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Paola Saldanha

O celular despertou. Você acordou, destravou o alarme, deslizou a tela e começou a rolar o feed. Após alguns minutos, entre ver notificações, responder conversas e ver o que seus amigos fizeram na noite passada, você levanta. Prepara o café, tira uma foto da mesa, publica e, então, faz sua refeição. Ao sair de casa, coloca o celular no bolso. Na parada do ônibus confere as visualizações do seu último post. Durante o trajeto do ônibus, os olhos quase não acompanham o passar das informações que percorrem a tela. Na fila do banco, o sinal cai e uma sensação estranha faz você se sentir angustiado, ansioso. Por alguns minutos você está desconectado, sozinho. Mas será que antes disso você já não estava só?

A solidão é um tema que faz parte das nossas discussões. Seja uma reportagem na televisão, uma matéria de jornal, pesquisas acadêmicas, livros ou até no cerne de um comentário feito por algum amigo ou familiar. Fazemos parte de uma espécie gregária, ou seja, vivemos em grupo, em que é necessário para o nosso desenvolvimento e evolução viver em coletividade. Portanto, discutir nossa relação com os demais e conosco mesmo, nossos movimentos de aproximação e isolamento, fazem parte das nossas reflexões sobre a vida em sociedade.

Antes de nos sentirmos pertencentes a um grupo, é necessário sentirmos pertencentes a nós mesmos (Imagem: Getty Images)

Ao longo do tempo novos fatores e questões retomam esse assunto e nos últimos anos é possível observar que a solidão ganhou uma perspectiva de análise, ligada a uma nova forma de estabelecimento de vínculos, o virtual. Por meio das mídias sociais e dos avanços tecnológicos dos dispositivos móveis, vivemos um momento em que estamos a um toque de distância de qualquer pessoa, podendo ter centenas, milhares de seguidores e criar diversas conexões.

Segundo os dados disponibilizados pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) em 2018, o Brasil já chegou há mais de 42 milhões de domicílios com acesso à internet, totalizando mais de 120 milhões de usuários. O departamento ainda destacou que as principais atividades feitas online estão ligadas à comunicação, correspondendo 90%  a serviços de mensagens e 77% a mídias sociais.

A partir das nossas próprias experiências, somadas aos dados dessa pesquisa, sem dúvidas, podemos afirmar que nunca estivemos tão conectados assim uns com outros. Entretanto, uma das questões emergentes desse cenário é o quanto realmente estamos estabelecendo conexões reais com as outras pessoas e, principalmente, com nós mesmos.

Se você abrir uma nova guia no seu navegador agora e pesquisar “redes sociais+solidão”, irá encontrar inúmeros artigos e reportagens, denotando que institutos e pesquisadores já realizam investigações sobre essa relação. Entre esses nomes está o de  Sherry Turkle, professora de Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia no Massachussets Institut of Technology (MIT) e doutora em Psicologia da Personalidade. Desde a década de 80 ela estuda os impactos subjetivos da tecnologia. Quando Sherry ingressou no MIT propôs um outro olhar sobre a ligação dos indivíduos com a tecnologia. A pesquisadora trouxe uma reflexão sobre como esses dispositivos ultrapassam a ideia de uma simples ferramenta de comunicação, mas alteram a forma de nos relacionar com os outros, conosco mesmo e com o meio em que vivemos.

Durante os mais de 20 anos de estudos, e quatro livros lançados sobre a temática, Sherry vem avançando sua reflexão acerca do nosso comportamento até o universo online, com as mídias sociais. Há uma preocupação não ligada, diretamente, ao avanços dos meios de comunicação, mas a forma como estamos utilizando esses dispositivos. Estamos perdendo nossa habilidade de estarmos sozinhos e de nos sentirmos bem nessa condição, tornando a solidão cada vez mais evidente.

Há alguns anos, o ambiente virtual proporcionava uma interação temporária. Após algum tempo conectados, fazíamos logout e voltávamos a nossa rotina no espaço físico. Atualmente, o real e o online ocupam o mesmo espaço em nosso dia a dia. Há situações em que o cibernético se sobrepõe ao offline. Conforme Sherry, um dos fatores pelos quais as pessoas preferem o contato virtual está ligado ao poder que temos, literalmente, nas nossas mãos de nos apresentarmos aos outros. Estamos no controle do que iremos mostrar, de que forma iremos fazer isso, realizando um recorte de nós mesmos. Trabalhamos como editores, utilizando filtros, escrevendo e reescrevendo textos antes de responder a mensagens. “Podemos acabar nos escondendo uns dos outros, mesmos que estejamos conectados uns dos outros constantemente”, enfatiza a estudiosa.

Imagem de Jose Antonio Alba por Pixabay

Assim, nos tornamos mais vulneráveis no contato real com outras pessoas. No mundo concreto não temos tempo para editar o retorno, tudo ocorre em tempo real, as respostas são instantâneas. E são nesses momentos que realmente conhecemos o outro e nós mesmos, nos momentos em que gaguejamos, ficamos sem respostas, tropeçamos nas palavras. Além disso, o contato físico é vital para nós, seres gregários. Um abraço, um beijo, um aperto de mãos libera hormônios importantes, como a ocitocina – ligada a sensação de segurança e bem estar, estimulada ainda no útero materno. O toque, o afeto são importantes para nossa saúde corporal e mental.

Com isso, cada vez mais isolados dos vínculos físicos, sentimos a necessidade de receber atenção de alguém, e as redes sociais surgem como uma forma de nos mostrarmos a muitas pessoas, de não nos sentirmos sozinhos, de que estamos sendo ouvidos. Assim, a demanda pelo compartilhamento de nossas experiências para serem validadas cresce. Nos pequenos momentos em que nos percebemos sozinhos, sentimos uma sensação desconfortável, de ansiedade, abandono e o celular surge como uma ferramenta que irá nos salvar da terrível companhia de nós mesmos.

O estar sozinho ganhou um peso negativo na sociedade conectada. Estabelecemos nosso próprio isolamento. Os momentos em que estamos sozinhos deveriam ser momentos de autoconhecimento e auto reflexão, de nos conhecermos melhor, desfrutar da nossa companhia. Essa perda de habilidade acaba também respingando na forma como nos relacionamos com os outros, pois buscamos em nossas conexões pessoas, apenas, para suprir nossa sensação de solidão. “Esperamos mais da tecnologia e menos do outro[…]A tecnologia nos atrai mais quando estamos vulneráveis. E nós somos vulneráveis. Estamos sozinhos, mas receamos a intimidade”, disse Sherry Turkle durante uma palestra no TED Talks.

Confesso que conheci o termo solitude há poucos anos, mas o conceito já era familiar. Alegria e prazer em estar sozinho, sem sentimento de falta, mas de realização, plenitude. Desfrutei somente da minha companhia inúmeras vezes. Lembro que há algum tempo isso era incrível, me sentia bem, contemplava dos mais simples momentos até grandes reflexões só. Entretanto, experimentar essa mesma sensação tem sido cada vez mais difícil e percebo que outras pessoas também passam pelo mesmo. Li inúmeros relatos, inclusive, nas mídias sociais, sobre esse sentimento de desconexão, de não se sentir mais pertencente a um grupo ou espaço, ligado ou não ao isolamento físico, mas a sensação de estar deslocado, a solidão.

As mídias sociais podem ser grandes pontes de ligação e estabelecimento de diferentes conexões. O ponto crucial aqui é busca pelo equilíbrio. Inclusive, é possível visualizar um movimento de diálogo entre as pessoas sobre a solidão. Em grupos de conversas, tweets, posts no Facebook e Instagram o questionamento sobre o próprio uso dessas redes vem ganhando espaço. Não será com um toque que uma chave virará e tudo passará a ser diferente, mas precisamos iniciar um processo de percepção, reflexão e ação. Nossa relação com as mídias sociais e dispositivos de comunicação ainda é recente. Não podemos abandonar a solitude, pois os movimentos de interiorização são importantes para nosso autoconhecimento e para uma boa qualidade de nossas conexões com os demais.

