A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) é uma doença de origem infecciosa, causada pelo vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Reconhecida como uma nova doença em 1981, os Estados Unidos da América presenciaram um boom de mortes em decorrência de infecções oportunistas incomuns e de neoplasias raras, sendo as vítimas, em sua grande maioria, homens homossexuais. Com o passar dos anos, houve uma heterossexualização da doença e, atualmente, as mulheres representam metade das pessoas portadoras do vírus em todo o mundo.
A transmissão da doença ocorre através de sangue e secreções humanas contaminadas e, verticalmente, de mãe para filho durante a gravidez e/ou o parto. O compartilhamento de seringas contaminadas com o vírus, como é caso de usuários de drogas injetáveis, foi uma das principais formas de transmissão na década de 1980 no Brasil. Hoje, 80% dos adultos contraem o vírus por via sexual.
Em um formulário respondido por 62 habitantes de Santa Maria, 8,1% das pessoas afirmaram que não usam preservativo em suas relações sexuais; 29% declaram que “depende da situação”; 30,6% protegem-se quando não estão em relações monogâmicas, e 32,3% usam camisinha em todas as relações sexuais. Se o número de pessoas que tem ou já tiveram relações sexuais sem camisinha é de 67,7%, qual a justificativa para um percentual de quase 50% que nunca realizou um teste de HIV? Medo? Vergonha? O velho pensamento de que “não vai acontecer comigo”?
Desde o seu surgimento, a AIDS é uma doença acompanhada de rótulos. Se os efeitos físicos costumavam ser extremamente agressivos, as consequências psicológicas não ficavam para trás. No Brasil, o tabu em relação à doença diminuiu quando figuras públicas, como o cantor e compositor Cazuza, mostraram, na cara e na coragem, as consequências de ser soropositivo. Cazuza faleceu em 1990 e, ainda em 1996, quando o Brasil estava com 25 mil casos diagnosticados no Brasil, a taxa de mortalidade representava, em média, 60%, ou seja, 15 mil pessoas vieram a falecer em consequência da AIDS em apenas um ano.
A revolução em relação ao número de mortes surge com os inibidores de protease em 1997, onde, inacreditavelmente, pessoas hospitalizadas começaram a ganhar peso e “voltaram à vida”, como relata o médico Drauzio Varella no vídeo “História da AIDS no Brasil”, disponível em seu canal no YouTube.
A quebra de patente ampliou o tratamento
A farmacêutica bioquímica e mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Renata Soccal, explica que, quando o tratamento contra o vírus HIV surgiu, somente uma determinada parcela de pessoas contaminadas tinha acesso à medicação. Era necessário estar com menos de 500 linfócitos CD4 no organismo, ou seja, com a doença avançada e com uma carência de células eficientes atuando no sistema imune. Quem estava vulnerável às infecções, iniciava o tratamento com os retrovirais. Algum tempo depois, pacientes com menos de 350 linfócitos também passaram a receber a medicação – crescia, assim, o número de pessoas amparadas pelo tratamento. [dropshadowbox align=”center” effect=”raised” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]O que são linfócitos? Linfócitos são os glóbulos brancos responsáveis por manter o sistema imune funcionando.[/dropshadowbox]
Hoje, em termos de diagnóstico e tratamento, o Brasil se equipara aos países de primeiro mundo. Segundo o Portal Saúde do Governo Federal, o total de brasileiros com acesso ao tratamento com antirretrovirais no país mais do que dobrou entre 2009 e 2015, passando de 231 mil pacientes (2009) para 455 mil (2015). Atualmente, o SUS oferece, gratuitamente, 22 medicamentos para os pacientes soropositivos. Desse total, 11 são produzidos no Brasil.
