Saudades de mim
Lembra quando a gente achou que passaríamos 15 dias em casa dividindo os dias entre pães gostosos, livros que estavam há anos esperando uma chance e horas a fio com os olhos pregados em uma série
Lembra quando a gente achou que passaríamos 15 dias em casa dividindo os dias entre pães gostosos, livros que estavam há anos esperando uma chance e horas a fio com os olhos pregados em uma série
Existe a beleza dos dias planejados, as tarefas completas, a via sem trânsito, janta na mesa e o banho antes de deitar. Um alívio em não esbarrar em contratempos. E os dias passam e passam e
Se tudo não estivesse perdido, o que você estaria fazendo hoje? O que você estaria escrevendo? Você faz o que faz por escolha ou por circunstância? Se não fosse aquele parafuso solto, a máquina de lavar
“Eu entendo a visão dela, mas não concordo. Ela não deveria falar isso”. “Ela devia estudar mais antes de sair falando”. “Fez o uso errado de uma palavra”. “Ela não sabe que esse conceito é de
Primeiros dias pós-Carnaval, dias em que volta aquela sensação de recomeço. “Agora vai!” E hoje também inicia minha colaboração mensal aqui na Agência Central Sul. É no embalo dos (re)começos que proponho resgatar algumas reflexões sobre
A Agência CentralSul de Notícias faz parte do Laboratório de Jornalismo Impresso e Online do curso de Jornalismo da Universidade Franciscana (UFN) em Santa Maria/RS (Brasil).
Lembra quando a gente achou que passaríamos 15 dias em casa dividindo os dias entre pães gostosos, livros que estavam há anos esperando uma chance e horas a fio com os olhos pregados em uma série qualquer? Lembra quando achamos que seria incrível trabalhar de casa, sem precisar acordar tão cedo para enfrentar o trânsito e livres para usar calças de pijama durante reuniões?
Mas aquela ilusão de duas semanas se aproxima da marca de 500 mil mortos e 500 dias de isolamento (sem previsão de acabar) e estamos longe de conhecer todos os impactos que essa história terá em nosso futuro, além da óbvia saudade dos que partiram e de quem éramos.
Isolamento social parecia uma experiência que nos levaria de volta a nós mesmos, conectados ao que realmente gostávamos de fazer quando acompanhados de apenas nós mesmo ou das pessoas que vivem conosco. Parecia que seria possível isolar o enfrentamento a pandemia, as máscaras, o álcool em gel e “todos os protocolos de segurança” do lado de fora de casa. Aqui dentro ficaríamos acompanhados das calças de pijama, café quente, pão novo feito em casa, animais de estimação, plantas e pequenos ritos de autocuidado que salvaguardam a sanidade. Não que as expectativas de enfrentar 15 dias de pandemia (ô dó) fossem leves e positivas, havia muito medo e receio do que estava por vir, mas nós éramos nós mesmos e usamos a memória do que conhecemos como um apoio para aguentar. E agora que quase não nos reconhecemos mais?
É curioso visitar as memórias das primeiras semanas de isolamento e não conseguir se reconhecer naquilo que esperamos (re)encontrar quando o mundo puder ver a covid-19 como uma crise superada. As rotinas mudaram, as relações não são mais as mesmas, adaptamos o jeito de trabalhar e estudar e inventamos outras formas de celebrar os dias felizes. Diariamente chegam as notificações das redes sociais, “neste dia há 2 anos”, e tanta coisa mudou que é recorrente pensar “que saudades de mim”.
Que saudades da energia que a gente tinha. Que saudades de mim num bar, que saudades de mim batendo perna por aí, que saudades de mim quando usava maquiagem de festa, que saudades de mim abraçando tanta gente. Que saudades da gente saudável na rua, na praia, nas salas de aula, dançando nas festas e na vida.
Arcéli Ramos é jornalista, egressa do curso de Jornalismo da UFN e colaboradora da CentralSul.
Existe a beleza dos dias planejados, as tarefas completas, a via sem trânsito, janta na mesa e o banho antes de deitar. Um alívio em não esbarrar em contratempos. E os dias passam e passam e passam. Eis que numa tarde acontece “aquilo que não dava para imaginar”. Por alguns instantes, horas, semanas ou dias – depende da sorte improvável de cada um – permanece aquela sensação de que tudo é possível. O primo Lucas disse “você precisa se apaixonar pelo imprevisível”. E o que é a paixão senão um monte de coisas misturadas com a sensação engraçada na boca do estômago e o pavor de tudo dar errado.
O imprevisível é viciante. É adrenalina. Num dia você acorda e é surpreendido. No outro joga a agenda no lixo, desiste de fazer planos a médio e longo prazo. Acorda matutando se ao deitar na cama vai pensar “hoje não dava pra saber que isso ia acontecer”. Adrenalina. A gente também pode chamar de vida.