 

 

Paola Saldanha é egressa do curso de Jornalismo da UFN. Acredita em uma narrativa com protagonismo de diferentes vozes e espaços, uma leitura plural de vidas plurais

Quanto mais adiamos pensar na velhice, mais perto dela ficamos sem nos preparar (Imagem: Getty Images)

Se tornar velho é um processo que traz novidades. Por mais óbvio que possa parecer esse raciocínio, confesso que, particularmente, apenas me dei conta disso há pouco tempo. De alguma forma, sempre enxerguei meus avós ocupando este espaço: o de avós e de pessoas idosas. Recentemente, após tentar argumentar mais uma vez com meu avô sobre algumas mudanças que seriam necessárias na rotina dele, ouvi um desabafo. Somente ali percebi que eu estava tentando impor algo sem levar em consideração que, para ele, aquilo não era tão simples e natural quanto eu, millennium apressada e ansiosa, pensava ser. 

Para meu avô, assim como para outras pessoas que chegam à terceira idade, envelhecer carrega complexidades. Ocupação de um novo espaço, aceitação, crises, dúvidas, reconhecimento também fazem parte desse processo. Há alguns anos, chegar a velhice era um privilégio; hoje é uma realidade desafiadora. Diferentes recortes sociais, econômicos, culturais e de saúde cobram das esferas familiar e pública ações de atenção a essa faixa etária. Como vamos viver a velhice dos nossos pais, tios, avós? Como vamos viver a nossa velhice?  O mundo está ficando de cabelos brancos e o que vamos fazer em relação a isso?

A realidade evidencia que a pirâmide etária do mundo passa por uma inversão. Conforme projeções divulgadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), o mundo dobrará o número de pessoas com 60 anos ou mais até 2030. A entidade afirma que a população idosa é a que apresenta um crescimento mais rápido entre todos ou demais grupos, correspondendo a um avanço de 3% ao ano. Esse aumento no número de pessoas na terceira idade está ligado a dois principais fatores: a queda no número de natalidade e o progresso da medicina.

No que diz respeito ao primeiro aspecto, há uma relação de proporcionalidade entre o aumento da porção de idosos e a redução da taxa de natalidade, pois enquanto o número de crianças diminui, a população segue em desenvolvimento e envelhecendo. Esse encolhimento do índice de nascimento é fruto de uma mudança de estilo de vida da população mundial ao longo das últimas décadas. 

A saída das famílias do campo para a cidade impactou a rotina e o modelo das famílias tradicionais. Urbanização da população, aumento no número de ingresso nas áreas trabalhistas fora do lar, expansão do mercado, maiores jornadas de trabalho e a conquista do espaço da mulher nos negócios diminuiu a disponibilidade de tempo para o cuidado com os filhos. A prioridade das gerações atuais se volta mais para o desenvolvimento pessoal e profissional, os paradigmas em relação à constituição de família mudaram. Além disso, a evolução dos métodos contraceptivos permitiu organização e planejamento para a chegada de uma criança.[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Há alguns anos a ONU já promove ações que visam discutir e pensar estratégias para uma melhoria na qualidade de vida da população idosa. Em 1982 foi realizada a primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, na Áustria, que gerou o Plano de Ação para o Envelhecimento. O documento foi composto por 66 recomendações para os países membros da organização, com o objetivo de proporcionar o bem estar da terceira idade. [/dropshadowbox]

Ainda em relação a métodos e medicamentos, o segundo fator de destaque para o aumento significativo no número de idosos é a evolução da farmacologia e dos avanços tecnológicos na área da saúde. A velhice traz com ela alterações das funcionalidades, sendo comum nessa faixa etária doenças crônicas múltiplas, mas que encontra nas novas descobertas na ciência e com a o desenvolvimento de novas tecnologias ferramentas para o controle das doenças e prolongamento da vida. Contudo, a promoção de serviços básicos de saúde ainda não supre a demanda crescente. A população que inspira maior atenção ainda enfrenta escassez ou restrição de recursos.

As problemáticas enfrentadas ligadas ao acesso a serviços e medicamentos estão dentro de uma questão maior, a relação teoria e prática. Há alguns anos a ONU já promove ações que visam discutir e pensar estratégias para uma melhoria na qualidade de vida da população idosa. Em 1982 foi realizada a primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, na Áustria, que gerou o Plano de Ação para o Envelhecimento. O documento foi composto por 66 recomendações para os países membros da organização, com o objetivo de proporcionar o bem estar da terceira idade. 

Em 2002, a II Assembleia Mundial Sobre o Envelhecimento foi realizada na Espanha. O segundo encontro atualizou o Plano de Ação para o Envelhecimento, exigindo não apenas dos chefes de Estado, mas da sociedade em geral, o comprometimento com a readequação à realidade demográfica e com investimento na implementação de políticas para o envelhecimento.

No Brasil, programas foram desenvolvidos a fim de criar normas e garantir direitos sociais para a terceira idade, entre eles a Política Nacional do Idoso, de 1994 – criada a partir das recomendações da ONU -, e o Estatuto do Idoso, em 2003. Os documentos são importantes ferramentas para a aplicação de estratégias nos âmbitos econômico, social e cultural. Contudo, é possível observar que o país ainda não trata com prioridade essa questão. As diretrizes assinadas não demonstram tanta efetividade frente a uma realidade cada vez mais emergente.

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Conforme dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), o disque 100 recebeu mais de 37 mil denúncias no ano passado. Isso significa que o número de casos de violência contra idosos é ainda maior, levando em consideração que há casos não denunciados. Negligência, violência psicológica, abuso financeiro e violência física são os tipos de agressões mais comuns.[/dropshadowbox]

Sem um suporte de qualidade do Estado, os idosos também enfrentam a falta de preparo familiar com a velhice. A nossa sociedade, como já dito anteriormente, não pensa e discute sobre o envelhecer. No dia a dia, a convivência com familiares idosos indica que falta uma educação voltada a compreender esse processo tão natural. Em casos, infelizmente, não tão raros, a violência se faz presente nos lares dessa população. Conforme dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), o disque 100 recebeu mais de 37 mil denúncias no ano passado. Isso significa que o número de casos de violência contra idosos é ainda maior, levando em consideração que há casos não denunciados. 

Negligência, violência psicológica, abuso financeiro e violência física são os tipos de agressões mais comuns. Mais da metade das ocorrências tem os filhos como culpados, correspondendo a 52,9%, sendo a casa o principal cenário das violações, com 78,35%.  Ainda que o documento divulgado pelo MMFDH não apresente as motivações dos casos, sem dúvidas é possível apontar a falta de humanidade e sensibilidade perante a esse grupo. Imersos em uma rotina que exige números, tempo, produção, compreender o envelhecimento se mostra fora de pauta. 

Envelhecer é uma ação natural. As alterações causadas pelo tempo indicam que estamos vivos, que o ciclo da vida transcorre normalmente. Ficar velho é um processo orgânico que atinge todos os indivíduos, mas que como tantos outros, evitamos dialogar e refletir. A ideia de ficar velho ronda nossos pensamentos quase de forma temerosa. Para começar, o termo “velho” carrega uma conotação negativa. A palavra é associada àquilo que não possui mais utilidade, que está ultrapassado. Ninguém quer um equipamento velho, uma roupa velha, um produto velho. Portanto, “ficar velho” ganhou um tom preocupante. Não estamos preparados para envelhecer, tampouco lidar com o envelhecimento de nossos familiares e pessoas próximas.

