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As veias abertas da pandemia na América Latina

O coronavírus intensificou os conflitos sociais e escancarou as desigualdades e a crise do capitalismo no território latinoamericano. No início da década de 1970, durante o efervescer da Operação Condor, que representava o controle da América

Sobre histórias a serem contadas

Leguizamo me fez parar para rir, para discordar e para me angustiar ainda mais. Até ontem, ele era, para mim, um ator secundário da indústria de Hollywood, um bom ator coadjuvante. Até ontem. Seu trabalho em

Pedalando pela América Latina

Sonhos. Estrada. Uma bicicleta. Com a vontade de conhecer novos rumos, o paulista de Araraquara Fernando Leiva, 25 anos, criou o projeto Pedaleando Latinoamérica. Ele pretende passar por toda a América Latina sobre uma bicicleta em

O coronavírus intensificou os conflitos sociais e escancarou as desigualdades e a crise do capitalismo no território latinoamericano.

Foto: Santiago Torrado @santitorrado1

No início da década de 1970, durante o efervescer da Operação Condor, que representava o controle da América Latina pelos Estados Unidos através das ditaduras militares, o escritor uruguaio Eduardo Galeano eternizou-se nas linhas de “As veias abertas da América Latina”. O sucesso de vendas, publicado há 50 anos, narrou através de uma pesquisa jornalística, histórica e antropológica, a exploração, as riquezas, a cultura e as realidades da terra e do povo latinoamericano.

Poucos anos antes de sua morte, Galeano, que era jornalista e escritor, chegou a revelar que lamentava que depois de décadas de sua publicação original, “As veias abertas” não tenha perdido sua atualidade.

O livro passou a ser considerado uma bíblia por parte da esquerda intelectual e ferozmente criticado pela direita conservadora. As controvérsias acerca do texto se intensificaram após Galeano considerar que não o leria novamente e que não era qualificado quando escreveu o clássico anticolonialista, antiimperialista e anticapitalista nos anos 70. 

Válido ou datado, o fato é que o livro marcou o pensamento dos estudos sociais latinoamericados e cumpriu sua proposta de analisar e fazer pensar sobre as relações de exploração e dominação que há séculos regem a política e a sociedade das Américas para além dos Estados Unidos.

O fim da primavera progressista

La lluvia que irriga a los centros del poder imperialista ahoga los vastos suburbios del sistema. Del mismo modo, y simétricamente, el bienestar de nuestras clases dominantes – dominantes hacia dentro, dominadas desde fuera – es la maldición de nuestras multitudes condenadas a una vida de bestias de carga.” Tal trecho, retirado da décima sétima página, representa com fidelidade a América Latina de ontem mas também a de hoje.

Após anos de hiato democrático, milhares de mortos, torturados e desaparecidos, os governos populares e o neoliberalismo passaram a dividir espaço nos países da região. Durante a primeira década do século XXI, progressistas foram eleitos por toda a região. A guinada à esquerda trouxe políticos como Néstor Kirchner e Cristina Kirchner na Argentina, Evo Morales na Bolívia, Lula e Dilma no Brasil e José Mujica no Uruguai. Mesmo que esses governos tenham garantido direitos das classes populares e respondido às lutas históricas dos subalternizados, não foram capazes de quebrar, de fato, com os interesses neoliberais dos grupos dominantes. 

Segundo o doutor em História Social do Trabalho e professor da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), Diorge Konrad, “esses governos aplicam políticas sociais e econômicas, inclusive de reparação das perdas do poder aquisitivo das classes trabalhadoras”. Conforme Konrad, mesmo que tenha havido um aumento real de salários “é muito pouco perto das perdas anteriores para repor níveis, por exemplo, do salário mínimo quando ele foi criado” e completa que governos como o do Lula e o de Néstor Kirchner, que chegou a crescer 8% a economia na Argentina, “são governos que não mudaram a macroestrutura neoliberal”.

A não ruptura dos governos progressistas com a ordem neoliberal culminou no declínio de seus próprios políticos. Sob os holofotes da mídia, os escândalos de corrupção e de autoritarismo mancharam a história desses governos e acarretaram num bem elaborado movimento de retomada e manutenção do poder pelas classes políticas e sociais historicamente dominantes.

