Santa Maria, RS (ver mais >>)

Santa Maria, RS, Brazil

Nome: Medo. Sobrenome: Solidão. Jornadas de vigilantes noturnos em Santa Maria

O silêncio da noite nas ruas vazias e escuras do Bairro Duque de Caxias é interrompido pelo apito do Seu Borges. O barulho avisa aos moradores que o vigilante noturno está na área. Aos 57 anos, há mais de 15 Flávio Borges é um desses profissionais que fazem a segurança na região.

“É um trabalho solitário, em que as horas custam a passar”, relata Borges, que também destaca as vantagens do seu trabalho.  “Apesar disso tudo, eu gosto muito do que faço. Todo mundo me conhece na redondeza, e no Natal eu chego a ganhar mais de uma ceia por noite”, afirma o zeloso vigilante, que também é lembrado com carinho pelas crianças do Bairro, pois sempre distribui as balas que tem nos bolsos.

Eduardo da Rosa no seu posto de trabalho (Foto: Marcos Kontze)

A solidão enfrentada por Seu Borges não é um caso isolado. As dificuldades que envolvem a profissão, medos, vantagens e desvantagens de trabalhar durante a madrugada são uma realidade enfrentada todas as noites por esses profissionais, que custam a ver as horas passarem. “Hoje em dia nem olho mais para o relógio, senão parece que demora ainda mais para clarear o dia”, relata Eduardo da Rosa, porteiro noturno de um edifício comercial no centro de Santa Maria. Acompanhado do inseparável chimarrão, ele conta que apesar de já ter trabalhado “por baixo dos panos” como vigilante em uma empresa de Silveira Martins, percebe que deu um importante passo ao ser contratado como porteiro do local onde trabalha. “Além de ser bem mais seguro aqui, pois trabalho dentro do prédio com 32 câmeras na minha frente, faço parte de uma empresa terceirizada contratada pela administradora do condomínio, ou seja, não tenho do que reclamar. Recebo tudo certinho, em dia, com todos os meus direitos”.

Direitos do trabalhador noturno

Além de receber o adicional noturno de no mínimo 20% sobre a hora diurna, diferente da hora de trabalho convencional, a hora contabilizada para quem trabalha a noite não tem 60 minutos, e sim, 52 minutos e 30 segundos. Isso significa que a cada 52 minutos e 30 segundos, o trabalhador deve receber por uma hora de trabalho. Se o profissional fizer toda a sua jornada de trabalho em horário noturno, ele vai trabalhar sete horas, mas receberá como se tivesse trabalhado pelas oito horas. Apesar de a hora de trabalho ser reduzida, o trabalhador tem direito ao mesmo período de descanso. Aqueles com jornada superior a 6 horas, precisam obrigatoriamente de um descanso de, no mínimo, 60 minutos. Neste caso, as empresas podem dar aos funcionários até 120 minutos de intervalo, se assim desejarem. Já para trabalhadores com jornada de 4 a 6 horas, o período de descanso é de apenas 15 minutos. E para os funcionários com jornada de até 4 horas, não se aplica o direito ao intervalo.

O que diz o Sindicato?

De acordo com Airton Lucas, presidente do Sindicato dos Vigilantes de Santa Maria, atualmente existem cerca de 250 vigilantes noturnos trabalhando na Cidade, o que representa uma redução de cerca 50 vigilantes, se comparado ao ano de 2017. Fatores como o corte de gastos por parte de órgãos públicos foram determinantes para essa redução, conforme salienta Lucas: “Do ano passado para este foi terrível, teve uma redução bastante significativa de vigilantes noturnos em Santa Maria. Ano passado tínhamos cerca de 300 profissionais atuando na cidade e hoje possuímos em torno de 250”. Ele lamenta que “cortes de gastos da Advocacia Geral da União juntamente com o Governo do Estado acabaram ocasionando essas reduções. Diante disso, vários postos de monitoramento eletrônico tiveram encerrados”.

Os dados relatados pelo presidente do Sindicato dos Vigilantes da cidade são a atual realidade de Martin Cavalheiro, 56, ex-vigia do Banrisul. Cavalheiro, que trabalhou como vigia noturno do Banco do Estado durante 19 anos, em duas agências de Santa Maria, acredita que sua demissão foi ocasionada por dois fatores: “As empresas não querem mais um veterano guarnecendo um banco na madrugada. Eles pensam que a gente não tem mais fôlego para o tamanho da responsabilidade”, supõe o ex-vigia. “Antes de sair, a empresa em que eu era funcionário instalou sete câmeras no lugar onde eu fazia a ronda. Fui trocado por câmeras.”, brinca Martin.