 

Paola Saldanha é egressa do curso de Jornalismo da UFN. Acredita em uma narrativa com protagonismo de diferentes vozes e espaços, uma leitura plural de vidas plurais

Estudar. Trabalhar. Sair da casa dos pais. Obter independência financeira. Ganhar reconhecimento profissional. Esses degraus representaram por anos o caminho que levaria as pessoas para uma vida adulta plena. Entretanto, para a geração de jovens adultos da atualidade esses degraus não remetem mais tanta estabilidade e felicidade, e uma discussão começa a surgir dentro desses grupos a respeito das expectativas idealizadas sobre o futuro.

Durante o último ano de graduação e, principalmente, após a formatura, comecei a me sentir desapontada comigo mesma. Uma sensação de insuficiência passou a acompanhar minha rotina. Eu colei grau, mas ainda estava desempregada e morando com minha mãe. Talvez estivesse falhando como adulta. Porém, a partir do momento em que compartilhei essas angústias com outras pessoas de idades próximas a minha, percebi que  essas questões também cercavam os pensamentos delas.

Instigada por isso, pesquisei sobre o assunto e descobri que esse é um fenômeno da geração Y. Pesquisas, artigos e reportagens buscam compreender e justificar o processo vivido pelas pessoas que  nasceram entre os anos 80 e meados dos ano 90. O debate ainda é recente, mas dois fatores ganham destaques nas produções desenvolvidas nos últimos anos e ajudam a compreender o porquê da alta cobrança e do sentimento de frustração nutridos pelos jovens adultos.

A geração Y cresceu com uma grande expectativa em relação ao futuro. A promessa de um horizonte promissor está diretamente relacionada à educação destinada a esse grupo e seus antepassados. A geração baby boomers abrange a população que nasceu após a segunda guerra mundial até os anos 60. O contexto social e econômico em que cresceram era delicado, principalmente, nos países atingidos diretamente com a guerra. Com isso, a expectativa dessa geração era muito baixa em relação às conquistas futuras. O único propósito era um estabelecimento profissional para conseguir manter a família.

O  grupo seguinte, denominado de X, que abrange os nascidos entre os anos de 60 e 80, desenvolveu-se em um contexto diferente. Partindo com baixas expectativas e o mesmo propósito ensinado pelos progenitores, a geração X encontrou um cenário econômico que favoreceu um crescimento pessoal e profissional mais rápido e mais cedo do que o esperado. Com isto, o pensamento “com minha idade minha mãe já trabalhava”, “com minha idade meu pai já morava sozinho” tem uma justificativa.  Mas voltando à linha de raciocínio, a geração X, ou a geração dos nossos pais, educaram a geração Y, ou nós, com uma grande expectativa em relação ao futuro e  conquistas. A intenção dessa linha de pensamento não é colocar nos pais a culpa de nossas frustrações, mas compreender como esse movimento ocorreu e atingiu gerações dentro um contexto maior.

Dessa forma fica mais claro entender o porquê nos afetamos mais do que nossos antecessores no que se refere ao êxito pessoal e profissional. Partimos com o pensamento de que somos capazes de conquistar bens e espaços apenas com muito empenho. E é aí que sofremos o primeiro impacto. Quando não atingimos determinada meta, nos sentimos inferiores e insuficientes, pois se não conseguimos, foi porque não fizemos direito, não nos dedicamos o bastante. A geração Y passa a dar mais valor ao que falta e ao que deixou de ser feito, do que para aquilo que se já conquistou e para o espaço já ocupado.

E nesse cenário, um segundo elemento de destaque para o fenômeno vivido por esse grupo se apresenta, as redes sociais. Nossa geração é hiperconectada e o receio pelo offline já tem até nome: FOMO (“fear of missing out”), que pode ser traduzido como o medo de ficar de fora. É uma expressão que traduz não apenas o receio de ficar fora das mídias sociais e deixar de ver alguma publicação, mas também abarca a sensação de insatisfação sobre si mesmo ao se comparar com a vida exposta por outros usuários.

As diferentes mídias potencializam o exercício de comparação. Ao deslizar a timeline e ver as conquistas de outras pessoas, nos sentimos frustrados. E isso não é, necessariamente, inveja, mas uma sensação de que enquanto estamos “parados” outros estão fazendo mais e melhor do que nós e, por isso, venceram. Entretanto, imersos nesse ciclo de comparação e frustração, deixamos de pensar em, pelo menos, dois pontos básicos.

Primeiro, as redes sociais apresentam apenas um recorte da realidade. As postagens daqueles que seguimos expõe um determinado momento de suas vidas, mas não o real. A maioria das pessoas passam pelas mesmas angústias, dúvidas, com a diferença de que não as tornam públicas. O segundo ponto se refere a contexto. Enquanto clicamos em fotos e vídeos e nos comparamos, não pensamos que pessoas vivem em cenários diferentes, com estilos de vida diferentes, recortes sociais e econômicos distintos. Não é justo comparar trajetórias que partem de pontos diferentes.

A estrutura em que a geração Y está inserida leva a um desgaste psicológico. Não é difícil de encontrar reportagens e pesquisas que discutem sobre a saúde mental do jovem hoje. Exigência por um alto desempenho, pressão para alcançar um lugar – que no fundo nem sabemos muito bem qual é e se realmente queremos estar lá -, desenha um quadro perigoso e que precisa urgentemente de reparos.

Já é possível visualizar uma movimentação por parte dos jovens adultos na tentativa de quebrar esses paradigmas. Inclusive, há pouco tempo, algumas figuras públicas, que alcançaram um patamar considerado de prestígio, revelaram a seus fãs e seguidores que não estão bem e abriram espaço para uma conversa sincera sobre metas, conquistas e felicidade.  A abertura para um diálogo honesto consigo e com os outros está contribuindo para um processo de reflexão e desconstrução de um modelo de vida proposto à geração Y.

 

 

Paola Saldanha é egressa do curso de Jornalismo da UFN. Acredita em uma narrativa com protagonismo de diferentes vozes e espaços, uma leitura plural de vidas plurais

As famílias dividem porta, literalmente, com as obras que avançam os terrenos. Fotos: Paola Saldanha

Lar. Além de residência, também representa um local onde as pessoas se sentem à vontade, confortáveis, seguras. Mas e quando esse ambiente dá espaço para a insegura e a incerteza, onde se abrigar e deitar, tranquilamente, a cabeça no travesseiro? Desde 2014, algumas casas têm seus pilares atingidos, no sentido figurado e literal, por operações que atravessam de leste a oeste o cenário santamariense.
As obras da Travessia Urbana de Santa Maria – assim intitulado o maior projeto de infraestrutura viária da região central do estado – mudaram não apenas a rotina de quem transita pelas estradas da cidade, mas também dos moradores que vivem em torno dos trechos em reformas. Com a única certeza de que terão que deixar suas moradias, as famílias aguardam respostas sobre o futuro dividindo porta com maquinários e materiais de construção.
Tânia Valeria Silva e Everaldo Freitas moram há quase uma década na casa construída por eles mesmos, próximo ao trevo da Santa Marta, um dos pontos em que ocorrerão desapropriações de residências. Após o cadastro feito pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), órgão responsável pela obra, o casal recebeu a última atualização do caso há cerca de três anos. “Isso é o mais angustiante. Tu não sabe o que vai acontecer. A gente não pode pintar a casa, não pode terminar o que a gente queria, colocar o muro. A gente não pode fazer nada, porque se for colocar, sabe que é um dinheiro colocado fora. Eles (DNIT) nos deram um 0800, para ligar. Eu já liguei uma duas vezes. Sempre dizem a mesma coisa ‘não se preocupem, que na rua vocês não vão ficar’. E que eles não podem nos falar mais, porque a ordem está acima deles”, relata Tânia sobre a falta de informações dada sobre a situação vivida.