Os holofotes apontam para a direita extrema e para o neoliberalismo

Guiada pelo discurso anticorrupção, a América Latina abraçou a nova onda conservadora que teve início na Europa na década de 2010. A Operação Lava Jato no Brasil que contou com a midiatização do juiz Sérgio Moro, talvez seja um dos melhores exemplos das características da política latinoamericana atual. 

O discurso neoliberal da extrema direita vende o Estado como real e único vilão responsável por toda corrupção e miséria e, como única forma de combater-se esse mal, é preciso desinflá-lo e diminuir o seu controle ao mínimo possível. Em “A Elite do Atraso”, o sociólogo brasileiro Jessé Souza evidencia a existência de uma distorção da realidade na qual a real elite encontra-se fora do Estado.

Jessé propõe uma analogia, para ele essa construção funciona como um narcotráfico. Nesse sentido, “os políticos são os aviõezinhos do esquema e ficam com as sobras do saque realizado na riqueza social de todos em proveito de uma meia dúzia.” Ainda para o sociólogo, a verdadeira corrupção estaria em permitir que meia dúzia de superpoderosos ponham no bolso a riqueza que é de todos, deixando o resto na miséria.

A partir dessa construção, onde é imprescindível corrigir os erros cometidos pela esquerda através da eleição de políticos extremistas, conservadores e com características fascistas, elegeram-se nos últimos anos, uma gama de novos líderes de direita. 

Entre esses políticos estão Sebastián Piñera no Chile e Iván Duque na Colômbia. Não por causalidade, nesses países eclodiram as maiores manifestações sociais dos últimos tempos na América Latina. Mas além disso, não podemos deixar de citar o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, da “nova direita” que, entretanto, continua representando ideais e pensamentos já conhecidos do cenário político brasileiro. 

A política entreguista e sem espaço para as reivindicações dos movimentos sociais não esperava encontrar pelo caminho uma pandemia que mudaria, mesmo que temporariamente, os rumos político-sociais da América Latina, escancarando fraquezas e reais intenções por trás dos novos líderes do cenário político-ideológico.

A pandemia de conflitos sociais

Foto: Santiago Torrado @santitorrado1

Em 2019, antes mesmo do início da pandemia de coronavírus, a situação social e política da América Latina já apresentava os sinais da crise. No mesmo ano, uma campanha pela passagem do metrô realizada por estudantes do ensino médio de Santiago, tornou-se um dos maiores protestos que o Chile já viu e provocou a queda da constituição datada do governo do ditador Augusto Pinochet. 

O povo foi às ruas contra a política ultra-neoliberal herdada da ditadura Pinochet e contra a enorme desigualdade social do país. O governo e a polícia reprimiram com violência as manifestações, o que acarretou na resistência dos participantes e popularização do protesto que terminou com mais de 30 mortos e 11 mil feridos. Atualmente o país está em processo de redação da nova constituinte.

Já em 2020, no meio de diferentes políticas de contenção ao coronavírus, altos índices de morte, desemprego e inflação, a população latinoamericana seguiu organizando protestos contra o abandono e má condução dos governos.

O primeiro exemplo que podemos citar são as manifestações no Peru em novembro do ano passado. Inconformados com o impedimento do presidente Martín Vizcarra, os peruanos lotaram a capital Lima, em protesto ao que chamaram de golpe à democracia. As manifestações foram consideradas as maiores dos últimos 20 anos segundo a imprensa local. 

Os manifestantes seguiram se reunindo contra o governo inteiro de Manuel Merino e após denúncias de mortes de participantes, 11 ministros do governo pediram demissão. Em 15 de novembro, cinco dias após assumir o cargo, Merino apresentou sua renúncia e seu lugar foi assumido por um governo de transição. 

Neste ano, o Haiti entrou em uma forte ebulição social após uma onda de violência e sequestros assolar o país. Os haitianos exigiam atitude por parte do governo contra os grupos criminosos. Os conflitos passaram a se intensificar desde fevereiro, quando o então presidente Jovenel Moise recusou deixar o cargo e prendeu opositores políticos. Em 7 de junho, Moise foi assassinado em sua residência nos subúrbios de Porto Príncipe em um crime ainda sem solução.

