Bruna Guehn e Luiza Rorato
Com o início da adolescência, as baladas e junções começam a despertar a curiosidade dos jovens. Há algum tempo a noite santa-mariense sofre transformações. Boates sendo abertas, outras fechadas, o que era novidade, começa a se tornar clichê e os proprietários se veem na obrigação de inovar.
Após três anos da tragédia da boate Kiss, a vida noturna de Santa Maria teve que se readaptar aos padrões exigidos pelo Corpo de Bombeiros e medidas de segurança foram tomadas, como limite máximo de pessoas, extintores a mostra, alvará de segurança, além do público requerer lugares mais inovadores e modernos.
Levando em conta que a experiência noturna dos jovens está chegando mais cedo, ela traz consigo preocupações. “Antes da tragédia da Kiss acho que a preocupação maior era com o trajeto. O medo com assaltos, acidentes por motoristas alcoolizados. Porém, após a tragédia, a maior apreensão é com o local”, revela Marta Teixeira, mãe de um jovem de 20 anos.
Sair à noite virou preocupação dos pais em relação aos seus filhos. Com isso alguns cuidados e recomendações são feitos na hora de sair de casa. Segundo Jussara Flores, mãe de uma jovem de 14 anos e outra de 20, ficar atento em casos de brigas, evitar ficar isolado por muito tempo, cuidar as companhias e saber se vai voltar para casa de modo seguro, são dicas essenciais para os filhos.
Considerando que os adolescentes são os principais clientes das boates e bares na cidade, a segurança é algo significativa na escolha do local. De acordo com a enquete realizada no Facebook, 50% dos jovens se preocupam com a estrutura do local (bar, palco, banheiros, saídas de emergência e presença de extintores), outros 50% optaram por respostas mais gerais, como fila para entrar e lotação da casa.
Menores de idade e a vida noturna
As placas nos locais e avisos em redes sociais das boates em Santa Maria já avisam: “Permitida a entrada de jovens a partir de 18 anos”, porém parece não ser o suficiente. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), baseia-se na Lei 8.069, que assegura que a venda de bebida alcoólica ou outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica é proibida. Caso a entrada de menores de 18 anos for permitida é importante ter cuidado.
Ainda de acordo com a pesquisa realizada, cerca de 5% dos jovens que frequentam pubs, boates e bares são menores de idade e ingerem drogas ilícitas e lícitas. Nesses locais, onde a fiscalização é insuficiente, há total falta de atenção na hora da verificação da identidade. Segundo uma jovem de 16 anos, a qual preferiu não ser identificada, a entrada em locais que proíbem menores é fácil. Frequentadora assídua das boates santa-marienses, o maior medo é que coloquem algo na bebida, como boa noite Cinderela, que a faça perder a consciência.
Em diversos estados, como São Paulo, existem matinês ou espaços separados para jovens em boates, para que a diversão não seja tão limitada, mas em Santa Maria não encontramos soluções alternativas e nem atrativas para os jovens menores.
Segurança na noite
A segurança na noite é uma preocupação que deve advir de todos os lados. Dos jovens, dos proprietários de boates, dos funcionários e seguranças dos locais, dos pais, do Corpo de Bombeiros e do poder público em geral. Como chegar à festa, com quem ir à festa, como voltar da festa, como se comportar na festa, tudo virou motivo de alerta e cuidado. Podemos dizer que os papéis se inverteram, pois, se vê em comum jovens com perfil mais atento, no lugar de jovens antes despreocupados.
Para a psicóloga Lisiane Cassales, há jovens que vivenciaram intensamente a tragédia da Kiss e que, por isso, permitiram-se refletir sobre o que está para além da diversão, modificando comportamentos e modos de pensar. “Há aqueles que preferiram se reservar e participar de festas privadas ao grupo de amigos, na casa de um deles. Assim como há os que seguem indo em baladas, porém mais atentos aos itens de segurança”, conta.
De acordo com matéria da Agência Brasil, apesar das mudanças nas normas estaduais e municipais, há um projeto de lei que tramita no Congresso Nacional. No documento pretende-se estabelecer novas regras para a prevenção de acidentes como esses em casas noturnas. A proposta estabelece parâmetros mínimos de segurança para o funcionamento de estabelecimentos com capacidade igual ou superior a 100 pessoas. O texto também exige aprimoramento na estrutura nos locais que são ocupados por grupos prioritários como crianças, gestantes, idosos ou pessoas com dificuldade de locomoção.
Comportamento e mentalidade
Os adolescentes têm dificuldades para refletir sobre os problemas e processos de morte e luto. Isso porque, talvez costumam pensar que coisas ruins não vão atingi-los. De acordo com Jéssica Oliveira, 20, a máxima da adolescência é viver o momento intensamente. Talvez, por esse motivo, os jovens tendem a assumir comportamentos de risco, que vão desde a prática de esportes radicais sem o uso de equipamentos de segurança necessários, por exemplo, ao uso de drogas, misturar bebida e direção, praticar sexo desprotegido, entre outras possibilidades.
Segundo Lisiane, a socialização assume papel de destaque nessa faixa etária. “O fato é que qualquer adolescente tenha o desejo (nem sempre manifesto abertamente) de se identificar, criar um vínculo e se sentir aceito. O jovem quer ter alguém com quem possa compartilhar suas alegrias e também suas dúvidas e angústias.”, explica. Nesse processo, surge a busca pela identidade. Sentir-se pertencente ao grupo.
Com isso, o interesse natural de sair, conhecer lugares e pessoas se tornam, talvez, a alternativa acessível ao jovem. No entanto, a psicóloga alerta a importância do grupo de amigos. Já que alguns adolescentes acabam cedendo à pressão e adotando comportamentos contra a vontade, na intenção de agradar para não serem excluídos.
Já no que se refere aos pais, muitos assuntos ainda são considerados “tabu” para dialogar com os filhos. Conforme a psicóloga, o diferencial é que os pais ajudem a desenvolver a capacidade de resiliência e empatia desses jovens. “O essencial é que os pais se coloquem como rede de apoio, com a qual os filhos poderão contar no caso de alguma dúvida.”, esclarece. Além disso, ela alerta a importância de instaurar um diálogo aberto. “Deve-se colocar para o jovem a verdade sobre os fatos, sem criar ilusões ou ideias falsas. E fazer isso de forma a não infantilizar o adolescente, não menosprezar a capacidade dele.”, conclui.