Por: Ana Rauber, Bruna de Moura, Carolina Oliveira, Eduardo Clave, Renato Peixe
Um homem, sem muitas ferramentas de pintura, faz desenhos nas paredes com o intuito de comunicar-se e expor seus sentimentos. A cena, que poderia ser a descrição de artes rupestres feitas por homens em cavernas milhares de anos antes de Cristo, é a representação da arte urbana, que aos poucos domina a paisagem das cidades modernas.
[dropshadowbox align=”right” width =”500px”]A arte urbana se manifesta das mais diversas formas, e como todo movimento social, possui sua linguagem própria. Entenda o que algumas destas palavras querem dizer:
Graffiti – Também conhecido como graffite ou grafite. Difere-se da pichação por apresentar desenhos e formas, geralmente feito em locais autorizados.
Pichação – Marcações feitas em prédios, muros, monumentos históricos e outras construções usando apenas letras. Podem levar uma frase de protesto ou assinaturas. A sociedade e até mesmo dentro dos grupos de artistas de rua há a discussão se a pichação é mesmo arte ou apenas vandalismo.
Pixo – Os pichadores preferem usar o termo com a grafia “x”.
Tag – O termo tem origem em Nova York e se refere à assinatura própria de cada grupo de picho ou pichador/grafiteiro. Atualmente, “tag” também pode se referir ao estilo de letra peculiar e único usado para marcar as construções.[/dropshadowbox]
Muros, trens e edificações servem de tela para uma arte democrática: sem restrição, distinção ou permissão, o desenho-protesto invade o cotidiano das cidades e expõe-se diante da sociedade. Caminhar pelas ruas tornou-se uma atividade exploratória de exposição constante à arte.
Outdoors e demais peças publicitárias competem lado a lado com elementos visuais das intervenções artísticas que, ao longo dos anos, foi agregando conteúdo e dividindo-se em diversas formas de manifestação: hoje é possível encontrá-la em forma de graffiti, stencil (ou estêncil), stickers, lambe-lambe (também conhecidos como adesivos ou poster-bombs), cartazes e a controversa pichação.
Braziliano tem 32 anos e é um dos responsáveis por trazer o graffiti como representação cultural para a cidade. Nascido em Santa Maria, o artista visual morou em Brasília até os 18 anos. Ao voltar, trouxe na bagagem a explosão da arte urbana que ocorria nos grandes centros do país. Até então, quase toda a produção gaúcha da arte urbana vinha de Porto Alegre. A partir de 2001, por falta de apoio cultural na cidade para as manifestações que vinham da rua (incluindo o skate e o hip-hop), Braziliano e alguns amigos uniram-se para dar início ao movimento de representação artística nos muros santa-marienses.
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Atualmente, a cidade possui uma das paisagens urbanas com mais intervenções artísticas do estado, com o graffiti e a pichação presentes em inúmeros pontos da cidade. A insatisfação político-social é um dos temas mais abordados nas pichações, que servem como protestos e dão visão àqueles que por vezes não possuem voz diante da sociedade. Já o graffiti ocupa fachadas de casas noturnas, centros culturais da cidade, muros de escolas e inúmeros outros pontos da cidade, levando cores, formas e desenhos à paisagem urbana e cinzenta de Santa Maria.
[dropshadowbox width =”590px”]O Graffiti como forma de comunicação e educação. Neste intuito que o jornalista Marcos Pinheiro Dias leva a técnica para os alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental São João Batista.O projeto atende 30 alunos da escola, nele é feita a oficina de grafite. Durante a oficina os alunos tem o contato direto com papel, caneta e spray. [/dropshadowbox]
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Das ruas aos centros culturais: arte urbana invade galerias e editoriais de moda
A arte de rua, marginalizada durante muito tempo, vem ganhando espaço em galerias de arte e se tornou artigo de luxo nas produções de moda. A Louis Vuitton, grife francesa mundialmente conhecida, foi a primeira a investir na arte urbana em suas estampas. Neste ano, Marc Jacobs, diretor criativo da marca, convidou os irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo – grafiteiros brasileiros conhecidos como OsGemeos – para trabalharem junto aos seus estilistas. A arte criada pelos irmãos, intitulada “Mosaicos”, estampa uma echarpe que custa mais de mil reais. Outras marcas, como Christian Dior, Hermès e Lacoste também aderiram ao movimento e uniram aos cortes e acabamentos nobres das marcas a influência da cultura pop que vem das ruas.