Um dos maiores conflitos sociais que podemos destacar em 2021 foi o ocorrido na Colômbia. No dia 15 de abril o presidente colombiano Iván Duque apresentou ao Congresso uma proposta de reforma tributária que visava aumentar a base de arrecadação do imposto sobre serviços básicos e IVA. A medida buscava liberar 6,3 bilhões de dólares para financiar os gastos do governo durante a pandemia e a recuperação econômica para os próximos anos.

Desde que foi lançada, a proposta de reforma foi considerada onerosa para a classe média do país. Segundo especialistas, a medida retiraria dinheiro dos que movem a economia da Colômbia, deixando-os vulneráveis e incapazes. A partir daí, sindicatos, movimentos sociais e diversos setores da sociedade se manifestaram contra a reforma, o que ocasionou forte turbulência social e rapidamente os protestos se espalharam pelo país.

A cidade de Cali, terceira mais populosa da Colômbia, se tornou o epicentro do embate entre policiais militares e manifestantes. O governo criticou a violência das manifestações e acusou dissidentes guerrilheiros e grupos criminosos de participação nos atos. Desde então, os protestos contra o governo e as denúncias de desaparecimento e morte de manifestantes se intensificaram. Os atos contra o governo e a política neoliberal de Iván Duque resultaram em 67 mortes segundo um relatório do Human Rights Watch.

A forte repressão e violência policial na Colômbia foi relatada pela jornalista colombiana Gina Piragauta que esteve presente na cobertura dos protestos:

“A situação na Colômbia é de conflito social crescente desde muito tempo, há elementos que contribuíram para que aumentassem os conflitos como a falta de emprego, educação, péssimo sistema de saúde e houve protestos muito significativos no ano passado mas foram suspendidos por questão da pandemia. A pandemia veio a acrescentar os conflitos sociais e políticos no país. Esta greve não é de nenhum partido político, de nenhuma organização política, é do povo colombiano trabalhador e nesse sentido levou as pessoas massivamente para a rua. Temos visto que a repressão policial tem sido dirigida especialmente às pessoas da imprensa e também dirigida às pessoas que cuidam dos direitos humanos durante as manifestações. Temos visto que estão disparando nos olhos dos manifestantes, temos muitos desaparecidos. Algumas dessas pessoas desaparecidas aparecem mortas nos rios e de outras nada se sabe e também tivemos muitos presos.”

Os relatos da ação policial disseminaram-se pelas redes sociais e pela imprensa. No dia 1º de maio, Alejandro Zapata, um jovem de 20 anos, foi gravemente ferido pelo esquadrão de choque Esmad durante um protesto em Bogotá e não resistiu. No dia 5 de maio, Lucas Villa, de 37 anos, recebeu vários disparos em uma marcha pacífica na cidade de Pereira. O universitário morreu no dia 11 do mesmo mês. 

Em 14 de maio, Sebastián Munera de 22 anos morreu após ser atingido por uma granada lançada por agentes da Esmad. Um dos casos que mais revoltou os manifestantes e que provocou a convocação de novos atos pelo país foi o da jovem de 17 anos Alison Meléndez. Alison foi presa na noite de 12 de maio e violentada sexualmente por agentes da polícia. Um dia depois a jovem se suicidou.

O êxodo venezuelano

Para além dos conflitos sociais que eclodiram nos últimos anos e que vimos anteriormente, a América Latina também passa por um momento de intensos processos migratórios. Tais movimentos podem ser deslocamentos entre os países latinoamericanos, como os decorrentes de crises humanitárias, mas também, pelos processos de imigrantes de outros países do globo que chegam na América Latina todos os anos. A política de recepção dessas pessoas em processo de deslocamento é diferente em cada país.

De acordo com o cientista político venezuelano Xávier Franco, “nada define mais a espécie humana desde suas origens do que sua capacidade de se mover ao redor do mundo”. Entre os motivos que podem levar uma pessoa a sair de seu país de origem estão as crises humanitárias como a venezuelana, mas também existem outros, como a legítima aspiração por uma melhor qualidade de vida.