Todas as pessoas contaminadas com o vírus HIV podem e devem realizar o tratamento imediatamente. Embora o portador do vírus ainda não sinta a necessidade de ser medicado, ele evita que o vírus se prolifere e que outras pessoas sejam contaminadas, pois à medida que o organismo responde bem ao tratamento, o paciente consegue zerar a carga viral. “A maioria das pessoas que responde bem ao tratamento consegue eliminar o vírus circulante. É como se o paciente fosse negativo para o HIV – mesmo contaminado, ele não passa o vírus”, explica Renata.[dropshadowbox align=”center” effect=”raised” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]O que é vírus circulante? Vírus circulante é a quantidade de vírus HIV presente na circulação sanguínea do paciente.[/dropshadowbox]
É importante esclarecer que nem todo o portador do vírus HIV vai desenvolver a AIDS ao longo da vida. As consequências dependem da demora em diagnosticar o vírus e, principalmente, da responsabilidade do paciente com o tratamento. A síndrome retroviral; período de febre, tontura e vômito que ocorre em torno de duas semanas após a contaminação, é um dos momentos em que ocorre a busca pelo teste de HIV. Em casos onde o resultado é positivo, a pessoa já pode começar o tratamento. A farmacêutica atua no LAC, o Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), que recebe gaúchos de diversas cidades do Estado, desde Uruguaiana até Venâncio Aires. O HUSM conta com um equipamento único na região, capaz de visualizar a carga viral de cada indivíduo portador do vírus, ou seja, a quantidade de linfócitos e de vírus circulantes.
Foco na prevenção
A política de quebra de patentes de remédios e a fabricação de genéricos durante o governo de Luis Inácio Lula da Silva diminuiu em 50% o número de casos fatais desde 1996. O “pós-contaminação” está, em teoria, bem encaminhado. Agora, os holofotes estão – ou deveriam estar – focados na “não-contaminação”.
A médica infectologista dra. Liliane Pacheco afirma que as políticas de prevenção ainda são falhas e deixam uma parcela considerável da população de fora: “Acredito que centros de testagem funcionais, assim como os de aconselhamento, deveriam ser amplamente disponíveis”.
A farmacêutica Renata concorda: “Nós vivemos em um mundo paralelo! A questão de extensão é falha. O ideal seria que tivéssemos uma melhor e mais ampla comunicação entre os lados, por exemplo, levando médicos para conversar com os jovens sobre AIDS dentro das escolas”.
A falta de atenção da mídia também é apontada por ambas. Falar sobre AIDS apenas no dia 1º de dezembro, no Dia Internacional do Combate à AIDS, ainda é pouco. “Acredito que a mídia deve deixar bem claro que a prevenção é a melhor alternativa. Embora tenhamos avanços reais em termos de terapia antirretroviral, o aumento de casos de infecção existe e o vírus continua levando consequências danosas para a saúde física e emocional das pessoas contaminadas”, observa a médica Liliane.
Abandono do tratamento
Para além das questões de prevenção e de tratamento, uma das problemáticas no Brasil é o abandono da intervenção. Esse abandono é o resultado de uma soma de fatores, como depressão, falta de disciplina com as consultas e medicamentos e problemas financeiros. Como, então, convencer os pacientes a não desistirem do tratamento? Para Renata, é preciso existir, acima de tudo, respeito com os pacientes: “É possível perceber que a relação médico-paciente é mais pessoal do que padronizada, ou seja, pode existir preconceito por parte dos médicos.”
Mesmo que, de uma forma geral, os currículos dos cursos de medicina contenham disciplinas que abordam a bioética na relação médico-paciente, Liliane afirma que o enfoque realmente depende muito da experiência dos professores. Em uma situação tão vulnerável, onde qualquer motivo pode ser o suficiente para fazer um paciente abandonar a medicação, as políticas públicas de suporte às pessoas portadoras de HIV também são essenciais. Somente remédios não garantem uma “vida normal”, é preciso sentir-se inserido no espaço.
A AIDS não tem classe, gênero, idade ou orientação sexual. Ela atinge pessoas que trabalham com sexo, assim como surpreende casais que estão juntos há mais de 30 anos, onde um dos envolvidos está em uma relação extraconjugal. Assim como é preciso educar a população para que conheça os próprios direitos – inclusive o direito ao respeito -, deve-se acabar com o estigma de que existe um “grupo de risco”. Para estar no grupo de risco, basta ter uma relação sexual sem preservativo.