Vigilante vs. Vigiade

É comum um vigilante ser chamado de vigia, e vice-versa. No entanto, há uma grande diferença entre esses profissionais, segundo o Sindicato. Airton Lucas explica que “a função do vigilante é principalmente a resguardar a vida e o patrimônio das pessoas, exigindo porte de arma e requisitos de treinamento específicos”. É importante ressaltar que o serviço de vigilância deve ser executado por uma empresa especializada no setor.

Em contrapartida, o vigia é todo trabalhador que exerce a atividade de guarda. “É uma atividade que não exige especialização e nem preparação especial”, ressalta Lucas. Também faze parte das atribuições de um vigia exercer tarefas de fiscalização e observação de um local, ou controle de acesso de pessoas, como o trabalho realizado por Eduardo. Por não poderem manusear arma de fogo, esses profissionais são responsáveis basicamente pela manutenção da ordem e segurança dos locais, priorizando a proteção do patrimônio, por meio da ronda local ou de uma estação de trabalho fixa, como as guaritas, utilizadas em alguns estabelecimentos que contam com um vigia.

Muitas vezes, sem ter a profissão regulamentada, esses profissionais acabam não tendo a fiscalização necessária e cursos específicos que orientem na sua formação. Joel dos Santos*, vigia de um mini-mercado da região Leste de Santa Maria, conta que – mesmo sem regulamentação – sua especialidade é “pôr medo em quem estiver mal-intencionado”. Joel revela que, mesmo não sendo autorizado a portar uma arma de fogo, trabalha toda noite com uma “carregada”. “Sem ela, eu não seria ninguém. Essa daqui já me salvou a vida várias vezes”, exalta o vigia, que atua irregularmente como vigilante.


*Nome fictício atribuído à fonte, para preservar sua identidade.

Reportagem produzida pelos alunos Gabriel Pfeifer e Marcos Kontze para a disciplina de Jornalismo Investigativo, durante o 1º semestre de 2018, sob orientação da profª Carla Torres.

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O silêncio da noite nas ruas vazias e escuras do Bairro Duque de Caxias é interrompido pelo apito do Seu Borges. O barulho avisa aos moradores que o vigilante noturno está na área. Aos 57 anos, há mais de 15 Flávio Borges é um desses profissionais que fazem a segurança na região.

“É um trabalho solitário, em que as horas custam a passar”, relata Borges, que também destaca as vantagens do seu trabalho.  “Apesar disso tudo, eu gosto muito do que faço. Todo mundo me conhece na redondeza, e no Natal eu chego a ganhar mais de uma ceia por noite”, afirma o zeloso vigilante, que também é lembrado com carinho pelas crianças do Bairro, pois sempre distribui as balas que tem nos bolsos.

Eduardo da Rosa no seu posto de trabalho (Foto: Marcos Kontze)

A solidão enfrentada por Seu Borges não é um caso isolado. As dificuldades que envolvem a profissão, medos, vantagens e desvantagens de trabalhar durante a madrugada são uma realidade enfrentada todas as noites por esses profissionais, que custam a ver as horas passarem. “Hoje em dia nem olho mais para o relógio, senão parece que demora ainda mais para clarear o dia”, relata Eduardo da Rosa, porteiro noturno de um edifício comercial no centro de Santa Maria. Acompanhado do inseparável chimarrão, ele conta que apesar de já ter trabalhado “por baixo dos panos” como vigilante em uma empresa de Silveira Martins, percebe que deu um importante passo ao ser contratado como porteiro do local onde trabalha. “Além de ser bem mais seguro aqui, pois trabalho dentro do prédio com 32 câmeras na minha frente, faço parte de uma empresa terceirizada contratada pela administradora do condomínio, ou seja, não tenho do que reclamar. Recebo tudo certinho, em dia, com todos os meus direitos”.