É novembro e antes que comecem a surgir listas de planejamentos, metas, prazos, etc, fica o ensinamento do primo Lucas – que só é primo da Jout Jout. Não é fácil e muito menos confortável. Em alguns momentos vai ser muito difícil, mas é assim mesmo que a gente faça de tudo para evitar. Mas é tão bom e vale a pena quando a gente permite que coisas inimagináveis virem realidade. Você vai ser surpreendido pelas coisas ruins, pode ter certeza. Se der medo, tudo bem também. É com medo que vem a coragem, o imprevisível e o ar fresco nos pulmões.
Arcéli Ramos é jornalista egressa da UFN. Repórter da Agência Central Sul em 2015. Com pesquisas na área jornalismo literário e linguagem, hoje também estuda “Pesquisa de tendências”. É colaboradora na New Order, revista digital na plataforma Medium, e produz uma newsletter mensal.
Imagem de Роман Романов/Pixabay
Se tudo não estivesse perdido, o que você estaria fazendo hoje? O que você estaria escrevendo? Você faz o que faz por escolha ou por circunstância?
Se não fosse aquele parafuso solto, a máquina de lavar que estragou de novo, o boleto atrasado, o bolo com gosto de queimado e tudo mais que pode dar errado. O que você estaria fazendo? Você abriria uma cadeira de praia no meio da praça só para ouvir histórias de amor – ou dor, já que é mais provável que ambos se encontrem. O que te impede de aprender cerâmica hoje?
Se não fosse a política, a economia, as relações exteriores, a guerra que todo mundo ignora e as perguntas sem respostas. Particularmente prefiro as perguntas. Talvez pela profissão, que vez ou outra serve de resposta. “Eu tenho formação em fazer perguntas”. Por isso, faço tantos questionamentos. Qualquer um pode dar as respostas, mas elas nunca vão servir para todos.
Se o que te impede é dinheiro, existe um livro que vai ser “a solução de todos os problemas financeiros”, você só precisa adquiri-lo por R$29,99. O impeditivo é tempo? Existem milhares de minutos em vídeo na internet dizendo que a solução é acordar às 5h todos os dias. Existe uma resposta e um método para alcançar qualquer coisa. Problema é quando você descobre que sempre vai haver uma nova coisa que impede. E uma nova pessoa ensinando o jeito certo de fazer qualquer coisa.
Não existe um jeito certo ou único de fazer as coisas. Não vai existir uma condição perfeita. Mas a chuva parou essa semana. Coloca a cadeira na praça e me conta uma história de dor – ou da roupa da semana passada que não secou.
Arcéli Ramos é jornalista egressa da UFN. Repórter da Agência Central Sul em 2015. Com pesquisas na área jornalismo literário e linguagem, hoje também estuda “Pesquisa de tendências”. É colaboradora na New Order, revista digital na plataforma Medium, e produz uma newsletter mensal
“Eu entendo a visão dela, mas não concordo. Ela não deveria falar isso”. “Ela devia estudar mais antes de sair falando”. “Fez o uso errado de uma palavra”. “Ela não sabe que esse conceito é de fulano?”. Não importa o quanto você estude, o que diga, o que viveu e quanto conhecimento carregue. Você nunca será perfeita.
A intenção aqui não é motivar ou desmotivar qualquer ação. De textos motivacionais a internet está cheia – no amplo sentido da palavra. Esse papo de “ninguém é perfeito e tudo bem” já cansou. Se cansou é porque está há muito sendo replicado, triplicado, adaptado, etc. E vai continuar sendo dito e cansando as pessoas por aí, porque é uma resposta ao padrão de perfeição que continua sendo objetivo.
Porém, existem muitas formas de ser e demandar plenitude. “Sem defeitos”, “Nunca errou”. Num universo de possibilidades, é perceptível que para algumas pessoas a exigência de perfeição começa em pontos diferentes.
Para homens – brancos, cisgênero, heterossexual, classe média-alta – a perfeição é uma linha de chegada. Alguns deles inclusive acreditam que já passaram dela há muito tempo. Agora é só colocar o pé na mesa e chill on – ficar de boas.
Já mulheres se deparam com outro ponto de vista. Ou melhor, o ponto de partida. Não. Não. Mulheres não são perfeitas e vão continuar não sendo. Lembra do clichê? Ninguém é perfeitblá blá blá blá. O problema é que neste caso, a corrida começa muito antes do ponto de partida. O saldo é negativo.
Mulheres só podem ousar falar, pensar, reivindicar direitos e SER o que quiserem quando forem perfeitas. O feminismo só será “aceito” quando não tiver falhas, quando um único discurso contemplar todas as mulheres. Nenhuma falha é aceita.
