguma coisa nesta área não terão outro lugar para ficar. Embora não façam nada,  os usuários costumam pedir dinheiro. Pimentel relata que quem pratica os atos de violência são os que não circulam normalmente pela área, mas que passam para ir para outros locais. O vendedor trabalha todos os dias até às duas da manhã.  Segundo ele, o horário de maior movimento é das 22 às 23 horas, horário de saída da Unifra.

A esperança e a revolta por dias melhores

Otimista com um futuro melhor,  o filho do proprietário da Ferragem Rio Branco, Rodrigo Côrrea, 30 anos, conta que a família está com o estabelecimento na avenida há cinco anos: “O movimento aumentou e estamos conseguindo conquistar clientes, pessoas que antes não conheciam estes lados, agora estão vindo”, explica ele. Mas Corrêa não descarta que se houvesse uma revitalização o movimento seria ainda melhor, pois foram prometidas muitas mudanças desde que estão com a ferragem no local, e até hoje nada aconteceu.

Entre as principais queixas sempre está a falta de segurança, e em alguns casos ela trouxe muita revolta. O açougueiro Artur Rocha, 66 anos, trabalha há 41 anos na rua. Para ele o movimento aumentou nestes anos, porém a segurança está pior. O seu açougue, por exemplo, já foi arrombado. Rocha relembra que há anos atrás ele podia sair do estabelecimento e deixá-lo aberto que nada acontecia. Hoje, é impossível isso acontecer: “Hoje tenho vontade de matar os caras”, revolta-se Rocha. Ele acredita que uma das causas dos assaltos é a lei do desarmamento. “A gente nao pode andar armado e há cada vez mais bandidos”, justifica. Para ele todos os governos, do munícpio ao congresso deveriam ser mais homens e mudar as leis “porcas deles”.

Mas mesmo assim, Rocha ainda consegue ver o lado bom da situação: os muitos amigos que fez e faz por causa do estabelecimento. Entre tantas reclamações consideramos as mais repetitivas a falta de segurança, os camelódromos, a limpeza e principalmente o abandono dos órgãos públicos.

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obs: as entrevistas foram gravadas antes da remoção dos camelôs da avenida Rio Branco para o shopping popular

A prefeitura pretende revitalizar a avenida.
Mas como será feito esse projeto?

O projeto que começou no início do governo Schirmer seria uma volta à avenida dos  anos 50 e 60 dos quais os moradores mais antigos tanto sentem falta. Julio Rasquin, presidente do Escritório da Cidade e responsável pela proposta, diz que ela é ousada e que todos os pontos que causam reclamações serão revistos: valorização dos monumento históricos, reconstituição dos passeios e canteiros, requalificação paisagística, novos bancos e iluminação e calçadas com só um padrão.

Giovani Brasil, 36 anos, responsável pela arquitetura e pelo urbanismo do projeto explica que a intenção é deixar o caminho livre e aumentar a visibilidade da via. Segundo ele, hoje a área está muito poluída porque há muito tumulto e confusão visual. A idéia é tirar toda a vegetação baixa que tapa a visão de um lado para o outro da rua e subir a copa das árvores.Também trocar bancos, postes e outros itens da estrutura.

Resgatar as raízes da avenida também é um ponto importante, isso vai ser feito por meio da valorização dos monumentos históricos que se encontram nas três primeiras quadras e também dos prédios históricos. Além disso, haverá uma verba para a manutenção das obras feitas.

Expectativa: quando o projeto será posto em prática?

Segundo Brasil, o projeto está em licitação, mas o orçamento já foi aprovado. Ele afirma que até o fim do mandato pretendem estar com tudo pronto, e que é provável que inicie ainda esse ano. Porém, um ponto que pode inviabilizar o projeto são os camelôs que não pretendem acatar a ordem da prefeitura e sair da via principal.

O arquiteto comenta que muitas vezes as pessoas não têm nem como andar na avenida. A prefeitura consultou os moradores antigos na tentativa de deixá-la acessível como era nos velhos tempos. “Eles a utilizavam como ponto de encontro de famílias. Até agora o projeto foi elogiado por esses moradores”, qualifica Brasil.