Entretanto, no caso da Venezuela, é preciso compreender os aspectos que levaram aos processos de deslocamento populacional. A crise no país vem se intensificado desde 2013 após a eleição de Nicolás Maduro. A população começou a sofrer os impactos econômicos a partir de 2014, quando o barril do petróleo se desvalorizou e a economia venezuelana começou a desmoronar. 

Desde então o país atravessa uma grave crise humanitária onde parte da população é obrigada a se refugiar em países vizinhos. O número de venezuelanos que migraram forçadamente para outros países só em 2020 é de 3,9 milhões. Esses dados são do relatório anual da UNHCR (Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados)

O relatório  mostra um crescimento no número de refugiados venezuelanos no continente latinoamericano. Houve aumento do fluxo de migrações para o Brasil, México e Peru. Porém, mais de 120 mil refugiados venezuelanos que estavam na Colômbia retornaram ao país de origem em 2020. Segundo o documento, entre os motivos para o retorno estão as dificuldades enfrentadas desde o início da pandemia do coronavírus.

Atualmente a Colômbia hospeda cerca de 1,7 milhões de imigrantes venezuelanos. Dados do novo relatório também estimam que entre refugiados e venezuelanos deslocados no exterior, quase um milhão de crianças nasceram em situação de deslocamento entre 2018 e 2020, uma média de entre 290 mil e 340 mil por ano.

O Xávier Franco evidencia que a imigração em massa da Venezuela nos últimos anos “se expandiu em todas as direções mas principalmente para os países fronteiriços, o que gerou uma verdadeira crise política, diplomática e humanitária de proporções continentais para as quais nenhum governo foi preparado e coordenado”.

Para a professora da UFSM e coordenadora do Migraidh (Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão Direitos Humanos e Mobilidade Humana Internacional da UFSM) a migração de venezuelanos é “potencializada pelas questões socioeconômicas e que tem muito forte a própria mobilidade como uma possibilidade de promover as chamadas remessas, levar ao país de envio o suporte para os que ficaram”. Ou seja, nesses casos, a população migrante envia recursos financeiros para os familiares que continuam a residir no país de origem. 

Ataques à imprensa 

Assim como com os movimentos sociais, a imprensa latinoamericana tem sofrido recorrentes ataques e censura. Entre janeiro a junho de 2020 foram mais de 600 violações à liberdade de imprensa na América Latina segundo dados do último dossiê levantado pelo Voces del Sur, um projeto que monitora as agressões à imprensa e a liberdade de expressão em 11 países da região e que no Brasil conta com o apoio da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).

Conforme o levantamento, entre as vítimas estão 336 jornalistas, 27 repórteres independentes, 220 meios de comunicação, 46 fotógrafos e cineastas, 37 diretores, editores e executivos de meios de comunicação, 11 trabalhadores de comunicação e 1 produtor de conteúdo. Além disso, os dados apontam que 453 desses ataques foram realizados por parte dos governos, 95 por meios não estatais e 61 de forma desconhecida.

Outra denúncia do Voces del Sur é sobre as leis que buscam criminalizar a desinformação, as conhecidas notícias falsas. Apesar dessas leis serem propostas como formas de se conter a difusão de rumores e conteúdos falsos que prejudiquem a sociedade, elas podem se tornar ambíguas e quando usadas de forma estratégica por governos, até prejudiciais à democracia.

Segundo a Comissão Internacional dos Direitos Humanos, as proibições de divulgação de desinformações são baseadas em conceitos vagos como “notícias falsas” ou “informação não objetiva”. Porém, é importante que os aspectos sejam analisados cuidadosamente para que se evite imprecisões que possam vir a favorecer atos de arbitrariedade.

Com a covid-19, por exemplo, alguns governos latinoamericanos estão redigindo leis que, por sua vez,  acabam por censurar a informação incômoda. Ou seja, aquela que prejudica ou denuncia a atuação dos governos. Na Venezuela, por exemplo, a Lei Contra o Ódio e o Código Penal foram utilizadas para prender cidadãos e jornalistas que divulgaram informações não oficiais.

O relatório ainda evidencia que o país com mais casos de violação ao jornalismo em 2020 foi o Brasil com 168 casos. Logo depois estão Nicarágua com 123, Equador e Honduras com 50, Peru com 18, Argentina com 16,  Uruguai com 10 e Guatemala com uma violação à liberdade de imprensa.

