O XXIV Simpósio de Ensino, Pesquisa e Extensão – SEPE, da Universidade Franciscana está acontecendo de modo virtual e tem como tema o debate sobre Educação e ciência: aliança em favor da vida.
Na tarde de hoje, 27 de novembro, o professor da UFSM e doutor em Filosofia, Ronai Pires da Rocha, profere palestra sobre a atualidade e as perspectivas da pesquisa em ensino e educação. Em entrevista, Ronai sinaliza a direção da exposição que fará na tarde de hoje. Confira:
ACS – O quão importante é tocar no assunto frente a ‘pesquisa em ensino e educação’?
Ronai Rocha: Em 2017, eu publiquei um livro chamado “Quando ninguém educa”, pela editora Contexto, e agora em 2020 eu publiquei o livro “Escola Partida: ética e política na sala de aula”. Nestas obras, uma parte importante é a espécie de revisão daquilo que vem acontecendo na pesquisa e na pedagogia brasileira, em quesito educacional, desde os anos 70.
Neles, eu reviso as principais correntes de pensamento, ação e planejamento, que indicam ter ocorrido uma espécie de ponto virada nos anos 2000 e que, a meu juízo, não tem sido suficientemente destacado. Em outras palavras, digamos que as mudanças que vêm acontecendo não têm sido ressaltadas. Então, nesta palestra, o que quero fazer é uma retomada dos principais pontos abordados nos dois livros, sobre o que aconteceu na pedagogia brasileira dos anos 60 até o século XXI, e as novidades que pretendo apresentar, serão indicações de quais foram as situações que poderiam ser vistas como pontos de mudança.
ACS – Poderia nos dizer que situações são estas?
R. Rocha: Falo, por exemplo, do processo de surgimento da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) que está entrando em vigor no Brasil a partir deste ano. A estrutura definida fornece as diretrizes do que deve ser implementado nos currículos de ensino fundamental e médio. Vou situar esses pontos numa perspectiva que, desde o começo do século XXI, vai originando novos coadjuvantes na pesquisa curricular brasileira. Coadjuvantes estes que são instituições integradas na iniciativa privada ou não governamentais, que a partir da virada do século cooperaram na pesquisa integrada a construção de currículos. Ao fazer isso, quero indicar que houve uma mudança nos paradigmas de pesquisa de educação. Uma delas é a pressão para que o planejamento seja baseado em evidências, como estes testes que são aplicados anualmente.
O outro é o processo de replicabilidade das experiências bem sucedidas. Neste caso, o pensamento era um conceito de que antigamente o bom ensino era visto fora do país. Hoje encontramos o mesmo no Brasil, que em 2005, em Sobral, Ceará, instituições educacionais tornaram-se referência no ensino nacional;
Vou indicar autores que congregam a neurociência com a pesquisa e educação. E, finalmente, dar exemplos baseados nas mudanças que estão acontecendo neste ano, a partir da BNCC. Tem uma coisa que pouca gente sabe, mas a partir do ano que vem o MEC não vai mais patrocinar livros didáticos por disciplinas. Todos livros serão divididos por áreas do conhecimento, o que reflete na necessidade da natureza interdisciplinar. Será uma palestra muito modesta e pé no chão
ACS – Tendo em vista a turbulência que a educação sofreu neste ano junto às burocracias do sistema educacional, como o senhor avalia o processo de pesquisa englobado na educação e o quão é importante abordar esse assunto aos jovens que tentam se remodelar no ensino remoto?
R. Rocha: Eu vejo alguns pontos bons e outros ruins neste contexto, em meio à pandemia. Na campanha eleitoral de 2018 tinha uma falação sobre a implementação da school home e do estímulo às famílias de proporcionar mais direitos à educação para seus filhos. Essa é uma das consequências da pandemia, pois hoje percebemos que o home school é muito difícil de ser concretizado de maneira positiva.
Outra consequência é que agora começa a se ter uma noção dos brados emocionais e psíquicos que a ausência do convívio da criança com outras crianças e professores causam nos mais jovens, em razão do isolamento. Isso fez com que observássemos a escola de modo mais rico, incrivelmente valiosa no processo de socialização. Por outro lado, acho que este período proporcionou um ganho de qualidade no aprendizado de professores e no uso de recursos digitais.
O problema é que isso aprofunda muito a desigualdade existente no país, pois o porte de um bom ensino híbrido é dependente de bons equipamentos. A desigualdade também é marcada pelas condições entre classes sociais. Enquanto algumas famílias detém de bons recursos, outras não tem acesso a computadores ou internet. Então, dentre as realidades que tivemos no Brasil, neste ano, está a brutal perda educacional que será refletida posteriormente nas estatísticas de aprendizagem. É um ano que em ponto de vista educacional, não foi considerado bom.
ACS – Sobre o impacto sofrido pela comunicação pública já que a migração para o sistema digital interfere no contato entre discentes e docentes. Como se observa a vulnerabilidade dessa comunicação e qual método poderia auxiliar na reestruturação deste ponto?
R. Rocha: Temos que partir de uma premissa de que o nosso convívio com estas possibilidades de comunicação, especialmente ligadas à facilidade do uso de redes sociais, é muito recente e nós não temos uma cultura de contenção de uso de uma sapiência. Não digo que passamos por uma degradação, literalmente, mas um processo de aprendizado lento e doloroso que mostra aos poucos a importância da imprensa como curadora, com o acesso à fontes dotadas de uma curadoria de informações.
O bom jornalismo usa dos pilares da informação, o que consequentemente gera este espaço de tempo mais lento, voltado à aprendizagem. As dores deste processo ao meu juízo, só vão mostrar a importância da valorização do cuidado com fontes e do aprendizado cultural, frente à mídia. Um ponto que a BNCC enfatiza, inclusive, é o trabalho com este novo tipo de conteúdo.
ACS: É clara a desvalorização que o setor científico sofreu no país, com a baixa dos investimentos e com a chegada da pandemia, chegando, pode-se dizer, a uma quase desestruturação do setor. De que modo isso tudo corrobora com o desestímulo à pesquisa na educação nacional?
R.R: Sim, com certeza. Acho que a comunidade científico brasileira perde nas bolsas e áreas do incentivo a pesquisa. Por outro lado, é preciso lembrar que a área de estudo científico nacional é enorme e relativamente bem organizada. Acho que aos poucos vamos encontrar modos de posicionamentos capazes de reverter este clima de desvalorização. Como diria Mário Quintana: “Eles passarão, eu passarinho”.
A ciência é este banco de passarinhos que aprendem a voar e seguirão voando, enquanto as pessoas que não gostam de ciência passarão. Acho que de fato a comunidade científica brasileira vem se construindo desde a década de 70 lentamente e hoje é a maior da América Latina”.