Nos espaços reservados à arte, o episódio de maior representatividade nacional ocorreu em São Paulo, na Bienal Internacional de Artes de 2008. A amostra cultural possuía um andar de paredes limpas, cuja intervenção artística seria representar o Vazio. Inclusive este era o nome da peça. Cerca de quarenta pichadores invadiram o espaço e marcaram território com latas de spray enquanto os seguranças tentavam impedir a ação. A confusão só teve fim com a intervenção da polícia e o movimento viu uma de suas principais líderes ser presa, condenada pela Justiça por dano ao patrimônio público e formação de quadrilha. A ação dividiu opiniões e ultrapassou as fronteiras brasileiras. Diversos artistas ao redor do mundo demonstraram apoio aos pichadores, da mesma forma que diversos outros consideraram um desrespeito à arte ali exposta.
Dois anos após a invasão, os pichadores foram convidados a entrar pela porta da frente. Na sua 29ª edição, a Bienal convidou três dos invasores para exporem e representar o movimento artístico de muros, prédios e monumentos históricos da cidade em um espaço destinado à arte. Das 159 obras expostas durante o evento, Pixação SP ocupou um dos lugares mais visitados. Fiéis à ideologia do “pixo”, os artistas de rua preferiram mostrar a arte de forma documental, com fotos, vídeos e reproduções em papel. Para eles, ocupar um espaço autorizado pela curadoria seria apenas uma reprodução estética da pichação, porém o ato de pichar é conceitual. A exposição na Bienal de 2010 abriu espaço nas galerias para que o graffiti pudesse surgir como a representação da arte urbana em espaços fechados e antes ocupados apenas pela arte tradicional. Hoje são raras as mostras artísticas que reúnem diversos expositores que não possuem ao menos uma obra oriunda da arte das ruas.
[dropshadowbox align=”right” width =”900px”]Dos homens das cavernas a artistas contemporâneos. Da arte rupestre ao spray. Confira a linha do tempo na história da arte como representação parietal (arte manifestada utilizando a parede como tela). Fonte: Grafite como forma de comunicação. Autor Marcos Pinheiro Dias[/dropshadowbox]
Projetos de ocupação nas ruas
“Mais cor, por favor”. O pedido vem do site Color + City , uma iniciativa que começou em São Paulo e hoje ocupa inúmeras cidades pelo país. A proposta é conectar pessoas que desejam mostrar sua arte com aqueles que possuem espaços públicos ou privados disponíveis para serem grafitados. No site, há espaço para o cadastramento dos lugares, onde é gerado um mapa para que os artistas possam reservar os seus muros e entrar em contato direto com o proprietário do espaço.
Em Santa Maria, há o projeto “Apoie seu muro para o Graffiti” , onde artistas grafitam os muros de forma gratuita, em troca apenas do material. O intuito é tornar Santa Maria uma cidade mais colorida e feliz. Com o apoio da Secretaria de Cultura e dos alunos da disciplina de Comunicação Comunitário do curso de Publicidade e Propaganda do Centro Universitário Franciscano. O projeto já conquistou espaços públicos da cidade, como a Concha Acústica do Parque Itaimbé e teve alguns muros liberados.
A tênue linha que separa a arte do crime
A visão diferenciada do ser humano pode dar ao ato de pichar vários significados. A pichação é uma forma de expressão que pode ser considerada artística. Quem nunca passou por um lugar da sua cidade e avistou desenhos e escritos pichados? Incomodando ou não, isso é bastante comum em qualquer lugar, porém é considerado crime ambiental.
Segundo o advogado e professor de Direito no Centro Universitário Franciscano, Márcio de Souza Bernardes, os crimes ambientais são previstos na lei 9.605/98, e a pichação está prevista no art. 65, que configura como crime o ato de pichar ou depredar qualquer edificação ou monumento urbano. Identificada a pichação, o processo legal nesse caso é a abertura de um inquérito policial para apurar a autoria. Após é remetido ao Juizado Especial Criminal, uma vez que é considerado um crime de menor potencial ofensivo. Se o responsável for réu primário, é proposta uma transação penal. Caso contrário, segue o processo até a sua sentença, que pode determinar a prisão de três meses a um ano e multa, com valor arbitrado pelo juiz, levando em consideração as circunstâncias e tendo como base um decreto que regulamenta a lei de crimes ambientais.