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Isso é o mais angustiante. Tu não sabe o que vai acontecer. A gente não pode pintar a casa, não pode terminar o que a gente queria, colocar o muro. A gente não pode fazer nada, porque se for colocar, sabe que é um dinheiro colocado fora. Eles (DNIT) nos deram um 0800, para ligar. Eu já liguei uma duas vezes. Sempre dizem a mesma coisa ‘não se preocupem, que na rua vocês não vão ficar’. E que eles não podem nos falar mais, porque a ordem está acima deles”[/dropshadowbox]

Quando as casas foram catalogadas, os moradores foram comunicados de que poderiam optar entre duas alternativas: realocação ou indenização em dinheiro. Entretanto, após o primeiro contato, as famílias não foram mais contatadas. A angústia se tornou ainda maior pelo avanço das máquinas e materiais, que ameaçam as estruturas das casas. Sem definições, enquanto os operários soldam, concretam e levantam vigas, a população atingida martela o “se”. “Se forem direcionadas a outro local, terão a mesma infraestrutura? Será em algum bairro próximo? Como afetará a rotina de estudo e trabalho?” “Se forem ressarcidos, o valor será suficiente para comprar algum imóvel? Ou por quanto tempo conseguirão se manter de aluguel?”
Everaldo e Tânia não têm planos para o depois porque o presente é incerto. Não sabem em que situação irão partir com as duas filhas. Apenas sabem que precisam partir. Com isso, outra estrutura também se abala, a psicológica. “Às vezes eu estou deitado e olhando tudo. Tudo isso foi eu quem fez. Penso ‘poxa, tem que desmanchar tudo, fiz tão bem feitinho’. Eu fiquei seis meses trabalhando dia e noite. Eu viajava e ficava sem comer, porque eu sabia que se fosse a um restaurante, eu iria pagar uma comida e eu iria perder de comprar uma tomada, um fio. Trabalhei dia e noite para construir aqui, porque não tinha mais como pagar aluguel. Era a única chance que eu tinha de não pagar aluguel. Esse ano tá pesado. Não decidem nada”, conta Freitas enquanto olha para as paredes, que já sentiram o impacto do projeto.

A casa de Lila e Flores apresenta rachaduras em decorrência das vibrações causadas pelas máquinas operadas a poucos metros

O casal relembra que em vários momentos a residência tremia, em função da vibração causada pelas máquinas que trabalhavam a poucos metros. Vizinhos de Tânia e Everaldo, Lila Maria Flores e Antônio Batista Flores viram as paredes da casa não resistirem. Rachaduras passaram a compor a arquitetura da casa onde viveram por 19 anos. Além das brechas, as telhas também se deslocaram, abrindo espaço para chuva, vento, frio e angústia. “O quarto da minha guriazinha chove igual na rua. Embaixo da cama fica uma lagoa. Eles viram isso aí”, descreve Lila, que notificou o DNIT sobre a situação da casa. O casal divide o terreno com a residência do filho, que também foi atingida pela trepidação das máquinas. Segundo eles, o departamento registrou a situação das moradias, mas não tomou nenhuma providência em relação ao que foi observado.
Quase 15 quilômetros de rodovias fazem parte do projeto de duplicação, correspondendo a trechos das BRs 287 e 158. Com investimento de R$309 milhões do Governo Federal, as obras foram divididas em dois lotes: entre os trevos da Uglione e do Castelinho e entre o Trevo da Uglione até a ponte sobre o Arroio Taquara, perto da Ulbra. Iniciada há cinco anos, a obra tinha o prazo inicial de entrega para 2018. Atualmente, cerca de 70% do projeto está concluído e a nova data para a finalização passou para 2020. Será, somente, nesta fase final que os moradores das casas atingidas saberão seus destinos.

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]O quarto da minha guriazinha chove igual na rua. Embaixo da cama fica uma lagoa. Eles viram isso aí”[/dropshadowbox]

A falta de iniciativa e diálogo pesam sobre o quadro já delicado em que essas famílias vivem. Ainda que sem dia definido, o DNIT anunciou que audiências serão realizadas com a população entre agosto e setembro deste ano. Tânia, Everaldo, Lila e Antônio contaram que souberam das reuniões pela imprensa e que ainda não foram notificados. “Espero que aconteça logo, a nossa casa tá rachando. Está bem complicada a situação aqui. Tem reparo pra fazer na casa, mas fazer agora é botar dinheiro fora. Se dissessem hoje que tem uma casa perto, boa, que valoriza a nossa, eu sairia hoje, daria um jeito” desabafa Flores.
Pode parecer ansiedade excessiva de Flores em querer sair da casa após a definição dos meses de audiência. Contudo, praticamente, meia década da sua vida foi marcada pela incerteza e insegurança como os pilares da sua moradia. Deste período, pouco se ouviu do departamento responsável, a não ser o barulho das patrolas e retroescavadeiras avançando o pátio das casas. Para além de uma localização geográfica, os domicílios carregam histórias, os espaços ocupados têm significados. O atraso para dar satisfações às famílias tornou o processo mais penoso. Como e para onde irão, em que situação, estrutura e condições viverão são algumas das perguntas ainda sem respostas.

 

 Paola Saldanha é egressa do curso de Jornalismo da UFN. Acredita em uma narrativa com protagonismo de diferentes vozes e espaços, uma leitura plural de vidas plurais

 

Foto: Registro de uma das ações do Marmita Amiga, desenvolvido pelo projeto Vozes das Ruas SM | Dartanhan Baldez Figueiredo

Segunda-feira. A rotina recomeça. Emprego, faculdade, colégio, compras no mercado, idas ao banco, farmácia, shopping. Ao longo dos diferentes trajetos diários, muitos caminhos se cruzam. Com quantas pessoas você interage? Quantas você vê? E quantas você realmente enxerga?  Uma parcela da população, ainda que presente no cenário urbano, sofre com a invisibilidade e a marginalização. As pessoas em situação de rua recebem olhares tortos ou, simplesmente, não são vistas por aqueles que são guiados pelos olhos da indiferença.

A estigmatização tira a identidade, o nome, a história e a complexidade da realidade de quem encontrou na rua o seu abrigo. A reprodução de rótulos de geração para geração naturaliza um olhar sem humanidade e sensibilidade. Parte da população que atravessa as ruas da cidade se acostumou a não enxergar os rostos de quem tem sua morada em todos os endereços, convergindo em uma prática que exclui, marginaliza e oprime.

Além das relações cotidianas, a invisibilidade se mostra em outras esferas. Inicialmente, não há números oficiais sobre a população em situação de rua, o que já denota uma falta de interesse por parte dos três níveis de governo. Os dados mais atualizados são de 2015, estimados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Como base para o levantamento, foram utilizadas as informações disponibilizadas via Censo do Sistema Único de Assistência Social (Censo Suas) de 1.924 cidades. A partir desse levantamento, o IPEA divulgou a estimativa de que o Brasil tem mais de 100 mil pessoas em situação de rua. É possível concluir que esse número representa, apenas, uma parcela de uma realidade muito maior.

Sem quantificar a fração dessa população, conhecer suas demandas, condições e peculiaridades, não há suporte para a implementação de políticas públicas voltadas para quem vive nas alamedas. Se de um lado há dificuldades no desenvolvimento de diretrizes voltadas para pessoas em situação de rua, por outro, há o risco do desmantelamento do que já foi adquirido. Nos primeiros dias do atual governo, uma medida provisória extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). O Consea foi criado em 1994, mas desativado logo depois. Em 2003 foi reelaborado e passou a integrar o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Composto por dois terços da sociedade civil e um terço por representantes da presidência, cabia ao conselho propor os regulamentos e as prioridades da Política e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Conforme as descrições fixadas na página do Governo Federal na internet, o objetivo do Consea era de “promover a realização progressiva do Direito Humano à Alimentação Adequada, em regime de colaboração com as demais instâncias do Sisan”.