Direitos do trabalhador noturno

Além de receber o adicional noturno de no mínimo 20% sobre a hora diurna, diferente da hora de trabalho convencional, a hora contabilizada para quem trabalha a noite não tem 60 minutos, e sim, 52 minutos e 30 segundos. Isso significa que a cada 52 minutos e 30 segundos, o trabalhador deve receber por uma hora de trabalho. Se o profissional fizer toda a sua jornada de trabalho em horário noturno, ele vai trabalhar sete horas, mas receberá como se tivesse trabalhado pelas oito horas. Apesar de a hora de trabalho ser reduzida, o trabalhador tem direito ao mesmo período de descanso. Aqueles com jornada superior a 6 horas, precisam obrigatoriamente de um descanso de, no mínimo, 60 minutos. Neste caso, as empresas podem dar aos funcionários até 120 minutos de intervalo, se assim desejarem. Já para trabalhadores com jornada de 4 a 6 horas, o período de descanso é de apenas 15 minutos. E para os funcionários com jornada de até 4 horas, não se aplica o direito ao intervalo.

O que diz o Sindicato?

De acordo com Airton Lucas, presidente do Sindicato dos Vigilantes de Santa Maria, atualmente existem cerca de 250 vigilantes noturnos trabalhando na Cidade, o que representa uma redução de cerca 50 vigilantes, se comparado ao ano de 2017. Fatores como o corte de gastos por parte de órgãos públicos foram determinantes para essa redução, conforme salienta Lucas: “Do ano passado para este foi terrível, teve uma redução bastante significativa de vigilantes noturnos em Santa Maria. Ano passado tínhamos cerca de 300 profissionais atuando na cidade e hoje possuímos em torno de 250”. Ele lamenta que “cortes de gastos da Advocacia Geral da União juntamente com o Governo do Estado acabaram ocasionando essas reduções. Diante disso, vários postos de monitoramento eletrônico tiveram encerrados”.

Os dados relatados pelo presidente do Sindicato dos Vigilantes da cidade são a atual realidade de Martin Cavalheiro, 56, ex-vigia do Banrisul. Cavalheiro, que trabalhou como vigia noturno do Banco do Estado durante 19 anos, em duas agências de Santa Maria, acredita que sua demissão foi ocasionada por dois fatores: “As empresas não querem mais um veterano guarnecendo um banco na madrugada. Eles pensam que a gente não tem mais fôlego para o tamanho da responsabilidade”, supõe o ex-vigia. “Antes de sair, a empresa em que eu era funcionário instalou sete câmeras no lugar onde eu fazia a ronda. Fui trocado por câmeras.”, brinca Martin.

Vigilante vs. Vigiade

É comum um vigilante ser chamado de vigia, e vice-versa. No entanto, há uma grande diferença entre esses profissionais, segundo o Sindicato. Airton Lucas explica que “a função do vigilante é principalmente a resguardar a vida e o patrimônio das pessoas, exigindo porte de arma e requisitos de treinamento específicos”. É importante ressaltar que o serviço de vigilância deve ser executado por uma empresa especializada no setor.

Em contrapartida, o vigia é todo trabalhador que exerce a atividade de guarda. “É uma atividade que não exige especialização e nem preparação especial”, ressalta Lucas. Também faze parte das atribuições de um vigia exercer tarefas de fiscalização e observação de um local, ou controle de acesso de pessoas, como o trabalho realizado por Eduardo. Por não poderem manusear arma de fogo, esses profissionais são responsáveis basicamente pela manutenção da ordem e segurança dos locais, priorizando a proteção do patrimônio, por meio da ronda local ou de uma estação de trabalho fixa, como as guaritas, utilizadas em alguns estabelecimentos que contam com um vigia.

Muitas vezes, sem ter a profissão regulamentada, esses profissionais acabam não tendo a fiscalização necessária e cursos específicos que orientem na sua formação. Joel dos Santos*, vigia de um mini-mercado da região Leste de Santa Maria, conta que – mesmo sem regulamentação – sua especialidade é “pôr medo em quem estiver mal-intencionado”. Joel revela que, mesmo não sendo autorizado a portar uma arma de fogo, trabalha toda noite com uma “carregada”. “Sem ela, eu não seria ninguém. Essa daqui já me salvou a vida várias vezes”, exalta o vigia, que atua irregularmente como vigilante.


*Nome fictício atribuído à fonte, para preservar sua identidade.

Reportagem produzida pelos alunos Gabriel Pfeifer e Marcos Kontze para a disciplina de Jornalismo Investigativo, durante o 1º semestre de 2018, sob orientação da profª Carla Torres.