Segundo Bernardes, na prática não há prisões desta natureza. “Geralmente o responsável é condenado a penas alternativas, como a de restaurar o patrimônio degradado, pagar cestas básicas, participar de cursos, etc, mais a multa”, diz o advogado. Mas quando envolve menor de idade, o inquérito é remetido para o juizado específico, que fica responsável por realizar um acompanhamento de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A partir da publicação da Lei 12.408/2011, houve alteração que separou a grafitagem do ato de pichar na visão do direito penal. Se for autorizada pelo poder público ou proprietário e tendo uma intenção artística, não pode ser considerado crime.
Para o professor Márcio, o motivo pelo qual a lei entende que é crime passa por uma certa compreensão estética do ambiente urbano. O meio ambiente não é considerado apenas natural, mas também artificial, cultural e do trabalho, e nestes estão incluídos os ambientes urbanos. Desse modo, o legislador entende que o ato de pichação seria um ato reprovável do ponto de vista estético da cidade, de forma a produzir um ambiente degradado e sujo, o que acaba configurando um crime ambiental.
Santa Maria por uma Cidade Limpa
O mural artístico de Eduardo Kobra, pintado ao fundo da Biblioteca Municipal de Santa Maria em comemoração ao aniversário da cidade, foi alvo de pichação em setembro de 2012. A partir deste ato a Polícia Civil realizou duas ações para combater o ato de pichar na cidade: as operações Cidade Limpa e Restauração. O objetivo foi apreender objetos que ligassem os indivíduos investigados com a pichação e a depredação do patrimônio público.
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[dropshadowbox align=”right” effect=”lifted-both” width=”500px” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Para denúncias de depredação de patrimônio público ou privado, ligue para a Guarda Municipal: (55) 3921-7167.
A Guarda se encarrega de encaminhar a ocorrência para a delegacia responsável pelo caso.[/dropshadowbox]
Em uma das operações realizadas, foram identificados os suspeitos de cometer a pichação no painel. Na ocasião foram realizados dez mandados de busca e apreensão nas casas dos suspeitos. Segundo a delegada Carla Dolores Castro Almeida, responsável pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), o acusado pela pichação na biblioteca recebeu auxílio e foi internado na Fundação de Atendimento Sócio-educativo (FASE). A delegada ressalta que normalmente essa medida é aplicada em casos de violência e o juiz responsável levou em consideração o nível de periculosidade do indivíduo para a sociedade.
Segundo Carla Almeida, a polícia é informada sobre as pichações no município de três formas: através do registro de ocorrência na Delegacia de Pronto Atendimento, feito por quem foi prejudicado; denúncia do Ministério Público; ou denúncias anônimas.
O adolescente que pratica um ato infracional recebe uma medida socioeducativa, como por exemplo, pintar a parede que foi danificada, assistir palestras e ter uma orientação sobre a importância de cuidar o meio ambiente. Quando ele é maior de idade responde a um processo, cumpre pena e paga uma multa. O valor varia conforme o patrimônio depredado, se for público ou privado.
Quando o jovem for menor de 12 anos, é encaminhado ao Conselho Tutelar. Em Santa Maria existe o Centro dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cededica), onde os jovens recebem tratamento e acompanhamento. Esse órgão, junto à Guarda Municipal, monitora a medida socioeducativa do menor e ele tem a possibilidade de se reeducar aos valores e preservação do meio ambiente.
O QUE DIZ A LEI?
Art. 65 da Lei de Crimes Ambientais – Lei 9605/98 |
Art. 163 do Código Penal |
Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano: (Redação dada pela Lei nº 12.408, de 2011) Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.408, de 2011) § 1o Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção e multa. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.408, de 2011) § 2o Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional. (Incluído pela Lei nº 12.408, de 2011) |
Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. Dano Qualificado Parágrafo único – Se o crime é cometido:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. |