Com a assinatura da medida provisória, o Consea perde o poder de propor diretivas para a Política e para o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Outra revogação diz respeito à composição e organização da equipe. O comando e a responsabilidade dessas questões foram direcionados, exclusivamente, ao Ministério da Cidadania, afastando ainda mais o poder das mãos da população. As consequências da extinção podem afetar uma realidade muito próxima, a do Restaurante Popular Dom Ivo.

O mês de março marcou o terceiro ano da entidade com as portas fechadas. Em média, 400 refeições eram servidas diariamente. Criado por meio do Programa Restaurante Comunitário, os restaurantes populares fazem parte do Sisan e visam atender “grupos populacionais específicos em situação de insegurança alimentar e nutricional e/ou vulnerabilidade social”. A reivindicação pela reabertura do Restaurante Popular Dom Ivo perdeu um importante apoio, pois o Consea-SM cobrava ações da Prefeitura Municipal de Santa Maria para agilizar o funcionamento de um serviço essencial.

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Os dados mais atualizados são de 2015, estimados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Como base para o levantamento, foram utilizadas as informações disponibilizadas via Censo do Sistema Único de Assistência Social (Censo Suas) de 1.924 cidades. A partir desse levantamento, o IPEA divulgou a estimativa de que o Brasil tem mais de 100 mil pessoas em situação de rua. É possível concluir que esse número representa, apenas, uma parcela de uma realidade muito maior.[/dropshadowbox]

Em contrapartida a esse cenário, grupos se mobilizam em intervenções que alimentam não apenas o corpo, mas a esperança de que algo ainda pode ser feito para transformar. Anteriormente, destaquei como parte da população é indiferente a realidade de que vive em situação de rua, entretanto, há também uma parcela participativa, que percebe, ouve e atua. Na cidade há diferentes iniciativas que promovem a distribuição de alimento a pessoas em situação de rua, entre elas, o Vozes das Ruas SM.

Projetado por Márcia Yane Ribeiro e Lidiane Loureiro, o projeto é recente, nascido em janeiro deste ano. Ambas fazem parte de outra organização, pela qual se conheceram, o Força Tricolor Feminina SM, que realizou uma ação de Natal em 2018. Motivada pela promoção da atividade, Márcia procurou por Lidiane que havia coordenado o ato. Dias depois, o Vozes das Ruas SM já trazia no nome a intenção do projeto. A principal ação da organização, atualmente, é o Marmita Amiga, que distribui duas vezes por semana refeições às pessoas em situação de rua, na região central da cidade. “Sempre me identifiquei com essa parte da segurança alimentar. Eu tenho uma amiga, que é ativista, que já havia me proposto algo parecido em função do fechamento do restaurante popular. Quando a gente conversa com as pessoas,  sente que todo mundo tem vontade de fazer”, relata Márcia, que é nutricionista.

Segundo Cristiele Amaral da Silva, que também faz parte do projeto, em pouco tempo, muitas pessoas já se engajaram nas ações. Apesar de não terem um número fixo de participantes, o fluxo de voluntários é considerado grande. Apenas no grupo da organização, cerca de 40 pessoas participam. Em cada atividade, novos voluntários ingressam.

Os alimentos arrecadados são preparados nas casas de voluntários e partilhado duas vezes na semana, nas sextas-feiras à noite, e nos sábados ao meio dia. Acompanhei uma das ações do mês de março. Quase com unanimidade, todas as interações passavam por três fases. Desconfiança, surpresa e gratidão. Inicialmente, assim que abordadas, as pessoas pareciam não acreditar,. Ficavam em silêncio, com olhar um pouco incrédulo. Quando compreendiam que o grupo estava sim se direcionamento a elas, que não foi um engano, se surpreendiam. Não foram apenas vistos, mas olhados – no sentido de serem observados, cuidados. Os olhares não foram desviados, mas estavam fixos nelas, esperando pela resposta do “Oi! Tudo bem?”.  Após, retribuíam, ainda que um pouco surpresas e encabuladas, com sorrisos. Algumas se utilizam de poucas palavras, enquanto outras se abrem, conversam, riem, brincam.

Entretanto, há quem não aceite. Márcia e Cristiele explicaram que já ouviram um não, que logo foi compreendido. “Achavam que tinham que pagar. É o que geralmente acontece. Já ocorreram casos em que não aceitaram por medo que estivesse estragado”, conta Márcia. O ato pode dizer muito sobre o que já passaram e o escudo protetor que criaram. Para além da entrega das marmitas, está a troca, o reconhecimento, a atenção. “Não é só entregar o alimento, mas abraçar, perguntar como estão, se importar. É uma forma de empatia, de se colocar no lugar do outro, sair da bolha”, diz Cristiele.

Um olhar para o outro, para outra realidade. Reconhecer nossos privilégios e refletir sobre o nosso papel. O Vozes das Ruas SM é uma organização que se mobiliza a partir da ideia de que para além da cobrança por ações públicas, também podemos agir, pois fazemos parte desse contexto, dessa sociedade, desse sistema. Durante o dia em que acompanhei as ações e nas conversas que tive, ouvi a frase “se eles (governo) não fazem nada, então, vamos fazer nós por nós”. Fiquei pensando sobre essa frase. Quando ouvi pela primeira vez, compreendi que se referia ao ato de fazer por conta própria. Talvez, ela também tenha sido dita nesse sentido. Porém, também diz sobre a forma como enxergamos o outro. Interpretei que “fazer nós por nós” também significava fazer nós que estamos deste lado, por nós que estamos do outro. O nós de que entrega para o nós de quem recebe, porque somos os mesmos sujeitos.

 

 

 Paola Saldanha é egressa do curso de Jornalismo da UFN. Acredita em uma narrativa com protagonismo de diferentes vozes e espaços, uma leitura plural de vidas plurais

 

 

 

 

 

 

 

No ano passado, 24.628 adolescentes estavam cumprindo medidas socioeducativas no país. Foto: arquivo

Quando se pensa em infância, é costume lembrar das brincadeiras, da diversão, do futebol na rua, das escaladas de árvores e, também, o fato de viver despreocupado e longe das grandes responsabilidades. A liberdade e a segurança que seus pais, você e seus irmãos tiveram na infância, pode não ser a mesma que os seus filhos terão. O cuidado é maior, tanto pelo perigo da rua, quanto pelo risco de fazer parte dela, e cometer algum ato infracional.

O artigo 228 da Constituição de 1988 prevê que um jovem a partir de 18 anos já pode responder criminalmente por seus atos. Para quem tem entre 12 e 17, são aplicadas as medidas socioeducativas e pedagógicas do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). A criança ou o adolescente nessa faixa etária que comete um ato infracional, a educação e a ressocialização devem vir antes da punição.

Crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade estão, cada vez mais, sendo inseridas em atos criminosos e, quando são pegas, passam pelas medidas socioeducativas do ECA. A aplicação varia de acordo com o caso apresentado.

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Por Larissa Essi, Luana Giacomelli, Natália Zuliane e Paola Saldanha

Trânsito entre a Silva Jardim e rua dos Andradas foi fechado. Foto: Thayane Rodrigues/LABFEM

O trânsito nas proximidades dos conjuntos I e III da Universidade Franciscana (UFN) conta com o trabalho de agentes para auxílio na movimentação e orientação de pedestres e motoristas neste Vestibular de Inverno. Para a prova de hoje, a intenção era bloquear as ruas próximas. No entanto, em função da chuva, o trânsito foi liberado.