A atriz que falou uma bobagem uma vez nunca mais foi ouvida. A marxista “não pode” usar maquiagem. Se estudar demais e for bonita de menos também não pode. Mães perdem o direito de debater maternidade por deixarem seus filhos usarem esmaltes ou comer fast food no fim de semana. Todas as escolhas, as falhas e preferências privadas são motivos para alguém tentar silenciar e deslegitimar as lutas e discursos das mulheres.
Assim a sociedade segue estipulando e cobrando um padrão de comportamento, que se diz perfeito, como pré-requisito para existir. O mesmo acontece com as pautas coletivas. Quando uma falha é revelada, aquilo não serve mais. E tudo isso é mais uma estratégia para que as coisas continuem como estão. Para que mulheres continuem competindo. Para que homens silenciem mulheres. Para que não se enfraqueça um sistema que tenta enfraquecer mulheres.
Exigir algo inalcançável é só mais uma forma de dizer que nunca falaremos sobre isso. É uma versão mais mascarada do “na volta a gente compra”.
Mudanças necessitam de processos e no processo mora o erro. Não importa ser perfeita. Importa falar. E mudar.
Arcéli Ramos é jornalista egressa da UFN. Repórter da Agência Central Sul em 2015. Com pesquisas na área jornalismo literário e linguagem, hoje também estuda “Pesquisa de tendências”. É colaboradora na New Order, revista digital na plataforma Medium, e produz uma newsletter mensal
Primeiros dias pós-Carnaval, dias em que volta aquela sensação de recomeço. “Agora vai!” E hoje também inicia minha colaboração mensal aqui na Agência Central Sul. É no embalo dos (re)começos que proponho resgatar algumas reflexões sobre “autocuidado”, termo que será recorrente durante o ano.
O autocuidado está em pauta desde os últimos meses de 2018, aproximadamente quando a situação política no Brasil deu os primeiros indícios de qual caminho iria tomar. Foram inúmeros textos e vídeos produzidos sobre o assunto durante o período. Porém, com a chegada de 2019 parece que algo se perdeu. Logo nos primeiros dias, 2019 trouxe notícias que ninguém estava pronto para receber. As perspectivas e rotinas de autocuidado que estavam em pauta extraviaram-se em meio a tanto lixo tóxico, lama, racismo, mortes e tantos outros crimes. Mas se com o fim do carnaval o ano começa de novo, e dessa vez para valer, talvez seja uma nova chance para resgatar o processo de autopreservação.
Autocuidado não é sobre só usar máscara hidratante e colocar pepinos nos olhos, mas pode ser também. O processo pode ser muito mais simples e barato do que isso. É importante estar atento também para que tipo de cuidados estamos sendo conduzidos para não cairmos na lógica do consumo. Autocuidado é um ato político. É sobre encontrar meios de permanecer inteiro e não permitir ser engolido pelas crises que vão surgir nos próximos anos. Cuidar de si é estar preparado e forte para quando chegar a hora de agir.
“Em caso de despressurização, máscaras cairão automaticamente. Puxe uma delas, coloque-a sobre o nariz e a boca ajustando o elástico em volta da cabeça e, depois,auxilie os outros, caso necessário”. Quem já viajou de avião certamente ouviu essas instruções ou, talvez, as tenha visto em alguma série ou filme. Mas a questão que eu trago aqui é: você precisa estar saudável para poder cuidar dos outros, caso necessário. E quais práticas podem ser incluídas no seu dia a dia?
Beber mais água. Água pura, por favor.
Comer mais comida de verdade e menos industrializados.
Ter contato com a terra. Cuidar das plantas, plantar uma árvore ou cultivar uma horta em casa. É possível mesmo para quem mora em apartamento.
Ver os amigos. Não espere o próximo aniversário para estar perto de pessoas importantes.
Sair sem rumo. Você não precisa esperar ter algo para resolver fora de casa.
Consumir mais literatura e todos os tipo de arte. Elas elevam nossa sensibilidade e empatia.
Ocupar as ruas. Passamos muito tempo em frente as telas absorvendo acontecimentos ruins de todas as partes do mundo. Várias vezes sai e pensei “ué, mas não está tudo um caos!”. Em algum lugar ainda há paz.
Fazer terapia. Ainda é um privilégio, mas existem diversos lugares, como universidades, que oferecem atendimento gratuito. Não espere uma crise para buscar ajuda profissional.
Em uma sociedade que nos cobra constante produção, os momentos dedicados ao cuidado de si soam como privilégio. Para uma parte das pessoas é sim um privilégio, pois elas
não precisaram reivindicar o direito de cuidarem de si. Se você já pratica esses cuidados, pode ser uma boa hora para ajudar quem ainda não conseguiu.
Arcéli Ramos é jornalista egressa da UFN. Repórter da Agência Central Sul em 2015. Com pesquisas na área jornalismo literário e linguagem, hoje também estuda “Pesquisa de tendências”. É colaboradora na New Order, revista digital na plataforma Medium, e produz uma newsletter mensal.