A Agência CentralSul de Notícias faz parte do Laboratório de Jornalismo Impresso e Online do curso de Jornalismo da Universidade Franciscana (UFN) em Santa Maria/RS (Brasil).
Dada a minha profissão e ao fato de residir fora do Brasil, eu estou vendo de longe, mas vivendo de perto, as consequências da operação “carne fraca” no mercado mundial de alimentos.
Entre a mídia e as redes sociais, vi circulando muitas conclusões precipitadas e muita desinformação. Elenco abaixo a minha análise sobre os fatos e suas consequências:
– O Brasil é líder mundial na exportação de alimentos e, numa manobra inédita, acaba de, artificialmente, criar barreiras sanitárias para os seus próprios produtos! O fator mais importante para o comércio internacional de alimentos é o acesso a mercados. Todos os países tentam fomentar a sua própria indústria e restringir as importações ou, pelo menos, todos têm grupos internos que pressionam para que se faça isto. A OMC (Organização Mundial de Comércio) policia o comércio em nível mundial, punindo os países que usam tarifas de importação com tal propósito.
A dificuldade no comércio de alimentos é que o acesso a mercados é vulnerável às “barreiras sanitárias” sobre as quais a OMC não tem jurisdição, porque o são por razões de saúde. O motivo real dessas barreiras é “proteger os mercados”, ou seja, eliminar a concorrência dos importados e fazer a população pagar mais caro para beneficiar a uma indústria específica.
– O que a PF encontrou não justifica uma investigação de dois anos. Está bem que a salsicha era de frango e não de Peru, mas será que não tem bandido de verdade para prender no Brasil?! Crime é crime, precisa ser investigado, julgado e punido, mas prioridades existem.
– A indústria de alimentos do Brasil é excelente, a qualidade é excepcional e a segurança alimentar, de primeira. Isto não é acidente e não foi presente de ninguém. É uma conquista de décadas de trabalho de muita gente e de uma indústria que traz empregos, divisas e progresso ao país.
Eu, como brasileiro, me orgulho de poder dizer com confiança a qualquer cliente no mundo: “o produto do Brasil é melhor”.
– Conheço frigoríficos no mundo inteiro. Os do Brasil são os mais limpos e seguros de TODO O MUNDO. Isso é, principalmente, uma consequência das exigências dos países para onde o Brasil exporta. Todos eles mandam inspetores próprios para verificar tudo. E os inspetores de outros países são pagos para encontrar defeitos. São 30 anos a consertar cada coisinha que encontram e/ou implicam, e o resultado são frigoríficos mais limpos que algumas salas de cirurgia.
– Contrário a algumas teorias conspiratórias que estão circulando, não existe conspiração da carne americana para prejudicar a brasileira. Isso é uma fantasia boba. O que me diverte neste tipo de fantasia, é a capacidade e a competência que atribuem às empresas e ao governo americano. Ah se fosse assim! A verdade é que eles não são tão bons, nem de longe!
Por conta da proibição do México ao produto brasileiro, decorrente da operação “carne fraca”, na quarta-feira eu trabalhei junto à embaixada do Brasil na Cidade do México. Em competência, profissionalismo e preparação achei-os muito, mas muito superiores aos seus equivalentes americanos, com quem eu também lido.
– Não vi as provas e as conclusões geradas pela operação.Provavelmente quase ninguém viu. O que eu penso, parafraseando o Warren Buffet é “Se um patrulheiro segue um carro por 500 km, mesmo o motorista mais cuidadoso vai levar uma multa. Não tem como não levar.”
– As interpretações que estão circulando sobre o que foi encontrado são fantasiosas e equivocadas. Ninguém ganha dinheiro deixando produto vencer. Ninguém conquista os mercados que o Brasil tem fazendo bobagem.
E a informação de papelão no CMS é uma questão de produção muito comum, com a qual eu lidei na semana passada! E não, o papelão não vai no produto, é a embalagem!
– Eu acredito que é possível que exista enriquecimento ilícito de inspetores, sim. Eles estão em uma posição de poder muito forte, e podem causar prejuízos imensos às empresas que fiscalizam mesmo sem ter razão. Uma pessoa inescrupulosa nesta posição pode abusar e extorquir uma empresa. Não estou dizendo que acontece. Trata-se, simplesmente, de que concurso público não elimina psicopata.
– Lembro de ter esta conversa de adolescente com meu pai. Eu dizendo “a polícia tem que matar”. Ele, ponderando, dizia: “se a gente autoriza a polícia a matar sem julgamento, primeiro eles matam os bandidos, logos eles matam os inimigos, depois matam quem eles forem pagos para matar, e por aí vai”. A justiça existe por boas razões, e se ela falha, a solução é melhorar a justiça, não a polícia usurpar suas funções, até fazendo julgamento público na mídia.
– Acho que com a Petrobrás a PF agarrou o gostinho de ser herói. Por mais nobres as causas, este gostinho é perigoso, porque é intoxicante e viciante. Uma vez que a gente o sente, quer sempre sentir de novo e mais. A luz das câmeras causa cegueira seletiva até em mentes lúcidas.
– O dano às exportações do Brasil já é de centenas de milhões de dólares. É difícil de se dar conta, mas isto não é abstrato, é dinheiro de verdade, grana viva. É dinheiro que iria pagar salários, pagar impostos para poder consertar buracos na rua, investir em produção, pagar os agricultores que assim poderiam mandar seus filhos à faculdade, dinheiro que iria fazer o preço dos imóveis subir. Este dinheiro está perdido para sempre. E agora irá para o bolso de empresas, trabalhadores e governos de outros países que vão estar mais do que contentes de tomar mercados do Brasil. De uma maneira ou de outra este dinheiro sai do seu bolso também.
– Há boas razões para que o poder executivo seja estruturado como hierarquia. A necessidade da PF de serem heróis é até saudável, mas a prioridade desta necessidade sobre tantas outras da sociedade precisa ser decidida mais acima. Não cabe à PF a decisão de desestabilizar as exportações brasileiras.
– Por mais que eles tenham errado neste caso, acredito, sim, que a PF tinha boas intenções e acreditava que estavam fazendo o correto A PF também é uma instituição da qual tenho orgulho, eles são muito competentes, profissionais e preparados. Foi a sua liderança que falhou por não considerar as consequências. Não acho que houve má intenção, mas todas as línguas que eu conheço tem uma versão do ditado que diz “de boas intenções o inferno está cheio”.
– O resumo da situação me deu um empresário da China que importa frango do Brasil. Ele me ligou, exacerbado, dizendo: “quando eu vi tudo aquilo, eu achei que era invenção dos produtores daqui, tentando eliminar a concorrência do Brasil. Não era! Eles mesmos se deram um tiro no próprio pé! Incrível! ”.
A concorrência na economia mundial é extremamente acirrada, e os concorrentes ficam mais competentes a cada ano. Eles não precisam da nossa ajuda para tomar nossos mercados. Deixemos eles trabalharem sozinhos para conseguir isso.
Paulo de Tarso M. Trindade é brasileiro e trabalha no mercado de exportação de alimentos há 20 anos. Atualmente é diretor da empresa Grove Services e reside nos EUA.