Conforme  o agente Ferreira, supervisor do turno, essa é a primeira edição do concurso que conta com o auxilio dos profissionais. “No ano passado, percebemos que houve uma aglomeração de estudantes nas ruas do entorno. Junto com eles, transitavam automóveis. Sentimos a necessidade de ajudar na orientação e segurança de todos”, explica.

Ferreira também afirma que nove agentes estão posicionados em pontos estratégicos das imediações. Há operadores nas ruas Duque de Caxias, Silva Jardim, Vale Machado e Conde de Porto Alegre.  Os profissionais seguem no trabalho até às 13h30 e retornam às 17h. Nenhum incidente foi registrado. Apenas embarques e desembarques são autorizados nos acessos aos conjuntos da UFN.

 

Portões abriram mais cedo devido à chuva. Foto: Thayane Rodrigues/LABFEM

O primeiro vestibular da instituição como universidade inicia de maneira diferente. Em função da chuva na cidade, os portões abriram mais cedo para receber os estudantes que realizarão a prova do concurso de inverno. Ao meio-dia, quem já se encontrava nas proximidades da instituição pode acessar o pátio.

Mais de 3.200 estudantes terão quatro horas para responder  50 questões de múltipla escolha e dissertar uma redação. Ao total, oito cursos oferecem 40 vagas para graduação no segundo semestre de 2018. O curso de Medicina é o mais concorrido, com 63 vestibulandos disputando uma lugar.

As provas serão aplicadas nos conjuntos I e III, a partir das 13h30. O gabarito será liberado às 18h30.

 

O relato de quando as cortinas se fecham, as alegrias, tristezas e o amor pela profissão de um artista de teatro. Foto: Breno Surreaux Fixman

Quando entramos em um teatro para assistirmos um espetáculo, deixamos despertar sentimentos muitas vezes escondidos, lembranças vem à tona, pessoas, fragmentos das nossas vidas são resgatados naquela troca com os artistas em cima do palco. Para o ator esse momento não é diferente, talvez aquela atuação a qual ele nos está entregando, seja a mais marcante da vida dele. Um trabalho de meses, anos, uma preparação, mental, física, para chegar ali e mexer em algo dentro de nós.

Para Laédio José Martins o teatro é exatamente isso, uma vida. ”O teatro estava em mim desde criança. Sempre insisti em jogos de representação e na escola os professores comentam que eu sempre queria fazer teatro, escrevendo, organizava apresentações em datas comemorativas. da escola. Na adolescência, aos 14 anos, fui convidado para participar de uma montagem de espetáculo na cidade, por uma oficina de teatro. Entrei para substituir uma pessoa que havia desistido. Entre e nunca mais abandonei”, relembra ele.

“Como o teatro é algo que não é tão certo, a gente tem que estar sempre jogando para todos os lados”, declara o artista. Foto: Arquivo pessoal

Martins fez Mestrado em Teatro na Instituição de Ensino Udesc (2008). Anos antes, ao final da década de 90, se formou em Direção e Interpretação Teatral. Em 1999, aos 26 anos, ingressou na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) para cursar artes cênicas. O que levou Martins a universidade foi a necessidade de possuir um diploma específico, pois já trabalhava na área há alguns anos. “Já não via outra possibilidade para mim. Não queria me sujeitar a um outro tipo de profissão. Já tinha me dado bem com aquilo, era algo que me dava prazer. Eu estava conseguindo sobreviver a partir daquilo. Eu não estava mais conseguindo ter um trabalho formal, pois não podiam mais registrar minha carteira como professor de teatro porque eu não tinha formação”, explicou ele.

“O teatro estava em mim desde criança”

Conheceu sua esposa no curso de Artes Cênicas. Ela se formou no mesmo ano em que ele encerrava suas atividades como professor substituto. Os dois, então, viajaram para a cidade natal de Laédio onde seguiram atuando na área. Após, dez meses, sua esposa foi selecionada para mestrado em Florianópolis. No ano seguinte, Laédio também ingressou no mestrado. Ficaram na capital catarinense até 2012, quando Raquel foi selecionada para ministrar aulas de teatro.

Quando voltou a Santa Maria, reativou  o Coletivo Teatral – Ateliê do Comediante, iniciado em 2005, quando moravam na cidade. A partir da formação desse grupo, que na época era formado por Martins, sua esposa e duas colegas, partiram para o oeste de Santa Catarina fazer oficinas de teatro, em nove municípios. Nesse período, o estado de Santa Catarina havia descentralizado a administração estadual, então cada região tinha uma administração. As coisas começaram a acontecer de forma mais fluída, havia mais verba.

Laédio (ao centro) durante o espetáculo Varieté. Foto: Guilherme Senna

 Em Florianópolis ministrou aulas em um curso profissionalizante e no ensino fundamental (aula de artes) no mesmo período em estudava mestrado. Participou da montagem de duas apresentações na escola de teatro que deu aulas – um como diretor e outro como colaborador.  Nesta época também montaram dois espetáculos com o Ateliê do Comediante: Guarda circo, que pode voltar ainda esse ano ou em 2019.  Pernas pra que te quero, que os trouxeram de volta para o Rio Grande do Sul, entre 2010 e 2011. Neste dois espetáculos, experimentaram as práticas circenses. Ao voltarem para Santa Maria, em 2012, se envolveu na montagem de quatro espetáculos: No país das maravilhas (espetáculo de graduação), À venda (D. Copetti Produções e Cia de Teatro Saca-Rolhas), Mágico de Oz e Branca de Neve (juntamente com a Cia de Teatro Saca-Rolhas).

Laédio também atua na recreação de festas, junto com a Saca-Rolhas e outras companhias de teatro. “Como o teatro é algo que não é tão certo, a gente tem que estar sempre jogando para todos os lados. Eu dou aula, eu dirijo, atuo, faço cenografia, figurino. Participo de todas as etapas de produção”, enfatiza ele. Em 2015, participou da montagem do espetáculo de graduação, Carícias, com cerca de 10 apresentações na cidade. Atualmente, Martins dirige o espetáculo teatral A Venda, que teve início em 2014, e compõe o espetáculo circense Varieté (concepção geral e direção).

A vida do artista de teatro, circense não é fácil, infelizmente o brasileiro não tem a cultura de ir ao teatro, a cultura na maioria das vezes fica em segundo plano e em Santa Maria esse cenário não é diferente. “É sofrido como viver de qualquer outra profissão, com a diferença de que não há um salário fixo mensal, salvo quem trabalha como contratado de uma escola. Quando você tem que correr atrás e produzir seu próprio trabalho fica mais complicado. Mas há mercado na cidade. Porém, em períodos de crise, como a que estamos passando agora, a cultura é a primeira a ser cortada. As pessoas deixam de ir ao cinema, ao teatro. O lazer fica em segundo plano e a gente sente a diferença”, explana ele. Martins comenta que para os ensaios dos espetáculos, conseguem espaços emprestados, não há espaço fixo para ensaios.

“O poder de passar uma mensagem de uma maneira não autoritária, arbitrária, tira as pessoas do lugar comum. Faz refletir.”

O teatro não nos faz apenas rir, chorar ou nos emocionar, também nos faz pensar sobre o mundo em que vivemos e nosso cenário atual. Para Laédio o teatro é político em sua natureza. “Isso é o que me move no teatro, é esse agenciamento político – não a política partidária, mas a política que envolve a gente, nas relações cotidianas. O poder de passar uma mensagem de maneira não autoritária, arbitrária, tira as pessoas do lugar comum, faz refletir”, ressalta ele.

