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Santa Maria, RS, Brazil

Má educação

Não, não se trata do filme do Almodóvar, nem dos
labirintos que caracterizam a narrativa pesada da película. A má
educação da qual se fala neste texto é aquela manifestada no dia-a-dia,
no trato com o outro, em casa, no trabalho, nas ruas, nas estradas.
Somada, ela se revela como má educação coletiva – a dos maus jeitos que
não são de um, mas de muitos. De tantos, que vira estatística. E o que
mais tem assustado e ocupado as conversas, da universidade ao boteco,
são as estatísticas do trânsito. Diante dos números que mostram um
crescente número de acidentes com mortes, fica a dura realidade para
quem perde familiares e amigos em decorrência deles.
 
A má educação se revela no sistema que pensa o trânsito e as cidades para os carros, não para as pessoas. Também se mostra no comportamento daqueles que sentam ao volante e perdem a racionalidade. Dirigem em alta velocidade nas estradas e nas ruas, como se estas não fossem feitas para os pedestres e naquelas tudo é permitido.

Luis Américo Cabral Garcia, 56, foi atropelado há um mês na esquina da
Presidente Vargas com a Visconde de Pelotas. Atravessava a rua na faixa
de segurança por volta das 23h30min quando foi atingido por um
automóvel, um Astra branco, que fugiu do local sem prestar socorro. Ele
foi arremessado a mais de 10 metros do local do acidente. Teve fratura
exposta na perna, costelas quebradas e o pulmão perfurado. Está em
estado grave no HUSM, com todas as complicações decorrentes desse tipo
de internação. Divide o quarto com outros quatro acidentados no trânsito
de Santa Maria e região.


Quem provocou o acidente não se apresentou. Não se sabe se foi homem,
mulher, jovem, se havia bebido, se estava com pressa ou apenas corria
pelo prazer e sensação de poder que a velocidade provoca. Também não se
sabe se fugiu porque estava assustado, com medo
da responsabilização e possível punição. Só se sabe que não retornou para ajudar.


Não procurar a vítima e a sua família revela omissão. Pode ser uma
omissão coletiva – aquela que caracteriza a má educação dos que ensinam e
permitem aos filhos que conduzam automóveis, ainda que não tenham idade
para tal, e os acobertam quando provocam acidentes. Pode ser também a
omissão do adulto que aposta na impunidade. Seja qual for, revela o tipo
de educação que está sendo gerada: inconsequente, irresponsável, omissa
em relação à vida do outro – uma má educação. E ela impregna o tecido
social – do atropelador ao investigador que ainda não apresentou o
resultado do seu trabalho. Afinal, um Astra branco arrebentado não se
oculta por muito tempo. Em algum lugar ele deve ter sido consertado.


Luis Américo entrou para as estatísticas.
Não é famoso, nem tem família influente que pressione e agilize a busca do responsável. Virou
um caso a mais que soma aos outros que vieram depois dele. Somente
nessas duas últimas semanas na região, o estado perdeu um deputado; um
menino foi para a UTI vítima de atropelamento; uma senhora faleceu
porque o atropelador a jogou sob as rodas de um ônibus e fugiu, e duas
professoras perderam a vida ontem em acidente na estrada. Do outro lado
da estatísticas, famílias choram seus mortos e se desdobram para atender
os feridos.

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Não, não se trata do filme do Almodóvar, nem dos
labirintos que caracterizam a narrativa pesada da película. A má
educação da qual se fala neste texto é aquela manifestada no dia-a-dia,
no trato com o outro, em casa, no trabalho, nas ruas, nas estradas.
Somada, ela se revela como má educação coletiva – a dos maus jeitos que
não são de um, mas de muitos. De tantos, que vira estatística. E o que
mais tem assustado e ocupado as conversas, da universidade ao boteco,
são as estatísticas do trânsito. Diante dos números que mostram um
crescente número de acidentes com mortes, fica a dura realidade para
quem perde familiares e amigos em decorrência deles.
 
A má educação se revela no sistema que pensa o trânsito e as cidades para os carros, não para as pessoas. Também se mostra no comportamento daqueles que sentam ao volante e perdem a racionalidade. Dirigem em alta velocidade nas estradas e nas ruas, como se estas não fossem feitas para os pedestres e naquelas tudo é permitido.

Luis Américo Cabral Garcia, 56, foi atropelado há um mês na esquina da
Presidente Vargas com a Visconde de Pelotas. Atravessava a rua na faixa
de segurança por volta das 23h30min quando foi atingido por um
automóvel, um Astra branco, que fugiu do local sem prestar socorro. Ele
foi arremessado a mais de 10 metros do local do acidente. Teve fratura
exposta na perna, costelas quebradas e o pulmão perfurado. Está em
estado grave no HUSM, com todas as complicações decorrentes desse tipo
de internação. Divide o quarto com outros quatro acidentados no trânsito
de Santa Maria e região.


Quem provocou o acidente não se apresentou. Não se sabe se foi homem,
mulher, jovem, se havia bebido, se estava com pressa ou apenas corria
pelo prazer e sensação de poder que a velocidade provoca. Também não se
sabe se fugiu porque estava assustado, com medo
da responsabilização e possível punição. Só se sabe que não retornou para ajudar.


Não procurar a vítima e a sua família revela omissão. Pode ser uma
omissão coletiva – aquela que caracteriza a má educação dos que ensinam e
permitem aos filhos que conduzam automóveis, ainda que não tenham idade
para tal, e os acobertam quando provocam acidentes. Pode ser também a
omissão do adulto que aposta na impunidade. Seja qual for, revela o tipo
de educação que está sendo gerada: inconsequente, irresponsável, omissa
em relação à vida do outro – uma má educação. E ela impregna o tecido
social – do atropelador ao investigador que ainda não apresentou o
resultado do seu trabalho. Afinal, um Astra branco arrebentado não se
oculta por muito tempo. Em algum lugar ele deve ter sido consertado.


Luis Américo entrou para as estatísticas.
Não é famoso, nem tem família influente que pressione e agilize a busca do responsável. Virou
um caso a mais que soma aos outros que vieram depois dele. Somente
nessas duas últimas semanas na região, o estado perdeu um deputado; um
menino foi para a UTI vítima de atropelamento; uma senhora faleceu
porque o atropelador a jogou sob as rodas de um ônibus e fugiu, e duas
professoras perderam a vida ontem em acidente na estrada. Do outro lado
da estatísticas, famílias choram seus mortos e se desdobram para atender
os feridos.