Os especialistas explicam que o aumento no número de pessoas contaminadas com o vírus HIV se dá, em parte, em função da atual qualidade dos medicamentos. Isso mesmo. Renata explica que, no passado, a medicação alterava até a cor da pele dos pacientes. A doença era visível. Hoje, o HIV não tem cara e, no momento da relação sexual, ninguém imagina que uma pessoa que aparentemente está com a saúde perfeita possa oferecer algum risco – mas pode. [dropshadowbox align=”center” effect=”raised” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Onde eu posso fazer o teste de HIV em Santa Maria? Os testes rápidos, que apresentam o diagnóstico em 15 minutos, podem ser feitos nas unidades básicas de saúde. Na Casa Treze de Maio, o exame rápido é oferecido de segunda à sexta-feira, das 8h às 11h30min, e o teste tradicional pode ser feito de segunda à sexta-feira, das 8h15min às 11h15min, ou nas terças-feiras e quintas-feiras, das 15h15min às 17h30min. [/dropshadowbox] [dropshadowbox align=”center” effect=”raised” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]O que eu preciso levar? Para fazer o teste, é necessário levar documento de identificação e cartão do SUS. A Casa Treze de Maio fica na Rua 13 de maio, 35, no bairro Centro. Esclareça as suas dúvidas pelo número (55) 3921 – 1263. [/dropshadowbox]
O futuro da AIDS
Em março deste ano, a maior agência sem fins lucrativos para pesquisa sobre HIV, a Fundação amFAR, afirmou que o ano de 2020 será marcado pela descoberta da cura da AIDS. Para alcançar o objetivo, 100 milhões de dólares serão direcionados à pesquisa. A farmacêutica Renata explica que, até hoje, o vírus HIV consegue se esconder em locais aonde o medicamento não chega. Mesmo quando a carga viral está zerada, por exemplo, é possível que o vírus esteja “dormindo”, ou seja, torne-se indetectável. Essa é a grande questão da cura: encontrar um medicamento que chegue ao sítio onde está o vírus latente. [dropshadowbox align=”center” effect=”raised” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]O que é vírus latente? É o vírus adormecido, aquele que não está na circulação sanguínea. [/dropshadowbox] [dropshadowbox align=”center” effect=”raised” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]O que é sítio? Sítio é um local do corpo, por exemplo, os linfonodos, onde o vírus fica escondido, ou seja, a medicação não consegue atingi-lo. Atualmente, quando o paciente zera a carga viral, ele consegue não transmitir o vírus, porém, em situações onde de baixa imunidade, os vírus latentes “acordam” e vão para a corrente sanguínea. Na possibilidade de cura, nenhum vírus “acordaria” com a baixa da imunidade, pois o medicamento controlaria, também, os vírus latentes. É o vírus adormecido, aquele que não está na circulação sanguínea. [/dropshadowbox]
A médica Liliane afirma que é inquestionável que se está caminhando ao encontro da cura, mas apostar em uma data é otimismo demasiado, uma vez que os estudos ainda estão em andamento e podem sofrer diversas alterações até a aprovação.
Questionada sobre possíveis interesses da indústria farmacêutica em controlar pesquisas e/ou divulgá-las, Renata diz que é difícil posicionar-se. “As doenças crônicas, onde o paciente precisa ser medicado durante toda a vida, geram muito dinheiro para a indústria farmacêutica. Isso é inquestionável, por isso, eu não me arrisco a dizer se existe algum tipo de interesse envolvido. Infelizmente, não temos como saber”, lamenta a farmacêutica.
O fato é que repercussões mundiais resultaram em ações locais que transformaram o cenário da doença, entretanto, o ano de 2016 mostrou que a América Latina pode estar caminhando em direção oposta ao restante do planeta – o número de pessoas contaminadas aumentou de 2015 para 2016. A torcida para que a cura da AIDS seja encontrada é antiga e, cada vez mais, embasada em possibilidades concretas, porém, não se pode perder o foco: existiam, em 2015, cerca de 37 milhões de pessoas vivendo com HIV no mundo, incluindo crianças e adultos. Dessas, em torno de 827 mil estavam no Brasil, sendo 13% ainda não diagnosticadas. Segundo um estudo divulgado pela revista “The Lancet HIV” em agosto de 2016, cerca de 2,5 milhões de pessoas ainda são infectadas por HIV todos os anos.
“Tudo em nome do amor. Essa é a vida que eu quis!”, cantou Cazuza. Aqui, na América Latina, o amor continua sendo a resposta perfeita para a fome, para a miséria, para a corrupção e para o medo. Que seja, também, a resposta para a AIDS: tudo em nome do amor, mas usando camisinha, por favor!
Por Manuela Fantinel para a disciplina de Jornalismo Científico