“Quando vemos uma reação positiva do público é um combustível para continuarmos”, afirma Martins. Foto: Rodrigo Ricordi

Quando o espetáculo termina, as cortinas se fecham e as luzes se apagam, a missão do artista está cumprida, tocar nossa alma, transformar as pessoas de alguma forma. Quando o artista remove a maquiagem, ele sabe que também removeu junto as tristezas de quem embarcou no mundo mágico do teatro. “É fantástico. Os números a gente já sabe, como a gente sai nas fotos a gente já sabe. A gente fica tentando buscar a reação do público nas fotos. É gratificante ver, é intraduzível. Nos motiva. Quando vemos uma reação positiva do público é um combustível, para continuarmos”,finaliza.

Por Fabian Lisboa e Paola SaldanhaReportagem produzida na disciplina de Jornalismo Cultural

 

No dicionário, empreender significa conseguir ou tentar fazer algo, colocar em desenvolvimento. Seja por necessidade, sonho ou para mudar de vida, cada vez mais pessoas se tornam donas de seu próprio empreendimento.

Em Santa Maria, cerca de 10.600 microempreendedores individuais já atuam formalmente. A cidade ocupa o sexto lugar no ranking estadual, atrás de Porto Alegre, Caxias do Sul, Canoas, Pelotas e Gravataí, conforme os dados do Perfil do Microempreendeor Individual . Desde 2011 o programa do microempreendedor individual atua na formalização de empresas, por meio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

De acordo com Rômulo Machado, gestor de projetos do Sebrae, não há dados estatísticos em relação ao impacto econômico dos microempreendedores individuais (MEIs) na cidade. Porém, por mês, no momento em que o empreendedor paga seu boleto, cinco reais são destinados ao município. Se for levado em consideração que Santa Maria abriga cerca de 10 mil MEIs, são em média 53 mil reais designados à cidade.

 

Microempreendedor Individual (MEI), Microempresa e Pequena empresa
  • Faturamento: O MEI pode faturar até 60 mil reais por ano, a microempresa pode chegar até 360 mil e a pequena até 3.600 milhões.
  • Funcionários: O MEI trabalha sozinho e pode ter no máximo um funcionário. Os outros portes permitem atuação como uma empresa individual ou uma sociedade limitada, com dois ou mais sócios.

Fonte: Sebrae

Ser seu próprio patrão tem suas vantagens e desvantagens. Assim como trabalhar com produto, serviço ou atividade que goste e determinar seu ritmo de trabalho, ser empreendedor também requer mais responsabilidades. Os investimentos são importantes e podem determinar o sucesso do projeto. Além do fator econômico, tempo e disposição também contribuem muito para a consolidação do negócio.

A franquia Delivery Much é um exemplo de investimento. Com menos de três anos de mercado, a marca já está em mais de 100 cidades do país. Carlos Henrique Busatto atua na franquia de Uruguaiana e  destaca que ter autonomia e liberdade de criação são os principais pontos positivos de ser empreendedor. “Todo dia é diferente do outro quando se está empreendendo, logo essa adrenalina aguça a vontade de fazer dar certo”.

Parte da equipe que atua em Uruguaiana. Foto: Delivery Much – Arquivo pessoal/ Carlos Henrique Busatto.

A escolha da área em que se pretende trabalhar  também é muito importante. Saber qual mercado e público atender garantem vida longa aos projetos. “Nosso crescimento tem sido dentro do planejado. Além disso, todo negócio é gerido por pessoas e o bom relacionamento com parceiros (restaurantes) e clientes (usuários) é fundamental, principalmente na área de serviços”.

O que, atualmente, é uma franquia de sucesso, com colaboradores e marca reconhecida em 14 estados do Brasil, começou dentro de uma sala da Incubadora Tecnológica de Santa Maria (ITSM), com base em projetos de pesquisa dos cursos de Engenharia e Ciência da Computação, em 2011.

A ITSM é um dos quatro ambientes de inovação instalados em Santa Maria, que oferecem suporte físico e serviços para auxiliar projetos a transformar ideias em negócios. A Incubadora Tecnológica do Centro Universitário Franciscano (Itec), Incubadora Pulsar e Santa Maria Tecnoparque são outros espaços que apoiam empreendimentos ainda em fase inicial.

Mas afinal, o que são incubadoras?

Quando alguém tem uma perspectiva de mudar algo, seja no mercado ou na comunidade em que vive, é necessário um apoio para tornar concreto aquilo que estava apenas no planejamento. Os espaços de inovação, que podem ser incubadoras tecnológicas, ambientes colaborativos, coworkings ou grupos de pesquisa, atuam como elos entre ideia e negócio. De acordo com uma pesquisa realizada em 2016 entre a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec)  e o Sebrae, no Brasil existem 369 incubadoras em operação, que abrigam 5.125 empresas, dispostas em diferentes níveis de gradação.

O diretor da  Incubadora Tecnológica do Centro Universitário Franciscano (Itec), Lissandro Dalla Nora, explica que as incubadoras estão um passo à frente em relação ao contexto dos demais ambientes de inovação.  Esses espaços, segundo Dalla Nora, atendem projetos que já possuem uma estrutura pensada, em que os membros já sabem o mercado em que irão atuar, seu público, seu produto/serviço, mas ainda não sabem como se posicionar no mercado.“A incubadora é esse recorte do momento de um empreendedor. A incubadora é o ambiente que vai fornecer essa relação com o mercado, no aspecto administrativo, jurídico, contábil, e psicológico, no caso da Itec”, explica Dalla Nora.

A Itec é um ambiente ligado à Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão(PRPGPE) do Centro Universitário Franciscano e atua desde 2011 no suporte à projetos da comunidade santa-mariense e ligados à instituição. Hoje, 19 empresas compõem o espaço, em diferentes ramos. “O entendimento é que a diversidade de projetos no mesmo ambiente gera um poder competitivo para esses integrantes muito maior do que nós termos um ambiente focado”, afirma Dalla Nora.

Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), além da ITSM, a incubadora Pulsar também presta serviço no auxílio de novos empreendimentos. Ligada à Agência de Inovação e Transferência de Tecnologia (AGITTEC), a Pulsar atende projetos com base tecnológica, em que os membros tenham alguma ligação com a universidade.

Coordenador fala sobre a criação da Pulsar e sua relação com a AGITTEC. Foto: Pedro Gonçalves/ Laboratório de Fotografia e Memória.

A incubadora é um projeto de desenvolvimento institucional de fomento ao empreendedorismo. Ela faz parte de uma das coordenadorias da AGITTEC, que é um órgão ligado ao gabinete da reitoria. Conforme Gustavo Parcianello, coordenador da incubadora e um dos integrantes da AGITTEC, a agência nasceu da necessidade de atender as demandas relacionadas às tecnologias desenvolvidas dentro da instituição. “Além de ter evoluído de um órgão que auxilia na proteção e patenteação das tecnologias desenvolvidas aqui dentro, também se agregou a transferência dessas tecnologias e o fomento ao empreendedorismo”, esclarece Parcianello em relação a criação da AGITTEC.  

 

Para além dos números

O crescimento no número de micro e pequenas empresas geram impactos na economia da cidade, mas, principalmente, promovem mudanças de pensamentos e atitudes.

Para Parcianello, o impacto que as novas empresas e os ambientes de inovação produzem na cidade só será percebido a longo prazo, pois ainda é necessário  fomentar empresas e criar uma cultura empreendedora, embora, alguns resultados já sejam perceptíveis. “Vejo pessoas mudando, mais capacitadas, preparadas, disseminando uma cultura. Empreender é muito mais que abrir um négocio, é uma atitude a longo prazo na vida”, define.   

Além do indicador financeiro, o impacto social que uma empresa gera na comunidade em que está instalada também é importante.

 

Prof. Lissandro Dalla Nora, diretor da Incubadora Tecnológica da Unifra. Foto: Arquivo pessoal.