Texto produzido na disciplina de Jornalismo Internacional, do Curso de Jornalismo da Universidade Franciscana sob a orientação da professora Carla Torres.

John Leguizamo

Leguizamo me fez parar para rir, para discordar e para me angustiar ainda mais. Até ontem, ele era, para mim, um ator secundário da indústria de Hollywood, um bom ator coadjuvante. Até ontem. Seu trabalho em criar o teatro/filme/documentário ‘História da América Latina para idiotas’ chamou minha atenção. E começo com algumas ressalvas: ele comete muitos equívocos, cai em estereótipos para criticar outros, todavia há um argumento de fundo que vale a pena pensar. Nessa obra, ele roteiriza e apresenta o momento em que desnuda os sentidos de ser latino-americano nos EUA e esse é um momento crítico. Na peça, Leguizamo assume os papéis de professor, pai, terapeuta para falar sobre os elementos cotidianos e simbólicos que são acionados para compor o ‘ser latino’ como um estigma a partir do bulling que seu filho sofre na escola. Assim, o bulling aparece como um meio de atualizar a linguagem de pretensa superioridade da qual o do racismo é composto.

Gostaria de parar um pouco nessa expressão da ‘pretensa superioridade’ para examiná-la melhor. Essa parada demanda um pedido de ajuda para a psicologia, e de desculpas ao mesmo tempo, pois farei um uso um tanto frouxo dessa área do saber. A psicologia, que ao longo do século XX nos instruir na linguagem e no tratamento que damos a nós mesmos como espaço de saber. Menciono o termo frouxo para dizer que sou apenas uma entusiasta, uma apaixonada pela área e, portanto, não a uso com os critérios dos profissionais. Isso tudo para dizer que é necessário apontar que essa ‘pretensa superioridade’ é construída por esforços contínuos e repetitivos de inferiorizar outras pessoas, ações baseadas em sentimentos do espectro do ciúme ou da inveja. Ou seja, há necessidade de rebaixar o outro para se sentir melhor e esse pode ser um esforço individual contra alguém ou ações coletivas que se somam. É difícil escrever sobre isso. É terrível ser alvo disso.

Imagem de Gustavo Torres por Pixabay

Longe de ser unicamente uma expressão individual, historicamente a ‘pretensa superioridade’ se constituiu numa empresa: a empresa colonial, cujo alimento foi o racismo. Como alvos preferenciais, a empresa colonial atuou nos continentes Americano e Africano, apesar de ter atingido todo o mundo, sempre que um coletivo tentou inferiorizar o outro para constituir um domínio. E o racismo ou a ‘pretensa superioridade’ é uma herança cruel e sorrateira.

E isso parece não ter fim, porque se atualiza em formas mais sofisticadas de truculência. Leguizamo produz um roteiro de teatro/filme/documentário para contar como que ele descobriu esse processo atualizado na política de deportação e rejeição de imigrantes nos EUA atual, bem como, num conflito que seu filho enfrentava na escola. O menino, em brincadeiras bandido e mocinho, foi apontado pelos colegas como alguém que só poderia assumir o papel de bandido devido a sua descendência étnica. E isso completado pela percepção de que não pertencia àquele território e que não tinha direito a ser reconhecido, como os latinos em geral, como um cidadão legitimo daquele local. O objetivo da expressão do preconceito é quebrar o outro, para então poder submetê-lo.

A forma da apresentação do teatro/filme/documentário é a comédia e, apesar de provocar risos na plateia, constrange, vai se tornando mais e mais difícil de ouvi-lo. O ator traz ao palco livros didáticos usados atualmente nas escolas, e o retrato que emerge é de um sistema educacional que não valoriza as suas gentes, à medida que silencia sobre uns e mantém protagonistas outros. Leguizamo se coloca numa cruzada em busca de um herói latino e sente suas tentativas frustradas. É angustiante ver dramatizado o quão árdua é a tarefa de falar a história negligenciada pelos livros didáticos. É aterrorizante ver a associação dessa negligência com as políticas de um Estado democrático contemporâneo.

