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Anorexia

Os distúrbios alimentares e as inimigas Ana e Mia

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”450px” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]“Permita-me apresentar. Meu nome é Ana. Felizmente nós podemos nos tornar grandes parceiras. No decorrer do tempo, eu vou investir muito tempo em você, e eu espero o

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”450px” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]“Permita-me apresentar. Meu nome é Ana. Felizmente nós podemos nos tornar grandes parceiras. No decorrer do tempo, eu vou investir muito tempo em você, e eu espero o mesmo de você. No passado você ouviu seus professores e seus pais falarem sobre você. Diziam que você era tão madura, inteligente, e que você tem tanto potencial. E eu pergunto aonde tudo isso foi parar? Absolutamente em lugar algum! Você não é perfeita, você não tenta o bastante! Você perde muito tempo pensando e falando com amigos! Logo, esses atos não serão mais permitidos. Seus amigos não te entendem. Eles não são verdadeiros. No passado, quando inseguramente você perguntou a eles: ‘Estou gorda?’ E eles te disseram: “Não, claro que não!”, você sabia que eles estavam mentindo! Apenas eu digo a verdade! E sem falar nos seus pais! Você sabe que eles te amam e se importam com você, mas uma parte é porque eles são pais, e são obrigados a isso. Eu vou te contar um segredo agora: Bem no fundo, eles estão desapontados com você. A filha deles, que tinha tanto potencial, se transformou em uma gorda, lerda, e sem merecimento de nada! Mas eu vou mudar isso. Eu espero muito de você.”[/dropshadowbox]

 

Ana é como a Anorexia é chamada pelas pessoas que sofrem o transtorno alimentar. Essa apresentação da doença foi escrita por uma pessoa com anorexia e tornou-se um texto comum entre as pessoas com distúrbios alimentares. Ele é facilmente encontrado em blogs e grupos relacionados a doença.

Anorexia nervosa é um distúrbio alimentar resultado da preocupação exagerada com o peso corporal, que pode provocar problemas psiquiátricos graves. A pessoa se olha no espelho e, embora esteja extremamente magra, se enxerga obesa. Com medo de engordar ainda mais, exagera na atividade física e no jejum.

Uma das características dos distúrbios é a preocupação exagerada com o peso corporal
Uma das características dos distúrbios é a preocupação exagerada com o peso corporal

Mia é o codinome da Bulimia. Um distúrbio que se caracteriza por episódios recorrentes e incontroláveis de grandes quantidades de alimentos, geralmente com alto teor calórico, seguidos de reações inadequadas para evitar o ganho de peso, tais como indução de vômitos, uso de laxativos e diuréticos.

Ana e Mia no Facebook

“Meninas, eu estou sofrendo demais, me sinto tão sozinha, sinto que não tenho ninguém NO MUNDO. Eu queria muito me matar, pelo menos eu sei que tenho vocês, o que me faz ficar um pouco menos pior.”Esse é o depoimento de Rita* em grupo secreto do Facebook.

O Facebook virou ponto de encontro para várias trocas de informações e discussões de vários assuntos, os mais diversos que você imaginar. Inclusive de incentivo para doenças sérias, como a Anorexia e Bulimia.

Ao escrever está matéria, eu solicitei a participação em três grupos fechados de Ana e Mia, fui aceita e “entrei” para um novo universo. Um lugar paralelo à minha realidade, cheio de siglas, termos novos e meninas doentes implorando por uma fuga.

Apenas observei e cada dia que eu acessava eu ficava mais deprimida e desacreditando naquilo que  estava lendo. Pessoas ficam de NF por dias, o que significa no food, não comer. Elas almejam ter corpo Thinspo  –  quando os ossos já começam aparecer, principalmente a clavícula – e miam  – forçar vômito depois das refeições – com frequência.

Nesses grupos em que todos os membros têm o mesmo pensamento, eles pedem amparo, mas não para curar-se ou iniciar um tratamento. Eles pedem ajuda para emagrecerem mais. Querem saber qual dieta está funcionando com colegas de grupo, qual remédio usar, como forçar vômito e o mais importante, como enganar os pais e driblar aqueles que começam a desconfiar dos transtornos alimentares dos filhos.

Projeto-Ana-e-Mia

O psicólogo Marcos Daou explica que a Anorexia e a Bulimia têm funções psicossociais, e ocorrem não somente por questões biológicas e genéticas. Algumas pessoas têm predisposição, outras crescem em ambientes específicos, por exemplo, com pais muito rígidos, muitas cobranças e altos padrões de exigências. Tudo isso vai contribuir para alguns traços nas características de personalidade.

As características psicológicas nesse tipo de distúrbio são introversão, perfeccionismo, autoconceito negativo e distorcido de um autocontrole.  Também nessas características está relacionada a baixa autoestima com o peso. Ou seja, eu sou aquilo que peso. Quanto menos peso a pessoa tiver, melhor vai ser, mais irão gostar dela, vai ser melhor no que faz, entre outras expectativas. “Normalmente, estas questões estão relacionadas em como os filhos enxergam os pais. Obcecados com alimentação, os pais contam as calorias dos alimentos na frente dos filhos”, comenta o psicólogo.

Outra forte característica é se a pessoa já sofreu bullying, quando mais jovem, em relação ao peso. Se a pessoa é mais magra ou mais gorda,  isso contribui para os traços. Tudo está inter-relacionado com a doença.