“Hoje nós temos o envolvimento de mais de 70 pessoas no nosso ambiente de inovação. Criamos uma rede de colaboração, que transpassa a questão financeira. Essa relação entre diversas ideias diferentes, de áreas do conhecimento diferentes vai capacitar todas essas pessoas que estão inseridas aqui com diferencial competitivo de mercado e isso vai dar um retorno muito mais social do que econômico a curto prazo e a longo prazo, não tenho dúvidas, vamos ter um retorno econômico para nossa região, porque teremos um ecossistema colaborativo e não mais exclusivo”, relata Dalla Nora.

Desenvolver uma ideia a partir de uma pauta social atual. Esta é a CLEO, que está instalada no Santa Maria Tecnoparque e atua desde maio de 2016. A empresa está desenvolvendo uma rede de relacionamentos focada no empoderamento feminino.

Criada  durante a Startup Weekend Santa Maria, a empresa busca criar uma rede, em que as mulheres se sintam protegidas e possam escolher com quem vão desenvolver uma conversa, sem a necessidade de exposição.

Formada por quatro pessoas, Tatiana Massarollo, Maicon Luiz Anschau, Lidiane Bertê e Andressa Stocchero, o projeto foi desenvolvido a partir da motivação da temática do empoderamento feminino. “Acreditarmos que através da nossa ideia e do nosso negócio, podemos contribuir para a reflexão social sobre o papel da mulher e seus direitos. A CLEO está sendo desenvolvida para atender as demandas das mulheres modernas, de mulheres reais e mulheres atuais”, destaca Maicon Luiz Anschau, web desenvolvedor da CLEO .

Maricota e seu pão de mel

Fora dos ambientes de inovação, em um dos cômodos de sua  casa, Cicenair Mendes – ou a Ciça – é uma MEI que atua motivada por um importante fator, o amor.

Quando ficou desempregada, em julho de 2016, Ciça pensou em ficar um tempo parada, mas apenas pensou. Durante um almoço, ao comentar que queria fazer algo para vender, uma amiga sugeriu que ela produzisse pão de mel.  A amiga então passou a receita, mas Ciça perdeu a anotação. Após perguntar a outras pessoas e pesquisa na internet, Ciça encontrou alguém que pudesse lhe ajudar..

Mirian tinha uma receita de família e decidiu compartilhar com Ciça, desde que o segredo da fórmula não fosse revelado. No mesmo período, Ciça levou sua filha, Maria Clara, a mais uma consulta médica em Porto Alegre.

Maria Clara é uma menina de nove anos, que nasceu com um problema congênito chamado CIA(Comunicação Interatrial). A CIA ocorre quando existe um orifício entre as duas câmaras do coração chamadas  átrios. Dessa forma, há  um hiperfluxo de sangue para os pulmões. A cirurgia para correção desse problema deve ser feita ainda durante a infância, preferencialmente até os quatro anos de idade. Contudo, a família de Maria Clara descobriu a CIA há cerca de dois anos.

Mãe iniciou seu trabalho para alcançar o valor necessário para cirurgia de Maria Clara. Foto: Pedro Gonçalves/ Laboratório de Fotografia e Memória.

A família viajava à capital do estado periodicamente, para o controle da doença. Porém, em outubro do ano passado, em uma das consultas, o médico informou aos pais de Maria Clara que a cirurgia deveria ser feita o quanto antes.

A notícia que já havia preocupado a família se intensificou com a informação de que os custos não são arcados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e o valor da cirurgia estava orçado em 40 mil reais. “O médico disse que era para se preparar com 10 mil a mais, porque havia os pré operatórios, hospedagem, etc. Aquilo me caiu o chão, eu pensei ‘e agora, o que que eu faço’”, relembra Ciça.

Nesse momento, aquilo que antes havia ficado apenas como uma possível atividade, se tornou a possibilidade de pagar a cirurgia da Maria Clara, os pães de mel.

Inicialmente, Ciça e Maria Clara saíam com uma caixa – que suportava cerca de 80 pães – e vendiam no centro da cidade, em clínicas e na universidade. “Comecei a olhar na internet, e disse ‘Maria, vamos enfeitar esses pães para chamar a atenção, porque as pessoas comem pelos olhos’. Comecei a comprar umas decorações, forminhas diferentes”, recorda.

Enquanto mostra os materiais com os quais trabalha, Ciça narra os momentos em que começou a experimentar novas formas de fazer e decorar os doces e os caminhos que os pães de mel a levara.  Em janeiro deste ano, Ciça passou a destinar um terço da venda de cada pãozinho à cirurgia de Maria Clara e desde dezembro do ano passado, uma campanha lançada na internet buscava ajuda para alcançar o valor necessário para a cirurgia.

Maria Clara ajuda na produção e venda dos pães. Foto:Pedro Gabriel/ Laboratório de Fotografia e Memória.

Ao formalizar a microempresa, após conversas entre maria Clara e Ciça, ficou decidido que o empreendimento ganharia o nome de Maricota Pão de Mel, já que o apelido de Maria Clara é Maricota. O apelido nasceu de uma junção entre o nome da menina e de sua avó, Cota. “O apelido nasceu porque as duas não param de conversar quando estão juntas”, explica Ciça.

Sem perder qualquer oportunidade, a família foi a uma excursão de veraneio e levou os pães para serem vendidos na praia. Durante a viagem, a família conheceu um senhor, que residia em Santa Maria, e sugeriu que eles tentassem vender durante os rodeios da Estância do Minuano.

Após acertar os valores para conseguir vender durante o rodeio, Ciça e Maria Clara passaram a transitar entre os acampamentos das invernadas e as arquibancadas, oferecendo os doces. O final de semana chuvoso não trouxe muitas esperanças as duas, mas após os anúncios feitos através dos alto falantes sobre  a história de Maria Clara, a venda dos pães superou as expectativas.

Ao final, Ciça e Maria Clara haviam vendido todos os doces, e durante todo o rodeio a família conseguiu reunir mais de 30 mil reais – entre  vendas e doações “A gente não tava acreditando no que estava acontecendo naquele final de semana. Deus fez o milagre da multiplicação dos pães”, afirma Ciça.

O produto é a esperança para garantir a saúde de Maricota. Foto: Pedro Gpnçalves/ Laboratório de Fotografia e Memória.

Após o rodeio, Ciça passou a trabalhar com encomendas, muitas delas, de pessoas que estavam no rodeio. Com duas horas de sono, indo dormir às 3h e  levantando às 5h, Ciça atendia aos pedidos de pão de mel.

O valor quase atingido se mostrou longe, novamente, no último orçamento feito ao final de março. De 40 mil a cirurgia teve um salto para 65.700 reais. “O SUS não cobre em nenhum lugar do país. Entramos na justiça para tentar conseguir”, salienta Ciça.

Já quando Maria Clara, ou melhor, Maricota, está em casa, Ciça lembra que, segundo a filha, ela é sócia do negócio e Maricota a dona do empreendimento. Maricota confirma e ainda afirma que  os clientes também são dela. Com bom humor e agilidade, Maricota mostra como são os processos de produção dos pães e como os vende com a mãe.

Sem perder as esperanças, Ciça e Maria Clara mantém a campanha aberta para doações e a empresa a espera de pedidos. “Vamos tentar fazer coisas novas. E depois da cirurgia, vamos seguir”, frisa Ciça.

Muito mais que números, tabelas e documentos, um empreendimento pode ser o caminho para uma mudança de vida ou investimento de impacto social. Além do fator financeiro, investir em dedicação e trabalhar naquilo que satisfaz é  melhor método de se obter sucesso.

 

Esta reportagem foi produzida durante a disciplina de Jornalismo Especializado, do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Franciscano, no primeiro semestre de 2017.