O gosto amargo ao final é pelo processo violento que se atualiza e se camufla no não reconhecimento do protagonismo do outro na construção da nação que se consubstancia no uso do termo ‘latino-americano’ como um deboche, um xingamento, uma pecha, um traço cultural ao qual os sujeitos são reduzidos e pelo qual são discriminados. O gosto amargo é o de perceber que a sociedade brasileira não está distante desse quadro, pois reafirma traços dessa colonialidade, da presença e o uso de pretensas superioridades para justificar privilégios.

Há muitas histórias a serem contadas, muitos silêncios a serem quebrados.

 

Paula Jardim Bolzan, historiadora e antropóloga, professora na UFN

Cotidiano registrado na Praça Libertadores de América, em Arequipa (2019). Foto: Julia Trombini

Na América Latina, são os peruanos que lideram o índice da leitura de jornais, cerca de 71% da população, conforme estudo do Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e no Caribe (CERLALC). Não que seja uma competição ou comparação, mas os números dizem muito sobre o lugar e como as pessoas buscam informações ou praticam o hábito da leitura. De acordo com a pesquisa, os argentinos são os que leem mais livros, seguidos pelos chilenos e brasileiros, que ficam em terceiro lugar – o que indica 4,96 livros por ano. Vale frisar que essa análise considera como leitor uma pessoa que leu alguma obra nos últimos 12 meses. E por isso conclui que 56% dos brasileiros são leitores. Mas e os outros 46%?

 

Julia Trombini é jornalista escorpiana egressa da UFN. Fez parte da equipe do LabFem (Laboratório de Fotografia e Memória) como repórter fotográfica. Trabalhou também com diagramação, assessoria de imprensa e produção de conteúdo. Tem interesse em fotografia, audiovisual e temas de resistência política.

 

Foto: Diego Garlet/ Lab. Fotografia e Memória
Sobre duas rodas, Fernando pretende passar por toda a América Latina em três anos de viagem. Foto: Diego Garlet/ Lab. Fotografia e Memória

Sonhos. Estrada. Uma bicicleta. Com a vontade de conhecer novos rumos, o paulista de Araraquara Fernando Leiva, 25 anos, criou o projeto Pedaleando Latinoamérica. Ele pretende passar por toda a América Latina sobre uma bicicleta em três anos de viagem.

“Eu conheci um amigo que fez 26 mil quilômetros de bike. E aí eu pensei: por que não tentar?”, conta. Desde sua saída de Alfenas, Minas Gerais, em dezembro de 2015, até a chegada em Santa Maria, na segunda semana de abril de 2016, foram 3180 quilômetros rodados.

Junto com sua bicicleta, Fernando traz na mochila apetrechos essenciais para sua jornada. “Eu levo o básico como ferramentas, roupas, comida, uma panela, um jogo de prato, talheres e copo, além da barraca, isolante térmico, capa de chuva, lona, estepe e câmaras reservas. Com a bicicleta, tudo tem cerca de 65 kg”, relata o viajante.

Quando Fernando não está na estrada, conta com a sorte de um lugar tranquilo e de boas pessoas que oferecem hospedagem. “Tem dias que é acampamento selvagem, então acho um lugar perto de um rio, que tenha água e lenha. Mas quando é uma cidade maior, já aprendi a não chegar sem ter onde ficar”, comenta. Em Santa Maria, o cicloturista encontrou estadia com a ajuda de um site chamado Couchsurfing. “Ele é uma rede social de viajantes que o pessoal disponibiliza suas casas para hospedagem. Embora não funcione muito bem no Brasil, eu dei sorte”, explica.

Antes de embarcar no projeto, Fernando era estudante de Ciências Biológicas na Universidade Federal de Alfenas. “Eu não conclui o curso porque desde o começo não pensava em usar o diploma, eu só queria tirar algum conhecimento e utilizo muito isso na viagem, seja para acampar e até me alimentar”, revela.

Depois de passar por Santa Maria, a rota de viagem é em direção a São Sepé. O cicloturista pretende ir, após sair do Rio Grande do Sul, para o Uruguai. O percurso de Fernando é compartilhado em uma página do Facebook chamada Pedaleando Latinoamérica. Entre fotos, vídeos e relatos, o viajante conta a história de uma grande pedalada por mais de 20 países.