Anorexia e Bulimia estão dentro do DSM – Manual de Diagnósticas e Estatísticas das Perturbações Mentais, da Psicologia.

A nutricionista Ana Paula Barbosa explica que as pessoas com transtornos alimentares conseguem ficar sem comer, mas só por um determinado tempo. “Depende do estágio que a pessoa se encontra. Se estiver muito magra isso pode ser bem complicado e ocasionar até uma internação hospitalar. Mas se estiver no início elas ficam sem comer, apenas bebendo líquido”, comenta.

Os distúrbios alimentares ocorrem dez vezes mais em mulheres do que em homens, mas a tendência é ir aumentando. Por diversas consequências, como questões de beleza, saúde, esporte. Por exemplo, há práticas esportivas que exigem da pessoa ser altamente regrada e disciplinada com o seu peso. Como, balé, ginástica, judô. Isso reforça a ideia de regular tudo que ingere.

No grupo online, que incentiva os distúrbios alimentares, encontrei Pedro*, um rapaz de 16 anos que publicou seu depoimento na rede social.

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”350px” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]“Tudo começa com apelidos dado por amigos e familiares, apelidos do tipo fofinho, gordinho, bolinha, bochechudo, etc. Aí, tu quer ficar com uma pessoa e ela diz que só gosta de pessoas magras e isso vai virando uma tortura na tua mente. Na hora tu fica com raiva, deprimido e começa a comer sem ter ideia do que tu vai começar a fazer. Então tu vai para frente do espelho e vê que de fato tu está gordo, e tu te arrepende de ter comido tudo aquilo. Diz para ti mesmo que tu vai começar a fazer dieta. Tu te surpreende com o resultado. Então tu fica sem comer e quando come,  corre paro o banheiro rapidamente e vomita tudo aquilo que comeu. E aquilo vai virando um vício. Meu nome é Pedro*, tenho 16 anos, 1,75 de altura e antes de entrar no mundo da Ana e Mia, eu pesava 85 kg. Hoje estou com 63 kg e ainda quero emagrecer mais”.[/dropshadowbox]

 Anorexia e Bulimia fora da internet

A história de Clarissa, 35 anos, é diferente das meninas dos grupos Pró Ana e Mia, ela não sabia que estava com anorexia e nem da existência da doença. Ela começou a emagrecer com 16 anos. “Eu sempre fui muito auto exigente e ia bem no colégio, só que naquele ano eu tirei sete. Cheguei em casa e pensei: já que não sou a mais bonita, não sou a mais inteligente, eu quero ser a mais magra”, relata.  Ela também conta que não sentia fome e diminuiu 10kg em menos de 20 dias.“Teve uma época em que eu comi uma maçã em quatro dias”.

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Clarissa aos 16 anos pesando 45kg. Foto cedida pela entrevistada do seu arquivo pessoal.

As irmãs de Clarissa descobriram que ela estava com anorexia, porém ela se enxergava bem. Tempo depois ela desenvolveu a bulimia e engordou 20kg. Começou o tratamento com psiquiatra, mas não adiantou. Nesse meio tempo, ela começou a faculdade e o trabalho, o que estabilizou a doença. Hoje com 35 anos, Clarissa afirma que não está curada. “Tenho a consciência de que não estou curada e nem vou me curar. Eu sinto prazer em não comer, sei que tenho que me alimentar para me manter bem. Mas para mim ser magra é questão de ser feliz”, afirma.

 Diagnóstico e Tratamento

Segundo a nutricionista Elisângela Copo,  o diagnóstico é realizado por um médico especialista. Ele poderá fazer o diagnóstico a partir de dois instrumentos: o DSM-IV: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais e o CID-10: Classificação Estatística Internacional de Problemas e Doenças Relacionadas à Saúde. Porém, muitas vezes é difícil da família detectar o problema, porque alguns doentes escondem a magreza excessiva dos pais, por exemplo, usando roupas largas.

Nos casos mais extremos mais fácil de detectar e mais difícil de tratar, por que elas se encontram já debilitadas e o cuidado tem que ser maior”, comenta a nutricionista Ana Paula Barbosa.

No caso da Bulimia, os pacientes não apresentam emagrecimento repentino e é mais complicado ainda de detectar a doença. Muitas vezes ela é descoberta através de outras enfermidades, como por exemplo problemas estomacais, causados por vomitar excessivamente .

O tratamento deve ser prioritariamente multidisciplinar, com médico psiquiatra, psicólogo, nutricionista, além de enfermeiro e terapeuta ocupacional quando requer internação. Tratar os distúrbios alimentares é uma questão de longo prazo, é comum ter negação dos pacientes e muitas recaídas.

 A diferença entre as duas doenças:

ANOREXIA

No decorrer da produção da reportagem eu consegui me colocar no lugar dos doentes, principalmente das meninas. A maioria delas  são da minha idade, têm os mesmos interesses. Muitas delas também estão na faculdade. Elas carregam um problema. Os transtornos  referidos na reportagem realmente são um peso na vida delas.  Sair deles  não é tão simples assim como prescrever tratamentos e soluções. O pensamento e o corpo delas vão bem além disso, e  não cabe a nós julgá-las.

*os nomes foram alterados.

Reportagem realizada para disciplina de Jornalismo Especializado II.