A polêmica dos camelôs e o shopping popular

“ Ninguém pode se adonar de um local público, que é da população”

Os camelôs estavam esparramados por toda Santa Maria quando resolveram reivindicar um local definitivo para ficarem, caso não fosse atendida a solicitação, iriam embora da cidade. O então prefeito Behr fez um ofício para que eles tivessem um local fixo e fez um discurso em praça pública inaugurando o camelódromo que hoje gera tanta polêmica. Assim começa a história dos ambulantes que hoje lutam para ficar no local que lhes foi dado há quinze anos. Embora outras vezes a questão de retirá-los da avenida já tenha sido colocada, eles sempre ganharam as brigas. Além disto, conseguiram em uma das disputas um ofício que garante o local em caráter permanente.
           
Foi definido por sorteio quem seriam os donos de cada banca do camelódromo na época. Foi levado em consideração que aquelas pessoas que ali iriam trabalhar não tinham oportunidade nem condições de ter outra ocupação.O porta voz deles, Cézar Carrote, conta que a reunião onde foi decido que eles iriam trocar de local foi feita a portas fechadas com empresários ainda no governo Valdeci, o que pra eles é um absurdo.  Segundo ele, o povo de Santa Maria não sabe a verdade, só sabe o que a imprensa divulga. Porém, Carrote considera que quem dá votos é a população e não um grupo de empresários.

O arquiteto e urbanista Brasil pensa diferente. Argumenta que as outras administrações foram deixando acontecer fatos que culminaram neste ponto e que os vendedores informais deixam a avenida inutilizada para a população. Considera que seria bom justamente para o povo que isto mudasse. “É como se eu quisesse colocar meu escritório lá, o espaço é público, não pode ser um ou outro seguimento”, argumenta Brasil. Ele conta que o projeto da prefeitura também abrange tirar os vendedores informais das calçadas.  

Lugar de Camelô é na
Rio Branco ou no Shopping Popular?

Os camelôs argumentam que acham horrível o sistema adotado de disputarem pontos maiores ou melhores por sorteio, segundo eles, ninguém é melhor que ninguém para ter ponto com mais vantagens. Além disso, os pontos maiores custam mais caro.  Reclamam também que é um número muito grande de pessoas em um local muito pequeno e que isso pode trazer problemas até para a saúde deles. “Poderiam revitalizar com a gente dentro, nos trocar de quadra então, mas não ir para um local fechado”, justifica o porta voz. Outro ponto levantado pelo primeiro secretário dos camêlos, é que em outras capitais os camelódromos foram construídos sempre a céu aberto.

Mais uma vez opinião das autoridades e dos camêlos são diferentes. Brasil coloca que o projeto é toda extensão da Rio Branco e não uma quadra ou outra, então não haveria como trocá-los apenas de quarteirão.

Um ponto que também levanta debate são os produtos ilegais vendidos pelo comércio informal, como remédios proibidos. O secretário explica que em todo lugar há pessoas boas e ruins, e que eles tentam conscientizar aqueles que vendem mostrando que ninguém lucra com estas vendas. “Eu tento mostrar que traficante nunca acaba bem”, explica.

A avenida Rio Branco Hoje

Finalmente,  nos dias 24 e 25 de junho, foram desmontadas as bancas dos camelôs no centro da cidade e agora eles estão localizados no shopping popular. A população espera, agora, que o projeto de revitalização da Rio Branco continue, e que volte a ter a Rio Branco dos “anos de ouro” de Santa Maria.

Os rumos do coração da cidade

A avenida Rio Branco hoje não é adornada somente por casas, prédios e estabelecimentos, mas também por polêmicas. Ainda mais forte que isso é adornada por sonhos, criados por personagens reais das mais variadas idades, com as mais diferentes histórias, que todos os dias deixam suas marcas pelas calçadas, por onde eles também constroem seus futuros.

Pisam no mesmo solo que Getúlio e tantos outros nomes pisaram, nas calçadas que guardam tantos segredos e a história de Santa Maria. São esses personagens que irão ver e viver as mudanças que aguardam a Rio Branco e terão boas ou más surpresas. Afinal, histórias diferentes guardam anseios diferentes para o mesmo local, e histórias reais nem sempre têm um final feliz. Mas no final das contas, um dia, todos nós e todas essas histórias serão apenas mais uma página das tantas que o coração de Santa Maria abriga.